Rev. bras. psicoter. 2020; 22(1):1-14
Peron S, Cândido CCP, Neufeld CB. Atendimento psicológico e supervisão em terapia analítico-comportamental em um serviço-escola. Rev. bras. psicoter. 2020;22(1):1-14
Artigo Original
Atendimento psicológico e supervisão em terapia analítico-comportamental em um serviço-escola
Psychological care and supervision in analyticbehavior therapy in a school service
Cuidado psicológico y supervisión en terapia de comportamiento analítico en un servicio escolar
Suzana Peron; Caroline da Cruz Pavan Cândido; Carmem Beatriz Neufeld
Resumo
Abstract
Resumen
INTRODUÇÃO
Em 1962, foi promulgada a Lei nº 4.119, que dispõe sobre os cursos de formação em Psicologia e regulamentação da profissão de Psicólogo. Segundo o Artigo 16, as faculdades que mantivessem cursos de Psicologia deveriam organizar serviços clínicos e de aplicação à educação e aos trabalhos, orientados e dirigidos pelo Conselho dos Professores do curso, sendo estes abertos ao público, de forma gratuita ou remunerada1. Desta forma, surgiram os serviços de clínicas-escola de psicologia, atualmente denominados serviços-escola2, locais onde os alunos de graduação têm a oportunidade de estagiar e aplicar os conhecimentos aprendidos na teoria, sendo também locais de prestação de serviços, gratuitos ou semigratuitos, de atendimento psicológico à comunidade3.
O Centro de Pesquisa e Psicologia Aplicada (CPA), da Instituição FFCLRP-USP foi criado em 1971, em atendimento à lei acima citada. O serviço proporciona atendimento a crianças, adolescentes, adultos e instituições, dentro de critérios estabelecidos como apropriados ao ensino e pesquisa. Ainda, desempenha atividades de estágio, pesquisas em diversos campos da Psicologia Aplicada e atendimento a comunidade além de atividades como diagnóstico, psicoterapia, ensino, assessoria psicológica, aconselhamento, seleção de pessoal, pesquisa e treinamento de pessoal. Os estágios oferecidos fornecem oportunidades para que o aluno experimente várias das possíveis abordagens presentes no campo da Psicologia.
A escolha de estágio é feita a partir das preferências os alunos de quarto e quinto ano de graduação em Psicologia. Os alunos se inscrevem para os estágios nos quais eles têm interesse e passam por um processo seletivo que é específico para cada estágio. Após a seleção, estes participam de treinamentos específicos, nos quais conceitos teóricos e práticos são aprofundados e treinados antes que os atendimentos aos pacientes tenham início.
O procedimento para o atendimento dentro do Serviço-escola do CPA tem início com a busca do atendimento pelo interessado. O serviço de atendimento psicológico do CPA é amplamente conhecido pela população e indicado pelos serviços de saúde pública da cidade, ele funcionava na época do levantamento de dados como um serviço de portas abertas. O indivíduo interessado no atendimento psicológico procurava o serviço em horário pré-estabelecidos e passava por uma entrevista de triagem, realizada por estagiários de psicologia, sendo então encaminhado para a lista de espera para o atendimento
A medida em que os estagiários começam suas atividades, estes recorrem ao supervisor responsável pela triagem e entram em contato com pacientes para verificar o interesse pelo atendimento. Caso haja a confirmação, o estagiário agenda um primeiro atendimento, recolhe as informações disponíveis em seu prontuário (como o motivo da queixa, idade, histórico de atendimentos anteriores, uso de medicamento, etc.) e passa por supervisão para o planejamento do início do atendimento.
Neste sentido, um dos laboratórios que oferece estágios de atendimento clínico dentro do CPA é o Laboratório de Pesquisa de Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC-USP. Fundado em 2009, pela Profa. Dra. Carmem Beatriz Neufeld, o principal objetivo do laboratório consiste na busca pela integração entre a pesquisa, a formação de terapeutas e supervisores e a oferta de um serviço de qualidade para a população (Autor, 2014). Os estagiários são alunos dos últimos dois anos do curso de graduação em Psicologia, uma vez que o programa curricular determina o período de estágio nessa fase do curso. Dentre as abordagens teóricas já oferecidas pelo laboratório estão as terapias cognitivo-comportamentais - presentes até o momento - e a terapia analíticocomportamental (TAC) - que teve sua oferta encerrada em 2016.
A TAC é uma proposta brasileira de terapia4,5,6 que se fundamenta do ponto de vista filosófico, teórico, conceitual e metodológico na ciência do comportamento4,7,8. Para esta ciência o termo comportamento é definido como a interação entre organismo e ambiente, sendo que uma mudança de comportamento só seria possível com a modificação desta relação4,9. O termo TAC foi adotado para identificar a fundamentação na análise do comportamento e diferenciá-la das demais terapias comportamentais4,6,7,9.
Sua ferramenta básica de diagnóstico, análise e intervenção é a análise de contingências4,5,11. Seu modo de intervenção não está baseado em um modelo padronizado, que tem passos e/ou técnicas pré-definidos, mas sim, em um processo baseado nos princípios básicos da Análise do Comportamento e nos achados experimentais da área. O processo terapêutico analítico-comportamental é conduzido sempre considerando as particularidades de cada indivíduo11 buscando compreender o indivíduo e não exclusivamente a queixa que o trouxe à terapia. A relação terapêutica tem papel de destaque, sendo utilizada para promover a modificação do comportamento do cliente dentro da própria sessão4,6, e portanto, é imprescindível para o sucesso da terapia11.
Na literatura científica é possível encontrar um contingente de estudos que indicam a necessidade de produção de conhecimento sobre os atendimentos realizados em Serviços-Escola de Psicologia, sendo um deles a avaliação dos serviços de atendimento psicológico4. Neste sentido, as pesquisas realizadas com estes objetivos evidenciam que há a necessidade de conhecer a população atendida, avaliar as intervenções oferecidas, propor novas estratégias e produzir informações sobre as condições de saúde mental da população clínica13,14,15. Ainda, estes estudos devem verificar não apenas se o atendimento corresponde às expectativas dos pacientes, mas também se a supervisão fornecida aos estagiários em formação atende às suas necessidades de formação profissional4,16.
Neste sentido, os estágios supervisionados devem ser organizados com o objetivo de garantir um mínimo de experiência e competência para a prática profissional17 (Campos 2001), uma vez que esta atividade prática de formação possui como objetivo o desenvolvimento de competências e habilidades para o exercício profissional18 (Barleta, Fonseca & Delabrida, 2012). Objetivo este que torna essa tarefa um desafio, pois oferecer um estágio supervisionado de qualidade está diretamente relacionado com uma boa formação para os estagiários19 (Campos, 1998). Entretanto, a literatura nacional apresenta poucos estudos que descrevem e discutem métodos de supervisão20 (Yamamoto, Costa, 2010).
Ademais, esta preocupação vem crescendo nos últimos anos, independente da abordagem teórica utilizada no processo clínico, uma vez que o treinamento de terapeutas iniciantes é considerado a principal estratégia para a consolidação da atuação profissional19 (Campos, 1998), e além da interlocução entre teoria e prática, a supervisão tem como função adequar o fazer profissional com a demanda específica18 (Barleta, Fonseca & Delabrida, 2012).
Deste modo, evidencia-se a importância da caracterização da população atendida por serviços de psicologia e da supervisão oferecida aos estagiários para que o atendimento oferecido possa atender às demandas apresentadas por estes pacientes, a partir do desenvolvimento de intervenções voltadas especificamente para os focos de necessidade10.
OBJETIVO
Este estudo teve como objetivo descrever as atividades relacionadas ao estágio de atendimento individual na abordagem analíticocomportamental, oferecido pelo LaPICC-USP, no período entre 2009 a 2016. Para isso, serão descritas as características dos atendimentos, das supervisões e serão apresentados e discutidos dados de caracterização dos atendimentos realizados pelos estagiários.
MÉTODO
Documentos/fontes
Os dados coletados foram obtidos a partir dos prontuários dos pacientes - constituídos pela entrevista de triagem e pelo histórico de atendimento, além dos registros de supervisão e de atendimentos, realizados pelo supervisor e pelos estagiários, respectivamente.
Foram consultados 24 prontuários de pacientes adultos que procuraram atendimento no Centro de Pesquisa e Psicologia Aplicada (CPA) da Instituição FFCLRP-USP, e foram atendidos no estágio de TAC.
Os registros de supervisão são anotações assistemáticas realizadas pelo supervisor, durante as supervisões, contendo as orientações fornecidas aos estagiários sobre as condutas a serem tomadas, além das informações mais relevantes sobre o caso. Os registros de atendimento são os relatos das sessões realizadas pelos alunos, e as análises semanais do caso. Todos estes documentos consultados foram produzidos entre agosto de 2009 e julho de 2016, período em que o estágio foi oferecido pelo laboratório.
Procedimentos de coleta e análise de dados
Trata-se de uma pesquisa descritiva, com metodologia documental, cujos dados foram descritos em termos de frequência.
Este projeto passou pela aprovação do Conselho do Centro de Pesquisa e Psicologia Aplicada e do Comitê de Ética em Pesquisa da FFCLRP-USP (CAAE nº550638167.7.0000.5407), uma vez que é constituída, em parte, por dados contidos nos prontuários dos pacientes atendidos no estágio. Os procedimentos relativos à ética na pesquisa foram tomados em conformidade com a legislação nacional, Resolução Nº. 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde sobre Pesquisa com Seres Humanas.
Após aprovação do projeto, deu-se início à coleta de dados nos prontuários dos pacientes, onde foram obtidos os dados de caracterização dos pacientes atendidos. Em seguida, estes dados foram tabulados e inseridos em um banco de dados contendo as informações recolhidas, e analisados por meio de frequência, com o objetivo de realizar o levantamento das características e das demandas apresentadas pelos usuários do serviço, que foram encaminhados e atendidos neste estágio especificamente. Em um segundo momento foram consultados os registros dos atendimentos e das supervisões clínicas realizadas no estágio e arquivadas no LaPICC-USP, a fim de levantar características e estrutura das atividades do estágio. A partir da leitura, foi compilada a estrutura utilizada na supervisão, assim como os principais tópicos presentes nas atividades.
RESULTADOS
Descrição dos atendimentos e das supervisões clínicas
As atividades relacionadas ao estágio envolviam o planejamento das sessões, o atendimento de um paciente adulto (sendo aberta a possibilidade de atendimento de mais pacientes de acordo com a disponibilidade e interesse do estagiário, além da concordância do supervisor), o registro da sessão, a participação na supervisão, leituras indicadas e planejadas pelo supervisor e relatório de estágio ao final de cada semestre, além da participação no treinamento promovido antes do início do estágio propriamente dito.
Ao longo dos 7 anos de oferta do estágio, o número de estagiários variou de 2 a 8 por ano. As supervisões ocorriam em grupo, contando com a participação de todos os estagiários inscritos no ano e da supervisora do estágio. Eventualmente um terapeuta ou docente convidado participava da supervisão, colaborando na discussão dos casos e com alguma discussão teórica. As supervisões ocorriam com frequência semanal e sua duração variava em função do número de estagiários, pois cada um tinha entre 30 e 45 minutos para apresentar e discutir seus atendimentos e dúvidas. A única exceção em relação à organização da supervisão ocorreu no ano em que o estágio contou com 8 estagiários. Neste ano, o grupo foi dividido em dois subgrupos com 4 integrantes cada, para que os encontros não se tornassem tão cansativos e, consequentemente, pouco produtivos.
As atividades do estágio se iniciavam com a participação do estagiário no treinamento teórico-prático, que era composto por aulas sobre desde os fundamentos teórico-filosóficos da abordagem (Behaviorismo Radical e Análise do Comportamento), até as características da terapia analítico-comportamental, estratégias e técnicas de intervenção4,7,8,21, e atividades práticas de discussão e análise de casos clínicos. Em geral, os estagiários do ano anterior apresentavam seus casos e os resultados que obtiveram com suas intervenções.
Após o treinamento o estagiário recebia o caso que iria atender e agendava o primeiro encontro. Antes do encontro, acontecia a primeira supervisão, em que era planejado o procedimento que seria utilizado na sessão inicial.
Durante as supervisões, os estagiários relatavam brevemente os atendimentos realizados naquela semana e suas dúvidas, e o supervisor fazia as orientações e discussões pertinentes, indicando leituras complementares. Além da discussão dos casos, a cada semana, um dos estagiários conduzia uma apresentação de um artigo científico ou capítulo de livro cujo tema estava relacionado ao caso clínico que estava atendendo. Apesar da apresentação ficar sob responsabilidade de um estagiário, todos participavam com suas percepções, dúvidas e reflexões. Também era incentivado que os estagiários se envolvessem nas discussões sobre o caso do colega, uma vez que este exercício permite o maior contato com demandas e necessidades diferentes, enriquecendo seu repertório clínico.
Além das questões teóricas e técnicas, um aspecto destacado nas discussões em supervisão, era a relação terapêutica e os sentimentos do terapeuta durante os atendimentos e supervisões.
Caracterização da clientela
Dentre os 24 pacientes atendidos, 75,00% (18) eram do sexo feminino e 25,00%(6), do sexo masculino. A média de idade desta amostra foi de 35 anos (DP =12 anos), sendo que 66,67% (16) encontravam-se na faixa dos 20-39 anos.
Quanto ao estado civil dos pacientes, no geral, 54,17% (13) dos atendidos declararam-se como solteiros no momento do atendimento, 25,00% (6) relatava ser divorciado, e 20,83% (5) casado. Um total de 45,83% (11) dos pacientes relatou não possuir filhos, e em 16,67% (4) dos prontuários esta informação não estava disponível.
Com relação à escolaridade, 54,17% (13) dos pacientes declararam possuir o Ensino Superior Completo. Contudo, quando se separa os pacientes por sexo, nota-se que dentre os homens, há a presença de uma taxa de 16,67% para as escolaridades de Ensino Fundamental Completo (1) e Ensino Médio Completo (1), enquanto que para as mulheres, o segundo nível de escolaridade mais frequente é o Ensino Médio Completo, com taxa de 27,78% (5). Quanto à ocupação, fica evidente que, de maneira geral, 83,33% (20) procurou o atendimento se encontrava em situação de emprego formal. As demais condições ocupacionais (estudantes, desempregados, aposentados e do lar) apresentaram frequências iguais a 4,17% (1) cada.
Em relação à maneira como foi feita a busca pelo atendimento psicológico, pode-se perceber que 54,17% (13) dos indivíduos procuraram o atendimento de forma espontânea, 16,67% (4) buscaram por indicação de psicólogos, 12,50% (3) por indicação de psiquiatra ou neurologista, 8,33% (2) buscaram por indicação de conhecidos, e, em 8,33% (2) essa informação não constava no prontuário do paciente. Dentre as demandas apresentadas pelos pacientes para atendimento, ficou evidente que 34,15% (14) das queixas eram relacionadas às dificuldades de relacionamentos e 17,07% (7) se relacionavam à ansiedade (tabela 01).
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