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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2020; 22(3):31-43



Artigo Original

Propriedades psicométricas do protocolo de sistema diagnóstico Operationalization of Psychodynamic Diagnosis 2 (OPD-2) em pacientes com transtorno mental grave em psicoterapia

Cinthia Danielle Araújo Vasconcelos Rebouçasa; André Goettems Bastosb; Guilherme Kirsten Barbisanc; Leonardo Gonçalvesd; Bruno Perosa Carniele; Neusa Sica da Rochaf

Resumo

INTRODUCTION: In order to expand the descriptive classification of symptoms in mental disorders, and to bring empirical consistency to psychodynamic/psychoanalytic models, a multiaxial instrument called Operationalized Psychodynamic Diagnosis (OPD-2) has been developed, allowing psychotherapy research to encompass the complexity of the relationships between conditions and factors that determine the phenomena of mental pathologies, from a psychodynamic point of view.
METHODOLOGY: Longitudinal naturalistic study with 80 outpatients with severe mental disorders, who were treated with a) psychodynamic psychotherapy, b) interpersonal psychotherapy and c) cognitive behavioral psychotherapy. All patients were interviewed at baseline and after six months, according to OPD-2's criteria. They all also completed two self-report measures (WHOQOL-BREF and SCL-90R) to evaluate symptoms and quality of life at each assessment point.
RESULTS: According to OPD-2's axis I, better personal resources, psychosocial support, and introspective capacity significantly correlated with fewer symptoms in the BDI's and SCL-90's measures. Also, symptoms' reduction and quality of life's domains significantly correlated with items that assessed OPD-2's "desire for care versus autarchy" and "identity" conflicts. There was also a significant correlation between all items that evaluate structural functioning according to OPD-2 and the SCL-90R's psychotic index. Regarding predictive validity analysis, we observed mean differences in the structural functioning of patients with a history of suicide attempt and previous history of hospitalization.
DISCUSSION: results support that OPD-2's criteria significantly correlates with data from validated self-report measures. When administered by trained raters, OPD-2 displayed good quality in assessing patients' conflicts and structural issues. This evidence suggests that the Brazilian version of OPD-2 is a valid and reliable instrument in evaluating psychodynamic properties and can be a useful tool within the clinical and research contexts.

Descritores: OPD-2; Validity; Reliability; Symptoms' Reduction; Quality of Life; Conflict; Structure; Severe Mental Disorders

 

 

INTRODUÇÃO

No intuito de expandir a classificação descritiva de sintomas das perturbações mentais proposto por sistemas de classificação diagnóstica, como o CID e o DSM, foi fundada a Operationalization of Psychodynamic Diagnosis (OPD) Task Force, formada por experientes psicoterapeutas psicodinâmicos que formularam o Operationalized Psychodynamic Diagnosis, instrumento que já está em sua segunda versão (OPD-2) publicado em 20061.

A publicação do primeiro manual do OPD deu origem a uma fase de intensa investigação científica acerca do instrumento. Estudos, com diferentes delineamentos metodológicos e aplicados em diferentes contextos e amostras, avaliaram padrões de confiabilidade para os eixos do instrumento revelando resultados satisfatórios. Nesses estudos, em sua maioria, o OPD foi aplicado por avaliadores que receberam treinamento específico para o manejo do instrumento e as investigações foram conduzidas de forma a avaliar a confiabilidade e validade do uso do instrumento na avaliação de pacientes submetidos a tratamento psicoterápico (2-17).

A maioria dos estudos já realizados ocorreram em países da Europa e seus principais objetivos foram avaliar a validade e confiabilidade do OPD, especialmente, a validade de critério do instrumento quando correlacionado com outros instrumentos de avaliação já validados (2,3;7;10-12) e ainda testar a aplicabilidade e possibilidade de uso em diferentes contextos de atenção a pacientes com comprometimentos clínicos psiquiátricos, acompanhados em serviços ambulatoriais ou de internação (4-6; 8,9).

Dentro das amostras desses estudos observou-se uma tendência em utilizar o instrumento para avaliar a evolução de pacientes em acompanhamento psicoterápico ou que estivessem recebendo algum tipo de atenção psiquiátrica e as formas de utilização das informações obtidas através da aplicação do protocolo no planejamento do tratamento desses pacientes. E ainda como aspectos associados as relações interpessoais, conflitos e organização estrutural avaliados pelo instrumento podem servir para contemplar esses objetivos. Nesses estudos, o OPD serviu para avaliar a evolução de sintomas clínicos, como sintomas depressivos, e a possível interferência do tratamento recebido, avaliando a melhora do nível de organização estrutural psíquica dos sujeitos, e ainda desfechos clínicos. Os resultados obtidos por esses estudos consideraram o OPD como um instrumento adequado quando utilizado para avaliar os processos de tratamento recebido, tendo amplo uso dentro da saúde mental. Para esses estudos o mesmo atenderia as demandas de proposta de pesquisa e seria um instrumento confiável para uso em contextos de avaliação clínica (13-17). Observou-se que dentre esses estudos publicados, parte deles utilizaram entrevistas gravadas como método de coleta dos dados para preenchimento do OPD, sendo que em alguns deles, essas entrevistas não foram conduzidas levando em consideração pontos específicos avaliados pelo protocolo.

Em amostra brasileira, Krieger10 se propôs a avaliar a validade de conteúdo, a concordância interavaliadores e a validade concorrente do instrumento utilizando-se de 51 entrevistas dialogadas em contexto clínico, mas que não seguiam as orientações de aplicação específicas para pontuação do OPD. Os instrumentos foram pontuados por 6 juízes (psicólogos especialistas em psicoterapia psicodinâmica) levando em consideração as informações obtidas por meio destas sessões dialogadas. As validades concorrentes verificaram as possíveis associações do OPD com os resultados obtidos pela aplicação dos instrumentos SCL-90R e WHOQOL-BREF, o preenchimento destes instrumentos ocorreu no momento do ingresso do paciente na instituição, antes de iniciar a psicoterapia. Os resultados obtidos neste estudo corroboraram os resultados obtidos em outros países, sugerindo boas condições de avaliar propriedades psicodinâmicas, mas os resultados psicométricos de concordância interavaliadores e validade concorrente não foram robustos do ponto de vista de significância estatística.

Apesar dos achados científicos que validam o uso desse instrumento, como qualquer outro sistema de diagnóstico, o OPD tem suas limitações. O diagnóstico psicodinâmico baseado na entrevista oferece, por vezes, uma percepção limitada do tipo de conflitos e da estrutura de personalidade que o paciente apresenta, uma vez que podem existir problemáticas que nem sempre emergem facilmente no ato da avaliação11.

Até o momento, os estudos realizados fortalecem a base empírica do instrumento por sua aplicação em diferentes contextos, mas a existência de níveis desiguais de operacionalização de cada um dos eixos apresenta déficits que necessitam ser igualados e unificados, de maneira que se possa criar um sistema diagnóstico interconectado e integrado. Para Pérez11, ficou demonstrado que a concordância interavaliadores para os eixos do OPD-2 foi maior em entrevistas realizadas em condições de pesquisa. Sendo assim, seria possível atribuir que, entrevistas conduzidas de forma estruturada seguindo o propósito de investigação científica provavelmente possibilitaria uma maior amplitude na investigação de conteúdos dos itens avaliados pelo instrumento, assim como será capaz de igualar de forma mais apropriada a avaliação dos construtos atribuídos a cada eixo do instrumento.

Assim, acompanhando a necessidade de desenvolver estudos empíricos de validade de critério e fidedignidade de instrumentos diagnósticos, este estudo se propõe a aplicar e avaliar qualidades de medidas psicométricas do OPD-2 em uma amostra brasileira de pacientes com transtornos mentais graves, que estejam recebendo acompanhamento psicoterápico. Diferente do estudo de Krieger11, realizado em amostra brasileira, que fez uso de entrevistas psicodinâmicas de rotina, conduzidas por psicoterapeutas sem treinamento prévio para investigação dos eixos do OPD-2, no presente estudo, as entrevistas foram presenciais conduzidas por psicoterapeutas, com formação e experiência em psicoterapia de orientação psicodinâmica (2 psiquiatras e 2 psicólogos), e que receberam treinamento específico para a aplicação do OPD-2, levando em consideração as orientações do manual da OPD Task Force1.

Dessa forma, com os resultados obtidos por esse estudo, acredita-se que se o instrumento for capaz de replicar resultados satisfatórios e confiáveis, o mesmo possa servir como ferramenta para o planejamento, seguimento e avaliação de resultados do processo psicoterápico.


METODOLOGIA

Trata-se de um estudo naturalístico longitudinal com amostra consecutiva de todos os pacientes que estiveram em psicoterapia do HCPA diferentes modalidades: psicoterapia de orientação analítica (POA), terapia interpessoal (TIP) e terapia cognitivo comportamental (TCC). Respeitou-se perdas e recusas, foram medidosos desfechosem 2 momentos (baseline e 6 meses após início da pesquisa).

Os participantes foram entrevistados por 3 avaliadores (1 psicóloga e 2 psiquiatras), com formação em POA e com experiência em acompanhamento psicoterápico. Ao longo de um ano, esses avaliadores participaram de encontros semanais, com duração de aproximadamente 2 horas, onde foram estudados, em formato de seminários e discussão de casos clínicos, os pontos avaliados pelo OPD e as orientações contidas no manual de aplicação do instrumento. Os avaliadores receberam treinamento necessário para aplicação adequada do instrumento, assim como esclarecimentos dos pontos norteadores a serem avaliados para a correta pontuação do protocolo.

Instrumentos utilizados

WHOQOL-BREF (The World Health Organization Quality of Life - brief version)18. É composto por 26 questões relacionadas a 4 domínios (saúde física, psicológica, relações sociais e ambiente) e é respondido individualmente.

SCL-90 (Symptom Check-List-90-Revised)19. Avalia o tipo e a gravidade sintomatológica apresentada pelo paciente. O instrumento é composto por 9 dimensões: somatização, obsessividade/compulsividade, sensibilidade interpessoal, depressão, ansiedade, hostilidade, ansiedade fóbica, ideias paranoides e psicoticismo.).

BDI(Beck Depression Inventory)20. É uma medida de intensidade da depressão que consiste em 21 grupos de afirmações, cada item apresenta quatro alternativas que podem ter escores 0, 1, 2 ou 3.

Todos os participantes da pesquisa foram avaliados nos dois momentos da pesquisa por aplicadores diferentes seguindo as orientações de aplicação do OPD-2 (Operationalized Phychodynamic Diagnosis-version 2), instrumento multiaxial constituído por cinco eixos, denominados "vivência da doença e pré-requisitos para o tratamento" (Eixo I), "relações interpessoais" (Eixo II), "conflito" (Eixo III), "estrutura" e (Eixo IV) e "transtornos mentais e psicossomáticos" (seguindo a linha do CID-10) (Eixo V). Após uma entrevista com duração de uma a duas horas, o entrevistador avalia, de acordo com os cinco eixos do inventário, o perfil psicodinâmico do paciente e registra os dados obtidos no formulário de avaliação1.

Os pesquisadores envolvidos nesta pesquisa não estabeleceram nenhum tipo de interferência no acompanhamento terapêutico recebido pelo participante na instituição.

Análises estatísticas

As análises descritivas da amostra foram realizadas através de frequências, média e desvio padrão, mediana e intervalo interquartílico (IIQ = quartil1; quartil3). Para verificar a normalidade da amostra foi realizado o teste de Shapiro-Wilk. A análise de validade concorrente foi pelo teste de correlações de Pearson ou Spearman, sendo examinadas associações entre os sintomas depressivos (escores da BDI), os domínios da WHOQOL-BREF, níveis de psicoticismo segundo a SCL-90R e os itens que compõem cada eixo do OPD-2. Realizou-se análises de vali dade preditiva das amostras, ou por meio de teste t para amostras independente ou Mann-Whitney, entre os eixos do OPD-2, discriminando, dentro da amostra analisada, pacientes com história de internação psiquiátrica, tentativa de suicídio e sintomatologia depressiva. A partir de uma amostra de pacientes avaliados em dois momentos diferentes da pesquisa (baseline e 6 meses), usou-seo teste de McNemar para avaliar se ao longo de 6 meses esses pacientes manifestavam alguma mudança significativa para cada item avaliado pelo protocolo do OPD-2. Essas análises foram realizadas utilizando o pacote de software SPSS versão 21.0.

O presente estudo foi desenvolvido levando em consideração o checklist desenvolvido pelo grupo COSMIN21, que se propõe a avaliar a qualidade do desenvolvimento metodológico de estudos que avaliam propriedades de medidas de instrumentos de medição.

Aspectos éticos

O presente estudo é parte do projeto de pesquisa Longitudinal Investigation of Psychotherapies Outcomes (LIPO), aprovado pelo Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (GPPG-HCPA), cujo Comitê de Ética é reconhecido pela CONEP (15-0097). Todos os participantes incluídos no estudo consentiram sua participação mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.


RESULTADOS

A amostra foi composta por 80 participantes, em sua maioria do sexo feminino (77.5%), com média de idade de 44.49 (±11.85), casados (55.1%), com ensino médio completo (38.6%). Nessa amostra, 72.5% dos participantes estavam fazendo uso de medicação psiquiátrica, 23.8% tinham história prévia de internação psiquiátrica e 28.8% com histórico de tentativa de suicídio. Foi calculado o valor médio dos escores de BDI dessa amostra que foi de 30.26 (±10.64), considerado como nível de depressão moderado. Percebeu-se um predomínio de diagnósticos de transtorno depressivo (52%) e transtorno de ansiedade (18%), seguido por diagnóstico de humor bipolar (13%). Essa amostra apresentou ainda um predomínio de transtorno de personalidade borderline (7%) e transtorno de personalidade obsessivo-compulsivo (4%).

Análises validade de critério concorrente

De acordo com as análises de validade concorrentes, entre os itens que compõem o eixo I do OPD, observou-se uma correlação significativa entre os domínios psicológico (r=0.339; p=0.010), social (r=0.350; p=0.008) e ambiental (r=0.265; p=0.048) da WHOQOL-BREF e a redução de sintomas avaliado pelo OPD-2. Identificou-se ainda um padrão de correlações negativas entre os escores da BDI (r= -0.150; p=0.029) e da SCL-90R (r= -0.283; p=0.040) com o item do OPD-2 que avalia recursos pessoais.




Entre os itens que compõem o Eixo III observou-se entre os resultados de análise de validade concorrente correlações significativas entre os domínios psicológico (r = 0.283; p = 0.037) e ambiental (r = 0.314 p = 0.019; r = 0.308 p = 0.024) da WHOQOL-BREF e conflitos de necessidade de cuidado versus autossuficiência e conflito de identidade. Ainda analisando os dados de validade concorrente deste eixo e os demais instrumentos, observou-se uma associação negativa entre os escores da BDI (r = - 0.171; p = 0.023) e o conflito de identidade, assim como entre o domínio físico da WHOQOL-BREF (p = - 0.326; r = 0.015) e conflito edípico.

Os resultados da análise de validade concorrente entre os itens que compõem o Eixo IV apontam para uma correlação significativa entre todos os itens que avaliam as condições estruturais da personalidade, autopercepção (r = 0.339; p = 0.015), percepção do objeto (r = 0.281; p = 0.046), autorregulação (r = 0.338; p = 0.015), regulação da relação objetal (r = 0.445; p = 0.001), comunicação interna (r = 0.441; p = 0.001), comunicação com o mundo externo (r = 0.447; p = 0.001), capacidade de vinculação com objetos internos (r = 0.359; p = 0.010), capacidade de vinculação com objetos externos (r = 0.456; p = 0.001) e o índice de psicoticismo da SCL-90R. Ainda a partir dessa análise encontraram-se correlações negativas entre os domínios físico (r = -0.296; p = 0.027) e social (r = -0.316; p = 0.018) da WHOQOL-BREF e a capacidade de regulação da relação objetal; capacidade de vinculação com objetos internos (r = -0.275; p = 0.040) e capacidade de vinculação com objetos externos (r = -0.272; p = 0.044) e o domínio social da WHOQOL-BREF.

Análises de validade de critério preditiva

Observou-se diferença entre as médias na avaliação estrutural, ou seja, avaliação do comprometimento de integração estrutural desses sujeitos, entre os pacientes com e sem internação (t= -2.337; gl=59; p=0.023). As médias da avaliação estrutural dos pacientes com hospitalização (=22.4; ±4.1) foram maiores quando comparadas com as médias dos pacientes que não haviam passado por internação psiquiátrica (=19.6; ±4.3). Também houve diferença de médias na avaliação estrutural entre pacientes com histórico de tentativa de suicídio (t=2.487; gl=56; p= 0.016). As médias dos pacientes com história de tentativa de suicídio (=22.2; ±4.4) foram maiores quando comparadas com as médias dos pacientes sem história de tentativa de suicídio (=19.3; ±4.1).

As demais análises de critério preditivas - avaliação de conflitos disfuncionais e os critérios de internação psiquiátrica, tentativas de suicídio e diagnóstico de depressão, e ainda avaliação estrutural e sintomatologia depressiva - não apresentaram diferenças entre médias significativas.

Analisando, posteriormente, cada item que compõem cada eixo em separado, observou-se diferenças de medianas significativas para validade preditiva entre itens do eixo IV que se propunham a avaliar a forma como o sujeito estabelece suas relações de objeto e o critério internação psiquiátrica. Itens que avaliaram percepção do objeto (mediana=3; IIQ [2,3]; p=0.016), autorregulação (mediana=2; IIQ [2,3]; p=0.016), regulação da relação objetal (mediana=2; IIQ[2,3]; p=0.004), capacidade de vinculação com objetos internos (mediana=2; IIQ[2,3]; p=0.031) apresentaram diferenças entre medianas para pacientes com e sem história prévia de internação psiquiátrica.

Analisando os itens que compõem a avaliação da organização estrutural, os resultados de validade preditiva foram significativos entre pacientes com história prévia de tentativa de suicídio, apresentando valores de mediana significativas em itens que avaliaram a autorregulação (mediana=2; IIQ[2,3]; p=0.015) e regulação da relação objetal (mediana=3; IIQ[2,3]; p=0.007) (Tabela 2).




Os itens que compõem o eixo IV do OPD-2 não apresentou concordâncias de validade preditiva significativas segundo o critério de diagnóstico de depressão avaliados dentro da amostra em estudo.

As análises de validade preditiva de medianas entre os itens que compõem o eixo I e o critério de história prévia de internação psiquiátrica apresentou concordâncias significativas entre os seguintes itens: presença de problemas e queixas psicológicas (mediana=2; IIQ[3,3]; p=0.010); resistências externas à mudança (mediana=3; IIQ[2,3]; p=0.004).

Quanto as análises de validade preditiva tendo como critério presença de história prévia de tentativa de suicídio os seguintes itens do eixo I apresentaram concordâncias significativas entre as medianas: recursos pessoais (mediana=3; IIQ[1,2]; p=0.020) e resistências internas à mudança (mediana=3; IIQ[2,3]; p=0.035).

Quanto as análises de validade preditiva tendo como critério o diagnóstico prévio de depressão os seguintes itens do eixo I apresentaram concordâncias significativas entre as medianas dos grupos: tipo de tratamento desejado: psicoterápico (mediana=3; IIQ[2,3]; p=0.038) e capacidade introspectiva (mediana=4; IIQ[2,3]; p=0.003).

Os itens que compõem o eixo III também foram analisados levando em consideração os mesmos critérios preditivos (história prévia de internação psiquiátrica, história de tentativa de suicídio e diagnóstico de depressão), mas não apresentaram concordâncias significativas dentro da amostra de pacientes.


DISCUSSÃO

Os resultados obtidos demonstram que, no que se refere aos estudos de validade de critério concorrente, o OPD-2 acompanha os resultados obtidos em instrumentos já validados e amplamente utilizados. As correlações significativas apresentadas especialmente entre o Eixo IV e os resultados da SCL-90R apontam para a boa possibilidade do instrumento em avaliar as condições estruturais dos sujeitos em situação de avaliação.

As associações encontradas podem servir de indicativo para compreender como esses pacientes que, durante a entrevista do OPD-2, manifestaram maiores comprometimentos nas condições estruturais de defesa e personalidade, apontando para níveis de desintegração da estrutura, sejam pacientes que também apresentaram pontuações mais elevadas no índice de psicoticismo da SCL-90R. Esses resultados servem para compreender como se comportam e se manifestam possíveis falhas existentes no processo de internalização e estabelecimento de uma constância objetal presentes em várias patologias e sintomatologias psiquiátricas1. Outros estudos que avaliaram o eixo estrutural do OPD-2(22-24), concluíram que o mesmo consiste em uma ferramenta válida e confiável para a mediação do funcionamento da personalidade

Os resultados obtidos, a partir das análises de validade concorrente, apontam ainda para correlações significativas entre aspectos associados a maneira como esses sujeitos foram avaliados segundo seu nível e capacidade de compreensão da doença, mostrando, por exemplo associação entre domínios de qualidade de vida, avaliados pela WHOQOL-BREF, e a manifestação de conflitos como de identidade e conflitos relacionados a necessidade de cuidados, assim como com redução de sintomas. Essas associações podem apontar que esses pacientes apresentem certos comprometimentos na maneira como vivenciam e mobilizam recursos saudáveis para a compreensão da doença e até mesmo para motivar-se com o tratamento.

O OPD-2 entende a manifestação de conflitos como resultado de representações contraditórias geradoras de sentimento de insegurança e desprazer, essa interpretação pode servir de norteador na compreensão de seus impactos na qualidade de vida desses sujeitos. Estudo realizado por Crempien9, utilizando-se do OPD para analisar como o funcionamento estrutural dos indivíduos interfere na manifestação de sintomas depressivos, identificou uma associação preditiva entre a gravidade dos sintomas depressivos como mediadora de efeito do funcionamento da personalidade sobre a qualidade de vida. Esse resultado também corrobora o achado do presente estudo onde se identificou uma correlação entre os sintomas depressivos e conflitos de identidade, podendo ser indicativo de que pacientes menos deprimidos sejam pacientes que vivenciem de maneira mais significativa conflitos de identidade.

Nos estudos de validade de critério preditiva, os resultados obtidos demonstraram que o Eixo IV do protocolo apresentou capacidade de discriminar, na amostra, pacientes com história prévia de internação psiquiátrica e também com história de tentativa de suicídio. Esses resultados podem indicar que pacientes com história prévia de internação psiquiátrica e tentativas de suicídio sejam pacientes que apresentam comprometimentos na organização estrutural das defesas e personalidade.

Autores apontam que uma melhor integridade estrutural (eixo IV) apresenta associação com uma melhora no curso de diferentes doenças psiquiátricas e na melhora de sintomas durante o tratamento psicoterápico(5, 13). Para Spitzer5, a forma como se estrutura a personalidade, as defesas e a percepção do objeto são importantes preditores para o sucesso da terapia. Para Vaillant25, os níveis de organização estrutural no funcionamento das defesas são preditores de saúde mental na vida adulta.

No que se refere a avaliação dos padrões de apresentação dos conflitos (eixo III), no momento de inclusão do paciente na pesquisa (baseline), se observou um aumento na forma como esses pacientes manifestaram seus conflitos após 6 meses. Isso com exceção do item que avalia o conflito de culpa (baseline=77.8%; seguimento=59.3%; p=0.0180) que apresentou diminuição nesse mesmo período. Esses resultados podem indicar como o processo de psicoterapia possivelmente proporcionou ao paciente estabelecer relações de proximidade, onde pôde experimentar sentimentos não elaborados ou vivenciar conflitos desadaptativos, observando-se, por meio da avaliação, que esses sujeitos possivelmente estariam apresentando seus conflitos de uma forma mais integrada e que o processo de psicoterapia possa ter servido como ferramenta no manejo desses conflitos.

Considerando que todo os participantes dessa amostra eram pacientes de um serviço de atenção psiquiátrica de alta complexidade de um hospital de atenção terciária do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, os resultados obtidos corroboram o nível de gravidade e complexidade na atenção ofertada a esses pacientes, que fica evidenciado pelo alto número de pacientes em uso de medicação psiquiátrica (72.5%), sendo esses, em sua maioria, com diagnóstico de transtorno depressivo (58%) e com alta taxa de tentativas de suicídio (28.8%). Nesse contexto, a oferta de um acompanhamento psicoterápico serve como alternativa na atenção e promoção de saúde a esses pacientes. Servindo o presente estudo não apenas para analisar a qualidade dos padrões psicométricos de um protocolo de avaliação diagnóstica como também para avaliação de seguimento na melhora de sintomas e evolução desses pacientes ao longo do tratamento26.

No que se refere especialmente ao número de participantes, os resultados obtidos sugerem que a versão brasileira do OPD-2 tem boa condição de avaliar propriedades psicodinâmicas, podendo ser um instrumento útil dentro dos contextos clínico e em pesquisa.

Com este estudo foi possível perceber que a aplicação do OPD trouxe evidentes benefícios ao processo de clarificação das condições mentais do paciente diante de suas situações de vida habitual. Os resultados apresentados demonstram as diferentes formas de utilidade e versatilidade na administração do protocolo OPD-2. Sendo útil na prática clínica e diagnóstica, contribuindo para a possibilidade de padronização das observações de avaliação incluindo pacientes de um serviço de atenção psiquiátrica de alta complexidade de um hospital de atenção terciária do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil.

Limitações

O presente estudo apresentou limitações quanto a seus resultados. Mesmo aceitando que o OPD-2 tenha se mostrado um instrumento para diagnóstico psicodinâmico confiável e válido, as principais limitações desse estudo reforçam que o instrumento muitas vezes possa oferecer uma percepção limitada no que se refere a maneira como cada avaliador interpreta as informações obtidas durante a entrevista, oferecendo uma concepção restrita de como cada avaliador compreende o mundo interno dos sujeitos baseando-se somente nas informações obtidas durante a avaliação. Em estudos anteriores, observou-se, como principais limitações, que a capacidade de generalização de seus achados foram decorrentes especialmente dos diferentes métodos de coleta de dados adotados. Muitos dos estudos já publicados se utilizaram de sessões gravadas anteriormente para pontuar o instrumento ou mesmo essa pontuação foi realizada por profissionais que não receberam o treinamento específico para o uso do protocolo ou mesmo as entrevistas gravadas não foram conduzidas levando em consideração as indicações de aplicação propostas pelo manual. Em alguns estudos não estava especificado, ao menos, como foram conduzidas essas entrevistas ou mesmo informações sobre os avaliadores que pontuaram o instrumento. No presente estudo, todas as entrevistas foram realizadas presencialmente por avaliadores que receberam treinamento especifico para utilização do protocolo e condução da entrevista.


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a Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Center of Clinical Research, Hospital de Clínicas de Porto Alegre - Porto Alegre- RS - Orcid - 0000-0003-0152-2321
b Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Center of Clinical Research, Hospital de Clínicas de Porto Alegre - Porto Alegre - RS - Orcid - 0000-0001-6149-951X
c Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Center of Clinical Research, Hospital de Clínicas de Porto Alegre- Porto Alegre - RS - Orcid - 0000-0002-7650-8631
d Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Center of Clinical Research, Hospital de Clínicas de Porto Alegre- Porto Alegre - RS - Orcid - 0000-0002-6831-3308
e Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Center of Clinical Research, Hospital de Clínicas de Porto Alegre- Porto Alegre - RS - Orcid - Orcid - 0000-0002-9909-9818
f Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Center of Clinical Research, Hospital de Clínicas de Porto Alegre- Porto Alegre - RS - Orcid - 0000-0002-7260-3033

Correspondência

Neusa Sica da Rocha
nrsica@gmail.com

Fontes de financiamento:
Hospital de Clínicas de Porto Alegre Research Incentive Fund (FIPE)
Fundação de Amparo à Pesquisa do RS - 19/251-0001930-0
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - 303652/2019-5

Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Center of Clinical Research, Hospital de Clínicas de Porto Alegre - Porto Alegre - RS

 

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