Rev. bras. psicoter. 2018; 20(2):10-27
Rocha ICO, Lopes EJ. Estratégias de coping em indivíduos com transtorno por uso de substâncias: revisao sistemática de literatura. Rev. bras. psicoter. 2018;20(2):10-27
Artigo Original
Estratégias de coping em indivíduos com transtorno por uso de substâncias: revisao sistemática de literatura*
Coping strategies in individuals with substance use disorder: systematic literature review
Isabella Carvalho Oliveira Rochaa; Ederaldo José Lopesb
Resumo
Abstract
O consumo de substâncias psicoativas no Brasil e no mundo tem atingido níveis alarmantes a cada ano e, por isso, é considerado uma grande preocupaçao social e de saúde pública mundial. Sabe-se que o uso de álcool e outras drogas também está diretamente relacionado a problemas relevantes como violência doméstica, lesoes corporais, tentativas e atos de homicídio e suicídio, além de prejuízos em relacionamentos interpessoais e de ordem ocupacional. Atualmente, quase 30 milhoes de pessoas no mundo usam drogas de forma problemática e desenvolvem transtornos relacionados ao consumo de substâncias1.
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5)2, o transtorno por uso de substâncias (TUS) consiste em um padrao sintomático cognitivo, comportamental e fisiológico de uso contínuo da substância apesar de problemas significativos. Envolve critérios de baixo controle do uso da substância, prejuízo social, consumo arriscado, além de critérios farmacológicos2. Por ser considerado um transtorno complexo e de etiologia múltipla, sua compreensao envolve fatores biológicos, psicológicos, sociais e ambientais. Tais fatores, de forma integrada, ajudam a explicar o porquê, estabelecida a dependência, é tao difícil abandoná-la3.
Estudos têm demonstrado a relevância da compreensao de comportamentos e cogniçoes disfuncionais para o tratamento da dependência e, nesse sentido, a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) tem sido o modelo de terapia mais amplamente utilizado e de reconhecida efetividade4.Nesta abordagem, o preditor mais importante da recaída é a incapacidade do indivíduo de utilizar estratégias de enfrentamento efetivas ao lidar com situaçoes de alto risco. Para Marlatt e Donovam3, em momentos de proteçao à abstinência, o indivíduo faz uso de estratégias cognitivas e comportamentais, adaptativas ou nao, disponíveis em seu repertório, denominadas habilidades de enfrentamento. O pressuposto é que comportamentos aditivos podem ser mantidos por uma maneira desadaptativa de lidar com situaçoes cotidianas de estresse, isto é, um desequilíbrio entre as exigências do ambiente e os recursos próprios do indivíduo, levando aqueles com repertórios de habilidades de enfrentamento pouco desenvolvidos a utilizarem a substância como tentativa de restabelecer o equilíbrio5. Segundo o pressuposto de Lazarus e Folkman6, o conceito de coping se define como os esforços cognitivos e comportamentais para manejar demandas específicas internas e/ou externas, avaliadas como sobrecarregando ou excedendo recursos do indivíduo. Embora faça parte de uma teoria mais ampla de enfrentamento, tal definiçao se aplica perfeitamente ao contexto específico da dependência de substâncias5.
Nesse sentido, pesquisas têm buscado avaliar a estrutura e os resultados do enfrentamento entre indivíduos com problemas no uso de substâncias, demonstrando que estratégias de enfrentamento adequadas podem prevenir a recaída do uso de drogas7,8,9. Um estudo com pacientes tabagistas10 identificou que o craving (fissura) mais intenso pode levar o indivíduo a utilizar estratégias pouco eficientes na contençao das emoçoes e no enfrentamento de situaçoes de risco de recaída. Forys et al.11 indicaram que quanto maior o repertório de estratégias de enfrentamento, menor o consumo de álcool, os problemas relacionados e a frequência de uso de outras drogas. Da mesma forma, em um estudo com usuários de heroína, os participantes que estavam abstinentes demonstraram maior uso de respostas de enfrentamento em comparaçao aos participantes que tiveram lapsos ou recaídas12.
De fato, o treinamento de habilidades de enfrentamento tem sido utilizado como uma ferramenta importante no tratamento do transtorno por uso de substâncias, através de uma prática supervisionada no uso de habilidades de enfrentamento que devem ser particularmente úteis na diminuiçao da probabilidade e gravidade da recaída. Estudos demonstram que ensinar maneiras de identificar e lidar com situaçoes de alto risco resulta em recaídas menores e menos graves13.
Nesse sentido, o entendimento das estratégias de coping como elementos importantes que predispoem os indivíduos ao uso abusivo de substâncias se mostra essencial para possibilitar o desenvolvimento de intervençoes mais direcionadas e efetivas e colaborar para um melhor planejamento do processo de interrupçao do uso, bem como prevenir a recaída14. A partirdo exposto, destaca-se a relevância do presente estudo por possibilitar pensar em estratégias mais eficazes de prevençao e tratamento do TUS. Assim, os objetivos centrais desta revisao de literatura consistem em levantar estudos nacionais e internacionais que investiguem diferentes estratégias de coping em indivíduos com TUS, analisando e comparando os resultados entre os diferentes estudos. Além disso, a revisao tem como foco identificar possíveis lacunas nessa área de conhecimento, a fim de fomentar pesquisas futuras.
MÉTODO
Para o levantamento dos estudos, optou-se pelas bases de dados Lilacs, Scielo, Pubmed, APA PsycNet e Google Acadêmico, por serem referência na busca de artigos nacionais e internacionais no campo da Psicologia e saúde mental em geral. O método de revisao foi baseado nos critérios do PRISMA Statement (Transparentreportingofsystematicreviewsand meta-analysis)15, optando-se por um levantamento de artigos publicados nos últimos 10 anos, entre 2008 a 2017, e restringindo-se a estudos escritos em português, inglês e espanhol.
Para a identificaçao do tema abuso e dependência de substâncias, foram utilizados diferentes descritores nas línguas inglesa, portuguesa e espanhola a fim de ampliar os resultados, uma vez que nao há uma definiçao única acerca da terminologia utilizada nem mesmo correspondência exata entre os termos nos diferentes idiomas. As palavras-chave escolhidas foram aquelas mais comumente encontradas na literatura de referência no tema em questao. A Tabela 1 apresenta as palavras chave, campos de busca e os respectivos filtros aplicados em cada base de dados, conforme as opçoes de campos e filtros de busca oferecidos por cada plataforma, a fim de melhor selecionar os resultados.
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