Rev. bras. psicoter. 2020; 22(1):39-52
Pombo S. Métodos cognitivos e comportamentais para quando o paciente não está disponível para parar de beber. Rev. bras. psicoter. 2020;22(1):39-52
Artigo de Revisao
Métodos cognitivos e comportamentais para quando o paciente não está disponível para parar de beber
Cognitive and behavioral methods when the patient is not available to stop drinking
Métodos cognitivos y conductuales para cuando el paciente no está disponible para dejar de beber
Samuel Pomboa,b
Resumo
Abstract
Resumen
INTRODUÇÃO
Os Transtornos Relacionados ao Álcool (TRA) e os Transtornos Aditivos (TA)definem patologias do comportamento com um curso clínico heterogéneo 1.Historicamente, o seu tratamento tem sidocaracterizado pela prescrição de abstinência total (desintoxicação), seguido de umaabordagem de prevenção de recaída relativamente "forçada". Por exemplo, por meio de uma estadia num ambiente terapêutico de maior controlecomportamental "externo" (clínicas ou comunidades terapêuticas) ou através da utilização de medicamentosaversivos2. Embora os tratamentos orientados para a abstinência possam ser úteis para muitos pacientes com TRA (pe., com dependência física), outros não obtêm qualquer tipo de ajuda porque os modelos tradicionais parecem não se adequar aos seus padrões de consumo ou aos seus objetivos terapêuticos. Ocorre uma relutância em procurar ajuda porque se teme ser envolvido num tratamento que não corresponde à visão do que é necessário3. Em outras situações, o afastamento do sistema terapêutico tem a ver com o receio deserrotulado de "alcoólatra", o qual parece ser o principal fator a adiar ou a obstruir a procura de ajuda para as TRA4,5. Na verdade, catalogar o paciente de "alcoólatra" como condição para receber tratamento ou recomendar abstinência total é, na maioria das vezes, apenas uma garantia de maior resistência à mudança e ao tratamento.
A este propósito, e de acordo com as guidelines do National Institute of Health and Clinical Excellence para a prática clínica no âmbito dos TRA e TA, recomenda-se como princípios gerais de intervenção: efetuar uma intervenção motivacional logo como parte integrante da avaliação inicial, em que esta deve conter os elementos de entrevista motivacional; disponibilizar intervenções para promover a abstinência, prevenir a recaída ou beber moderadamente (quando apropriado); para os indivíduos com dependência moderada propor inicialmente uma intervenção psicológica (por ex., terapias cognitivo-comportamentais); para indivíduos dependentes que tenham um parceiro(a) regular que está disposto a participar no tratamento, sugerir terapia de casal; para indivíduos com TRA que não tenham respondido às intervenções psicológicas, ou que especificamente solicitaram uma intervenção farmacológica, considerar a introdução de acamprosato ou naltrexona oral em combinação com uma intervenção psicológica e para indivíduos com dependência grave, considerar tratamento médico especializado6. No essencial, assume-se que a abstinência absoluta não é condição sine qua non para se receber tratamento e se recomenda que se deva ter em consideração todo um vasto leque de intervenções terapêuticas para além das abordagens clássicas para tratar os TRA, sendo os objetivos terapêuticos aferidos em razão da gravidade do caso, do subtipo clínico de adição e da motivação do individuo7,8.
A terapia psicológica para os TRA e TA visa genericamente resolver a ambivalência, melhorar o reconhecimento e o controle dos estímulos associados ao consumo de álcool e o craving ("fissura"), reduzir os danos relacionados ao álcool e prevenir a recaída. As técnicas terapêuticas devem ser fornecidas no contexto de uma aliança terapêutica bem desenvolvida numa terapia que se quer estruturada e orientada por objetivos7. O modelo cognitivo-comportamental, muitas vezes aludido como uma abordagem mais diretiva, concentra-se nos padrões disfuncionais de pensamento e comportamento. Ao longo dos anos, as abordagens cognitivas e comportamentais para osTRA têm demonstrado evidência científica da sua eficácia, designadamente as intervenções de inspiração motivacional, treino de competências sociais e a prevenção de recaída2,9,10.
As taxas de adesão aos tratamentos comportamentais para os TRA que requerem abstinência total ao álcool são precocupantes12. Para além disso, no contexto clínico parece existir uma divergência de interesses entre pacientes com TRA e profissionais de saúde mental, relativamente ao apoio psicoterapêutico. Enquanto os profissionais de saúde mental estão mais engajados em disponibilizar terapias psicológicas com os pacientes abstinentes9,12, é disso exemplo o modelo de prevenção da recaídade Marlatt e Gordon9, algumas evidências sugerem que a receptividade dos pacientes para apoio psicoterapêutico após a abstinência do álcool é limitada11. Num estudo verificou-se que a maioria dos pacientes que procuraram tratamento para os TRA não consideravam a necessidade de tratamento nem apoio psicológico após a desintoxicação do álcool e que mais de 40% dos que completaram a desintoxicação não iriam participar em algum tipo de intervenção pósdesintoxicação11. Estes dados permitem pensar que, efetivamente, o contacto terapêutico com o paciente desintoxicado ou abstinente é incerto (muitos abandonam o tratamento12) e que o período em que este usa álcool parece ser bem mais importante do que se poderia esperar, não devendo ser desperdiçado com o: "procure-me só quando estiver motivado para parar de beber!". Deste modo, a questão que se coloca é: o que fazer quando o paciente com TRA procura ajuda mas não quer parar de beber? ou não está ainda preparado para tomar uma decisão de abstinência total do álcool? Que abordagens ou técnicas comportamentais se devem utilizar? A este propósito, a literatura já disponibiliza alguns métodos comportamentais que permitem repensar radicalmente os tratamentos tradicionais, os quais se apresentam como menos intrusivos, restritivos e dispendiosos, mais apelativos aos pacientes e obviamente com provável bom resultado, por exemplo, com um efeito protetor para a saúde6,11,13.
Neste artigo pretende-se fazer uma revisão dos métodos comportamentais utilizados no uso nocivo e nos TRA para quando os pacientes não planejam parar de beber ou ainda não estão disponíveis para essa decisão.
METODOLOGIA
O presente artigo de revisão da literatura incide sobre várias abordagens motivacionais, cognitivas e comportamentais, adequada aos TRA e TA, e que podem ser utilizadas quando opaciente não está abstinente do consumo do álcool, não planeja ou não manifesta uma intenção formal de parar de beber. Importa referir que esta revisão não tem como objetivo apurar exaustivamente todas as abordagens psicossociais disponíveis na literatura para os TRA mas sim apresentar, com rigor descritivo, algumas das abordagens comportamentais inovadoras para os TRA, desenhadas especificamente para o período ativo de consumo do álcool, já com algum respaldo científico. Em complemento, foi realizada uma pesquisa bibliográfica que abrangeu as seguintes bases de dados eletrónicas e motores de busca: Cochrane library, Medline (Pubmed), Sciencedirect, Web of Knowledge, PsycINFO, PsycARTICLES, EBSCO PUBLISHING e Scielo (Scientific Electronic Library Online).A estratégia de pesquisa combinou os seguintes descritores/headings pré-definidos (Medical Subject Headings, MeSH) e outros termos importantes: "Behavioral Interventions", "Counseling interventions", "Alcohol use disorders", "Alcohol dependence", "Drinking". Além de artigos publicados em revistas científicas, incluiu-se também a literatura publicada em livros ou jornais disponíveis comercialmente. Também foi analisada as listas de referências bibliográficas dos artigos identificados por esta investigação. Esta revisão oferece citações representativas em vez de completas. Artigos que contemplavam abordagens psicológicas comportamentais ajustadas para pacientes em período de abstinência do álcool, nomeadamente prevenção da recaída, foram excluídos da análise.
RESULTADOS
Serão analisadas em detalhe 5 abordagens comportamentais: 1. Intervenção Comportamental para Preparação da Abstinência, 2. Intervenção Motivacional BRENDA, 3. Método Comportamental de Extinção de Sinclair, 4. Técnicas de Moderação e Controle do Consumo do Álcool e 5. Experiência de um Mês de Abstinência.
1. Intervenção Comportamental para Preparação da Abstinência (ICPA)
A ICPA11,14,15,16 é uma abordagem apropriada para um subtipo de pacientes que apresentam uma dependência do álcool com sintomatologia de privação fisica1,14 mas que não vão iniciar de imediato uma desintoxicação do álcool medicamente assistida. Este modelo pode ser aplicada enquanto o paciente aguarda uma desintoxicação em ambulatório ou um internamento hospitalar. Tem como objetivo terapêutico preparar o paciente para parar futuramente o consumo do álcool. Este novo paradigma de tratamento reconhece as evidências que mostram o efeito adverso que a desintoxicação medicamente assistida poderá ter no funcionamento cognitivo17,18, o papel protetor limitado que a medicação usada na desintoxicação tem18,19 e a limitada participação dos pacientes desintoxicados em programas de prevenção de recaídas11. Repetidas tentativas de desintoxicação podem ter um impacto negativo no funcionamento cognitivo. Este fato pode explicar a deterioração cognitiva evidente nos pacientes que tem um padrão de consumo pouco estável com frequentes alternâncias entre intoxicações e interrupções abruptas do álcool. Deste modo, a ICPA concentra-se na estabilização da quantidade e do padrão de consumo do álcool e nas mudanças de estilo de vida, de forma a recuperar o controle parcial sobre o consumo de álcool e preparar um plano posterior de desintoxicação. É uma abordagem que, para além de preparar o individuo para a desintoxicação, propõe-se a ajudar o paciente a alcançar e sustentar a abstinência. Por via da estabilização do padrão de consumo, permite ao paciente recuperar o controle parcial sobre o processo de tomada de decisão envolvido no uso do álcool20,21 e ganhar a confiança (autoeficácia) previamente perdida pelo processo mantido de falta de controle sobre a substância.
A tabela 1 apresenta os resultados de uma avaliação clínica longitudinal do modelo ICPA15.
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