Rev. bras. psicoter. 2020; 22(1):53-69
Lima MOFF, Mosmann LKSCP. Instrumentos de avaliação da depressão infantil: revisão integrativa da literatura. Rev. bras. psicoter. 2020;22(1):53-69
Artigo de Revisao
Instrumentos de avaliação da depressão infantil: revisão integrativa da literatura
Child depression assessment tools: integrative literature review
Herramientas de evaluación de la depresión infantil: revisión literaria integrativa
Maria Odila Finger Fernandes Lima; Lídia Käfer Schünke Clarisse Pereira Mosmann
Resumo
Abstract
Resumen
INTRODUÇÃO
Até a década de 1970 acreditava-se que a criança não poderia ter transtornos mentais, como depressão, uma vez que ela possuía uma estrutura de personalidade imatura. Da mesma forma, havia uma tendência de excluir diagnósticos de depressão em crianças, pelo fato de se acreditar que a infância seria uma época feliz, livre de preocupações ou de responsabilidades1,2. Entretanto, o objetivo dos pesquisadores não era rotular diagnósticos na infância, mas reconhecer que os sintomas de depressão podiam se manifestar nessa fase do desenvolvimento, bem como ter características e critérios distintos3,4. Por outro lado, estudos mostram a prevalência de 10% a 20% de problemas de saúde mental em crianças ao redor do mundo, sendo problemas emocionais e de comportamento uma das causas mais significativas desses distúrbios5,6. Estudos populacionais com grandes amostras e entrevistas clínicas estruturadas estimaram a prevalência de transtornos mentais na infância em 50,6%, em cidades como Connecticut, Georgia e New York, nos Estados Unidos e San Juan em Porto Rico7.
Outro estudo, revisou a epidemiologia dos transtornos mentais na população pediátrica nos Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha, Austrália e na Nova Zelândia. Foi constatada a prevalência global de transtornos mentais em 14,3%, sendo que mais frequentes são os transtornos de ansiedade (6,4%), transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (4,8%), transtorno de conduta (4,2%) e os transtornos depressivos (3,5%)8. Os pesquisadores também encontraram nesse estudo a estimativa de 47 a 68% das crianças com transtornos mentais que possuíam dois ou mais diagnósticos8. Do mesmo modo, alguns autores salientam a alta prevalência de crianças com transtornos mentais no Brasil9-12.
No estudo coorte de nascimento realizado em Pelotas no Rio Grande do Sul, com o intuito de investigar o início precoce de transtornos psiquiátricos13, de 01 de janeiro e 31 de dezembro de 2004, 4.231 bebês foram avaliados, juntamente com suas mães, nas primeiras 24 horas de vida. A partir do quinto followup, 3.585 crianças (84,7% das crianças de coorte originais) foram reavaliadas quanto tinham 6 e 7 anos de idade.A prevalência de transtornos mentais foi de 13,2%, e os quadros mais frequentes foram os transtornos de ansiedade (8,8%), o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (2,6%), o transtorno opositivo desafiador ou de conduta (2,6%) e o transtorno depressivo (1,3%) Entre as crianças com algum diagnóstico, 17% apresentavam alguma comorbidade13.
A comorbidade entre os transtornos de ansiedade também se mostra alta, chegando a 30%14. Em um estudo realizado sobre Transtorno Obsessivo-Compulsivo com 70 crianças e adolescentes, 26% apresentaram transtorno depressivo maior e 13% tinham dificuldades de adaptação acompanhadas de sintomas depressivos3. Para Coêlho et al.4, há uma grande associação entre transtornos de ansiedade e manifestações depressivas, tendo em vista a sua aproximação sintomatológica.
Segundo algumas pesquisas, crianças tendem a apresentar comorbidade com outros sintomas psiquiátricos, em especial sintomas de ansiedade15. Em uma pesquisa longitudinal com crianças acompanhadas até a adolescência, a prevalência foi de 9,9% de transtornos de ansiedade e 9,5% para depressão, que por sua vez, estão associados a uma variedade de diagnósticos na vida adulta16. De acordo com outros estudos, a comorbidade entre sintomas de depressão e ansiedade na infância podem acarretar deficiências no desempenho escolar, dificuldade no relacionamento com os colegas, risco de comportamentos suicidas, abuso de álcool e substâncias17,18.
Por sua vez, a depressão infantil tem como características os sintomas expressivos de agressividade, tristeza e a irritabilidade, os quais, podem sofrer alterações diante da amplitude e frequência da sintomatologia1. Alguns autores salientam que ainda hoje existem dificuldades no diagnóstico de depressão infantil19-21. As dificuldades dizem respeito às peculiaridades da manifestação da doença em crianças, somadas a complexidade de expressão dos seus sentimentos e problemas22-24.
Nesse sentido, já é aceito que a depressão em crianças possui particularidades únicas, isto é, tédio, solidão, tristeza, falta de concentração, irritabilidade, desobediência, somatizações como cefaleia e dor abdominal, que podem prejudicar um diagnóstico preciso2,4,25,26. Do mesmo modo, pesquisas evidenciam que sintomas depressivos apresentados em crianças são relacionados com danos no comportamento social e baixos rendimentos escolares, porém pouco associados a um diagnóstico de depressão27. Por outro lado, não há um consenso entre os pesquisadores acerca dos critérios específicos para a descrição dos sintomas e diagnóstico de depressão na infância21,28. Alguns estudiosos salientam a dificuldade que a criança possui em perceber e descrever seus sintomas, diferentemente do adulto20.
Para o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - 5º29, o transtorno disruptivo de desregulação do humor é um novo diagnóstico referente à apresentação de crianças com irritabilidade persistente e episódios frequentes de descontrole comportamental. Essas características são referentes aos transtornos depressivos em crianças de 6 até 12 anos de idade. Em um estudo longitudinal americano com participação de 1420 crianças, ao longo de quinze anos de pesquisa, foram diagnosticadas 96 crianças com desregulação de humor grave. Da mesma forma, as 96 crianças apresentaram risco elevado de desenvolver transtorno depressivo ao redor dos 18 anos de idade30. Posteriormente, outro estudo mostrou que a irritabilidade crônica infantil está relacionada a quadros depressivos e ansiosos na vida adulta31.
Os altos índices de depressão infantil encontrados pelos estudos nacionais e internacionais, assim como os prejuízos em diferentes áreas de vida ao longo do desenvolvimento, justificam a necessidade de estudos que avaliem com maior precisão a depressão em crianças. Além disso, a heterogeneidade identificada nos estudos em termos de prevalências e formas de avaliação indicam uma lacuna na literatura que se constitui como uma importante agenda para área visando evidências para a pesquisa e a prática clínica, com o intuito de prevenção e intervenção precoce em crianças32,33. Os profissionais de saúde mental têm um papel fundamental na detecção de sintomas de depressão em crianças34, principalmente considerandoutilização de instrumentos de autorrelato, que possibilitam uma triagem ou rastreamento dos principais sintomas incapacitantes da depressão infantil35.
Assim, o objetivo deste estudo foi realizar uma revisão integrativa da literatura para analisar a produção científica internacional sobre o uso de instrumentos de avaliação da depressão infantil.
MÉTODO
Foi realizada uma revisão integrativa da literatura acerca do uso de instrumentos de avaliação da depressão infantil. Foram consultadas as seguintes bases de dados: BVS, PubMed e EBSCOHOST, tendo como descritor "instrumentsofchildrendepression". Os procedimentos de busca, seleção e análises dos artigos foram realizados por dois juízes independentes, conforme orientações do protocolo Prisma36. Os artigos passaram por duas etapas de elegibilidade. A primeira triagem na qual foram analisados os títulos e resumos de 753 itens encontrados pela dupla de revisores independentes. A segunda etapa, foram excluídos registros duplicados; que não se referiram a artigos (teses, dissertações, trabalhos de conclusão de curso, anais, livros, capítulos de livros e resenhas); artigos publicados que se apresentaram fora do período considerado; artigos em outras línguas (português e espanhol); não disponibilizados on-line, na íntegra ou gratuitamente e que não apresentasse o tema de interesse, ou seja, que não abordassem instrumentos que avaliassem sintomas de depressão na infância, no panorama internacional, tendo vista que, a maioria dos instrumentos diagnósticos de uso na infância foi desenvolvida para pesquisas epidemiológicas e muitas dessas avaliações importantes não apresentam versão em português37.
Após a triagem, os artigos tiveram a sua elegibilidade confirmada através da leitura mais detalhada em texto completo do artigo. Esta etapa também foi realizada por dupla de revisores independentes, os quais elegeram 13 estudos para análise final, ou seja, que fossem artigos completos (empíricos ou de revisão de literatura); publicados entre 2008 a 2018; em língua inglesa e que apresentasse um instrumento (escala ou inventário) que avaliasse depressão infantil.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O material selecionado foi lido na íntegra e analisado a partir das categorias ano de publicação, participantes/método, instrumento, principais resultados e limitações do instrumento. O fluxograma apresentando o processo de seleção dos estudos está descrito na Figura 1.
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