Rev. bras. psicoter. 2020; 22(2):69-81
Silva KA, Rückert MLT. Intervenções psicológicas no tratamento de pacientes com comportamento suicida na Terapia Cognitivo Comportamental. Rev. bras. psicoter. 2020;22(2):69-81
Artigo Original
Intervenções psicológicas no tratamento de pacientes com comportamento suicida na Terapia Cognitivo Comportamental
Psychological interventions in the treatment of patients with suicidal behavior in Cognitive Behavioral Therapy
Intervenciones psicologicas en el tratamiento de pacientes con conducta suicida en Terapia Cognitiva Conductual
Karina Antunes da Silva; Monique Lauermann Tassinari Rückert;
Resumo
Abstract
Resumen
INTRODUÇÃO
O suicídio é descrito pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como o ato deliberado de matar a si mesmo. Compreende atos intencionais realizados pelo próprio indivíduo com o objetivo de morrer, utilizando meios que acredita ser letais1. O comportamento suicida esteve presente desde os primórdios da humanidade, ganhando diferentes significados conforme a cultura, civilização e momento histórico. O termo suicídio apareceu pela primeira vez no século XVII, com origem do latim "sui" (de si próprio) e "caedere" (matar), anteriormente eram mencionados termos como autohomicídio e morte voluntária2.
O suicídio tem sido abordado a partir de muitas perspectivas e tornou-se interesse de muitos campos de estudo, tais como a filosofia, a sociologia e a teologia. Entretanto, foi após a Revolução Industrial no século XIX e as profundas mudanças sociais decorrentes desse período, que se iniciou a descriminalização do suicídio e o número de estudos científicos sobre o tema na estatística, bioética e neurociências aumentou consideravelmente. A partir de 1990, a Organização Mundial da Saúde passa a tratar desse tema como um problema de saúde pública, lançando documentos para divulgar estatísticas, estudos científicos e mobilizar países para fomentar estratégias de prevenção, que até então, eram abordadas por organizações não governamentais, geralmente vinculadas a instituições religiosas e filantrópicas2.
As publicações científicas se utilizam de uma variedade de termos e definições em referência ao comportamento suicida, que podem indicar especificamente atos suicidas/tentativas de suicídio ou ainda abranger um espectro maior de comportamentos, como automutilação, autoagressão, gestos suicidas, parasuicídio, entre outros3,4. Apesar da variação quanto à terminologia na literatura, autores apontam que o comportamento suicida pode ser compreendido em um continuum5,6. Desse modo, não se trata de um evento isolado, mas de uma experiência recorrente7, que envolve ideação, planejamento, tentativa e o suicídio propriamente dito6,8.
De acordo com a OMS9 (p. 1) "os suicídios resultam de uma complexa interação de fatores biológicos, genéticos, psicológicos, sociológicos, culturais e ambientais", seriam, desse modo, um desfecho para uma série de condições (de natureza interna e externa) que se somam no decorrer da história do indivíduo. Fatores de risco incluem idade, gênero, status socioeconômico e níveis de educação mais baixos, perda de emprego, problemas familiares, perdas pessoais, eventos adversos na infância como abusos físicos e sexuais, sentimentos de baixa autoestima e desesperança, perturbações mentais, falta de controle de impulsividade e comportamentos autodestrutivos, doenças crônicas ou incapacitantes, acesso a meios letais, entre outros1,9. A Associação Brasileira de Psiquiatria1 ressalta, contudo, que os dois maiores fatores de risco são: 1) tentativas prévias, já que aumenta de 5 a 6 vezes a probabilidade de uma nova tentativa de suicídio. Em média, metade dos indivíduos que cometeram suicídio já haviam realizado tentativa anterior e 2) transtornos mentais, já que quase todos os suicidas apresentavam sinais de transtorno mental, algumas vezes não diagnosticados, não tratados ou tratados de forma inadequada.
Os fatores de risco de suicídio podem ser avaliados como: fatores predisponentes, aqueles que tornam o indivíduo mais suscetível, como os transtornos psicológicos, suicídio na família, impulsividade/agressividade e abusos; e fatores precipitantes, situações mais próximas do momento presente do indivíduo e que podem desencadear a crise suicida, tais como derrocada financeira, separação conjugal, conflitos familiares, entre outros2.
O número de mortes por suicídio é alarmante, e é possível que haja prejuízos nos dados devido à subnotificação2, tornando esta uma questão mundial de saúde pública. De acordo com dados divulgados pela Organização Mundial de Saúde10, o suicídio encontra-se entre as 20 maiores causas de morte no mundo, sendo a causa da morte de 800.000 pessoas, em média, a cada ano. A taxa global de suicídio aponta uma morte a cada 45 segundos no mundo. No Brasil, são 32 mortes por dia. Estima-se que o número de tentativas de suicídio seja superior ao suicídio em 10 vezes e não há registros dessa informação de modo abrangente em nenhum país2.
A alta incidência do suicídio já torna esse um tema de muita relevância. Além disso, há o impacto social e econômico decorrentes de tentativas e atos suicidas, e o efeito psicológico e social sobre o comportamento do indivíduo, da família e de seu círculo de convívio. Estima-se que para cada morte por suicídio, cerca de seis a dez pessoas sejam afetadas11. Amigos, familiares, colegas, profissionais que atenderam o indivíduo, e outras pessoas que vivem o enlutamento por suicídio são chamados de sobreviventes12. O comportamento suicida apresenta-se como uma demanda importante para os profissionais de saúde mental, apesar disso, muitos estudantes de Psicologia não possuem em seus cursos de formação disciplinas dedicadas a prevenção do suicídio5 e muitas discussões não fornecem subsídios que instrumentalizem os profissionais para a atuação em tentativas de suicídio6. Essa é uma condição que requer intervenções eficazes e efetivas para seu tratamento. A Terapia Cognitivo Comportamental tem uma ampla base de evidências nas perspectivas de estudo e de prática clínica, com diversas publicações que apontam sua eficácia na redução de sintomas e no tratamento de diferentes condições de saúde mental7,13,14, mostrando-se uma alternativa viável para pacientes com comportamento suicida13,15.
Segundo Wenzel (p. 1) "a Terapia Cognitivo Comportamental é uma abordagem depsicoterapia ativa, semiestruturada e limitada em relação ao tempo cujo objetivo é aliviar problemas de saúde mental e de adaptação [...]". É descrita como ativa, pois o paciente trabalha de forma colaborativa com o terapeuta, durante a sessão e em sua rotina, para o alcance de resultados; semiestruturada considerando que o terapeuta traz, mesmo que de forma flexível, uma organização para a sessão e para o curso de tratamento e limitada em relação ao tempo, pois o tratamento é iniciado com a perspectiva de que em algum momento será concluído e o paciente terá ferramentas terapêuticas que poderá fazer uso por sua própria conta, tornando-se um "autoterapeuta"16. O empirismo colaborativo entre terapeuta e paciente, a natureza focal no problema, a estrutura, a ênfase psicoeducacional e o uso de tarefas de casa são aspectos característicos dessa abordagem17.
A terapia cognitivo comportamental se concentra na relação entre a cognição e as respostas emocionais e comportamentais do indivíduo, entendendo que o processamento cognitivo das situações experimentadas e do ambiente ao seu redor interfere em sua emoção e comportamento. Dessa forma, ao interpretar de forma mais adequada e assertiva suas experiências, o indivíduo apresentará reações mais funcionais e adaptativas, enquanto que, avaliá-las de forma distorcida e equivocada, pode implicar em sofrimento emocional e gerar respostas disfuncionais e estratégias de enfrentamento desadaptativas. Os significados das situações que vivencia são avaliados instantaneamente, gerando os chamados pensamentos automáticos. Porém, no decorrer da vida, iniciando-se na infância, formam-se padrões de pensamentos, que podem ser entendidos como regras para o processamento de informação, estabelecendo-se crenças centrais que influenciam o modo como vê a si e ao mundo8. O conjunto dessas crenças é denominado de esquemas e, por sua vez, afetam as memórias das experiências passadas, bem como o seu desenvolvimento futuro14.
Considerando que a terapia cognitivo comportamental baseia-se no princípio de que o conteúdo e o processo do pensamento são passíveis de ser conhecidos e modificados, levando a mudanças também nas respostas às situações14, assim o processo psicoterapêutico auxilia na identificação do processo cognitivo disfuncional, no aprendizado de estratégias para modificá-lo e no desenvolvimento de comportamentos funcionais, reduzindo o sofrimento emocional18.
Muitas estratégias da terapia cognitivo comportamental abrangem elementos cognitivos e comportamentais no tratamento. No que se refere aos aspectos cognitivos o terapeuta auxilia o paciente a identificar aspectos do pensamento que não são favoráveis e a intervenção pode ocorrer no sentido de modificar essas cognições; de aceitação, distanciando-se dessas cognições de modo que reduz seu impacto e pode viver de forma saudável a despeito delas e ainda; com o treino de habilidades e condutas que resolvam situações problemas, de forma que uma mudança no pensamento possa ocorrer. Nos aspectos comportamentais, os terapeutas auxiliam o paciente no enfrentamento de situações, superando a evitação, no emprego de hábitos funcionais de autocuidado, no desenvolvimento de habilidades adequadas para lidar com desafios e adversidades e no envolvimento com atividades significativas16.
O presente estudo trata-se de uma revisão narrativa da literatura que tem por objetivo compreender o suicídio sob a perspectiva da Terapia Cognitiva Comportamental e discorrer sobre intervenções e técnicas pautadas nessa abordagem para tratamento de pacientes com comportamento suicida. Realizou-se inicialmente uma busca de publicações científicas nos bancos de dados online Pubmed, BVS - Biblioteca Virtual em Saúde - e LILACS - Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde - com os descritores "intervenção", "suicídio" e "Terapia Cognitivo Comportamental" nos idiomas português e inglês, ampliando posteriormente a busca para sites de universidades e manualmente em literatura impressa. Determinou-se o intervalo temporal de 10 anos, excluindo estudos anteriores a 2010 e cujos textos completos estavam indisponíveis.
O SUICÍDIO NA PERSPECTIVA DA TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL
O modelo cognitivo comportamental pressupõe que o modo como os indivíduos pensam, reflete em como se sentem e como se comportam. Nesse sentido, não são os eventos ou o ambiente em si que geram implicações emocionais ao indivíduo, mas sim as suas crenças, inferências e percepções em relação aos mesmos. O processamento cognitivo, ou seja, a avaliação/interpretação dos acontecimentos e do ambiente estão estreitamente relacionados às respostas emocionais e comportamentais. Assim, dificuldades emocionais e comportamentais, dentre elas, o comportamento suicida, resultam de representações distorcidas e processos de pensamentos desadaptativos, aprendidos em algum momento8.
As distorções cognitivas frequentemente relacionadas ao comportamento suicida são abstração seletiva ou visão em túnel, em que o indivíduo tende a perceber a realidade de forma seletiva, evidenciando aspectos negativos e desconsiderando dados contrários; pensamento dicotômico, em que a realidade é analisada de forma dualista e extrema, como "tudo ou nada", descartando perspectivas intermediárias; supergeneralização em que se entende que um resultado ou evento negativo aplica-se a todas as demais situações, tornando-se um padrão que se repetirá continuamente, nesse caso, revela seu pensamento com uso de palavras como "sempre" ou "nunca"19. São descritas ainda a catastrofização, em que as situações são avaliadas de forma exagerada e a personalização, em que o indivíduo responsabiliza-se por uma situação externa, desconsiderando outros fatores2,20. Essas cognições rígidas tendem a gerar respostas afetivas desadaptativas, então o indivíduo não acredita que possui recursos para lidar os problemas, tem dificuldade para visualizar e implementar possíveis soluções e vê a si e ao futuro de forma negativa20. A desesperança mostra-se um indicador para o comportamento suicida, já que é uma cognição de um futuro sem perspectivas, em que ideias como "as coisas nunca irão melhorar", "eu jamais serei feliz", "não há razões para viver" comprometem a motivação e desejo pela vida e dificultam que o paciente vislumbre outras alternativas para enfrentamento dos problemas8. Assim, quanto mais pronunciada a desesperança, revelaria maior risco de suicídio2,19.
O processamento cognitivo distorcido, a aparente ausência de soluções adaptativas e as alterações de humor decorrentes podem levar a comportamentos desadaptativos como o ato suicida20. Assim, a ideia de suicídio pode representar um alívio, uma alternativa para saída da condição em que está8. O suicídio pode ser compreendido como um comportamento extremo de esquiva, por meio do qual o indivíduo evita uma situação que lhe gera intenso sofrimento e dor2. Botega2 refere que a teoria do desamparo aprendido também explica o comportamento suicida, nesse caso, representaria uma incitação ao amparo, buscando respostas de cuidado e proteção. O comportamento suicida comunicará sua angústia e, talvez, possa provocar mudanças no ambiente.
Em suma, os processos psicológicos desadaptativos constroem um "esquema suicida" (entendendo esquema como uma estrutura mental que modela o processamento das experiências) que é ativado diante de estressores e podem ser reforçados a cada crise suicida7.
INTERVENÇÕES E TÉCNICAS
O objetivo primordial diante de um paciente com comportamento suicida é, a curto prazo, mantêlo em segurança, preservando sua vida e a média prazo, mantê-lo estável. Isso implica em ações rápidas e objetivas que devem ser realizadas conforme a avaliação de risco2. Manter o paciente seguro requer afastar meios letais, oferecer apoio e monitoramento, contato com outros profissionais e serviços para tratamento com psicofármacos e, diante de risco iminente de suicídio, encaminhar para internação psiquiátrica. Para que esses cuidados sejam possíveis, o profissional deve identificar pessoas significativas e mobilizá-las para oferecer esse suporte. O risco de suicídio é uma condição clínica grave, de modo que manter a segurança do paciente precede a confidencialidade, é desejável obter a aceitação do paciente e informar um familiar ou pessoa de confiança, com o objetivo de construir uma rede de proteção. Essa comunicação é mandatória, devendo ser realizada mesmo quando o paciente é adulto2. Assim, é importante esclarecer, já no contrato terapêutico, que diante de risco de vida, o sigilo profissional pode ser quebrado. Sugere-se que o paciente indique duas pessoas e seus contatos telefônicos, cujo papel será de rede de apoio e poderão ser acessados pelo paciente ou psicoterapeuta em situações de crise6. Quando a família ou pessoa de confiança é informada sobre a intenção ou o ato suicida, é possível que seja tomada de uma explosão de emoções e reações intensas e, por vezes, ambivalentes, tais como preocupação, medo, culpa, raiva, cansaço. Pode ser necessário mudar sua rotina e implementar medidas intensivas de cuidado, algo para o qual não estava preparado. Dessa forma, é importante que o profissional faça orientações, esclarecimentos e preste apoio aos mesmos2.
Além do recrutamento de familiares/amigos para suporte nas crises, é fundamental que o psicoterapeuta esteja disponível para sessões regulares e de urgência e para telefonemas. Botega2 sugere telefonemas periódicos programados pelo psicoterapeuta, além do atendimento aos telefonemas realizados pelo paciente. Prover um apoio sólido, geralmente oferece segurança para o paciente.
O tratamento efetivo do comportamento suicida, bem como de outras condições clínicas, tem início com o estabelecimento de uma relação terapêutica de confiança. Dattilio e Freeman apud Silva, Siegmund e Bredemeier apontam o estabelecimento da relação terapêutica como a primeira etapa em um protocolo para tratamento em Terapia Cognitivo Comportamental em situações de crise21. Uma aliança terapêutica alicerçada na cordialidade, empatia, respeito, atenção e competência é uma prioridade, buscando compreender os motivos que levam o paciente a considerar o suicídio, empatizando e validando seu sofrimento, enfocando nos problemas e situações que o precipitam19.
Na crise suicida, os recursos cognitivos e a esperança do paciente estão enfraquecidos, sua capacidade de avaliar a realidade e visualizar alternativas diferentes está comprometida. Sendo assim, o profissional assume uma postura proativa, em que indica e sugere estratégias e condutas, toma decisões emergenciais, caso o pacientenão tenha condições para desempenhar esse papel, e reforça ideias e atitudes adaptativas, demonstrando sua concordância e aprovação2. O psicoterapeuta atua como apoio externo para ampliar os recursos limitados do paciente naquele momento, tanto no que se refere aos problemas, aumentando seu repertório de enfrentamento, quanto pra manter sua adesão ao tratamento, já que a desesperança, crença fortemente presente no paciente com comportamento suicida, pode deixá-lo desacreditado8.
Na fase inicial do tratamento, uma etapa fundamental é o desenvolvimento, em conjunto com o paciente, de um plano de segurança ou plano pessoal de emergência que possam auxiliá-lo nos momentos de crise, evitando os atos suicidas. Neste plano deve constar uma lista de situações gatilhos, que potencialmente ativem a ideação suicida; os sinais que antecedem a crise e sugestões de ferramentas e atividades que minimizem esses pensamentos e reduzam a intensidade da resposta emocional2,8,22, tais como Lista de razões para viver, Cartões de enfrentamento com frases que podem trazer conforto e melhorar o humor, lista de atividades que costumam ser agradáveis para o paciente como tocar um instrumento musical, assistir TV ou sair com amigos22 . Além disso, no plano deve conter a indicação de duas ou mais pessoas que podem apoiá-lo e a maneira de acessá-las; contato dos profissionais/serviços que estão lhe acompanhando e contatos de serviços de crise como o Centro de Valorização da Vida e dos serviços de emergência2,8.
Duarte e Tassinari23 utilizam o acrônimo da palavra VIDAA para descrever 5 passos importantes no processo de enfrentamento do comportamento suicida, sendo estes: V - veja quando precisa de ajuda, I - imagine motivos para viver e para não morrer (entendendo os motivos para viver como aqueles relacionados ao que o paciente ainda tem para viver, porque estar vivo no futuro e motivos para não morrer relacionados ao impacto que a morte causaria para si e para as pessoas ao seu redor), D - distraia-se sozinho ou com outras pessoas, como as emoções são transitórias e sua intensidade tende a baixar, mudar o foco e distrair-se com outras atividades pode ajudar, A - Ampare-se e busque amparo de forma que o paciente procure sua rede de apoio e A - abrace-se, em que o indivíduo é convidado a olhar para o futuro com aceitação, entendendo que os pensamentos podem retornar, porém ter tentado lidar com eles e manter-se tentando o torna vencedor.
Nessa fase inicial a psicoeducação também é importante: o paciente, e até mesmo os familiares/amigos, serão informados sobre a necessidade de restringir acesso a meios perigosos e potencialmente letais, sobre o caráter transitório dos sintomas e sobre omodelo cognitivo, para que compreendam a relação dos pensamentos com as emoções e comportamentos24,25. Embora alguns estudos não façam referência ao termo psicoeducação, utilizam estratégias semelhantes oferecendo informações sobre transtornos psicológicos, gerenciamento do estresse e outros temas pertinentes21.
Estudos apresentaram a intervenção da Terapia Cognitiva Comportamental, dividindo-a em módulos, tais como identificação de pensamentos, reestruturação cognitiva, ativação comportamental, regulação de humor e outros22,25,26,27. Apesar de pequenas variações nos tópicos trabalhados nesses módulos, em geral apresentam componentes cognitivos e componentes comportamentais. No que se refere aos componentes cognitivos, as técnicas utilizadas visam a identificação de pensamentos automáticos, o reconhecimentodas distorções cognitivas - para tal fim o paciente pode receber materiais que falem sobre o assunto - e a reestruturação cognitiva3,20,22. A técnica ABCDE é um método para reestruturação cognitiva, em que cada letra compreende uma etapa do processo, sendo A - Activatingevent ou identificar o evento, B - Beliefs ou crenças, C - Consequences ou Consequências, D - Disputthem ou confrontar as crenças e E - Effect ou efeito. Através desses comandos o paciente é ensinado a identificar os precipitantes e entender que não pode mudar o evento e ativação negativa que gerou, mas pode mudar as crenças e emoções decorrentes. Quando o paciente passa a fazer esse exercício, o psicoterapeuta pode fazer uso do questionamento socrático para que avalie as evidências que sustentam ou contrariam seus pensamentos20, adotando pensamentos novos, mais racionais3.
Já no que se concerne aos componentes comportamentais, as intervenções são direcionadas ao desenvolvimento de habilidades deficitárias como resolução de problemas e habilidades de enfrentamento e relacionamentos interpessoais. O agendamento de atividades e o aumento da quantidade de tempo dedicado às atividades prazerosas são estratégias que podem ser utilizadas para a ativação comportamental, que permite maior envolvimento do paciente com o meio e o recebimento de reforço positivo8,26. Construir metas escalonadas juntamente com o paciente é uma técnica que também pode ser empregada. Elaborar objetivos alcançáveis a curto, médio e longo prazo, auxilia o paciente a desenvolver orientação positiva para solução de problemas e a começar a organizar o caos emocional em que se encontra2. Intervenções voltadas para a solução de problemas tem se mostrado eficazes para diminuir a repetição de comportamento suicida4 e têm o objetivo de estimular o uso de estratégias racionais para resolver os problemas, reduzir a evitação e o uso de estratégias impulsivas24. As etapas da solução de problemas podem ser descritas através do acrônimo "SOLVE" em que S - Select a problem trata-se de selecionar um problema, O - Generateoptions refere-se a gerar opções, L - Likelyoutcome a classificar os resultados prováveis, V - Verybestoption a escolher a melhor opção e E - Evaluate a avaliar como funcionou20.
Alguns estudos, concomitante as técnicas de reestruturação cognitiva e técnicas comportamentais, apontam também o treinamento de regulação emocional no tratamento do comportamento suicida20,22,25. A finalidade desse treino é contribuir para que o paciente responda ao sofrimento de modo adaptativo, em vez de usar de recursos como comportamentos autodanosos para suprimir ou evitar emoções "negativas". O treino estimula o paciente a tornar-se consciente e aceitar as suas experiências emocionais, tornando-se receptivo até mesmo para as desagradáveis, inibir as respostas impulsivas e adotar estratégias que moderem a duração e intensidade das respostas emocionais25.
Para o gerenciamento das emoções é importante lembrar-se da lógica do processamento cognitivo, em que os pensamentos negativos/distorcidos podem gerar emoções desagradáveis como ansiedade e raiva que, por sua vez, causam excitação fisiológica: as sensações podem incluir tensão muscular, dificuldade para respirar, aceleração do batimento cardíaco, sudorese e outros20. Nessa lógica, deslocar a atenção dos estímulos internos para os estímulos externos presentes no ambiente, pode ajudar. "Olhar para fora" é apresentada como uma forma de reduzir essas sensações, ou seja, o paciente pode procurar no ambiente sons que consegue ouvir, cheiros que consegue sentir, o que está vendo, cores e detalhes do que está em seu entorno23.
As sensações físicas geradas pelas emoções intensas fazem com que o corpo se sinta fora de controle, tornando mais difícil fazer uso da solução de problemas ou contestar os erros cognitivos20. Além da técnica supracitada, para modular essa excitação, é possível fazer uso de autoafirmações, técnicas de respiração, relaxamento e visualização. Algumas técnicas que podem auxiliar na regulação da emoção são23: 1) Respiração diafragmática ou profunda: trata-se de "respirar com a barriga", ou seja, o abdômen, e não o peito, irá expandir ou contrair conforme o ar entra e sai. Deve ser realizada em 3 tempos, conforme o seu estilo respiratório,
o paciente deve procurar o ritmo com que se adeque, podendo ser, por exemplo, 3-3-6, 4-4-8 ou 5-5-10. É importante treiná-la por 3 vezes ao dia para que aprenda e possa beneficiar-se dela nos momentos em que for necessário. 2) Relaxamento muscular progressivo: trata-se de um relaxamento em que os principais grupos musculares - Antebraço, parte superior do braço, panturrilhas, coxas, barriga, tórax, ombros, pescoço, lábios, supercílios e testa - são contraídos e relaxados de forma intercalada. 3) Estratégia do mergulhador: pode ser realizada mergulhando o rosto na água fria enquanto o indivíduo prende a respiração por 15 a 30 segundos ou com compressas frias sobre os olhos. Em ambos os casos, o cérebro entende que ele está mergulhando, a frequência cardíaca é diminuída e o fluxo sanguíneo redirecionado para o cérebro e coração, reduzindo o mal estar.
A combinação de intervenções e técnicas que abranjam os aspectos cognitivos, comportamentais e emocionais é necessária para que o paciente vislumbre e desenvolva estratégias adaptativas para enfrentar seu sofrimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A alta incidência de suicídio revelada pelas taxas divulgadas pela Organização Mundial da Saúde (taxas que podem esconder dados ainda mais alarmantes considerando a subnotificação e a provável existência de um número proporcionalmente maior de ideação e tentativas suicidas do que suicídios em si) somada ao impacto social e psicológico que provoca aos sobreviventes, torna essa uma demanda importante para os profissionais de saúde mental. Embora o interesse e a abertura para debater o assunto pareçam vir aumentando, há dificuldade para realizar estudos desse tema, o que pode ser explicado pela tabu em que está envolto e também pela preocupação em realizar pesquisas com pessoas em tal vulnerabilidade5.
Os profissionais, provavelmente, precisarão em algum momento lidar com pacientes com comportamento suicida, necessitando de instrumentalização para isso. O presente estudo teve por objetivo investigar, revisando a literatura dos últimos anos, as intervenções que podem ser empregadas no tratamento do comportamento suicida conforme a terapia cognitivo comportamental. A terapia cognitivo comportamental apresenta um repertório amplo de técnicas que tem se mostrado efetivas para tratar diversas condições clínicas. No meio científico internacional verificou-se que há muitos estudos que avaliaram a aplicação da TCC para pacientes em risco de suicídio, mas no Brasil há poucos estudos disponíveis. Assim, ressalta-se que o desenvolvimento de estudos clínicos no futuro pode corroborar para identificar e avaliar as respostas a essas intervenções.
REFERÊNCIAS
1. Associação Brasileira de Psiquiatria. Suicídio: informando para prevenir / Associação Brasileira de Psiquiatria, Comissão de Estudos e Prevenção de Suicídio. - Brasília: CFM/ABP, 2014.
2. Botega NJ. Crise suicida. Porto Alegre: ArtMed, 2015.
3. Winicov, N. A systematic review of behavioral health interventions for suicidal and self-harming individuals in prisons and jails. Heliyon. 2019 Sep; 5(9). URL: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6734330/#__ffn_sectitle
4. Daigle MS, Pouliot L, Chagnon F, Greenfield B, Mishara B. Suicide attempts: prevention of repetition. Can J Psychiatry. 2011 Oct;56(10):621-9. URL: https://journals.sagepub.com/doi/ abs/10.1177/070674371105601008
5. Scavacini K. O suicídio é um problema de todos: a consciência, a competência e o diálogo na prevenção e pósvenção do suicídio [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2018.
6. Fukumitsu KO. O psicoterapeuta diante do comportamento suicida. Psicologia USP. 2014; 25 (3): 270-275. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010365642014000300270&script=sci_arttext. Acessadofev 2020.
7. Haddock G, Davies L, Evans E, Emsley R, Gooding P, Heaney Let al. Investigating the feasibility and acceptability of a cognitive behavioural suicide prevention therapy for people in acute psychiatric wards (the 'INSITE' trial): study protocol for a randomised controlled trial. Trials. 2016; 17: 79. URL: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4751630/#__ffn_sectitle
8. Marback RF, Pelisoli C. Terapia cognitivo-comportamental nomanejo da desesperança e pensamentossuicidas. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas.2014; 10 (2): 122-129. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-56872014000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt. Acessadojan 2020.
9. Organização Mundial de Saúde. Prevenção do suicídio: um recurso para conselheiros. Genebra, 2006.
10. World Health Organization. Suicide in the world: Global Health Estimates. Geneva, 2019.
11. Conselho Federal de Psicologia (Brasil). O suicídio e os desafios para a Psicologia. 1. Ed. Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia, 2013.
12. Andriessen K, Krysinska K. Essential questions on suicide bereavement and postvention. International Journal of Environmental Research and Public Health. 2012; 9(1): 24-32.
13. Mewton L, Andrews G. Cognitive behavioral therapy for suicidal behaviors: improving patient outcomes. Psychol Res BehavManag. 2016;9:21-29. URL: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/ PMC4780394/
14. Dobson D, Dobson KS. A terapia cognitivo-comportamental baseada em evidências. Porto Alegre: ArtMed, 2010.
15. Méndez-Bustos P, Calati R, Rubio-Ramírez F, Olié E, Courtet P, Lopez-Castroman J. Effectiveness of Psychotherapy on Suicidal Risk: A Systematic Review of Observational Studies. Front Psychol. 2019; 10:277. URL: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30837920/
16. WenzelA. Inovações em terapia cognitivo-comportamental: intervenções estratégicas para uma prática criativa. Porto Alegre: ArtMed, 2018.
17. Wright J, Sudak DM, Turkington D, Thase ME. Terapia cognitivo-comportamental de alto rendimento para sessões breves guia ilustrado. Porto Alegre: ArtMed, 2014.
18. Hawton K, Witt KG, Taylor Salisbury TL, et al. Psychosocial interventions for self-harm in adults. Cochrane Database Syst Rev. 2016;(5):CD012189. URL: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27168519/
19. Conceição LF, Miranda QKS, Silva ANB, Souza DF, Reis SRS, Rodrigues TCMM. Um fim para uma dor: o comportamento suicida sob a ótica da teoria cognitivo-comportamental [Trabalho de Conclusão de Curso]. Mato Grosso: Centro Universitário de Várzea Grande, 2018.
20. Spirito A, Esposito-Smythers C, Wolff J, Uhl K. Cognitive-behavioral therapy for adolescent depression and suicidality. Child AdolescPsychiatrClin N Am. 2011 Apr;20(2):191-204. URL: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3073681/
21. Silva JAM, Siegmund G, Bredemeier J. Crisis interventions in online psychological counseling. Trends Psychiatry Psychother. 2015 Out/Dec;37(4). URL: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-60892015003400171
22. Vélez YD, Dávila PT, Hernández SL. Retos enlaintervencióncon adolescentes puertorriqueños/as que manifiestancomportamiento suicida [challenges in theinterventionofpuertoricanadolescentsthat show suicidalbehavior]. Rev Puertorriquena Psicol. 2015 Jan-Jul;26(1):90-106. Spanish. URL: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4686126/
23. Duarte V, Tassinari M. VIDAA: 5 passos para vencer mais um dia. Novo Hamburgo: Sinopsys, 2019.
24. Asarnow JR, Berk M, Hughes JL, Anderson NL. The SAFETY Program: a treatment-development trial of a cognitive-behavioral family treatment for adolescent suicide attempters. J ClinChild Adolesc Psychol. 2015;44(1):194-203. URL: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4289426/
25. Asarnow JR, Hughes JL, Babeva KN, Sugar CA. Cognitive-Behavioral Family Treatment for Suicide Attempt Prevention: A Randomized Controlled Trial. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2017 Jun;56(6):506-514. URL: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5474088/
26. Alavi A, Sharifi B, Ghanizadeh A, Dehbozorgi G. Effectiveness of Cognitive-Behavioral Therapy in Decreasing Suicidal Ideation and Hopelessness of the Adolescents with Previous Suicidal Attempts. Iran J Pediatr. 2013 Aug;23(4):467-72. URL: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3883378/
27. Hetrick SE, Yuen HP, Bailey E, Cox GR, Templer K, Arroz SM et al. Internet-based cognitive behavioural therapy for young people with suicide-related behaviour (Reframe-IT): a randomisedcontrolled trial. Evidence-Based Mental Health 2017 Aug;20(3):76-82. URL: https://ebmh.bmj.com/content/ebmental/20/3/76.full.pdf
Universidade do Extremo Sul Catarinense, Setor de Cursos de Pós graduação - Criciuma - Santa Catarina - Brasil
Correspondência
Karina Antunes da Silva
E-mail: karinantunes106@gmail.com
Submetido em: 17/03/2020
Aceito em: 09/07/2020
Contribuições: Karina Antunes da Silva - Conceitualização, Metodologia, Redação- Preparação do original; Monique Lauermann Tassinari Rückert - Redação - Revisão e Edição, Supervisão. Instituição: Universidade do Extremo Sul Catarinense, Setor de Cursos de Pós graduação - Criciúma - Santa Catarina - Brasil.
Instituição: Universidade do Extremo Sul Catarinense
artigo anterior | voltar ao topo | próximo artigo |
Rua Ramiro Barcelos, 2350 - Sala 2218 - Porto Alegre / RS | Telefones (51) 3330.5655 | (51) 3359.8416 | (51) 3388.8165-fone/fax