Rev. bras. psicoter. 2020; 22(2):83-89
Pereiraª MD, Bezerra CMO. Intervenção cognitivo-comportamental em uma paciente com Parkinson - psicoeducação do sono na clínica universitária de Psicologia de Aracaju, SE: um relato de caso. Rev. bras. psicoter. 2020;22(2):83-89
Relato de Caso
Intervenção cognitivo-comportamental em uma paciente com Parkinson - psicoeducação do sono na clínica universitária de Psicologia de Aracaju, SE: um relato de caso
Cognitive-behavioral intervention in a patient with Parkinson's - sleep psychoeducation at the university clinic of Psychology in Aracaju, SE: a case report
Intervención cognitivo-conductual en un paciente con Parkinson: psicoeducación del sueño en la clínica universitaria de psicología de Aracaju, SE: reporte de un caso
Mara Dantas Pereiraª; Claudia Mara de Oliveira Bezerrab
Resumo
Abstract
Resumen
INTRODUÇÃO
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é caracterizada por integrar tratamentos que tentam modificar o comportamento manifestado pelo indivíduo, alterando os pensamentos, interpretações, suposições e estratégias de resposta. Onde compartilha de três fundamentais pilares: (1) a atividade cognitiva afeta o comportamento, (2) a atividade cognitiva pode ser monitorada e modificada e (3) a mudança no comportamento desejado pode ser afetado pela mudança cognitiva1.
Nesse sentido, Gilbert e Leahy2 salientam que a relação terapêutica sempre foi considerada importante na TCC com a sequente associação: escuta cuidadosa, consideração positiva e empatia. No qual, o foco da terapia está relacionada ao desenvolvimento de habilidades colaborativas, para facilitar que o terapeuta guie o cliente elaborando a formulação cognitiva, convidando o cliente a explorar ideias e pensamentos alternativos2.
Neste contexto, Dattilio e Freeman3 destacam que a TCC é um modelo de terapia psicoeducacional, onde o cliente alcança habilidades para lidar de forma mais eficaz com seus próprios pensamentos e comportamentos disfuncionais, o terapeuta ajuda o cliente a adquirir várias estratégias de enfrentamento para as exigências presentes e futuras da vida. Deste modo, o modelo da TCC é marcado pela junção do social e interpessoal, em que são observadas as relações do sujeito com seus familiares, amigos e colegas de trabalho. No qual, todos esses elementos são pontos fundamentais para a terapia, em contrapartida, se o indivíduo estiver isolado pode haver inúmeros espaços em sua rede de recursos que devem ser preenchidos3.
Em decorrência do envelhecimento populacional, nota-se que a partir do estudo de Malhotra4 identifica-se que cerca de mais de 1% da população idosa com faixa etária de 60 anos apresente desordens neurodegenerativas cerebrais, comumente presentes com volubilidade postural e quedas, podendo destacar adoença de Parkinson4.
A Doença de Parkinson (DP) é um distúrbio caracterizado pela perda das células e acúmulos anormais de proteína em células do cérebro. Originando-se manifestações dos subsequentes sintomas de tremor, rigidez muscular, desiquilíbrio, insônia e déficits cognitivos graduais4.
Conforme Shafazand e Colaboradores5, os sintomas psicológicos desta patologia, estão cada vez mais sendo reconhecidos como relevantes aos geradores de morbidade e incapacidade em paciente com DP. Durante um estudo realizado com idosos diagnosticados precocemente com Parkinson, dispondo de uma amostra composta por 1.072 pacientes, obteve-se o seguinte dado, que 50% dos pacientes apresentam sintomas como: distúrbios do sono, depressão, ansiedade e fadiga. Em vista disso, a relação entre a insônia e a DP surge correlacionada ao transtorno de comportamento do sono Rapid Eye Movement (REM) "movimento rápido dos olhos", sendo capaz de preexistir a partir dos sintomas, tais como, dificuldade motora, sonolência diurna excessiva e apneia do sono. Como resultado, prejudica a qualidade do sono e provoca lesões cognitivas5.
Para Marinus e Colaboradores6 é fundamental ressaltar que pacientes com DP são mais propensos ao desenvolvimento de demência mesmo quando diagnosticados de maneira precoce. Denotam leves déficits cognitivos, cerca de 50% dos pacientes com o avançar da doença, leva a progressão para a demência, consequentemente provocando a degradação cognitiva6. Cabe ainda citar, que na contemporaneidade alguns estudos relacionados aos Distúrbios do Sono (DS) com portadores da DP, indicam que os DS são preponderantes nesses pacientes, com base em evidências epidemiológicas que discutem a interferênciada insônia sobre a vulnerabilidade no Parkinson7.
Nessa perspectiva, Chahine e Colaboradores8 salientam que há uma predominância dos DS entre pacientes com DP. No qual, é realizado o diagnóstico através do exame do sono "Polissonografia" com uma porcentagem de 46% de casos. Diante dos achados, percebe-se que no estágio inicial há uma prevalência menor de 30%, podendo ser destacado eventos comportamentais do sono REM, ou seja, comportamentos motores voluntários encontrados na fase inicial do diagnóstico da DP8.
Nesse caso, o risco de problemas do sono na DP são grandes devido aos DS, que estão sendo reconhecidos clinicamente pela sua relevância neste grupo de pacientes, os problemas podem ocorrer no sistema pré-motor durante a fase inicial, e nos pacientes sem diagnóstico precoce, ou seja, em estágios avançados da doença. Os DS estão correlacionados a outros sintomas não motorizados, produzindo déficits cognitivos, comumente associados à debilidade em relação à memória, afetando consideravelmente a qualidade de vida do portador da DP9.
Nessa circunstância, é imprescindível altear os problemas de sono como insônia, síndrome das pernas inquietas, movimentos periódicos dos membros, distúrbio comportamental do sono REM, apneia obstrutiva do sono e sonolência diurna excessiva. Trazendo recorrência em pacientes com distúrbios do movimento com realce na DP, onde manifestam atrofia de múltiplos sistemas, paralisia supranuclear progressiva, degeneração corticobasal e sonolência, das quais são umas das principais características da demência do corpo de Lewy, sendo necessário iniciar-se o tratamento com fármacos agonistas da dopamina, como por exemplo, a levodopa10.
Diante destas informações, Iranzo11 ressalta que regularmente os portadores da DP exibem transtornos de comportamento durante o sono REM, manifestando as seguintes reações motoras, emocionais e vocais: chutar, gritar, chorar, rir, além de sonhos desagradáveis. O diagnóstico para este tipo de transtorno é feito através do exame do sono, onde são avaliadas as estruturas do tronco cerebral que regulam a atonia muscular durante o sono REM11.
Na contemporaneidade, existem como formas de tratamento de DS, em geral a psicoeducação, por meio da combinação da farmacoterapia e a psicoterapia. Especificamente, em pacientes com DP os DS são acompanhados mediante de intervenções voltadas a higiene do sono aliado a terapêutica farmacológica com o uso do medicamentos12.
A narrativa central que percorre este estudo, é o relato de uma intervenção realizada em uma Clínica escola de Psicologia com base nos preceitos da TCC, conhecendo o processo de psicoeducação do sono em um trabalho colaborativo com a paciente Lua portadora da DP, além de ressair o suporte obtido em todo o processo de tratamento, por meio da supervisão clínica na abordagem utilizada.
Em face do exposto, o presente estudo tem como objetivo discutir sobre o processo de psicoeducação do sono através de uma intervenção psicoterápica orientada pela TCC para o tratamento de uma paciente com DP. Deste modo, salientamos que a partir da conceituação cognitiva é possível realizar ações com o intuito de suceder uma reestruturação cognitiva para obter mudança diante das alterações no sono.
MÉTODO
Participante e localização da realização do estudo
Trata-se de um estudo de caso realizado no período de março a maio de 2019, totalizado 16 sessões efetuadas com a paciente "Lua" (Nome fictício), sendo que seus atendimentos foram realizados durante o Estágio Supervisionado Clínico em um Clínica-escola de Psicologia, do Departamento de Psicologia da Universidade Tiradentes (UNIT). Desta maneira, foi obtido da paciente o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), devidamente assinado, consentido o desejo para participação desta pesquisa.
Instrumentos
Foram utilizadas técnicas orientadas pela TCC para condução clínica do caso, destacando-se a higiene do sono (consiste em alterar comportamentos e adequa-se ao ambiente, a fim de propiciar melhoramento no sono, sem necessidade de terapia medicamentosa. As ações que compõem a higiene do sono passam pela alimentação leve antes de deitar, a organização do ambiente e a rotina determinada para dormir)13 e o treino de relaxamento profundo (a atividade consiste em enrilhar e relaxar grupos musculares específicos em prossecução, começando pelos membros inferiores, sequentes pelos superiores em seguida pelo o tronco e a cabeça. Assim, tem êxito, pois essa contração e afrouxamento da musculatura contribuem para amenizar a tensão, reduzir a pressão arterial e redirecionar o foco dos pensamentos inquietantes)14.
Inventário de Ansiedade de Greenberger e Padesky20: utilizado com o objetivo de compreender os sintomas ansiogênicos da paciente. O inventário de ansiedade é composto por uma escala tipo Likert com 24 itens, cada tem pontuação de: 0 (nem um pouco), (às vezes), 2 (frequentemente), 3 (a maior parte do tempo) resultando em um escore que pode variar de 0 a 72.
Inventário de Depressão de Greenberger e Padesky20: utilizado com a intenção de investigar os indícios de sintomas depressivos da paciente. O inventário de depressão é composto por uma escala tipo Likert com 19 itens, cada item possui pontuação de: 0 (nem um pouco), (às vezes), 2 (frequentemente), 3 (a maior parte do tempo) podendo variar de 0 a 57 em seu escore.
Entretanto, não há padrão de pontuação definidos pelos autores dos instrumentos, mas no contexto clínico é utilizado com a finalidade de proporcionar ao terapeuta o acompanhamento e a evolução dos sinais de ansiedade e depressão, pois versa sobre as mudanças cognitivas, comportamentais, emocionais e físicas, manifestadas pela paciente no decorrer das sessões20.
Procedimentos
Lua era uma mulher de 59 anos e de boa aparência que articulava bem as palavras, mostrando-se inteligente e comunicativa. Era profissional do setor administrativo de uma biblioteca, área em que concluiu seu ensino técnico. Procurou atendimento médico, pois manifestava os subsequentes sintomas de palpitação e tremores. No qual, por intermédio de uma avaliação médica foi sabido que sua pressão se encontra com níveis pressóricos normais. Desta maneira, foi admitido por ela que esses sintomas eram pertencentes a níveis elevados de ansiedade.
Durante nosso diálogo, Lua afirmou que buscou ajuda e foi acolhida em plantão em uma Clínica-escola por um estagiário no dia 26 de outubro de 2018. No atendimento ela informou que foi diagnosticada há 6 anos atrás com DP e apresentando os sintomas físicos citados acima; associados ao recorrente medo de ficar sozinha em determinados ambientes e situações. Logo, podemos atestar na seguinte fala "tenho medo de passar mal em lugares públicos e não ter uma assistência médica correta, pelo fato que não tenho no momento um plano de saúde".
Em relação à doença, a paciente enfatiza que procurou ajuda médica no passado, ao perceber sua dificuldade de realizar atividades motoras no ato de escrever. No qual, até o momento segue o tratamento de modo correto como recomendado pelo seu médico atual. Nesse sentido, seu caso é acompanhado por uma equipe multiprofissional constituída por: um neurologista, encarregado por realizar a avaliação neurológica e a administração de sua medicação; um fisioterapeuta com a atribuição de auxiliar a paciente em sua terapia física com o objetivo de restabelecer seu senso de equilíbrio; e uma assistência psicológica através do serviço de uma estagiária em formação em Psicologia tendo todas suas atividades supervisionadas por uma docente capacitada na área.
Em sequência, sobre sua medicação, Lua ressalta que toma 3x ao dia o medicamento Prolopa® (Levadopa) relativo ao grupo dos antiparkinsónicos, utilizado como terapêutica de primeira escolha para retardar os sintomas DP. Além do uso do Rivotril® (Clonazepam) um ansiolítico da classe dos benzodiazepínicos, prescrito pelo seu neurologista, para auxiliar em seu tratamento, caso haja manifestações de crise de pânico, e por fim, o uso do medicamento Cittá® (Citalopram) da classe dos antidepressivos, recomendado como recurso terapêutico para controlar os sintomas da depressão, com a finalidade de elevar os níveis de serotonina. Ademais, enfatizamos que por meio do plano terapêutico estabelecido em conjunto com Lua, para a elaboração das ações, estratégias e metas que conduzirão o seu processo psicoterápico, realçando que se visa um trabalho colaborativo (paciente e terapeuta).
ANÁLISE DOS DADOS
Caso Clínico
Lua enfatiza que neste momento, sente-se "calma" em relação à aceitação da DP, relatando que sente o desejo de fazer terapia para a auxiliar na identificação de sua problemática, em um trabalho colaborativo (terapeuta e paciente), com o objetivo do estabelecimento de uma melhoria na qualidade de vida.
No primeiro momento, a paciente traz as queixas de insônia ("não consigo dormir!") e ansiedade (por manifestações de sintomas fisiológicos que dificultam seu cotidiano), no tocante de seu relacionamento familiar, Lua relata que sua relação com a irmã é boa podendo contar com ela para qualquer situação, ao falar sobre sua mãe, cita que ela está em um estado debilitado e que já fez a função de cuidadora, que agora está com sua irmã este cargo. Ao se descrever em termos de personalidade, expõe ser calma e paciente sempre buscando ajudar os outros e não fazer julgamentos.
Ao pontuar sobre seu trabalho, a paciente logo relembra de seu emprego em uma companhia de energia elétrica, um ambiente dominado por colegas do sexo masculino, onde ela era constantemente julgada como "frágil", como ela patenteia nas seguintes falas: "vai quebrar a unha, tem que retocar o batom, etc". Sendo impreterível, ressaltar o evento onde houve a designação de cumprimento de uma atividade, mas houve o questionamento do chefe a questionou se ela teria a capacidade de realizar a incumbência, a paciente exclama que reagiu diante dessa situação com bons argumentos, em seguida ao evento nunca mais foi intitulada como"frágil", passando a ser considerada por suas competências.
No Quadro 1 abaixo a paciente descreve sobre os sintomas manifestantes da DP, a partir de dois eventos.
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