Rev. bras. psicoter. 2020; 22(3):31-43
Rebouças CDAV, Bastos AG, Barbisan GK, Gonçalves L, Carniel BP, Rocha NS. Propriedades psicométricas do protocolo de sistema diagnóstico Operationalization of Psychodynamic Diagnosis 2 (OPD-2) em pacientes com transtorno mental grave em psicoterapia. Rev. bras. psicoter. 2020;22(3):31-43
Artigo Original
Propriedades psicométricas do protocolo de sistema diagnóstico Operationalization of Psychodynamic Diagnosis 2 (OPD-2) em pacientes com transtorno mental grave em psicoterapia
Cinthia Danielle Araújo Vasconcelos Rebouçasa; André Goettems Bastosb; Guilherme Kirsten Barbisanc; Leonardo Gonçalvesd; Bruno Perosa Carniele; Neusa Sica da Rochaf
Resumo
INTRODUÇÃO
No intuito de expandir a classificação descritiva de sintomas das perturbações mentais proposto por sistemas de classificação diagnóstica, como o CID e o DSM, foi fundada a Operationalization of Psychodynamic Diagnosis (OPD) Task Force, formada por experientes psicoterapeutas psicodinâmicos que formularam o Operationalized Psychodynamic Diagnosis, instrumento que já está em sua segunda versão (OPD-2) publicado em 20061.
A publicação do primeiro manual do OPD deu origem a uma fase de intensa investigação científica acerca do instrumento. Estudos, com diferentes delineamentos metodológicos e aplicados em diferentes contextos e amostras, avaliaram padrões de confiabilidade para os eixos do instrumento revelando resultados satisfatórios. Nesses estudos, em sua maioria, o OPD foi aplicado por avaliadores que receberam treinamento específico para o manejo do instrumento e as investigações foram conduzidas de forma a avaliar a confiabilidade e validade do uso do instrumento na avaliação de pacientes submetidos a tratamento psicoterápico (2-17).
A maioria dos estudos já realizados ocorreram em países da Europa e seus principais objetivos foram avaliar a validade e confiabilidade do OPD, especialmente, a validade de critério do instrumento quando correlacionado com outros instrumentos de avaliação já validados (2,3;7;10-12) e ainda testar a aplicabilidade e possibilidade de uso em diferentes contextos de atenção a pacientes com comprometimentos clínicos psiquiátricos, acompanhados em serviços ambulatoriais ou de internação (4-6; 8,9).
Dentro das amostras desses estudos observou-se uma tendência em utilizar o instrumento para avaliar a evolução de pacientes em acompanhamento psicoterápico ou que estivessem recebendo algum tipo de atenção psiquiátrica e as formas de utilização das informações obtidas através da aplicação do protocolo no planejamento do tratamento desses pacientes. E ainda como aspectos associados as relações interpessoais, conflitos e organização estrutural avaliados pelo instrumento podem servir para contemplar esses objetivos. Nesses estudos, o OPD serviu para avaliar a evolução de sintomas clínicos, como sintomas depressivos, e a possível interferência do tratamento recebido, avaliando a melhora do nível de organização estrutural psíquica dos sujeitos, e ainda desfechos clínicos. Os resultados obtidos por esses estudos consideraram o OPD como um instrumento adequado quando utilizado para avaliar os processos de tratamento recebido, tendo amplo uso dentro da saúde mental. Para esses estudos o mesmo atenderia as demandas de proposta de pesquisa e seria um instrumento confiável para uso em contextos de avaliação clínica (13-17). Observou-se que dentre esses estudos publicados, parte deles utilizaram entrevistas gravadas como método de coleta dos dados para preenchimento do OPD, sendo que em alguns deles, essas entrevistas não foram conduzidas levando em consideração pontos específicos avaliados pelo protocolo.
Em amostra brasileira, Krieger10 se propôs a avaliar a validade de conteúdo, a concordância interavaliadores e a validade concorrente do instrumento utilizando-se de 51 entrevistas dialogadas em contexto clínico, mas que não seguiam as orientações de aplicação específicas para pontuação do OPD. Os instrumentos foram pontuados por 6 juízes (psicólogos especialistas em psicoterapia psicodinâmica) levando em consideração as informações obtidas por meio destas sessões dialogadas. As validades concorrentes verificaram as possíveis associações do OPD com os resultados obtidos pela aplicação dos instrumentos SCL-90R e WHOQOL-BREF, o preenchimento destes instrumentos ocorreu no momento do ingresso do paciente na instituição, antes de iniciar a psicoterapia. Os resultados obtidos neste estudo corroboraram os resultados obtidos em outros países, sugerindo boas condições de avaliar propriedades psicodinâmicas, mas os resultados psicométricos de concordância interavaliadores e validade concorrente não foram robustos do ponto de vista de significância estatística.
Apesar dos achados científicos que validam o uso desse instrumento, como qualquer outro sistema de diagnóstico, o OPD tem suas limitações. O diagnóstico psicodinâmico baseado na entrevista oferece, por vezes, uma percepção limitada do tipo de conflitos e da estrutura de personalidade que o paciente apresenta, uma vez que podem existir problemáticas que nem sempre emergem facilmente no ato da avaliação11.
Até o momento, os estudos realizados fortalecem a base empírica do instrumento por sua aplicação em diferentes contextos, mas a existência de níveis desiguais de operacionalização de cada um dos eixos apresenta déficits que necessitam ser igualados e unificados, de maneira que se possa criar um sistema diagnóstico interconectado e integrado. Para Pérez11, ficou demonstrado que a concordância interavaliadores para os eixos do OPD-2 foi maior em entrevistas realizadas em condições de pesquisa. Sendo assim, seria possível atribuir que, entrevistas conduzidas de forma estruturada seguindo o propósito de investigação científica provavelmente possibilitaria uma maior amplitude na investigação de conteúdos dos itens avaliados pelo instrumento, assim como será capaz de igualar de forma mais apropriada a avaliação dos construtos atribuídos a cada eixo do instrumento.
Assim, acompanhando a necessidade de desenvolver estudos empíricos de validade de critério e fidedignidade de instrumentos diagnósticos, este estudo se propõe a aplicar e avaliar qualidades de medidas psicométricas do OPD-2 em uma amostra brasileira de pacientes com transtornos mentais graves, que estejam recebendo acompanhamento psicoterápico. Diferente do estudo de Krieger11, realizado em amostra brasileira, que fez uso de entrevistas psicodinâmicas de rotina, conduzidas por psicoterapeutas sem treinamento prévio para investigação dos eixos do OPD-2, no presente estudo, as entrevistas foram presenciais conduzidas por psicoterapeutas, com formação e experiência em psicoterapia de orientação psicodinâmica (2 psiquiatras e 2 psicólogos), e que receberam treinamento específico para a aplicação do OPD-2, levando em consideração as orientações do manual da OPD Task Force1.
Dessa forma, com os resultados obtidos por esse estudo, acredita-se que se o instrumento for capaz de replicar resultados satisfatórios e confiáveis, o mesmo possa servir como ferramenta para o planejamento, seguimento e avaliação de resultados do processo psicoterápico.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo naturalístico longitudinal com amostra consecutiva de todos os pacientes que estiveram em psicoterapia do HCPA diferentes modalidades: psicoterapia de orientação analítica (POA), terapia interpessoal (TIP) e terapia cognitivo comportamental (TCC). Respeitou-se perdas e recusas, foram medidosos desfechosem 2 momentos (baseline e 6 meses após início da pesquisa).
Os participantes foram entrevistados por 3 avaliadores (1 psicóloga e 2 psiquiatras), com formação em POA e com experiência em acompanhamento psicoterápico. Ao longo de um ano, esses avaliadores participaram de encontros semanais, com duração de aproximadamente 2 horas, onde foram estudados, em formato de seminários e discussão de casos clínicos, os pontos avaliados pelo OPD e as orientações contidas no manual de aplicação do instrumento. Os avaliadores receberam treinamento necessário para aplicação adequada do instrumento, assim como esclarecimentos dos pontos norteadores a serem avaliados para a correta pontuação do protocolo.
Instrumentos utilizados
WHOQOL-BREF (The World Health Organization Quality of Life - brief version)18. É composto por 26 questões relacionadas a 4 domínios (saúde física, psicológica, relações sociais e ambiente) e é respondido individualmente.
SCL-90 (Symptom Check-List-90-Revised)19. Avalia o tipo e a gravidade sintomatológica apresentada pelo paciente. O instrumento é composto por 9 dimensões: somatização, obsessividade/compulsividade, sensibilidade interpessoal, depressão, ansiedade, hostilidade, ansiedade fóbica, ideias paranoides e psicoticismo.).
BDI(Beck Depression Inventory)20. É uma medida de intensidade da depressão que consiste em 21 grupos de afirmações, cada item apresenta quatro alternativas que podem ter escores 0, 1, 2 ou 3.
Todos os participantes da pesquisa foram avaliados nos dois momentos da pesquisa por aplicadores diferentes seguindo as orientações de aplicação do OPD-2 (Operationalized Phychodynamic Diagnosis-version 2), instrumento multiaxial constituído por cinco eixos, denominados "vivência da doença e pré-requisitos para o tratamento" (Eixo I), "relações interpessoais" (Eixo II), "conflito" (Eixo III), "estrutura" e (Eixo IV) e "transtornos mentais e psicossomáticos" (seguindo a linha do CID-10) (Eixo V). Após uma entrevista com duração de uma a duas horas, o entrevistador avalia, de acordo com os cinco eixos do inventário, o perfil psicodinâmico do paciente e registra os dados obtidos no formulário de avaliação1.
Os pesquisadores envolvidos nesta pesquisa não estabeleceram nenhum tipo de interferência no acompanhamento terapêutico recebido pelo participante na instituição.
Análises estatísticas
As análises descritivas da amostra foram realizadas através de frequências, média e desvio padrão, mediana e intervalo interquartílico (IIQ = quartil1; quartil3). Para verificar a normalidade da amostra foi realizado o teste de Shapiro-Wilk. A análise de validade concorrente foi pelo teste de correlações de Pearson ou Spearman, sendo examinadas associações entre os sintomas depressivos (escores da BDI), os domínios da WHOQOL-BREF, níveis de psicoticismo segundo a SCL-90R e os itens que compõem cada eixo do OPD-2. Realizou-se análises de vali dade preditiva das amostras, ou por meio de teste t para amostras independente ou Mann-Whitney, entre os eixos do OPD-2, discriminando, dentro da amostra analisada, pacientes com história de internação psiquiátrica, tentativa de suicídio e sintomatologia depressiva. A partir de uma amostra de pacientes avaliados em dois momentos diferentes da pesquisa (baseline e 6 meses), usou-seo teste de McNemar para avaliar se ao longo de 6 meses esses pacientes manifestavam alguma mudança significativa para cada item avaliado pelo protocolo do OPD-2. Essas análises foram realizadas utilizando o pacote de software SPSS versão 21.0.
O presente estudo foi desenvolvido levando em consideração o checklist desenvolvido pelo grupo COSMIN21, que se propõe a avaliar a qualidade do desenvolvimento metodológico de estudos que avaliam propriedades de medidas de instrumentos de medição.
Aspectos éticos
O presente estudo é parte do projeto de pesquisa Longitudinal Investigation of Psychotherapies Outcomes (LIPO), aprovado pelo Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (GPPG-HCPA), cujo Comitê de Ética é reconhecido pela CONEP (15-0097). Todos os participantes incluídos no estudo consentiram sua participação mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS
A amostra foi composta por 80 participantes, em sua maioria do sexo feminino (77.5%), com média de idade de 44.49 (±11.85), casados (55.1%), com ensino médio completo (38.6%). Nessa amostra, 72.5% dos participantes estavam fazendo uso de medicação psiquiátrica, 23.8% tinham história prévia de internação psiquiátrica e 28.8% com histórico de tentativa de suicídio. Foi calculado o valor médio dos escores de BDI dessa amostra que foi de 30.26 (±10.64), considerado como nível de depressão moderado. Percebeu-se um predomínio de diagnósticos de transtorno depressivo (52%) e transtorno de ansiedade (18%), seguido por diagnóstico de humor bipolar (13%). Essa amostra apresentou ainda um predomínio de transtorno de personalidade borderline (7%) e transtorno de personalidade obsessivo-compulsivo (4%).
Análises validade de critério concorrente
De acordo com as análises de validade concorrentes, entre os itens que compõem o eixo I do OPD, observou-se uma correlação significativa entre os domínios psicológico (r=0.339; p=0.010), social (r=0.350; p=0.008) e ambiental (r=0.265; p=0.048) da WHOQOL-BREF e a redução de sintomas avaliado pelo OPD-2. Identificou-se ainda um padrão de correlações negativas entre os escores da BDI (r= -0.150; p=0.029) e da SCL-90R (r= -0.283; p=0.040) com o item do OPD-2 que avalia recursos pessoais.
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