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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2021; 23(1):1-2



Editorial

Saúde mental e perspectivas terapêuticas no cenário da COVID-19

Felipe Ornella,b,c; Jaqueline Bohrer Schucha,b,c; Mário Barcellosc; Joana Corrêa de Magalhães Narvaezc,d

 

 

O incômodo é um dos combustíveis que move a máquina chamada ciência. Os avanços mais substanciais na produção científica e tecnológica ao longo da história não ocorreram aleatoriamente, mas a partir de grandes crises. Afinal, como dizia Rubem Alves: "ostra feliz não faz pérola". O óbvio, por vezes esquecido, é que estratégias são desenvolvidas a partir do reconhecimento de problemas que, para que se mitigue, é preciso em primeira instância admitir.

Os problemas relacionados à saúde mental, potencializados pela pandemia da COVID-19, já são reconhecidos há algum tempo pelas principais entidades internacionais de saúde. A efetivação de políticas estratégicas em saúde mental, no entanto, esbarra em dificuldades também de longa data, como o preconceito e a negação. Frequentemente, esses elementos fazem com que o problema, bem estabelecido a nível macro, não seja plenamente admitido por formuladores de políticas locais e principalmente por pessoas que vivenciam sofrimento psíquico. Apesar dos avanços notórios identificados nas últimas décadas, o investimento em processos de prevenção, promoção e recuperação da saúde mental ainda é expressivamente inferior a outras áreas da saúde humana, o que torna lícito concluir que essa área é dona de um título nada louvável: o de campeã em negligência.

A crise gerada pela COVID-19 tem efeitos intensos e de alcance variado, entretanto fortaleceu a discussão da saúde mental como parte inerente da própria saúde humana. Paralelamente à pandemia biológica, desenvolveu-se uma pandemia de medo, em que grande parte da população passou a apresentar - de forma transitória ou persistente - algum sintoma de saúde mental ou comportamental. Este cenário pode ser explicado pela apreensão diante do vírus e de suas consequências, como o desconhecimento dos mecanismos virais e de contaminação, além do impacto econômico e social das medidas restritivas, bem como em decorrência de processos de isolamento, doença e luto.

Talvez seja a primeira vez que o sofrimento é universalmente legitimado, apesar dos interesses políticos e econômicos de uma máquina que não pode parar e que usa como combustível a energia de cada um de nós. O contexto de vulnerabilidade global valida as ações dos profissionais da área psicossocial, mas também destaca antigos desafios, sobretudo relacionados à efetivação da universalidade, integralidade e equidade no acesso aos cuidados em saúde mental.

Tragédias e epidemias recentes, porém geograficamente limitadas, nos mostraram que as consequências na saúde mental da população podem ser mais duradouras do que a própria crise. Precisamos, portanto, estar preparados para desenvolver estratégias de prevenção, rastreamento e tratamento. As novas tecnologias passaram a facilitar o acesso à assistência em saúde mental, mas também impuseram novos elementos no setting terapêutico. Pautas clássicas e emergentes se aproximam e nos confrontam com uma demanda crônica: encontrar a melhor estratégia terapêutica para aliviar o sofrimento e melhorar a qualidade de vida das pessoas. Isso é especialmente complexo em um país continental e com grandes disparidades, como o Brasil, onde o distanciamento físico acentuou o distanciamento socioeconômico. De um lado aqueles que puderam escolher se preservar, de outro, aqueles que nem se expondo conseguiram o suprimento de necessidades básicas. Marcadores sociais passíveis de alavancar os índices de adoecimento mental populacional e de incremento de sintomas de externalização comunitários.

Esta primeira edição da Revista Brasileira de Psicoterapia de 2021 reúne produções que discorrem sobre as implicações da COVID-19 na saúde mental e nas psicoterapias, compartilhando experiências e perspectivas de diferentes profissionais e pesquisadores que atuam em diferentes contextos. Em tempos em que a ciência é atacada, torna-se ainda mais premente a produção e difusão de conhecimento baseado em evidências - o que tem sido buscado incessantemente pela equipe editorial da Revista.

Editores da Revista Brasileira de Psicoterapia
Centro de Estudos Luís Guedes










aUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Medicina, Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria e Ciências do Comportamento, Porto Alegre - RS, Brasil
bCentro de Pesquisa em Álcool e Drogas, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, Brasil
cCentro de Estudos Luís Guedes, Hospital de Clínicas de Porto Alegre / Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, Brasil
dUniversidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Curso de Psicologia, Porto Alegre - RS, Brasil

 

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