Rev. bras. psicoter. 2021; 23(1):31-42
Calvetti PÜ, Vazquez ACS, Silveira LMOB. Teleatendimento psicológico em universidade pública da saúde no enfrentamento da pandemia: da Gestão com Pessoas à Telepsicologia. Rev. bras. psicoter. 2021;23(1):31-42
Relato de Caso
Teleatendimento psicológico em universidade pública da saúde no enfrentamento da pandemia: da Gestão com Pessoas à Telepsicologia
Remote psychological counseling at a public university of Health Sciences in coping of pandemic: from People Management to Telepsychology
Asesoramiento psicológico remoto en universidad pública de Ciencias de la Salud en el afrontamiento de la pandemia: de la Gestión de Personas a la Telepsicología
Prisla Ücker Calvettia; Ana Cláudia Souza Vazquezb; Luiza Maria de Oliveira Braga Silveirac
Resumo
Abstract
Resumen
INTRODUÇÃO
Diante da crise sanitária da COVD-191 anunciada pelas autoridades públicas como pandemia em Março de 2020, a publicação sobre primeiros cuidados psicológicos (PSP) elaborada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e traduzida pela Organização Pan-Americana da Saúde no Brasil2 tem orientado organizações sobre a assistência a indivíduos e comunidades em situação de crise sanitária e humanitária. Os PSP são constituídos de 5 princípios básicos: segurança, calma, conexão, senso de autoeficácia e eficácia comunitária e a esperança.
Rapidamente, a pandemia de COVID-19 resultou no encerramento ou suspensão das aulas em escolas e universidades do mundo todo. Segundo levantamento da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), mais de 90% dos estudantes do mundo todo tiveram suas atividades e percursos acadêmicos modificados3. Num país com as características do Brasil (de extensão e desigualdades de todas as naturezas), essas transformações no ensino se evidenciam em enormes desafios para os que a conhecem e se preocupam com seu propósito4, 5.
Neste contexto, faz-se necessário os primeiros cuidados psicológicos ou mesmo o atendimento psicológico online de acordo com a Resolução CFP n. 11/2018 do Conselho Federal de Psicologia6. Esta trata sobre o atendimento psicológico online e demais serviços realizados por meios tecnológicos de comunicação a distância. A nova norma amplia as possibilidades de oferta de serviços de Psicologia mediados por tecnologias da informação e comunicação (TICs) levando muitos psicólogos a buscarem o seu cadastramento no início da pandemia.
Frente ao exposto, a Telepsicologia7,8 área que está em expansão ainda mais no período da pandemia devido ao distanciamento social tem proporcionado avanços por meio da Tecnologia da Informação e Comunicação importantes resultados na atenção clínica e na área psicossocial durante o enfrentamento da pandemia. A força tarefa para o desenvolvimento de Diretrizes para a Telepsicologia9 orienta sobre aspectos éticos de sigilo e privacidade, bem como, explicita as múltiplas possibilidades de meios tecnológicos como ferramentas de uso em avaliação e intervenção psicológica.
Na Universidade Federal de Ciências da Saúde (UFCSPA) as ações de enfrentamento a pandemia pela COVID-19 envolve os cuidados psicológicos e as orientações de protocolos para promoção e prevenção em saúde mental e bem-estar desenvolvidas pela Pró-Reitoria de Gestão com Pessoas (PROGESP), com professores e técnicos-administrativos10. Tais ações foram realizadas por equipe de três profissionais de apoio técnicoadministrativo, seis supervisoras psicólogas, trinta psicólogos voluntários e sete alunos de psicologia voluntários, todos com o compromisso de promover o bem-estar laboral, prevenir os riscos psicossociais do adoecimento mental na pandemia e atuar como fator de proteção psicossocial aos trabalhadores por meio do suporte organizacional como recursos de trabalho relevante para o período. O engajamento da comunidade laboral UFCSPA no enfrentamento da pandemia pela COVID-19, desde abril de 2020, é um case que demonstra o cerne da missão institucional daquela que é a única universidade especializada em saúde no Brasil: "Produzir e compartilhar conhecimento e formar profissionais da área das ciências da saúde com princípios humanistas e responsabilidade social"11 .
Eis que, não diferente do resto do mundo, a alternativa mostrou-se na realização de atividades na modalidade à distância. Repensar e transformar a ação pedagógica para tal modalidade mostrou-se instigante para quase a totalidade dos professores, mesmo aqueles que já possuíam alguma familiaridade com ela. Não apenas os desafios tecnológicos e pedagógicos, mas também a integração dos mesmos e o próprio ambiente de trabalho frente ao isolamento social12.
Dentro desse cenário, a principal função do professor tem sido rodeada pela mediação, junto ao aluno, na aquisição de conhecimentos de distintas naturezas, bem como de habilidades e competências profissionais e interpessoais12. Portanto, a atuação do docente, é um dos principais pilares no processo de ensino-aprendizagem em EaD, tendo suas funções ancoradas nos princípios da autonomia, comunicação e da própria mediação13.
O aumento da demanda de trabalho, aliada às requisições tecnológicas, tornaram-se uma realidade nesse processo de transformação que os docentes foram empurrados. Os apontamentos sobre o trabalho remoto ou teletrabalho destacam a importância de questões como flexibilização, autonomia, socialização e acordo sobre demandas. Para além da necessidade de isolamento, é necessário compreender esse movimento associado à conservação de parte da existência, parte das continuidades, considerando o bem-estar, a criatividade, a socialização e o desenvolvimento das pessoas16. Portanto, não há como dar conta de tudo.
O docente e seu fazer têm sido alvo de inúmeros estudos em diversos campos científicos e lugares do mundo, dada sua importância como agente de formação e transformação social; assim como os impactos de suas tarefas na sua saúde física e mental15,17,18. Dentre os principais fenômenos estudados a esse respeito, especificamente na carreira docente, a síndrome de Burnout tem tido destaque.
No entanto, a incidência da síndrome de Burnout tem sido evidenciada em índices muito variados, entre 4 e 80% 18. Observa-se, portanto, um crescente número de afastamentos por saúde e, em paralelo, o acréscimo da síndrome na Classificação Internacional de Doenças, conforme proposta da OMS20. Faz-se importante destacar que o Burnout, enquanto desfecho negativo na relação da pessoa com seu trabalho, pode apresentar diferentes manifestações e caminhos, seja em função das características da organização e do/no ambiente de trabalho, seja em relação às variáveis socioculturais19.
Voltando à especificidade do fazer docente e dos desafios no contexto pandêmico, observa-se que a super demanda (gerada pela situação e seus necessários desfechos) e a necessidade de mostrar-se efetivo e eficiente na sociedade (que há tanto questiona seu papel) têm sacrificado a saúde mental dos docentes, e também dos servidores em instituições de ensino. Assim, corre-se o risco de perder parte essencial de seus objetivos: o reencontro com o outro, com o saber, junto ao outro. Nesse encontro com o outro, o docente busca também gerar mecanismos para animar a si e ao outro, construindo alicerces para o processo de ensino-aprendizagem14. Frente a isso, destaca-se a importância dos cuidados em saúde mental aos docentes e servidores de instituições educativas como a universidade, com atenção especial ao desenvolvimento de fatores associados à síndrome de Burnout, ou até o próprio quadro.
Neste contexto, o presente artigo visa apresentar relato de experiência sobre as contribuições da telepsicologia para o enfrentamento da pandemia pela COVID-19 por meio do desenvolvimento do trabalho e desempenho saudáveis. Os dados aqui apresentados demonstram como ações em telepsicologia podem se configurar em protocolos e diretrizes centrais para estratégias de gestão com pessoas.
PLANO ESTRATÉGICO EM BEM-ESTAR E ENGAJAMENTO NO TRABALHO EM UNIVERSIDADE DA SAÚDE NO ENFRENTAMENTO DA CRISE SANITÁRIA COVID-19
O plano estratégico elaborado para o enfrentamento da pandemia foi impulsionado pelo foco em cuidar da saúde mental dos servidores e nos fatores de proteção psicossocial. A partir da pergunta de monitoramento telefônico "como você está?", foram instituídas as práticas de telepsicologia detalhadas a seguir neste manuscrito.
PRÁTICAS DE TELEPSICOLOGIA
Primeiros cuidados psicológicos remoto telefônico
A prática dos primeiros cuidados psicológicos (PCP) não é um atendimento psicológico convencional psicoterapêutico, mas de atenção psicossocial, que inclui o cuidado, o sigilo e a privacidade. Entre os princípios de ação dos primeiros cuidados psicológicos estão: observar riscos para o estresse psicológico, escutar e aproximar. Além disso, tal prática preconiza atenção a sinais e sintomas de ansiedade, tristeza, baixa qualidade do sono (cansaço), irritabilidade e dificuldade de cuidar de si e do outro, uso abusivo de álcool e outras substâncias, sem invadir a privacidade da pessoa2.
Entre os princípios da atenção psicossocial no enfrentamento da COVID-19, pode-se destacar: 1) cuidarse: ajudar com responsabilidade significa cuidar da sua própria saúde e de seu bem-estar;2) comunicação adequada: escuta ativa e mostrar compreensão; e 3) preparar-se para ajudar: informar-se sobre a crise, sobre a existência de serviços disponíveis e questões de segurança e proteção8. Neste contexto, os principais aspectos contemplados nos PCP realizados por telepsicologia (por meio do telefone e mensagens de textos) aos servidores da universidade da saúde durante e após-pandemia preconizaram: oferecer apoio e cuidado práticos não invasivos, avaliar necessidades e preocupações, confortar e auxiliar a se sentir calmos, ajudar as pessoas na busca de informações, serviços e suportes sociais, além de proteger de danos adicionais.
Desta maneira, em um primeiro momento, no início da pandemia, os servidores da universidade com comorbidades, idosos, gestantes e mulheres e homens com filhos em idade escolar e pré-escolar; bem como a maioria dos profissionais da saúde, que tenham sob seus cuidados uma ou mais pessoas com suspeita ou confirmação de diagnóstico de infecção por COVID-19 foram o primeiro foco das ações por telepsicologia. Toda pessoa tem recursos psicológicos para lidar com desafios da vida, porém algumas podem estar mais vulneráveis, como idosos, pessoas com doenças crônicas, mulheres, em especial com filhos e sem ou pouco suporte social e cuidadores de idosos. Muitos pais tiveram que integrar a rotina de teletrabalho à rotina da casa e com filhos em idade escolar. Estudo realizado pelo Parent in Science aponta maior impacto em docentes mães de crianças menores, devido a autonomia reduzida conforme o período do desenvolvimento humano, sendo mais necessários cuidados parentais, e por vezes com reduzido suporte social22.
Os primeiros cuidados psicológicos foram proporcionados para além daqueles em situação de mais risco psicossocial, e sim a todos servidores da instituição, estagiários e bolsistas de apoio técnico com vistas a auxiliar em suas necessidades psicológicas de saúde mental e bem-estar no trabalho para o desenvolvimento da autocompaixão entre todos da comunidade interna. Além disso, o contato telefônico foi um meio de comunicar sobre o serviço de apoio psicológico online, ofertado por voluntários neste período da pandemia, supervisionados e por meio das diretrizes da telepsicologia.
Entre os procedimentos realizados no plano estratégico de enfrentamento à pandemia da universidade para os primeiros cuidados psicológicos, realizou-se a seleção de acadêmicos do último ano do curso de Psicologia e psicólogos voluntários. Destaca-se que todos os teleatendimentos telefônicos foram supervisionados por psicóloga com especialização na área clínica e em saúde pública, com experiência na docência, pesquisa e assistência em contextos de saúde. A frequência das reuniões de supervisão foi semanal ou quinzenal e o contato da supervisora foi disponibilizado para qualquer orientação durante o intervalo dos encontros. A busca ativa por telefone foi realizada com a totalidade de servidores da universidade da saúde.
Esse primeiro contato não pressupõe que a pessoa tenha desenvolvido problemas de saúde mental em função da pandemia e das ações decorrentes, mas buscou saber se a pessoa tem apoio social de familiares ou outras redes que facilitem o período de isolamento, se possuía filhos menores de idade que necessitavam de cuidados, atentando para sinais de ansiedade, perfeccionismo extremo, tristeza profunda ou tensão excessiva. Ao identificar alguma necessidade fazia-se o encaminhamento para atendimento psicológico online da equipe de voluntários da universidade, e por fim, reforçava-se a importância do isolamento voluntário e do distanciamento social. Em situações em que a pessoa foi diagnosticada com COVID-19, esse primeiro contato não pressupõe que a pessoa tenha desenvolvido problemas de saúde mental em função do contágio, mas mostrou-se necessário seguir acompanhando e prestando acolhimento em contatos esporádicos agendados, identificando a evolução de possível quadro de tensão, preocupações recorrentes e a atuação das redes de apoio social da pessoa. Para além dessas premissas, era reforçada a importância do isolamento e de que a pessoa deve prezar pela recuperação23.
A equipe de Psicologia caracterizou-se por ser diversa em relação a modalidade de abordagem psicoterapêutica, porém para este primeiro protocolo, não psicoterapêutico, o essencial foi o acolhimento e conhecimento sobre primeiros cuidados psicológicos em situação de intervenção em crise voltado para a emergência sanitária. As orientações do protocolo de primeiros cuidados psicológicos são de práticas baseadas em evidências para as demandas emergentes do acolhimento no momento de pandemia. Foram desenvolvidas primeiras orientações de cuidados em período de crise, considerando outras emergências sanitárias vividas na humanidade.
Os contatos por telefonemas foram realizados semanalmente, e posteriormente quinzenais, após um período então, passando para mensal. O trabalho em relação às orientações de protocolo para a saúde mental e bem-estar no trabalho de busca ativa iniciou em abril de 2020 e finalizou em novembro do mesmo ano. A partir deste período, os servidores passaram a buscar atendimento psicológico online diretamente pelo canal oficial da Pró-Reitoria de Gestão com Pessoas - PROGESP-UFCSPA.
Frente a situação de pandemia, a universidade buscou o fortalecimento do suporte organizacional da comunidade da UFCSPA dos servidores por meio da PROGESP, bem como dos alunos pelo NAP - Núcleo de Apoio Psicopedagógico. O teleatendimento psicológico foi proporcionado para todos da universidade, por meio destes setores. Frente a situação de estresse tornou-se ainda mais necessário acionar os recursos psicológicos como a compaixão, autocompaixão, o autocuidado, esperança, autoeficácia, entre outras, para uma melhor desempenho e comunicação interna institucional e externa com a sociedade.
Sobre as particularidades de cada etapa da pandemia, a primeira foi a de monitoramento semanal dos servidores e voltada para os cuidados psicológicos direcionados para a intervenção psicossocial na crise. O segundo momento, voltado para a adaptação e manutenção do bem-estar durante o teletrabalho. Nesta etapa identificou-se que o ambiente organizacional, além do indivíduo, foi fundamental para a melhoria da qualidade de trabalho e saúde mental. Por ex. em atividades síncronas, fazerem pausas, evitar reuniões extensas e muitas, otimizar o tempo. Além do necessário período de treinamento sobre EAD-emergencial que foi necessário para os professores e outras capacitações para demais técnicos-administrativos. A terceira etapa, caracterizou-se por estimular os servidores na busca de suporte organizacional e encaminhamento para atendimento psicológico online, se assim tiverem necessidade e motivação intrínseca.
Frente ao momento de pandemia, a conexão social com entes queridos por meio de vídeo chamada ou mesmo da convivência próxima com o próprio núcleo familiar, em cuidados com as orientações sanitárias necessárias foram e são estimuladas pela equipe de alunos do Curso de Psicologia do último ano e por psicólogos do voluntariado, baseados em comunicação científica e práticas baseadas em evidências até o momento. Ainda, aos que tem crenças religiosas, podem ser encorajadas em suas rotinas, no intuito do desenvolvimento da esperança, a qual por meio da espiritualidade, no sentido de propósito de vida é presente. Não significando necessariamente uma prática religiosa, mas sim a espiritualidade, um senso de pertencimento, sentido de vida e propósito.
PROTOCOLOS DE ATENDIMENTOS PSICOLÓGICOS ONLINE
Uma vez encaminhados para a equipe de atendimento psicológico online, os servidores eram contatados por um segundo profissional psicólogo. Esse fazia um acolhimento inicial com vistas a identificar a demanda específica frente ao contexto da pandemia e do trabalho remoto vivenciado pelo servidor.
A equipe responsável pelo projeto estratégico de bem-estar e engajamento trabalho desenvolveu seis protocolos de atendimento psicológico, visando contemplar distintas situações e condições psicológicas. Os protocolos foram reunidos na obra organizada por Vazquez10, e se subdividiram em atendimentos psicológicos online dirigidos a: 1) acolhimento psicossocial23; 2) queixas psicológicas circunstanciadas ao contexto pandêmico23; 3) pessoas com queixas de transtornos mentais comuns24; 4) profissionais da saúde25; 5) profissionais da saúde na assistência a pacientes com COVID-1926; 6) casos de luto por morte repentina, inesperada ou precoce27.
Os atendimentos psicológicos online do protocolo geral, dirigiu-se as pessoas com queixas psicológicas, sinais e sintomas de ansiedade e depressão circunstanciadas ao contexto da pandemia e seus desdobramentos. Esse mostrou-se, inicialmente, o maior motivador de busca pelo atendimento. Os desafios do trabalho remoto, os medos frente à pandemia e os riscos iminentes a ela, a falta de conexão social e as necessidades de mudanças em suas rotinas, exacerbaram muitas angústias e conflitos junto à comunidade universitária. Por isso, esse protocolo buscou, além de acolher, compreender e fazer uma escuta ativa, estimular o desenvolvimento de atividades prazerosas e da conexão social. O grande desafio aos profissionais e supervisores envolvidos deu-se no que tange à construção e compreensão das bordas, que foram se tornando escassas, entre as demandas relativas ao contexto da pandemia e àquelas que se revelavam pré-existentes e começavam a se agudizar. A importância dos espaços de supervisão e de trocas entre os profissionais voluntários (psicólogos e supervisores) e a equipe gestora do projeto foram essenciais para vislumbrar essas possibilidades e compreender os enlaces e as fronteiras da queixa e da escuta psicológica23.
Um segundo protocolo utilizado foi o de pessoas com queixas de transtornos mentais comuns, especialmente quadros de transtorno obsessivo compulsivo, ansiedade e depressão. Nesses casos, orientavase o psicólogo a atentar para a evolução dos sintomas e riscos de ideação suicida; bem como buscaram-se estimular a conexão social e o desenvolvimento de atividades prazerosas24.
Entendendo a missão da universidade, como única instituição pública de ensino superior especializada na área da saúde, frente a uma situação de emergência em saúde pública, buscou-se promover também o atendimento aos profissionais de saúde envolvidos no enfrentamento da COVID-19. Construíram-se dois protocolos específicos para o atendimento desses profissionais (que estão na "linha de frente" e na assistência a pacientes com COVID-19). Um deles se destina aos profissionais atuantes no combate à pandemia, atentando para: sinais e sintomas de ansiedade, depressão, Burnout e transtorno do estresse pós-traumático. Nesse caso as ações voltaram-se também para a promoção de fatores de proteção, conexão social entre as equipes de saúde e desenvolvimento de atividades de lazer/prazerosas25,26. O outro protocolo era destinado aos profissionais de saúde que atuam na assistência a pacientes infectados pela COVID-19. Esse tinha como objetivo rastrear os sintomas leves, moderados ou graves de ansiedade, depressão ou estresse agudo. O foco esteve nos fatores de prevenção e promoção de saúde mental adequados à situação pandêmica, com técnicas psicoterápicas e/ ou tratamento farmacológico. Esses atendimentos foram dirigidos aos profissionais e residentes vinculados ao hospital de ensino parceiro da universidade26.
Um outro protocolo bem específico, e que revela a sensibilidade e as especificidades para o cuidado em saúde mental no contexto enfrentado, diz respeito aos processos de luto (por morte repentina, inesperada ou precoce). Devido às medidas sanitárias de restrição, o acesso das famílias (desde o hospital até os espaços fúnebres) tem tido importantes e severas exceções, reverberando nos processos de despedida e vivência do luto. A atenção dos profissionais psicólogos nesses casos se voltou para as reações frente a perda e a potencial experiência de lutos complicados para a elaboração do mesmo, bem como potencializadora de sinais e sintomas de transtornos psicológicos. O foco da atuação esteve na vivência de sentimentos e preocupações, na avaliação de estratégias possíveis para vivenciar o luto durante a pandemia. Mostrou-se fundamental durante a execução desse protocolo a avaliação dos sentimentos de autocompaixão, gratidão e coragem relativos à qualidade dos contatos sociais e a rede de apoio da pessoa e do grupo familiar27.
Evidenciando a relevância do projeto construído e dos impactos da saúde mental nos cotidianos e experiências daqueles acolhidos por essas ações, os acompanhamentos seguem de acordo com as necessidades e com o prolongamento da situação de emergência de saúde no enfrentamento da COVID-19. Ao iniciar o projeto, todos os que atendiam e os que eram atendidos, tinham a expectativa de um tempo mais breve para
o trabalho remoto e para a vigência da pandemia. Com o passar dos meses, os efeitos desse estiramento nas medidas sanitárias, nas transformações dos cotidianos, das relações, das demandas e contextos de trabalho foram se somando às notícias e vivências de adoecimento e situações de saúde diversas pela comunidade universitária. As angústias vivenciadas assumiram cores, formas e intensidades distintas, mobilizando a todos e incitando inúmeras reflexões. O engajamento da equipe de voluntários foi surpreendente à medida que se mostravam desejantes da continuidade de suas ações, percebendo a importância de sua contribuição para a comunidade universitária.
CONCLUSÃO
Ainda que todos estivessem se experimentando num momento inédito, vivenciaram o mesmo cenário de uma crise de saúde pública, em proporções mundiais. Com isso, o grupo constituiu-se e aprendeu de forma conjunta e compartilhada. O aprendizado profissional não os fez delimitar territórios, mas sim reconfigurar e borrar fronteiras, revelando a amplitude do conceito de saúde e seus espaços de manifestação. A principal contribuição desse artigo está em demonstrar tais transformações, que se deram por meio dessas ações estratégicas, em que pode-se contemplar novas e (im)possíveis ações, refletindo sobre o que pode permanecer e o que pode mudar; assim como os medos que podem paralisar e os que podem trazer novos horizontes. Acima de tudo, entretanto, parece haver se revelado a máxima importância acerca da possibilidade de pensar essa crise para reinaugurar a solidariedade social.
Desde o início do projeto estratégico de bem-estar e engajamento no trabalho foram registrados 322 atendimentos no período de abril a novembro de 2020, ativos, além das ações de acolhimento e apoio social. O trabalho preferencialmente remoto e a telepsicologia, somado às ações psicoeducativas e de prevenção em saúde mental, permitiram proteção efetiva dos nossos trabalhadores. As práticas de gestão com pessoas na universidade foram estratégicas e protetivas ao trabalho saudável e seguro, considerando as adversidades advindas da pandemia pela COVID-19, em grande proporção por se beneficiarem do Mapa de Saúde que foi elaborado a partir de dados da telepsicologia. Decorrentes das informações gerais em saúde da comunidade laboral, foram elaboradas campanhas e intervenções grupais com foco nas três demandas que emergiram nos teleatendimentos: trabalho remoto compulsório com diferentes cargas laborais, relações de parentalidade e proteção aos espaços de recomposição da energia laboral (descanso, férias, respeito ao ritmo e tempo de trabalho, entre outros).
Por outro lado, o registro de casos positivados não perfez até novembro de 2020 ao total de 2% da população laboral. O monitoramento e rastreio em vigilância sanitária adotado tem permitido o rápido afastamento e cuidado de tais casos. Protocolos e diretrizes de vigilância sanitária foram elaborados pelo Comitê de Orientações Estratégicas (COE), Comitê Técnico de Biossegurança (CTBio) e Divisão de Bem-Estar e Saúde no Trabalho (DBEST). O desafio maior na universidade e em todas as instituições que estão em trabalho preferencialmente remoto, por óbvio, será a retomada em níveis das atividades presenciais, conforme planejamento realizado para essa finalidade. O que destacamos aqui é o papel da rede de suporte social e do atendimento especializado formado por meio da telepsicologia; fator estratégico e essencial ao trabalho saudável e seguro nesse tempo adverso da pandemia.
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aUniversidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre/UFCSPA, Programa de Pósgraduação em Ciências da Saúde - Porto Alegre/RS - Brasil
bUniversidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre/UFCSPA, Pró-Reitoria de Gestão com Pessoas - PROGESP - Porto Alegre/RS - Brasil
cUniversidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre/UFCSPA, Departamento de Psicologia - Porto Alegre/RS - Brasil
Correspondência
Prisla Ücker Calvetti
prisla.calvetti@gmail.com / E-mail alternativo: prisla@ufcspa.edu.br
Submetido em: 20/12/2020
Aceito em: 30/05/2021
Contribuições: Prisla Ücker Calvetti - Conceitualização, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Supervisão; Ana Cláudia Souza Vazquez - Coleta de Dados, Conceitualização, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Supervisão; Luiza Maria de Oliveira Braga Silveira - Conceitualização, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Supervisão
Instituição: Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre/UFCSPA - Porto Alegre/RS - Brasil
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