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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2021; 23(2):19-26



Relato de Caso

A implementação de psicoterapia on-line em um programa de residência médica em psiquiatria durante a pandemia de COVID-19

The implementation of online psychotherapy in a medical residency program in psychiatry during the COVID-19 pandemic

La implementación de la psicoterapia en línea en un programa de residencia médica en psiquiatría durante la pandemia de COVID-19

Igor Londeroa,b; Ives Cavalcante Passosa,c; Stefania Pigatto Techea,c; Neusa Sica Da Rochaa,b,cs

Resumo

O impacto da pandemia de SARS-CoV2 e as recomendações de reduzir a circulação de pessoas produziu uma série de mudanças no nosso cotidiano. Tratamentos tradicionalmente realizados face-a-face de forma presencial as psicoterapias sofreram forte impacto com riscos de abandono e interrupção. O objetivo deste artigo é apresentar um relato de experiência sobre o processo de implementação de psicoterapia on-line no ambulatório de psicoterapias do Serviço de Psiquiatria de um hospital escola durante a pandemia de SARS-CoV2, exibindo as principais adaptações realizadas nos procedimentos de comunicação, protocolos de atendimento e registros das sessões de psicoterapia. Tendo como foco a garantia da manutenção dos atendimentos durante períodos de distanciamento social foram criadas diretrizes para a realização de psicoterapia on-line com a elaboração de um manual norteador (Material suplementar) de procedimentos para continuidade dos atendimentos dentro dos parâmetros éticos e técnicos estabelecidos pelo serviço. O manual foi elaborado a partir da discussão entre supervisores e residentes, de forma que refletisse a realidade e as demandas comumente atendidas. As adaptações realizadas no ambulatório foram norteadas por quatro grandes objetivos: 1) manutenção e continuidade dos atendimentos; 2) diminuição de barreiras de comunicação entre psicoterapeuta-paciente; 3) manutenção de reuniões on-line e web conferência entre todos os membros da equipe e manutenção dos estudos e; 4) normatização de procedimentos durante as sessões de psicoterapia.

Descritores: Psicoterapia; Telemedicina; Infecções por Coronavirus

Abstract

The impact of the SARS-CoV2 pandemic and the recommendations to reduce the movement of people and agglomerations produced a series of changes in our daily lives, changing the way various health services were provided. Treatments traditionally performed face-to-face such as psychotherapies suffered a strong impact with risks of abandonment and interruption. This paper is an experience report about the process online psychotherapy implementation in a Psychiatry School Hospital Service during the SARS-CoV2 pandemic, showing the adaptations in communication procedures, care protocols and records of psychotherapy sessions. With a focus on ensuring the maintenance of care during periods of social distancing, guidelines were created for online psychotherapy based on the preparation of a guiding manual (Supplementary material) of procedures so that care was performed within the parameters ethical and technical established by the service. The manual was created from the discussion between supervisors and residents, so that it reflected the reality and demands commonly met. The adaptations were guided by four major objectives: 1) maintenance and continuity of care, 2) reduction of communication barriers between psychotherapist-patient, 3) maintenance of online meetings and web conferences between all team members and maintenance of studies and 4) standardization of procedures during psychotherapy sessions.

Keywords: Psychotherapy; Telemedicine; Coronavirus Infections

Resumen

El impacto de la pandemia de SARS-CoV2 y las recomendaciones para reducir el movimiento de personas ha producido una serie de cambios en nuestra vida cotidiana. Los tratamientos tradicionalmente realizados en psicoterapias presenciales sufrieron un fuerte impacto con riesgos de abandono e interrupción. El propósito de este artículo es presentar un informe de experiencia sobre el proceso de implementación de la psicoterapia online en el ambulatorio de psicoterapia del Servicio de Psiquiatría de un hospital escuela durante la pandemia de SARSCoV2, mostrando las principales adaptaciones realizadas en los procedimientos de comunicación, protocolos asistenciales y registros de sesiones de psicoterapia. Con el foco en asegurar el mantenimiento de la atención durante los períodos de distanciamiento social, se crearon pautas para la realización de la psicoterapia en línea a partir de la elaboración de un manual guía (Material Complementario) de procedimientos para que las exploraciones asistenciales se realizaran dentro de los parámetros éticos y técnicos establecidos por el servicio. Las adaptaciones realizadas en el ambulatorio se basaron en cuatro objetivos principales: 1) mantenimiento y continuidad de la atención; 2) reducción de las barreras de comunicación entre psicoterapeuta-paciente; 3) mantenimiento de reuniones en línea y conferencias web entre todos los miembros del equipo y mantenimiento de estudios y; 4) estandarización de los procedimientos durante las sesiones de psicoterapia.

Descriptores: Psicoterapia; Telemedicina; Infecciones por Coronavirus

 

 

INTRODUÇÃO

Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) ao declarar a pandemia de SARS-CoV2 recomendou uma série de medidas para a contenção e estratégias de enfrentamento à doença. Dentre estas medidas, a recomendação de reduzir a circulação de pessoas e de aglomerações causou mudanças sem precedentes nas atividades pessoais e profissionais1,2.

Tratamentos tradicionalmente realizados face-a-face de forma presencial como são as psicoterapias sofreram forte impacto com riscos de abandono e interrupção. Países como a Itália, uma das mais atingidas no início da pandemia em fevereiro de 2020, psicoterapeutas relataram que 42% de seus tratamentos foram interrompidos durante as medidas de restrição de circulação, mesmo que estes serviços não tenham sido proibidos pelos órgãos governamentais3. Em um outro estudo realizado na Índia que buscou verificar o impacto das medidas de restrição de circulação (lockdown) nos serviços de saúde mental privados, foi verificado que o número de atendimentos em psicoterapia reduziu em torno de 73% na comparação entre antes e durante lockdown4.

Diante de um cenário com alto potencial de risco para saúde mental5 e na iminência de prováveis interrupções de tratamentos psicoterápicos, o atendimento on-line ou teleatendimento foi visto como alternativa de minimizar os impactos e manter a assistência3,6. Antes da pandemia de SARS-CoV2 a psicoterapia on-line era percebida com muitas desvantagens que por vezes superavam suas vantagens, tais como risco de impessoalidade, dificuldade de manejo das tecnologias, controle de privacidade e fatores de distração durante as consultas7.

A necessidade de manutenção dos tratamentos já em andamento e a demanda por cuidados acelerou a inclusão desta modalidade no dia a dia dos terapeutas, e independente dos problemas e riscos na implantação da psicoterapia on-line, sabe-se que as vantagens relativas podem superar suas desvantagens7. No entanto, mesmo que psicoterapia on-line seja a melhor opção durante o cenário de pandemia, para que haja de fato sua implantação na rotina do profissional é necessário que este esteja disposto a realizar as devidas adaptações8,9.

Assim, o presente artigo tem como objetivo apresentar o processo de implementação de psicoterapia on-line num ambulatório de psicoterapias de um serviço de Psiquiatria de um o Hospital escola durante a pandemia de SARS-CoV2, exibindo as principais adaptações realizadas nos procedimentos de comunicação, protocolos de atendimento e registros das sessões de psicoterapia.

caracterização do ambulatório de psicoterapias

O ambulatório de psicoterapias do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) é um serviço prestado dentro das atividades do programa de residência médica em psiquiatria. Oferece atendimento psicoterápico via sistema público de saúde há mais de 40 anos em diversas abordagens: psicoterapia de orientação analítica, psicoterapia interpessoal, psicoterapia cognitivo-comportamental e psicoterapia de família e casal10.

Tradicionalmente os atendimentos são realizados de forma presencial e os pacientes são oriundos dos diferentes serviços públicos como rede de atenção básica, internação psiquiátrica, serviços de emergência e através da regulação de vagas para hospital de nível terciário. O ambulatório de psicoterapias além de ser um importante meio de assistência para a população é fortemente identificado com a pesquisa clínica11,12.

Em março de 2020, quando a pandemia de SARS-CoV2 foi formalmente declarada, o ambulatório de psicoterapias contava com 20 residentes de psiquiatria (10 residentes de segundo ano e 10 residentes de terceiro ano), 21 supervisores e realizava uma média de 260 atendimentos/mês.

Implementação das psicoterapias on-line no programa de psicoterapias do serviço de psiquiatria do Hospital de clínicas de Porto alegre

O processo de implementação das psicoterapias on-line no serviço de psiquiatria do HCPA seguiu algumas etapas. Logo após a instalação da epidemia com infecção comunitária, houve redução da circulação de pessoas no ambiente hospitalar, as visitas foram reduzidas, as aulas e reuniões presenciais foram suspensas. Em seguida, os atendimentos psicoterápicos presenciais foram suspensos, pois ocorriam em ambiente fechado, em geral sem ventilação e com duração de 40 minutos, aumentando a exposição de pacientes e terapeutas.

A decisão pela suspensão dos atendimentos presenciais foi tomada em conjunto com a Comissão de contingência da Psiquiatria composta pelas chefias dos serviços da Psiquiatria, bem como o assessor da chefia médica do HCPA, do supervisor da residência médica em Psiquiatria, da coordenadora do programa de psicoterapia, da regente do internato em Psiquiatria da Faculdade de Medicina da UFRGS, do chefe do departamento de psiquiatria da UFRGS, do representante dos médicos contratados e dos médicos residentes. Uma vez que os atendimentos estavam suspensos, começou-se a planejar como retomá-los.

Até aquele momento não havia intenção ou projeto de implantação de psicoterapia on-line no ambulatório e não existiam protocolos ou procedimentos pré-definidos para que os atendimentos fossem realizados dentro dos parâmetros éticos e técnicos estabelecidos pelo serviço nesta modalidade. Assim, de forma a normatizar todo processo de transição da psicoterapia presencial para a psicoterapia on-line, foi elaborado o Manual de orientações para realização de psicoterapia on-line frente a epidemia de COVID-1913 (Material suplementar) contendo orientações gerais com instruções sobre como os atendimentos deveriam ser conduzidos pelos residentes. O Manual foi elaborado a partir de encontros realizados on-line com residentes e supervisores do ambulatório.

Durante o período de transição inicial para a psicoterapia on-line as reuniões clínicas do ambulatório passaram a priorizar os relatos das experiências e das dificuldades na implementação desta modalidade de atendimento. As supervisões e seminários teóricos também foram realizados na modalidade on-line.

Procedimentos adotados durante a implantação da psicoterapia on-line

Durante a implementação da psicoterapia on-line no ambulatório de psicoterapia do Serviço de Psiquiatria do HCPA foram encontrados diversos desafios. As principais dificuldades encontradas foram no campo operacional, tendo em vista que a mudança afetou desde o fluxo de informações entre as equipes envolvidas na assistência até problemas relacionados aos meios de comunicação necessários (Quadro 1).




Uma das maiores preocupações da equipe do ambulatório de psicoterapias era a manutenção da adesão ao tratamento dos pacientes que estavam em acompanhamento. Por se tratar de um hospital escola que atende demandas da rede pública com perfil de pacientes predominantemente de alta gravidade10, a garantia da manutenção do tratamento era imperativo. De forma a enfrentar este problema, as equipes realizaram busca ativa dos pacientes e ajuda direta para que conseguissem implementar um espaço adequado para receber o atendimento on-line ou por telefone. A comunicação com os pacientes foi realizada de forma proativa por cada médico residente responsável pelo seu paciente.

A mudança de rotina afetou não somente o serviço em si, mas também a comunicação entre equipe envolvida na residência médica e na supervisão de casos. No dia a dia do serviço há intensa troca de informações justamente pela presencialidade e proximidade em que todos envolvidos atuam. Tais trocas proporcionam muitas vivências de aprendizagem no serviço, servindo ao fundamento primordial da residência médica que é o aprender com a experiência. De forma a minimizar os impactos do distanciamento da equipe, foram organizados encontros on-line entre toda a equipe para promover combinações e ajustes administrativos, como a adaptação dos registros das sessões no sistema de prontuários eletrônicos a distância (podendo ser acessados de casa e mantidos o sigilo necessário).

Os residentes realizaram seus atendimentos psicoterápicos em suas casas ou no mesmo ambiente onde aconteciam as consultas presenciais, levando em consideração a disponibilidade de conexão de internet, controle de privacidade e possibilidade de realizar os atendimentos com áudio e vídeo no formato web conferência.


CONCLUSÃO

As adaptações realizadas no ambulatório de psicoterapias do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) durante a pandemia de SARS-CoV2 foram norteadas por quatro grandes objetivos: 1) manutenção e continuidade dos atendimentos; 2) diminuição de barreiras de comunicação entre psicoterapeuta-paciente; 3) manutenção de reuniões on-line e web conferência entre todos da equipe para adequações e manutenção dos estudos e; 4) normatização de procedimentos durante as sessões de psicoterapia.

Para o processo de normatização de procedimentos durante as sessões de psicoterapia, durante os encontros semanais de equipe e supervisões, foram trabalhados os seguintes elementos que os terapeutas viam como desvantagens e possíveis barreiras à implantação da psicoterapia on-line: o risco de impessoalidade, dificuldade de manejo das tecnologias, controle de privacidade e fatores de distração durante as consultas. Tais elementos condizem com outros relatos verificados em pesquisas recentes que tinham como objetivo investigar as experiências de terapeutas durante o processo de implantação da psicoterapia on-line no cenário pandêmico6,14,15,16.

Com o estabelecimento da modalidade de atendimento on-line para os pacientes que aceitaram a proposta e tinham os equipamentos necessário para esta finalidade, foi possível manter os atendimentos. Supervisões, reuniões clínicas e seminários foram mantidos na sua totalidade de forma on-line. Assim, o uso da atividade remota tanto para atendimento quanto para atividades de ensino proporcionou a ampliação do escopo de atuação do ensino e prática da psicoterapia, e de alguma forma, ampliou o acesso ao atendimento - mesmo que saibamos da dificuldade de acesso equânime às tecnologias.

O presente trabalho apresentou algumas limitações. A primeira diz respeito a não existir registros do momento da implantação da psicoterapia on-line em relação ao quantitativo de abandonos ou desistências de tratamento entre o período da suspensão das atividades presenciais e a implantação da modalidade on-line. Uma segunda limitação diz respeito a compreensão mais aprofundada sobre a adaptação em si na transição do presencial para on-line e implicações no processo psicoterápico, como por exemplo, quais pacientes e terapeutas se adaptaram mais facilmente e quais as vantagens e desvantagens da terapia on-line.

Algumas das questões acima poderão ser investigadas em um projeto de pesquisa já aprovado e em andamento que iniciou durante a pandemia com auxílio da CAPES através do edital emergencial Edital de Seleção Emergencial III CAPES (12/2020) Telemedicina e Análise de Dados Médicos e que logo nos trará os resultados a partir de duas teses de doutorado e uma de mestrado com a participação de diversos centros de formação em psicoterapia que tiveram também de se adequar a esta nova realidade.


AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem os residentes, supervisores, equipe administrativa e especialmente aos pacientes, que juntos demonstraram espírito de equipe e colaboração mútua diante de tantos desafios impostos pela pandemia de COVID-19 durante 2020.


REFERÊNCIAS

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aUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina - Porto Alegre/RS - Brasil
bUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Grupo de pesquisa I-QOL: Inovações e Intervenções para Qualidade de Vida. - Porto Alegre/RS - Brasil
cHospital de Clínicas de Porto Alegre - HCPA, Serviço de Psiquiatria - Porto Alegre/RS - Brasil

Correspondência

Igor Londero
londero.igor@gmail.com

Submetido em: 10/02/2021
Aceito em: 13/09/2021

Contribuições: Igor Londero - Conceitualização, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição; Ives Cavalcante Passos - Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição; Stefania Pigatto Teche - Coleta de Dados, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição; Neusa Sica Da Rocha - Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição.

 

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