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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2018; 20(3):135-150



Artigo Original

Características sociodemográficas e clínicas do abandono inicial em psicoterapia psicanalítica*

Socio-demographic and clinical characteristics of the initial abandonment in psychoanalytic psychotherapy*

Clarissa Machado Pessotaa; Luan Paris Feijób; Camila Piva Costac; Silvia Pereira da Cruz Benettid

Resumo

As altas taxas de risco do abandono psicoterapêutico em estudos nacionais e internacionais no início do tratamento sugerem atençao profissional, porém na perspectiva psicanalítica, ainda é necessária a ampliaçao de estudos sobre essa temática, considerando que esse modelo teórico apresenta restrita produçao acadêmica e empírica, em comparaçao com outras abordagens psicoterápicas. Sendo assim o objetivo deste estudo é identificar quais fatores, entre variáveis sociodemográficas e clínicas, estao associados ao abandono inicial (AI), divididos em três etapas, triagem, 1 mês e entre 1 e 2 meses, em psicoterapia psicanalítica. Trata-se de um estudo descritivo, realizado por meio de pesquisa documental retrospectiva, em 947 prontuários de pacientes adultos, que procuraram atendimento psicoterápico individual num Ambulatório de Psicoterapia Psicanalítica, localizado em Porto Alegre/RS, até o segundo mês de atendimento. Os instrumentos utilizados foram a ficha de dados sociodemográficos, o Symptom Checklist - 90 - R (SCL-90-R) e o Defensive Style Questionnaire (DSQ-40), anexados no banco de dados dessa instituiçao. Os resultados sugerem associaçoes entre o AI com renda baixa na etapa de triagem e renda alta entre 1 e 2 meses, escolaridade fundamental incompleto, médio e superior incompleto na triagem, médio incompleto e ensino superior incompleto até 1 mês e entre 1 e 2 meses ensino fundamental completo e ensino superior e sintomas de ansiedadena triagem e entre 1 e 2 meses.A expectativa é que os resultados desta pesquisa ampliem o conhecimento acerca dos fatores associados ao AI em psicoterapia psicanalítica.

Descritores: psicologia clínica; psicanálise; recusa do paciente ao tratamento.

Abstract

The high rates of therapeutic dropout at the beginning of a treatment deserve professional attention, once the national and international studies show the risk of abandonment at this stage. In the psychoanalytic perspective, it is still necessary to expand studies on this topic, considering that this theoretical model evidences restricted academic and empirical production, in comparison with other psychotherapeutic approaches. The objective of this study is to identify which factors amongst socio-demographic and clinical variables are associated with initial abandonment, divided into three stages, screening, 1 month and between 1 and 2 months, in psychoanalytic psychotherapy. This is a descriptive study carried out through retrospective documentary research, in 947 medical records of adult patients, who sought individual psychotherapeutic care in a Psychoanalytic Psychotherapy Outpatient Clinic located in Porto Alegre, RS, until the second month of care. The instruments used were the socio-demographic data sheets, the Symptom Checklist - 90 - R (SCL - 90 - R) and the Defensive Style Questionnaire (DSQ - 40), attached to the institution 's database. The results suggest associations between initial abandonment with income, schooling and anxiety symptoms. It is expected that the results of this research will increase the knowledge about the factors associated with the initial abandonment in psychoanalytic psychotherapy.

Keywords: psychology clinical; psychoanalysis; dropout.

 

 

INTRODUÇAO

O abandono psicoterápico é uma questao preocupante, que desperta o interesse de diversos pesquisadores1-4. Pesquisas atuais indicam que o abandono está associado a fatores sociodemográficos, clínicos e relativos ao tratamento psicoterápico4-8. Já na década de 1990, explorava-se o tema do abandono psicoterápico, por meio de ensaio clínico randomizado9. Esse estudo canadense identificou que os pacientes que abandonavam a psicoterapia apresentavam dificuldades relativas ao estabelecimento de alianças terapêuticas e resistência ao processo terapêutico.

Ainda, nas revisoes meta-analíticas, verificou-se que a prevalência de abandono dos tratamentos era de 48% dos casos clínicos10. Umoutro estudo11, verificou altas taxas de abandono, de 20% a 74%, o que demonstra que um em cada cinco pacientes abandona a psicoterapia antes de completar o tratamento. Para chegar a essas conclusoes, foram analisados dados referentes ao abandono psicoterápico em 669 estudos, contemplando um total de 83.834 clientes11. Em uma investigaçao mais atual6, a partir de 44 estudos relevantes sobre o abandono psicoterápico, as taxas de abandono identificadas ficaram próximas a 35%, o que ainda reflete a necessidade de novas contribuiçoes empíricas sobre as variáveis envolvidas nesse processo. Destes estudos, menos da metade considerava aspectos relativos ao terapeuta, relacionamento ou fatores de processo.

Portanto, o abandono psicoterápico é um tema que desperta discussao no meio clínico e científico. Contudo, nao há muitos estudos que predizem com clareza os fatores associados a esta problemática na psicoterapia psicanalítica (PP)2. Ademais, é importante a ampliaçao de estudos que considerem esse modelo teórico devido à baixa produçao acadêmica e empírica, em comparaçao com outras abordagens psicoterápicas, como, por exemplo, a terapia cognitiva comportamental2,12. Atualmente, a necessidade de integraçao de constructos teóricos psicanalíticos e a pesquisa empírica vêm ganhando espaço, sendo discutidas cada vez mais no campo científico e acadêmico13.

A PP se dispoe a conhecer o inconsciente do paciente, ao aproximar o passado primitivo por meio das repetiçoes transferidas para a figura do terapeuta14. Nesse sentido, é importante estabelecer um plano de tratamento para o combate ao adoecimento, a partir da demanda atual do paciente15, pois, no planejamento para uma psicoterapia de orientaçao psicanalítica, os recursos egóicos e cognitivos do paciente devem ser considerados, assim como a sua motivaçao para o tratamento e os objetivos terapêuticos acordados entre a dupla16 .

Portanto, o início da psicoterapia é decisivo para a permanência ou nao do paciente em tratamento, sendo necessário vencer a resistência, a falta de motivaçao e a dificuldade em aderir à psicoterapia3,17,18. Além disso, os atributos do terapeuta, como a empatia e o conhecimento técnico e pessoal, sao componentes que podem ser considerados aliados na adesao do paciente à terapia19, pois há indícios de que o ensino da PP baseado no tripé (supervisao dos casos clínicos, estudos teóricos e análise pessoal do terapeuta) é importante para o fortalecimento da técnica psicoterapêutica15.

A literatura vem demonstrando os ganhos terapêuticos com pacientes que recebem a PP, pois, além de apresentarem uma melhora significativa durante o processo, eles mantêm esses ganhos, inclusive após o fim do tratamento20. Porém, a decisao de abandonar a psicoterapia tem impacto negativo e pode ocorrer em momentos distintos do tratamento, seja nas fases, inicial, média ou tardia4. Devido à heterogeneidade conceitual, Gastaud e Nunes2, sob o prisma da psicoterapia psicanalítica, propoem a possibilidade de utilizaçao dos termos nao aderência, definida pela interrupçao na fase de avaliaçao inicial, e abandono, quando o paciente desiste do atendimento antes que os objetivos estabelecidos no contrato sejam atingidos.

Em se tratando do espaço temporal para a compreensao do abandono do tratamento, recomenda-se considerar o abandono precoce como sendo aquele que ocorre antes dos três meses de atendimento3. Contudo, se o paciente abandonar o tratamento no início, principalmente, entre o primeiro e o terceiro mês de atendimento3,18, os objetivos do tratamento acabam nao sendo concluídos com efetividade. Sendo assim, o estudo de Jung4 definiu o abandono inicial como aquele que ocorre no período anterior a dois meses, tendo em mente que, no primeiro mês, o terapeuta avalia o paciente.

As maiores taxas concentram-se nesta primeira etapa, pois apenas 20% dos pacientes consultam um psicoterapeuta mais do que três vezes, desde o início da avaliaçao21. Especificamente na abordagem psicanalítica, uma pesquisa nacional realizada com psicoterapeutas psicanalíticos apontou que, no primeiro mês de atendimento psicoterápico, ou seja, nas primeiras quatro sessoes, há maior risco de interrupçao do tratamento psicanalítico18.

Da mesma forma, para minimizar as altas taxas de abandono do tratamento, é necessário reconhecer os fatores sociodemográficos e clínicos, que estao associados a este fenômeno12. As variáveis sociodemográficas, como o sexo masculino22,23; pacientes mais jovens23,24; menor nível de escolaridade e renda baixa6,8,22 estao associados ao abandono da psicoterapia.

Já os aspectos clínicos como depressao e ansiedade5,25,26, aspectos regressivos27 e mecanismos de defesa imaturos3,28 estao presentes em pacientes que abandonam o tratamento antes de os objetivos serem alcançados. Simon7reconhece ser necessário monitoramento e divulgaçao sistemática de pacientes com depressao que interrompem a psicoterapia prematuramente, em vez de focar apenas naqueles que permanecem.

Os pacientes com sintomatologia de ansiedade requerem cuidado, tendo em vista a tendência ao abandono prematuro. Esses pacientes utilizam defesas evitativas para nao se exporem ou por receio de intensificar o adoecimento frente ao processo psicoterápico5. Considerando que grande parte do abandono ocorre no início da psicoterapia, o objetivo desta pesquisa documentalretrospectiva é caracterizar as variáveis sociodemográficas e clínicas que se associam ao abandono inicial(AI)de pacientes em psicoterapia psicanalítica.


MÉTODO

AMOSTRA


Como amostra desta pesquisa, foi selecionado o total de 1272 prontuários de pacientes adultos, atendidos entre julho de 2010 e julho de 2016. Posteriormente, foram excluídos os prontuários de pacientes que nao haviam respondido corretamente os instrumentos entregues na triagem. Assim, o estudo relativo aoAI centrou-se nos dados levantados de um total de 947 prontuários.

Para uma descriçao mais detalhada para este artigo, esse período inicial foi dividido em três etapas: triagem (apenas 1 sessao); até 1 mês e entre 1 e 2 meses. Como resultado dessa classificaçao obtivemos: o número de participantes na triagem, 664; até um mês, 121; de 1 mês a 2 meses, 162, totalizando 947 prontuários.

A maioria dos participantes da triagem sao do sexo feminino (66,5%), com idade entre 26 a 35 anos (48,6%); com formaçao em nível de Ensino Superior incompleto (37,3%); com renda de dois a três salários mínimos (46%). Os que abandonaram o tratamento no primeiro mês sao, na maioria, do sexo feminino (62,8%), idade entre 26 e 35 anos (50,4%), formaçao em nível de Ensino Superior completo (40,5%) e renda de dois a três salários mínimos (40,7%). Quanto aos participantes que abandonaram o tratamento entre 1 e 2 meses, a maioria é do sexo feminino (64,8%), idade entre 26 e 35 anos (48,8%), formaçao em nível de Ensino Superior incompleto (37,7%) e renda de quatro a seis salários mínimos (37,4%).


INSTRUMENTOS

Os instrumentos a seguir constam nos prontuários arquivados no banco de dados da instituiçao pesquisada. As variáveis de interesse para este estudo estao divididas em sociodemográficas e clínicas.

(a) Ficha de contato inicial: Elaborada pela instituiçao para registrar características sociodemográficas dos pacientes. O documento é preenchidapelo paciente quando este chega ao ambulatório. Para este estudo, foram escolhidas as variáveis sexo, idade, escolaridade e renda, contidas nesse instrumento.

(b) Symptom Checklist - 90 - R (SCL-90-R): Criado por Derogatis29, é uma escala de autoavaliaçao com 90 itens de sintomas, que refletem o padrao psicológico de quem é avaliado. O instrumento avalia a psicopatologia em termos de nove dimensoes primárias de sintomas. Para fins deste estudo, foram analisadas apenas três dimensoes: Depressao (D), Ansiedade (An) Ansiedade Fóbica (AF), numa escala de frequência de 5 pontos, graduada de 0 a 4 (0 = nenhum a 4 = extremamente muito), pois sao os mais presentes em pacientes que abandonam inicialmente o tratamento4,5,26.

O instrumento também avalia três índices globais de distúrbios: Indice Global de Severidade (IGS) - em relaçao aos sintomas, Distúrbio de Sintomas Positivos (IDSP) e o total de Sintomas Positivos (TSP), sendo avaliado apenas o primeiropara identificar qual o limiar de severidade sintomática em cada etapa. Ainda, o instrumento, que foi traduzido para 24 idiomas e adaptado por Lanoni30para a populaçao brasileira, apresentou boa consistência interna (α = 0,73 a 0,88). Os resultados brutos para cada dimensao e para os três índices globais sao convertidos em resultados ponderados. Para definir o resultado, a medida utilizada é o escore IGS, maior ou igual ao escore T de 63. Caso dois escores de dimensoes primárias sejam maiores ou iguais ao escore T de 63, o indivíduo é considerado um caso de risco29.

(c) DefensiveStyleQuestionnaire (DSQ-40): elaborado por Bond, Gardner, Christian e Sigal31com 67 itens. É um instrumento autoaplicável composto por 40 itens, que avalia 20 defesas com duas questoes para cada, respondidas numa escala de frequência de 1 a 9 (1 = discordo totalmente e 9 = concordo plenamente). Visa identificar os derivados conscientes dos mecanismos de defesa e se eles se organizam de forma madura, imatura ou neurótica. Foi traduzido para a realidade brasileira32 e obteve boa consistência interna, sendo (α = 0,55), para as defesas maduras; (α = 0,52), para defesas neuróticas; e (α = 0,77), para defesas imaturas. Neste estudo, os alfas encontrados foram para defesas maduras (α = 0,51); para defesas neuróticas (α = 0,48); e defesas imaturas (α = 0,72).


PROCEDIMENTOS DE COLETA DOS DADOS

A pesquisa foi realizada num Ambulatório de Psicoterapia Psicanalítica**, localizado em Porto Alegre/RS. A primeira autora fez sua especializaçao na instituiçao, onde trabalhou por 8 anos como supervisora de estágios, vínculo que oportunizou o estudo.

Foram incluídos para as análises estatísticas: (a) os prontuários de pacientes com idade entre 18 e 40 anos, que procuraram atendimento psicoterápico individual entre julho de 2010 e julho de 2016; (b) pacientes que abandonaram a psicoterapia até 2 meses de atendimento. A definiçao de abandono inicialfoi consideradacomo aquela em que ocorre no período anterior a dois meses, tendo em mente que, no primeiro mês, o terapeuta realiza a avaliaçao do paciente4.

Trata-se de um estudo retrospectivo, transversal e analítico, realizado através de pesquisa documental. Sendo uma pesquisa que investiga prontuários clínicos, ela atende à Resoluçao 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, órgao do Ministério da Saúde, que estipula as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas com seres humanos33. Foi aprovada pelo Comitê de Ética da Instituiçao que forneceu os prontuários e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, CAAE 68860117.2.0000.5344.2013.


PROCEDIMENTOS DE ANALISE DOS DADOS

Os dados foram analisados no programa StatisticalPackage for Social Sciences, versao 22 para Windows. Para critérios de decisao estatística, adotou-se o nível de significância de p < 0,05. Os dados foram tratados e analisados por meio da estatística descritiva.

Dessa forma, todas as análises descritivas foram realizadas por meio de tabulaçao cruzada, sendo os grupos colocados como variáveis dessas análises. A apresentaçao dos resultados foi feita por estatística descritiva - distribuiçao absoluta e relativa (n - %), bem como, pela média, mediana e desvio padrao. Já o estudo da distribuiçao de dados das variáveis contínuas, pelo teste de Kolmogorov-Smirnov.

Para a análise bivariada entre as variáveis independentes e as três etapas, foram utilizados os testes Qui-quadrado de Pearson (x2) e o Teste Exato de Fisher. Na análise das variáveis contínuas, foi implementado o teste de análise de variância (Oneway) e Post Hoc-Hurkey34.

A variável dependente - abandono inicial - foi avaliada pelas variáveis definidas como explicativas ou independentes: dados sociodemográficos e clínicos. Através do instrumento SCL-90, foram selecionados os sintomas: Depressao, Ansiedade e Ansiedade Fóbica, por serem os mais presentes em pacientes que abandonam o tratamento logo no início5,25,26. As interpretaçoes quanto à gravidade dos sintomas foram agrupadas por categorias afins, sendo reorganizadas da seguinte forma: 1) nenhuma/pouca severidade; 2) severidade moderada; 3) bastante/muito severo.


RESULTADOS

Foram analisados 947 prontuários, com enfoque principal no AI, descritos e avaliados em três etapas independentes: triagem 70,1% (n=664); até 1 mês 12,8% (n=121); e entre 1 e 2 meses 17,1% (n=162).Em relaçao ao gênero, 324 (34,3%) eram pacientes do sexo masculino; e 661 (65,7%), do sexo feminino. A média de idade da amostra foi de 28,4 anos (DP = 5,95). Em relaçao à escolaridade, 64,41% (n=607) dos pacientes tinham Ensino Superior incompleto. Em relaçao à renda, 42,9% (n=379) apresentavam a renda de 2 a 3 salários mínimos (vigentes na época).

A Tabela 1 apresenta os resultados da associaçao do abandono inicial com as características sociodemográficas. Quanto ao período de triagem, as variáveis escolaridade dos níveis fundamental incompleto (1,8%), médio (33,8%) e superior incompleto (37,3%) e renda de 2 a 3 salários mínimos (46%) associaram-se ao abandono inicial.




No período de atendimento de até um mês, a associaçao da variável escolaridade com abandono inicial, nos níveis Ensino Médio incompleto (6,6%) e Superior completo (40,5%). No período de atendimento entre 1 e 2 meses, houve associaçao entre a variável escolaridade nos níveis Ensino Fundamental completo (3,1%) e Ensino Superior (72,3%) e a variável renda, considerando a faixa acima de 4 a 6 salários (37,4%) e acima de 7 salários (18,4%).

As características clínicas foram analisadas enfocando duas dimensoes: a sintomatologia (Tabela 2) e os mecanismos de defesa (Tabela 3). A associaçao entre a triagem e o abandono entre 1 e 2 meses, na dimensao sintomatologia, apresentou o sintoma da ansiedade.






Na triagem, o grau de severidade dos sintomas foi bastante/muito (15,5%), demonstrando que esse fator pode comprometer a manutençao do tratamento pós-entrevista de avaliaçao. Em relaçao ao abandono entre 1 e 2 meses, o grau de severidade foi moderado (34%). No que se refere à dimensao mecanismos defensivos, conforme Tabela 3, nao foram identificadas associaçoes com o abandono inicial.


DISCUSSAO

O estudo de meta-análise de Swift e Greenberg11 sobre abandono inicial aponta uma prevalência de abandono em psicoterapia de 20% a 74%. No presente estudo, a taxa de abandono inicial, considerando o banco de dados de 2010 a 2016 foi de 58,5%: 41% dos pacientes abandonaram o tratamento na triagem; 7,5% até o primeiro mês; e 10% entre 1 e 2 meses, o que corrobora com a relevância do entendimento deste fenômeno.

Nesta pesquisa objetivou-se avaliar os fatores sociodemográficos e clínicos relativos ao abandono inicial na psicoterapia psicanalítica. Os resultados apontam que, no período de triagem, a escolaridade, a renda e a ansiedade associaram-se ao abandono inicial. Já em relaçao ao período até 1 mês, a associaçao ao AI ocorreu em relaçao à escolaridade. No período de atendimento entre 1 e 2 meses, as variáveis escolaridade, renda e ansiedade foram associados ao constructo deste estudo.

Quanto à variável escolaridade, a literatura aponta que indivíduos com baixa escolaridade abandonam mais facilmente a psicoterapia6,22. Neste estudo, observou-se que esta variável está associada a vários níveis de escolaridade. Assim, na triagem, os pacientes que a abandonam sao, na grande maioria, indivíduos com baixo nível de escolaridade. Já entre 1 e 2 meses, a associaçao com a escolaridade aumenta para o Ensino Superior.

Ross e Werbart6mencionam que a maioria dos estudos nao aponta com clareza o número de sessoes consideradas para o abandono psicoterápico, o que pode influenciar uma informaçao precisa sobre o que se considera como período avaliativo, aderência e abandono. Portanto, os achados deste estudo apontam para uma transiçao, o que pode indicar que o abandono está associado a indivíduos com baixa escolaridade, no período avaliativo (triagem). Esse resultado sugere um aspecto importante a ser investigado nessas entrevistas, pois a instituiçao treina seus triadores a conduzirem o rapport inicial de forma analítica e, neste momento, por meio da escuta analítica acurada, poderiam ser identificados além de possíveis indicativos de resistência ao tratamento, o que poderia auxiliar na minimizaçao desta interferência resistencial, assim como informar aspectos gerais de como funciona uma psicoterapia, usando uma comunicaçao simples e de fácil compreensao.

Em relaçao à renda, ainda que tenha havido uma associaçao do abandono inicial com a renda baixa (2 a 3 salários mínimos) no período de triagem, tal como referido na literatura, o que acena para a associaçao do abandono com o baixo poder aquisitivo6,8, houve associaçoes significativas com rendimentos acima de 4 salários mínimos, o que contraria a literatura atual. Algumas implicaçoes acerca deste resultado podem estar relacionadas ao desconforto por estarem em tratamento numa instituiçao, tendo condiçoes financeiras para subsidiar o atendimento em consultórios privados levando-os a desistência do tratamento.

Observando os períodos examinados nesta pesquisa, o índice de abandono associa-se à renda e à escolaridade por razoes opostas. Considerando que fatores pessoais e laborais podem estar relacionados a este fenômeno, tais como oportunidades de crescimento profissional, que podem ocasionar mudanças de emprego e de cidade, as pessoas de alto poder aquisitivo e nível de escolaridade podem optar por outras oportunidades, já as de baixo poder aquisitivo e nível de escolaridade podem nao conseguir investir na psicoterapia por fatores financeiros e escolares.

Os aspectos clínicos dos pacientes quanto às características sintomatológicas evidenciam uma associaçao entre o abandono inicial do tratamento e a severidade da sintomatologia relacionada à ansiedade, já que os pacientes que desistiram na triagem apresentam (bastante/muito) sintomas de ansiedade. Já entre os pacientes que abandonam o tratamento entre 1 e 2 meses, 34% apresentam sintomas de ansiedade (moderada); e 9,3% apresentavam (bastante/muito) sintomas de ansiedade. Esse resultado merece atençao, destacandose a importância da avaliaçao inicial de pacientes que apresentam indicadores de ansiedade, encontrando associaçao entre a severidade dos sintomas e o abandono do tratamento com estudos anteriores26.

Em concordância com este estudo, uma pesquisa chilena centrou-se especificamente na aderência de pacientes com transtornos de ansiedade. Após as análises das variáveis sociodemográficas e sintomatológicas, observou-se que pacientes com níveis mais altos de ansiedade nao encontravam o alívio esperado e temiam que a psicoterapia intensificasse o sintoma, o que levava ao abandono psicoterápico5. Nesse sentido, os autores sugerem que o psicoterapeuta deve criar um ambiente acolhedor e facilitador, combinado com uma avaliaçao psiquiátrica que foque melhor e dê uma direçao ao manejo, tendo em vista a tolerância para um alívio sintomático.

Geralmente, o sintoma da ansiedade vincula-se a situaçoes de estresse, devendo-se avaliar se é adaptativo, ou seja, uma defesa positiva diante de problemas da vida cotidiana ou se é constante, tendo um caráter patológico, que gera sofrimento ao indivíduo35. O sucesso da psicoterapia psicanalítica vai além da remissao de sintomas, já que esta abordagem promove o desenvolvimento de capacidades dentro das relaçoes afetivas, o desenvolvimento de talentos e de recursos, a busca de compreensao do eu e do outro, com maior flexibilidade e liberdade20.

Dessa forma, para o autor20, esse processo inclui a autodescoberta num contexto seguro e autêntico, entre terapeuta e paciente. E é nas entrevistas iniciais que acontece essa autodescoberta da dupla. O treinamento clínico, a atençao com o auxílio da técnica psicanalítica para a elaboraçao de novas avaliaçoes iniciais utilizando pesquisas atuais podem colaborar na acolhida ao paciente, de modo especial, àquele com sintomas de ansiedade.

Além da sintomatologia do paciente, outro fator importante sao as características do funcionamento psíquico, que podem colaborar para que o paciente abandone o atendimento, principalmente, em casos em que ele apresenta aspectos regressivos de personalidade27. Apesar de os aspectos clínicos dos pacientes quanto às características sintomatológicas (mecanismos de defesa) do presente estudo nao terem apontado diferenças entre os níveis de mecanismos defensivos e abandono, entre a triagem em um mês e em um e dois meses, observou-se um dado importante em relaçao ao uso frequente de mecanismos imaturos, que prevaleceram na amostra. Cabe compreender que os mecanismos de defesa sao importantes na prática clínica, pois sao processos psicológicos inconscientes, que demonstram a forma como o indivíduo lida com situaçoes estressantes, além de prevenir a ansiedade frente a essas problemáticas36 .

Dessa forma, houve congruência com o estudo3, que destacou o menor nível de insight por parte dos pacientes e a presença de defesas imaturas, como a projeçao e a negaçao, nos pacientes abandonantes. Conhecer quais defesas sao patológicas, bem como, o efeito da psicoterapia sobre elas é essencial para compreender o processo psicoterápico37 e intervir na interrupçao do tratamento.

Na prática, mudanças nas entrevistas iniciais e critérios de adesao ao processo psicoterápico poderiam auxiliar o paciente a nao abandonar o tratamento. Como sugestao, os psicoterapeutas poderiam usar mais os dados empíricos e teóricos para auxiliar nas entrevistas iniciais, além de estabelecerem critérios de indicaçao e de contraindicaçao mais precisos. Sabe-se que esta decisao ajuda o terapeuta na melhor conduçao do tratamento para cada tipo de paciente, como salienta a pesquisa brasileira naturalística longitudinal15.

Assim, utilizando a escuta diferenciada e atentos à flexibilidade e à história pessoal de cada um, os psicoterapeutas podem recorrer à criaçao de novos instrumentos mais focados nas resistências que sao inerentes ao tratamento. Contudo, a contribuiçao de pesquisas atuais sobre os fatores que sao associados ao abandono inicial pode auxiliar na prevençao de possíveis entraves no percurso das entrevistas iniciais e do tratamento.


CONCLUSAO

Esse estudo evidencia um perfil de risco potencial para o abandono psicoterápico inicial, composto por variáveis sociodemográficas e clínicas em diferentes momentos do tratamento inicial, que sao neste estudo, triagem, até um mês de atendimento e por fim, de um até dois meses de sessoes psicoterápicas.Cabe considerar que no presente artigo nao houve associaçao estatisticamente significativa entre mecanismos de defesa e abandono inicial, possibilitando novas pesquisas nesta temática. Assim, o artigo colabora para que pesquisadores e psicólogos clínicos estejam atentos a características prévias que podem ser restritivas para a manutençao de um tratamento de orientaçao psicanalítica.

Quanto às limitaçoes, pode-se citar o desenho transversal, que impossibilita a relaçao de causalidade, o banco de dados com informaçoes já coletadas, nao permitindo a inclusao de novas variáveis e análise mais ampliada das dimensoes e sintomas instrumento SCL- 90-R. Em relaçao às forças deste estudo, pode-se abordar quantoao número elevado de prontuários de pacientes, 947 adultos analisados, uma amostra suficiente para sustentar os resultados obtidos e as divisoes em categorias que diferenciam claramente o período avaliativo (triagem) das demais sessoes iniciais.

Como sugestao, indicam-se novos estudos com padronizaçao e categorizaçao do número de sessoes, a fim de permitir uma análise mais apurada da etapa. Ainda, sugere-se pesquisas que consigam avaliar associaçao significativa entre mecanismos de defesa e abandono inicial do tratamento.


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a Psicóloga. Especialista em Psicoterapia Psicanalítica (Instituto Contemporâneo de Psicanálise e Transdisciplinaridade) e Mestra em Psicologia - Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Sao Leopoldo - Rio Grande do Sul - Brasil
b Psicólogo, Especialista em Neuropsicopedagogia (Centro Universitário Leonardo da Vinci), Mestre e Doutorando em Psicologia (Universidade do Vale do Rio dos Sinos). Programa de Pós-Graduaçao em Psicologia - Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Sao Leopoldo - Rio Grande do Sul - Brasil
c Psicóloga, Especialista em Psicoterapia Psicanalítica (Instituto Contemporâneo de Psicanálise e Transdisciplinaridade) - Mestra e Doutora em Psiquiatria e Ciências do Comportamento (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Programa de Pós-Graduaçao em Psiquiatria e Ciências do Comportamento Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Porto Alegre - Rio Grande do Sul - Brasil
d Psicóloga, Mestra em Educaçao (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e Doutora em Child and Family Studies (Syracuse University) - Porto Alegre - Rio Grande do Sul - Brasil

Correspondência
Clarissa Machado Pessota
Rua Dona Laura, 228, Sala 603, Bairro Moinhos de Vento
90430-090 Porto Alegre, RS, Brasil
e-mail 1: pessotaclarissa@gmail.com
e-mail 2: lparisf@gmail.com
e-mail 3: spcbenetti@gmail.com

Submetido em: 01/04/2018
Aceito em: 31/07/2018

Colaboraçoes: Clarissa Machado Pessota - Análise estatística, Coleta de Dados, Gerenciamento do Projeto, Investigaçao, Metodologia, Redaçao - Preparaçao do original, Redaçao - Revisao e Ediçao;
Luan Paris Feijó - Análise estatística, Metodologia, Redaçao - Preparaçao do original, Redaçao - Revisao e Ediçao, Visualizaçao;
Camila Piva Costa - Gerenciamento do Projeto, Supervisao, Validaçao, Visualizaçao;
Silvia Pereira da Cruz Benetti - Análise estatística, Investigaçao, Metodologia, Redaçao - Preparaçao do original, Redaçao - Revisao e Ediçao, Supervisao, Visualizaçao.

* Artigo oriundo da dissertaçao de mestrado em psicologia clínica defendida em 23 de março de 2018 pela primeira autora no Programa de Pós-Graduaçao em Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

** A instituiçao adere à abordagem da psicoterapia psicanalítica em seu processo, com sessoes já avaliadas pelo Instrumento de Avaliaçao de Sessoes Psicanalíticas (IASP)38, utilizado para captar a aderência das sessoes à técnica psicanalítica.

 

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