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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2021; 23(1):59-72



Relato de Caso

Psicoterapia online para idosos com sintomas depressivos em distanciamento físico: relato de uma experiência

Online psychotherapy for elderly people with depressive symptoms in physical distancing: report of an experience

Psicoterapia en línea para personas mayores con síntomas depresivos a distancia física: relato de una experiencia

Gabriela Carneiro Martinsa,b; Vera Lucia Duarte Vieirab; Flavia Miluzzi Pinettic; Ana Maria Leme de Arrudac; Koki Fernando Oikawac; Claudia Berlim de Mellod

 

 

INTRODUÇÃO

Segundo a Organização Mundial da Saúde¹, a depressão é um distúrbio mental caracterizado pela presença de tristeza persistente e falta de interesse ou prazer em atividades que eram consideradas pelo indivíduo como gratificantes anteriormente. Trata-se de uma das principais causas de incapacidade e vem se tornando cada vez mais frequente, chegando a afetar mais de 264 milhões de pessoas no mundo. As causas da depressão estão associadas à interação de fatores psicológicos, biológicos e sociais. A abordagem clínica dos pacientes inclui tratamento farmacológico e psicológico; sabe-se, entretanto, que grande parte da população acometida não tem acesso aos tratamentos necessários.

Além das alterações de humor, indivíduos com depressão geralmente apresentam alterações nas funções cognitivas. Os principais prejuízos relatados pelos pacientes e familiares estão relacionados a déficits de atenção, funções executivas, memória e velocidade de processamento². Há ainda evidências de associações entre sintomas depressivos e alterações de cognição social. Revisão sistemática desenvolvida por Weightman, Knight e Baune³ indica que pacientes com transtorno depressivo tendem a interpretar emoções de acordo com o estado de humor atual e apresentam baixo desempenho em testes que exigem interpretações de estados mentais mais complexos. Dificuldades para interpretar emoções e estados mentais podem influenciar a capacidade de manter relações sociais, o que pode aumentar ainda mais os sintomas depressivos.

A depressão é a doença psiquiátrica mais comum entre os idosos4. Trata-se de importante problema de saúde pública, já que está relacionado a risco aumentado de mortalidade e suicídio, diminuição nas habilidades cognitivas, físicas, sociais e funcionais e maior autonegligência5. Fatores de risco associados a problemas de saúde mental em idosos incluem as perdas cognitivas e funcionais, vivências de luto e queda no nível socioeconômico como a aposentadoria 6.

Na atual realidade mundial decorrente da pandemia do vírus SARS-CoV-2, a população idosa é bastante afetada pelas recomendações sanitárias preventivas, incluindo distanciamento físico, o que vem se estendendo a um período indeterminado de tempo. Isolamento físico e social nesta fase da vida, assim como a solidão, podem ter diversas consequências negativas sobre o humor e a qualidade de vida dos indivíduos7. Entende-se por isolamento social a redução das redes e dos contatos sociais. Já a solidão diz respeito à "personificação psicológica do isolamento social"8, envolvendo uma percepção negativa dos contatos sociais. Estudos revelam que a solidão entre idosos está significativamente relacionada a sintomas de depressão e a maior incidência de suicídio7. Também pode levar a risco aumentado de desnutrição, baixa autoestima e problemas de sono9. Portanto, no cenário atual de recomendações de isolamento físico e potencial aumento de sintomas de depressão, mostram-se relevantes estratégias de intervenção em saúde mental para a população idosa.

Nesta perspectiva destacam-se psicoterapias realizadas por meio de plataformas de comunicação via internet, implementadas para ampliar o alcance dos atendimentos por via não presencial. Têm sido encontradas evidências de eficácia desta modalidade de terapia com população idosa, em termos da redução dos sintomas depressivos e da gravidade do quadro 10. Em um ensaio clínico randomizado, Choi e colaboradores11 desenvolveram um protocolo de seis sessões com base na Terapia de Resolução de Problemas (TRP)11 para adultos com mais de 50 anos e com traços de depressão. A amostra total de participantes foi distribuída em três grupos: intervenção presencial (n=54), intervenção online (n=49) e um grupo que recebeu ligações telefônicas de assistência à saúde (n=36). A TRP visa ajudar os indivíduos na identificação de problemas pessoais e de possibilidades de resolução, bem como na implementação prática dessas soluções. As estratégias visam ainda ativação comportamental, ou seja, estimular uma maior exposição a eventos agradáveis. Os autores encontraram redução significativa nos índices de gravidade e de incapacidade funcional associados à depressão em curto e longo prazo tanto no grupo que recebeu atendimento presencial como no que recebeu atendimento online. Ou seja, não houve diferença significativa conforme a modalidade de intervenção, porém a resposta dos dois grupos diferiu de forma significativa em relação à do grupo controle. Em outro ensaio clínico, Titov e colaboradores12 desenvolveram uma modalidade de intervenção em formato de curso online com cinco atividades semanais de Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) para idosos deprimidos. Foi observado que 70% dos pacientes concluíram o tratamento e apresentaram escores de gravidade da depressão significativamente mais baixos do que os pacientes da lista de espera, indicando boa eficácia da intervenção online12. Outros estudos vêm confirmando as potencialidades da intervenção psicoterápica por via remota na redução de sintomas de depressão e ansiedade13. Trata-se de resultados promissores especialmente quando se considera o aumento expressivo da demanda por intervenções desta natureza, observada desde as primeiras semanas da pandemia pelo COVID-1914. Tem sido enfatizada, entretanto, a importância de que, nos ensaios clínicos, medidas de eficácia sejam acompanhadas por análises de aderência e aceitabilidade por parte dos participantes.15

Tendo em vista o potencial aumento na incidência de depressão em idosos em tempos de isolamento físico e social e evidências de eficácia da abordagem psicoterapêutica nesta condição, o presente estudo teve como objetivo principal analisar e relatar uma experiência relativa a um programa da psicoterapia breve online com base em estratégias comportamentais, envolvendo uma amostra de indivíduos sintomáticos. Foram analisados aspectos da adequação em termos do engajamento dos participantes e suas percepções sobre o processo. Adicionalmente foram analisadas mudanças em indicadores de humor e de funcionamento cognitivo após a conclusão das atividades. Nossa hipótese é que a psicoterapia online tenha boa receptividade por parte dos participantes e que haja melhora nos indicadores neuropsicológicos e comportamentais.


MATERIAL E MÉTODO

Amostra


Participaram da pesquisa nove idosos, entre 63 e 72 anos de idade, sendo oito do sexo feminino. Os critérios de inclusão incluíram idade acima de 60 anos, presença de indicadores clínicos de traços de depressão (mais de 10 pontos, entre 30) conforme a escala de depressão geriátrica (GDS)16 e aderência ao distanciamento físico (por exemplo, estar saindo apenas para serviços essenciais). Como critérios de exclusão adotou-se condições neurológicas prévias associadas a doença de maior relevância (histórico de AVC, demência etc.) e doenças crônicas não controladas (Diabetes Mellitus, disfunção de tireoide etc.). Os participantes foram recrutados por meio de divulgação nas redes sociais, WhatsApp e Instagram por meio das contas pessoais dos pesquisadores e institucionais.

Delineamento e procedimentos éticos

A pesquisa teve um delineamento observacional, transversal, com análise quantitativa e qualitativa. Todo o processo seguiu critérios éticos de estudos em humanos; o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de São Paulo (parecer 4.182.937). Todos os participantes manifestaram concordância com a participação no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido apresentado no formulário online antes do início da coleta dos dados.

A coleta de dados envolveu entrevistas, sessões de avaliação neuropsicológica e de psicoterapia, todas realizadas através de vídeo chamadas pelo aplicativo Google Meet ou pelo WhatsApp. Todo o processo, abrangendo as atividades avaliativas e de intervenção, foi realizado entre os meses de agosto a dezembro de 2020. Os participantes passaram por uma avaliação inicial de cognição e humor com duração de dois encontros online de aproximadamente uma hora cada. Em média quinze dias depois, receberam oito sessões de psicoterapia online semanal e posteriormente foram reavaliados com um protocolo similar ao aplicado na avaliação inicial.

Instrumentos

A entrevista inicial teve como objetivo obter dados para caracterização sociodemográfica, do histórico clínico e de aderência ao distanciamento, a partir de um questionário desenvolvido pela equipe e anamnese reduzida. Os dados sociodemográficos incluíram idade, sexo e anos de escolaridade. Foram ainda investigados aspectos do histórico pessoal e profissional que poderiam ser relevantes na condução do processo psicoterapêutico. No histórico clínico priorizou-se informações quanto a diagnósticos e tratamentos prévios, medicamentos de uso controlado e uso de álcool ou tabaco, bem como a percepção geral sobre a qualidade de vida. A adesão ao distanciamento físico foi investigada por meio de um questionário com perguntas diretas sobre o tema, incluindo número de saídas na última semana, saídas apenas a serviços essenciais ou não, contatos pessoais com amigos ou parentes, alternativas utilizadas para comunicação à distância e autocuidado durante o isolamento físico.

A avaliação neuropsicológica incluiu testes tradicionalmente utilizados na prática clínica e questionários de ansiedade e depressão, aplicados no início (baseline) e ao final do processo psicoterapêutico. Todos os participantes foram submetidos a oito sessões individuais de psicoterapia online. A pesquisadora responsável pelas sessões de psicoterapia não realizou avaliações. A avaliação e reavaliação de cada participante foi realizada por uma mesma pesquisadora com experiência em avaliação neuropsicológica de idosos. Segue uma descrição mais detalhada dos instrumentos e procedimentos.

Avaliação de indicadores de depressão e ansiedade

A investigação de sintomas de ansiedade e depressão se baseou em escalas de auto relato validadas para a população brasileira. A Escala de Ansiedade Geriátrica (GAI)17 é composta por vinte questões e as respostas variam entre concordo e discordo. Pontuação acima de 10 pontos indica presença de traços de ansiedade em nível clínico. A Escada de Depressão Geriátrica (GDS)16 apresenta trinta perguntas relacionadas ao estado de humor e as respostas devem ser sim ou não. Os pontos referentes a respostas positivas são somados; uma pontuação entre 10 e 21 indica depressão leve/moderada e entre 22 e 30 depressão severa.

Avaliação neuropsicológica breve

A avaliação neuropsicológica iniciou com o uso do Mini Exame do Estado Mental (MEEM) 18. Trata-se de um instrumento de rastreamento diagnóstico que avalia diversas funções cognitivas como orientação espacial e temporal, memória imediata e de evocação, cálculo, linguagem oral (nomeação, repetição, compreensão) e escrita, e cópia de desenho. A pontuação máxima é trinta pontos e é avaliada de acordo com a idade e escolaridade de cada participante. O instrumento foi utilizado como procedimento diagnóstico.

Na sequência foram utilizados testes neuropsicológicos com ênfase em funções específicas. Habilidades de compreensão verbal foram avaliadas por meio do subteste Compreensão da escala Wechsler de Inteligência para adultos - WAIS III 19. Memória episódica recente e tardia foi avaliada por meio do subteste memória lógica da escala de memória de Wechsler20. O participante deve evocar uma história exposta oralmente pelo examinador imediatamente e novamente após 30 minutos. A pontuação de cada momento de evocação varia de 0 a 25 pontos. A memória operacional foi avaliada por meio das tarefas de repetição de dígitos em ordem direta e inversa, utilizando as sequências do subteste Dígitos da escala Wechsler20. A ordem direta tem pontuação máxima (extensão, ou span) sete e a ordem inversa seis. Foram ainda utilizados os testes de fluência verbal fonológica21 e fluência verbal semântica22. No primeiro, o participante é solicitado a gerar o maior número de palavras que conseguir iniciadas com cada uma das letras - "F", "A" e "S", em 60 segundos. Na fluência verbal semântica o participante é solicitado a gerar o maior número de exemplares de animais também em um minuto. O escore consiste no total de palavras geradas em cada modalidade.

Por fim, incluímos o Edinburgh Social Cognition Test (ESCoT)23, um teste que investiga quatro habilidades de Cognição Social: Teoria da Mente (cognitiva e afetiva), compreensão interpessoal de normas sociais e compreensão intrapessoal de normas sociais. O ESCoT23 consiste em animações curtas envolvendo desenhos estilo cartoon que expressam interações sociais dinâmicas, em um contexto diferente. O participante deve responder a questões que envolvem atribuição de estado mental (Teoria da Mente) e julgamento de normas sociais. A pontuação total varia de 0 a 120.

Intervenção psicoterápica breve

O programa de psicoterapia breve foi organizado de forma a estimular reflexões sobre qualidade de vida e saúde mental. O processo teve duração de dois meses, com uma sessão semanal de psicoterapia online, totalizando oito sessões. Duas etapas eram previstas para cada sessão. A primeira envolvia um acolhimento para que o participante pudesse apresentar questões individuais sobre eventos vividos na semana. Na segunda, era proposta uma temática focal, pré-estabelecida, de forma a estimular uma reflexão sobre pensamentos, emoções e motivações. Foram utilizados materiais específicos como textos, quadrinhos e músicas, para eliciar as reflexões e possibilitar maior interação.

A intervenção envolveu técnicas psicoterápicas inspiradas em modelos de Terapia CognitivoComportamental24-25. Um exemplo é a técnica de validação, na qual entende-se que todo comportamento tem significado e por isso é necessário primeiramente validar o sentimento do outro e em seguida trabalhar a autopercepção e a relação com os sentimentos, buscando também construir possibilidades de resolver o problema. Foram ainda propostas atividades físicas complementares como danças e exercícios localizados, bem como técnicas de respiração e relaxamento indicados por profissionais qualificados.

Por meio destas técnicas eram estimuladas reflexões, por exemplo, sobre possíveis pensamentos distorcidos e erros cognitivos. Entende-se por erros cognitivos as distorções disfuncionais observadas nos pensamentos automáticos sistemáticos que podem ser responsáveis por sofrimento pessoal24. Durante a sessão, os erros cognitivos eram discutidos e trabalhados. Além disso, o participante era solicitado a identificálos no decorrer da semana e anotar os pensamentos, sentimentos e comportamentos que acompanhavam a situação. Também foram trabalhadas estratégias de enfrentamento e resolução de problemas (TRP) para situações individuais na qual o terapeuta e participante refletiam possibilidades de estratégias mais adaptativas para solucionar problemas cotidianos. A TRP é uma técnica utilizada na terapia cognitivo comportamental que tem como principal objetivo auxiliar o indivíduo a especificar um problema, destacar soluções viáveis, escolher uma solução e avaliar sua efetividade25.

O programa foi estruturado a partir de atividades organizadas com foco em temas específicos. A seleção destes temas visou estimular reflexões a respeito de sentimentos, pensamentos ou atitudes frequentemente presentes em quadros depressivos, usando material de apoio como textos ou imagens. Nas cinco sessões iniciais os temas versaram sobre possíveis associações entre sintomas de depressão e comportamentos ou atitudes dos indivíduos. Por exemplo, a procrastinação pode constituir uma reação de esquiva diante de desafios e gerar sentimentos negativos sobre si mesmo. Este tema é abordado no trecho do livro de Fernando Sabino26. Nas sessões subsequentes ênfase foi dada à motivação e às estratégias de enfrentamento, como busca por diferentes fontes de prazer e a importância de se atentar ao momento presente. O tema da sessão final visou uma reflexão sobre o sentido da vida. Na ocasião, os participantes foram solicitados a comentar suas percepções sobre o programa. Segue-se uma descrição da estrutura geral das sessões.




Reavaliação

Após dois meses de intervenção psicoterápica, os participantes foram novamente submetidos às escalas de humor, ao Mini Exame do Estado Mental e aos testes neuropsicológicos. O desempenho em alguns subitens do MEEM18, como o de memória, pode sofrer efeito de aprendizagem. Para melhor controle deste efeito, na avaliação da memória episódica por meio do teste da bateria Wechsler20 foi empregada uma história alternativa. Os testes de fluência verbal e span de dígitos são menos influenciados por aprendizagem prévia. Quanto ao ESCOT23, o interesse foi dado em verificar mudanças no julgamento das situações sociais.

Análises estatísticas

Foram utilizadas análises quantitativas e qualitativas no tratamento dos dados. As análises quantitativas se basearam na comparação entre as medidas das escalas de ansiedade e depressão bem como dos testes neuropsicológicos obtidas nos períodos pré e pós intervenção. Para tanto foi utilizado o programa JAMOVI. Foram realizados testes T pareados para comparar diferenças entre as médias pré e pós intervenção, bem como testes de Wilcoxon (não paramétrico), uma vez que houve rejeição da hipótese de normalidade em uma medida: MemSentard (p-valor = 0,033). Além disso, foi feito uma ANOVA de medidas repetidas para avaliar o efeito do tempo sobre as medidas. Já o pré-requisito de homogeneidade das variâncias está satisfeito, uma vez que o teste de Mauchly forneceu p-valor igual a 1.

As análises qualitativas tiveram por objetivo verificar, a partir de relatos verbais dos participantes, aspectos da aderência ao programa e a percepção de cada um sobre possíveis benefícios da intervenção. Também se procurou analisar aspectos da viabilidade do programa considerando observações sobre a receptividade e engajamento dos pacientes às atividades, além da ocorrência de problemas de conexão.


RESULTADOS

Um total de quinze pessoas responderam à divulgação da pesquisa. Destas, não foram identificados traços de depressão na escala GDS em níveis clínicos em duas, uma não atendeu aos critérios de distanciamento físico e a outra relatou não fazer uso adequado de medicamentos controlados.

Portanto, a amostra final foi constituída por 9 idosos, com idades variando entre 63 a 72 anos (média 66,4 anos; desvio-padrão 3,12) e a escolaridade entre 4 e 16 anos (média 10,6 anos; desvio padrão 4). Houve predominância do sexo feminino, uma vez que apenas um homem participou do processo. Todos atenderam aos critérios estipulados para definição de adesão ao afastamento social, uma vez que afirmaram sair apenas para ir a mercados ou farmácias, no máximo uma vez por semana, manter contatos presenciais com familiares ou amigos principalmente por celular ou computador.

Resultados qualitativos: avaliação da adequação do programa em termos do engajamento do participante

Para a discussão dos dados, os participantes foram codificados de ID1 a ID9. O programa de psicoterapia breve online oferecido nesta pesquisa mostrou ter uma boa aderência por parte dos participantes. Todos compareceram às sessões nos horários agendados semanalmente, havendo apenas três episódios de remarcação devido a questões pessoais previamente justificadas. Apenas uma senhora, de 71 anos, teve a ajuda do filho para ligar o computador. Todos conseguiram acessar as plataformas sem dificuldades e permaneceram atentos e participativos durante as sessões. Não houve problemas de conexão durante as sessões e os participantes conseguiram realizar os atendimentos em ambientes calmos e isolados. As leituras e atividades propostas para serem realizadas durante a semana também foram cumpridas, mostrando um bom engajamento.

No que diz respeito à percepção dos participantes sobre a intervenção, foram feitos relatos como "ajudou a me conhecer" (ID7), "vou levar essas lições para meu dia a dia. Estou com mais vontade de sair e fazer, resolver" (ID2), "foi bom ter alguém para conversar" (DI4). Uma participante mencionou que estava inicialmente resistente em falar, mas "depois que consegui me permitir, foi muito bom, me senti aliviada, mais solta" (ID1). Tais relatos sugerem assim que identificaram benefícios quanto à intervenção recebida. O relato de ID7 indica a percepção de contribuições para seu autoconhecimento. O participante ID2 referiu sentir-se mais motivado para procurar soluções para os problemas que lhe afligiam. Três participantes (ID3, ID6 e ID9) relataram descontentamento com o fim da intervenção.

Resultados quantitativos

A tabela 1 mostra a comparação das medidas das escalas de ansiedade e depressão e dos testes neuropsicológicos obtidas no tempo pré e pós intervenção. Também apresenta os resultados do teste T pareado com as comparações entre as medidas das escalas de depressão e ansiedade e dos testes neuropsicológicos nos diferentes períodos.




O teste T pareado mostrou que a pontuação média da escala GDS no período pós intervenção (M=12) foi significativamente mais baixa que a do período pré (M=16,56). (T(8)= 2.484, p=0,003), indicando que houve uma diminuição dos traços de depressão dos participantes após a intervenção. Também foi observado que a média do Mini Exame de Estado Mental no período pós (M= 29) foi significativamente maior que a média no período pré (M=27,89) (t(8)=-2.626, p= 0,003) e o mesmo ocorreu com as medidas do teste de fluência verbal fonológica, com a média do período pós (M=34,89) significativamente maior que no período pré intervenção (M=28,78) (T(8)=2.431, p=0,004). Esses resultados sugerem respectivamente uma melhora na cognição geral e fluência verbal fonológica, após a intervenção psicoterápica. Não houve diferença estatisticamente significante entre as pontuações referentes aos testes cognição social e de memória lógica da escala Wechsler.

A tabela 2 apresenta os resultados da ANOVA de medidas repetidas para avaliar o efeito do tempo sobre as medidas. Em relação à ANOVA, de um modo geral o efeito de tempo se mostrou estatisticamente significante (F(31,248) = 1,49, p-valor < 2,2e-16). Isso indica que houve uma mudança significativa nas médias das medidas após a intervenção.




DISCUSSÃO

Modelos de intervenção online têm sido desenvolvidos com o objetivo de possibilitar um maior alcance da psicoterapia, tendo em vista que muitos indivíduos não têm acesso aos serviços tanto por questões físicas e clínicas, como devido à distância.10 Em tempos de pandemia, o atendimento remoto nas áreas da saúde vem se tornando uma alternativa relevante para a abordagem clínica. Os avanços tecnológicos atuais favorecem essa modalidade tendo em vista a facilidade e variedade de recursos de comunicação virtual. Plataformas de videoconferência permitem a interação entre as pessoas com qualidade de imagem e som, bem como a exposição de vídeos ou tutoriais sobre atividades físicas ou de lazer, como filmes, músicas e jogos, que podem ser introduzidas na rotina diária e contribuir para a qualidade de vida, apesar da demanda de distanciamento físico.

O presente relato de experiência apresenta resultados preliminares de viabilidade e potencial de eficácia de um programa de psicoterapia breve online baseado em estratégias cognitivo-comportamentais para idosos com sintomas depressivos. Foram obtidos indicadores de boa adesão e observadas mudanças positivas em medidas de funcionamento cognitivo e de humor ao final das atividades, como hipotetizado. Nossos resultados se somam assim a evidências prévias de que intervenções psicoterapêuticas baseadas em Terapia Cognitivo Comportamental e realizadas por via remota são adequadas na abordagem clínica de indivíduos com sintomas de depressão. A população idosa pode ser especialmente beneficiada, uma vez que uma parcela significativa pode apresentar dificuldades para acessar serviços de saúde, em função de restrições físicas ou médicas, ou distância geográfica.

Há uma grande variabilidade dos programas em relação a aspectos como número de sessões e estratégias terapêuticas adotadas10. Indicadores de eficácia têm sido obtidos mesmo em protocolos mais curtos, entre cinco e oito sessões, como no presente estudo. Trata-se, por exemplo, do estudo de Titov e colaboradores12, que envolveu cinco atividades desenvolvidas ao longo de oito semanas. Ao contrário do nosso programa, entretanto, a estratégia dos autores foi baseada em atividades dirigidas enviadas previamente por email e acompanhamento por meio de contatos telefônicos breves. No estudo de Choi et al11 , os participantes foram atendidos em sessões semanais online, com o objetivo de selecionar problemas específicos vivenciados no dia a dia e identificar soluções possíveis.

Portanto, diferentemente de outros estudos que não realizaram sessões por via retoma 12 ou que adotaram atendimento clínico focado na resolução de problemas11, nosso programa buscou estimular nos participantes reflexões sobre a depressão visando a estimulação de estratégias de enfrentamento. A utilização de materiais de apoio, como textos e imagens, durante as sessões ajudou a eliciar discussões sobre diferentes temáticas. Mostrou-se assim essencial no programa, uma vez que possibilitou a emergência de conteúdos que poderiam não surgir de forma espontânea em uma intervenção breve. Destaque deve ainda ser dado à observação de mudanças no funcionamento cognitivo global, tal como investigadas no MEEM. Sabe-se que um rebaixamento em medidas de atenção, de funções executivas, de memória e velocidade de processamento são frequentes nos quadros depressivos². Dessa forma, é esperado que com a melhora dos sintomas depressivos, a cognição seja afetada positivamente.

Em suma, nosso estudo inova ao propor uma intervenção psicoterapêutica online baseada em atividades estruturadas com foco em temas pré-definidos e envolvendo materiais distintos, como textos a serem lidos, o que favorece sua replicabilidade. Por outro lado, tem limitações no que concerne possíveis conclusões sobre a eficácia do programa, dado o pequeno número de participantes e o fato de não ter incorporado medidas de efeitos em longo prazo (follow-up). Entendemos que uma continuidade do estudo com um maior número de participantes e seguindo metodologia de ensaio clínico poderá contribuir para uma melhor determinação de efeitos potenciais sobre o humor e o funcionamento cognitivo.

Apesar dos resultados promissores, é importante ressaltar que alguns idosos podem não se beneficiar da intervenção breve online, especialmente nos que apresentam quadros graves de depressão pré-existentes. Para estes, a intervenção presencial e prolongada pode trazer melhores resultados.


CONCLUSÃO

Este relato de experiência fortalece achados prévios de que modalidades de psicoterapia breve online constituem uma estratégia adequada para a abordagem de idosos em distanciamento físico com sintomas leves de depressão. Observamos bom engajamento dos participantes, uma vez que se notou boa adesão às atividades propostas e não houve dropout. Não houve problemas no acesso à plataforma ou dificuldades na comunicação por via remota. Os resultados apontaram para uma diminuição significativa na pontuação da escala de depressão indicando melhora nos sintomas depressivos. Também foi observado mudanças positivas na cognição geral através do Mini Exame do Estado Mental e no teste de fluência verbal fonológica. Os achados corroboram com nossa hipótese de que a psicoterapia breve online poderia melhorar o estado de humor de idosos com traços de depressão. Especialmente em tempos de pandemia, intervenções não medicamentosas com foco em saúde mental são particularmente relevantes para favorecer a qualidade de vida dessa população.

Novos estudos sobre o programa apresentado, como ensaios clínicos e com um número maior de participantes, poderão melhor estabelecer padrões de eficácia.


AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Também teve apoio de infraestrutura da Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa (AFIP), juntamente com o Centro Paulista de Neuropsicologia.


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aDepartamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo - São Paulo/SP - Brasil
bServiço de Atendimento e Reabilitação do Idoso, Centro Paulista de Neuropsicologia, Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa - São Paulo/ SP - Brasil
cAssociação Fundo de Incentivo à Pesquisa, Centro Paulista de Neuropsicologia / Serviço de Atendimento e Reabilitação do Idoso - São Paulo/SP - Brasil
dUniversidade Federal de São Paulo, Departamento de Psicobiologia - São Paulo/SP - Brasil

Correspondência

Gabriela Carneiro Martins
gabrielacm.psicologia@gmail.com

Submetido em: 10/02/2021
Aceito em: 30/05/2021

Contribuições: Gabriela Carneiro Martins - Conceitualização, Gerenciamento do Projeto, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Coleta de dados e Análise estatística; Vera Lúcia Duarte Vieira - Conceitualização, Gerenciamento do Projeto, Metodologia, Redação - Preparação do original, Supervisão; Flavia Miluzzi Pinetti - Coleta de Dados, Redação - Revisão e Edição; Ana Maria Leme de-Arruda: Coleta de Dados, Redação - Revisão e Edição; Koki Fernando Oikawa - Análise estatística; Claudia Berlim de-Mello - Conceitualização, Gerenciamento do Projeto, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição

Instituição: Universidade Federal de São Paulo, Departamento de Psicobiologia - São Paulo/SP - Brasil

 

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