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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2018; 20(3):115-133



Artigo Original

Terapia Baseada na Mentalizaçao de um adolescente em conflito com a lei

Therapy Based on Mentalization of a teenager in conflict with the law

Terapia basada en la Mentalización de un adolescente en conflicto con la ley

Luciane Maria Botha; Taís Cristina Favarettob; Sílvia Pereira da Cruz Benettic

Resumo

A Terapia Baseada na Mentalizaçao (TBM) proporciona reativaçao da mentalizaçao - compreensao dos estados mentais reais e intencionais, desenvolvimento de representaçoes internas estáveis e estruturaçaodo self. Trata-se de um estudo de caso para verificar a efetividade da TBM de um adolescente em conflito com a lei, a partir da análise de resultado baseada no Diagnóstico Psicodinâmico Operacionalizado (OPD-2). Foram analisados o atendimento inicial e o final após 18 meses de tratamento - análise de resultado, por dois juízes independentes. O coeficiente Kappafoi substancial. No Eixo I houve diminuiçao da gravidade dos sintomas com maior vivência do paciente, equivalendo-se o nível de sofrimento com a gravidade. No Eixo II, busca nao depender dos outros, ser autoconfiante, expoem-se ao risco, mas há maior crítica sobre suas açoes. No Eixo III, os conflitos atuavam com menor intensidade, prevalecendo a necessidade de ser cuidado versus autossuficiência. No Eixo IV, com nível mediano de estrutura, apresentou melhoras na mentalizaçao, na capacidade de vinculaçao. No Eixo V, o diagnóstico de Transtorno de Conduta nao correspondia mais ao final do tratamento. A partir dos critérios avaliativos do OPD-2, foi possível verificar uma melhora sintomática de maneira geral no paciente, e constatar o desenvolvimento da mentalizaçao pela TBM.

Descritores: Adolescente em conflito com a lei; Mentalizaçao; Psicodinâmica.

Abstract

Mentalization Based Therapy (MBT) provides reactivation of mentalization - understanding of real and intentional mental states, development of stable internal representations, and structuring of the self. This is a case study to verify the effectiveness of the MBT of an adolescent in conflict with the law, based on the analysis of results based on Operational Psychodynamic Diagnosis (OPD-2). Initial and final care were analyzed after 18 months of treatment - analysis of results, by two independent judges. The Kappa coefficient was substantial. In Axis I there was a decrease in the severity of the symptoms with greater patient experience, being equivalent the level of suffering with the severity. In Axis II, he tries not to depend on others, to be self-confident, to expose himself to risk, but there is more criticism about his actions. In Axis III, the conflicts acted with less intensity, prevailing the need to be care versus self-sufficiency. In Axis IV, with a median level of structure, there was improvement in mentalization, in the capacity of attachment. In Axis V, the diagnosis of Conduct Disorder no longer corresponded to the end of treatment. Based on the evaluation criteria of OPD-2, it was possible to verify a symptomatic improvement in a general way in the patient, and to verify the development of mentalization by MBT.

Keywords: Adolescents in conflict with the law; Mentalization; Psychodynamics.

Resumen

La Terapia basada en la Mentalización (TBM) proporciona reactivación de la mentalización - comprensión de los estados mentales reales e intencionales, desarrollo de representaciones internas estables y estructuración del self. Se trata de un estudio de caso para verificar la efectividad de la TBM de un adolescente en conflicto con la ley, a partir del análisis de resultados basado en el Diagnóstico Psicodinámico Operacionalizado (OPD-2). Se analizaron el atendimento inicial y el final después de 18 meses de tratamiento - análisis de resultados, por dos jueces independientes. El coeficiente Kappa fue sustancial. En el Eje I hubo disminución de la gravedad de los síntomas con mayor vivencia del paciente, equivaliendo el nivel de sufrimiento con la gravedad. En el Eje II, busca no depender de los demás, ser autoconfiante, se exponen al riesgo, pero hay mayor crítica sobre sus acciones. En el Eje III, los conflictos actuaban con menor intensidad, prevaleciendo la necesidad de ser cuidado frente a la autosuficiencia. En el Eje IV, con nivel mediano de estructura, presentó mejoras en la mentalización, en la capacidad de vinculación. En el Eje V, el diagnóstico de Trastorno de Conducta no correspondía más al final del tratamiento. A partir de los criterios evaluadores del OPD-2, fue posible verificar una mejora sintomática de manera general en el paciente, y constatar el desarrollo de la mentalización por la TBM.

Descriptores: Adolescente en conflicto con la ley; Mentalización; Psicodinámica.

 

 

INTRODUÇAO

Nas últimas décadas o conceito de mentalizaçao tem se destacado como um constructo de grande importância para múltiplas investigaçoes acerca do desenvolvimento psicológico, avaliaçao diagnóstica na área da pesquisa e da intervençao clínica1. A mentalizaçao(ou capacidade reflexiva) diz respeito à capacidade do indivíduo em compreender os estados mentais, desejos, motivaçoes, emoçoes, necessidades de si e dos demais e discriminar os aspectos internos (implícitos) e externos (explícitos) da realidade. Outorga solidez ao sentido de si como ser contínuo e único, bem como auxilia o sujeito a compreender a conduta e as pessoas como seres intencionais e previsíveis2.

Além disso, o conceito fundamenta a açao terapêutica de intervençoes clínicas que incluem a psicoterapia da mentalizaçao em diferentes contextos: atendimento individual, atendimento às famílias, à díade cuidador-bebê e às comunidades para minimizar a violência.3 Dessa forma, a mentalizaçao é investigada tanto pela associaçao à efetividade das psicoterapias quanto pela compreensao e identificaçao dos processos promotores da capacidade de mentalizar ao longo do desenvolvimento, principalmente na infância e adolescência.

Dessa forma, criou-se a Terapia Baseada na Mentalizaçao (TBM) que integra a psicodinâmica, a teoria do apego e recentemente, as pesquisas neurológicas. Pressupoem-se que um ambiente acolhedor como a psicoterapia, que proporciona reativaçao da mentalizaçao baseado no estabelecimento de uma relaçao de apego seguro.2 De tal forma, opsicoterapeuta particularmente, atua como promotor da compreensao dos estados mentais reais e intencionais facilitando o desenvolvimento de representaçoes internas estáveis e estruturando o self.4 Para o TMB é necessário treinamento específico visando a aplicabilidade correta das técnicas e estrutura. Tais exigências dificultam o trabalho de profissionais, já que esses treinamentos sao inexistentes no Brasil ou na América Latina.

A TBM é uma terapia que foi criada incialmente para os pacientes Borderline, entretanto transcendeu sua aplicabilidade para demais contextos psicopatológicos. Conforme o manual desenvolvido por Bateman e Fonagy, o desenvolvimento de um processo terapêutico é focado na percepçao do paciente de sua própria mente e as mentes dos outros, para que o paciente descubra como pensa e sente sobre si mesmo e sobre os outros, como isso dita a resposta dos demais, e como erros na compreensao de si mesmo e de outros levam para açoes que sao tentativas de reter a estabilidade e dar sentido a sentimentos incompreensíveis. O tratamento tem três fases principais. A fase inicial começa com uma avaliaçao da capacidade de mentalizaçaoe do contexto de relacionamento do paciente. A avaliaçao fornece um mapa de importante relacionamento interpessoale suas conexoes com os principais comportamentos problemáticos. Em seguida o contrato é estabelecido. Destaca-se, neste tipo de intervençao, que o psicoterapeuta adapta as intervençoes conforme o nível de mentalizaçao do sujeito. No princípio da terapia foca-se os afetos do aqui e agora, os conteúdos conscientes ou pré-conscientes e há intervençoes simples e curtas.O alvo sao a mente e os afetos do paciente ao invés do comportamento.A fase intermediária é caracterizada pela promoçao do aliança terapêutica, mantendo uma postura mentalizadora. Há o foco constante no estado atual da mente de sua mente e da mente do paciente, possui uma postura inquisitiva ou nao sabedora, enfatizando os estados mentais. Os terapeutas sao obrigados a observar sua própria nao-mentalizaçaoerros. No decorrer do tratamento pode-se tratar de conteúdos inconscientes e realizar interpretaçoes mais elaboradas. A fase final do tratamento começa no ponto de 12 meses e possui a ênfase nos aspectos interpessoais e sociais do funcionamento do paciente, juntamente com a consolidaçao de trabalhos anteriores. Nesse momento também trabalha-se a resposta à perda, associadas à separaçao do vínculo consolidado5.

Especificamente, esse modelo também pode ser utilizado em adolescentes - Mentalization Based Treatment for adolescentes (TBM-A). É um tratamento com tempo limitado e intervençoes estruturadas, necessitando treinamento específico e supervisoes clínicas aos profissionais que a executam. O psicoterapeuta é considerado mais ativo na sessao e assume uma postura de nao saber, questionando e refletindo com o paciente. A TBM-A tem a finalidade tanto de promover e restabelecer a mentalizaçao, como de mantê-la equilibrada mesmo em situaçoes de emoçoes intensas e contextos específicos de estresse no apego6. Um programa holandês de implementaçao do TBM-A apontou dificuldades na adesao e coerência dos profissionais ao modelo. Houveram dificuldades na seleçao dos profissionais, devido a falta de experiência ao modelo e na necessidade de treinamento e supervisao. Por outro lado, os pacientes foram beneficiados com o novo processo psicoterápico7.

Referindo-se a adolescência, a mentalizaçao é considerada um fator de proteçao contra o desenvolvimento de psicopatologia, pois auxilia na elaboraçao das perdas e transformaçoes características dessa faixa etária, mantendo o indivíduo seguro e estável2,8. Nesse sentido, Fonagye colaboradores (2002)2 apontam que várias manifestaçoes de psicopatologia nesta fase emergem de dificuldades na mentalizaçao. Tais dificuldades podem se referir a baixa capacidade de mentalizar ou hipermentalizaçao. Para alguns autores, a baixa capacidade de mentalizar relaciona-se a déficits em compreender os estados mentais próprios e dos demais e dificuldades de reflexao em virtude de situaçoes traumáticas infantis e atuais. Já a hipermentalizaçao surge como uma alternativa estratégica contra uma baixa e vulnerável mentalizaçao, cujo sujeito passa a interpretar de maneira excessiva os estados mentais dos demais, distorcendo a realidade; é uma mentalizaçao vulnerável8,9. Evidenciamse disfunçoes referentes à hipermentalizaçao em adolescentes com traços de personalidade borderline9 e adolescentes ansiosos10. Ademais, a baixa mentalizaçaoadolescentes violentos e com sintomas de psicopatia8.

Observa-se no Brasil, em adolescentes, um aumento gradual de passagem ao ato através de práticas de violência e atos infracionais11. De tal maneira, considera-se a problemática do adolescente em conflito com a lei de extrema importância, tanto pela uma pela gravidade e consequência dos envolvimentos, como pela precocidade da manifestaçao das condutas agressivas e, até mesmo, antissociais. Observam-seníveis baixos de mentalizaçao e hipermentalizaçao em tais adolescentes com a presença de distorçoes na percepçao de si e do outro, com desregulaçao emocional e dificuldade de vinculaçao9.

Frente a intervençoes psicoterápicas voltadas aos adolescentes em conflito com a lei aponta-se a necessidade de formas de avaliaçoes aprofundando a compreensao dos aspectos intrapsíquicos, identificando para além de sintomas, conflitos, estrutura, forma com que se estabelece suas relaçoes, levantando assim, possíveis fatores de risco relacionado a psicopatologias estruturadas ou em estruturaçao. O Diagnóstico Operacionalizado Psicodinâmico (OperationalisiertePsychodynamischeDiagnostik, OPD), hoje na segunda versao, visa ampliar a compreensao das perturbaçoes psíquicas, sendo um instrumento diferencial no diagnóstico psicodinâmico avaliativo e de planejamento e acompanhamento terapêuticos. Acredita-se que a mentalizaçao pressupoe variados aspectos do sujeito: nível de estrutura de personalidade, relacionamento interpessoal, vivência da doença; tais itens sao correspondentes aos eixos do OPD. Dessa forma, com base no interesse de aprofundar a contribuiçaoda TBM-Ana fase da adolescência, este estudo tem como objetivo verificar a efetividade da Terapia Baseada na Mentalizaçao de um adolescente em conflito com a lei, a partir da análise de resultado baseada nos critérios do Diagnóstico Psicodinâmico Operacionalizado (OPD-2).


MÉTODO

Trata-se um estudo de caso de um atendimento psicoterápico - Terapia Baseada na Mentalizaçao.


PARTICIPANTE

O participante, 18 anos de idade, branco, cabelos curtos e olhos claros,possuía porte físico médio. Cumpriu inicialmente Medida Socioeducativa em meio fechado, em uma Unidade de Atendimento no Rio Grande do Sul/ Brasil, devido ao ato infracional de tentativa de latrocínio. No decorrer do tempo de internaçao, após 18 meses, teve sua medida socioeducativa progredida para semiliberdade, passando a realizar saídas aos finais de semana. Anteriormente a esse tratamento nao havia passado por psicoterapia durante sua vida. Começou o atendimento após cinco mesesde internaçao.


TERAPEUTA

A terapeuta refere-se a uma psicóloga com 34 anos de idade e 10 anos de experiência clínica. Possui formaçao em Psicoterapia de Orientaçao Psicanalítica. Atua em uma Unidade de Atendimento Socioeducativo. Recebeu treinamento TBM-A com professor capacitado e teve supervisoes quinzenais.


INSTRUMENTOS

Foi aplicada uma ficha de dados sociodemográficas para caracterizaçao do participante. O tratamento, de abordagem integrativa, direcionou-se para a psicoterapia psicanalítica baseada na Terapia da Mentalizaçao de Fonagy.O estudo foi desenvolvido a partir do Diagnóstico Psicodinâmico Operacionalizado (OPD-2).12

O Diagnóstico Operacionalizado Psicodinâmico (Operationalisierte Psychodynamische Diagnostik, OPD) é um instrumento criado na Alemanha, com o intuito de ampliar a classificaçao de perturbaçoes psíquicas do CID-10 na descriçao de sintomas introduzindo dimensoes psicodinâmicas. Utilizou-se, neste estudo, a versao brasileira do instrumento.13 A Tabela 1 apresenta uma descriçao detalhada dos Eixos, dimensoes avaliadas e indicadores.




PROCEDIMENTOS DE COLETA E ANALISE DE DADOS

O adolescente foi convidado a participar da pesquisa ao receber sentença de internaçao em meio fechado. O tratamento foi realizado com sessoes individuais semanais com 45 minutos de duraçao. As mesmas foram audiogravados para posteriores análises. O estudo recebeu autorizaçao da Fundaçao de Atendimento Socioeducativo, responsável legal pelo adolescente durante a internaçao e houve assentimento livre e esclarecido do participante. As sessoes foram realizadas na própria instituiçao em sala de atendimento utilizada por psicólogos. Os atendimentostranscorreram no período de 18 meses.Posteriormente a progressao do adolescente para Semiliberdade, a última sessao, ocorreu no local para onde foi transferido, em sala de atendimento utilizada por psicólogo daquela instituiçao.Ao final do tratamento totalizaram-se de 75 sessoes. Foram selecionados para a análise o atendimento inicial e o atendimento final - análise de resultado.

A análise de dados se deu por dois juízes independentes, com curso de formaçao no Diagnóstico Psicodinâmico Operacionalizado (OPD-2). Uma das avaliadoras foi a psicoterapeuta do adolescente. As entrevistas foram codificadas e foi calculado o coeficiente Kappa de cada eixo, em cada entrevista, de maneira independente. Realizou-se alteraçoes em no máximo três itens por eixo para haver maior confiabilidade entre os juízes; tal decisao foi estabelecida por discussao no grupo de pesquisa em questao. Especificamente o Eixo II foi analisado de maneira distinta, foi realizada a análise descritiva dos itens, já que este eixo possui 32 itens e é preciso eleger apenas três itens que descrevem o paciente. Tal dificuldade também foi apresentada no estudo de validaçao, em que o Eixo nem havia sido avaliado13.


RESULTADOS

DESCRIÇAO DO CASO


O adolescente vivia com a mae e irmao mais velho antes da internaçao no Centro de Atendimento Socioeducativo. Possui outro irmao mais novo que estava no exército brasileiro. Reprovou duas vezes na escola e estudava no primeiro ano do ensino médio quando iniciou o tratamento. Demonstrava temperamento explosivo, nao conseguindo controlar sua fúria o que o levava a envolver-se em brigas frequentes. Nao conseguia manter-se em atividades laborais, assim, passou a relacionar-se com pessoas envolvidas em atos ilícitos para buscar independência financeira. Ainda, perecia nao ter limites ou medos, colocando-se em situaçoes de perigo constantemente.

Considera como fato importante de sua vida "o abandono do pai" (sic); aos sete anos seu pai separou-se de sua mae e foi residir com nova companheira, em outro Estado. Nao conseguiacompreender, de forma consciente, os motivos do afastamento,uma vez que nao haviam brigas entre o casal. Ainda, questiona-se o porquêdo pai nao procurar os filhos, sentindo raiva de tal fato. Outra questao importante trazida se refere à sentimentode nao pertencer à família desde idade precoce e de ser "rejeitado" (sic) pelo pai, pois possuía aparência física diferente do mesmo e dos irmaos. Nunca questionouno entanto, a mae sobre possíveis motivos da separaçao e de sua diferença na cor de pele, cabelo e olhos.

A mae era vista pelo filho como uma mulher forte e determinada, que conseguiu criar os três filhos de forma honesta. Porém, diferentes relatos apontam que era confusa em suas decisoes, nao conseguia manter trabalho fixo, apresentava pouca rede de relacionamentos, sendo frágil e insegura como figura de autoridade. De tal maneira, nao conseguia estabelecer limites claros com o filho que apesar de referirnao querer desagradála, nao seguia suas recomendaçoes. O relacionamento com os irmaos era visto como distante; referia nao ter contato frequente com irmao que nao residia em casa e nao conseguia dialogar com o irmao mais velho, já estudando em outra cidade. Diz que o afastamento se deu em funçao de nao tolerar a comparaçao ou ser apontado em suas diferenças em relaçao a esse, parecendo nao possuir identidade própria. Gostaria de ser visto e reconhecido por si mesmo, seu jeito de ser e escolhas que realizava.

Tinha um único "amigo verdadeiro" (sic) descrito como diferente de si: adolescente estudioso, organizado, capaz de pensar antes de agir. Apesar das diferenças conseguiam realizar diversas atividades de lazer e esportivas emconjunto.Sobre o motivo que o levou ao cometimento do ato infracional e a internaçao menciona que foi contratado e iria receber dinheiro para cobrar uma dívida. Suas açoes foram planejadas. A vítima foi atingida com um golpe de facao no pescoço. Sem testemunhar as consequências de seu ato correu, fugindo do local. Nao acreditava que seria descoberto, já que nao havia mais ninguém no local. Permaneceu em liberdade por cerca de oito meses após o ato infracional.

Primeiramente, na internaçao, questionava-se sobre como foi descoberto, já que possuía uma história que o encobria. Foi sentenciado autor de tentativa de latrocínio, um dos atos infracionais de maior gravidade e com maior tempo de internaçao. Apresentou ansiedade com a internaçao, uma vez que necessitou abandonar as atividades que realizava. Referia ainda nao conseguir "enturmar-se" (sic) já que nao se sentia semelhante aos demais: nao tinha históricos de outros atos infracionais, nao sabia nenhuma informaçao sobre armas, nao gostava de atividades, músicas e locais que os outros adolescentes preferiam. Durante sua internaçao recebia visitas eventuais da mae e namorada.

Aceitou participar da psicoterapia "para ter alguém diferente com quem conversar e ajudar a terapeuta na pesquisa" (sic), nao acreditando poder beneficiar-se. Desde o início se mostrou ativo e disposto a falar. As sessoes iniciais foram marcadas por informaçoes a cerca do ato infracional e a nao compreensao sobre como conseguiram chegar ao seu nome frente ao ato realizado. Relatava o fato como se contando uma história, na mesma modulaçao de voz e sem alteraçoes afetivas. Posteriormente, ao sentir-se afastado dos demais adolescentes por estar em um lugar que nao "pertencia" (sic) passou a contar sobre as dificuldades em "adapta-se" (sic). Ainda, começou a trazer informaçoes sobre atividades que realizava quando em liberdade e modo de se relacionar com familiares e conhecidos. Por ser bastante observador e inteligente conseguiu manter-se estável, respeitando a todos, sendo prestativo para atividades e educado na forma de falar e agir. Orgulhava-se de ser considerado bom aluno.

Com o passar do tempo, vivenciando fato na instituiçao que o descontrolou, levando-o a realizar agressoes verbais,trouxe relatos sobre o pai. Idealizou, por anos, um novo encontro com o mesmo que aconteceu quando tinha 12 anos de idade, cinco anos após o pai ter ido embora de casa. Comenta sobre seu planejamento, fantasias e ansiedade. Viajou para onde o pai residia, se encontraram na rodoviária. Expoe que apenas se cumprimentaram, sendo ignorado. Tal fato trouxe à tona o desamparo e abandono sentidos anteriormente, passando a nutrir raiva e ressentimento. A lembrança de falar sobre o pai era o único momento em que parecia desconsertado, agitado, respiraçao ofegante, aparentando muita raiva.

Sempre, ao falar sobre fatos como morte, sofrimento, doenças ou questoes alegres mantinha a mesma aparência e tom de voz. Ao terminar namoro apenas relatou o acontecimento, nao parecendo afetar-se. Em momentos da psicoterapia questionou-se sobre como ocorreu sua constituiçao e sua forma de agir,perguntandose o porquê nao se importava com nada e ninguém. No entanto, via tal atributo como positivo, já que nao sofria e poderia estar livre para qualquer tipo de escolha.

Seus planos para o futuroeram de grandeza: ser fazendeiro, sair da internaçao e montar uma empresa própria, trabalhar como assessor do prefeito; contudo, nao possuíam um embasamento e organizaçao para que acontecessem. Também nao conseguia pensar em curto prazo, organizando sua volta para a comunidade de origem. Da mesma forma, diante de seus relatos, a mae nao era capaz deste auxílio.

Outro fato levantado em tratamento trouxe à tona a dificuldade de diálogo entre mae e filho. Parecia "pairar sempre, uma mentira entre nós" (sic). O outro nao era confiável para que se revelassem. Este sentimento foi trabalhado em diferentes momentos, buscando demonstrar que também ali, em psicoterapia, ocorria aquela repetiçao.

Depois de um ano e oito meses de internaçao, contando com um ano e três meses de tratamento, teve avaliaçao judicial e sua Medida Socioeducativa foi progredida para Semiliberdade. Ao passar a realizar visitas em casa conseguiu agir com maior naturalidade, manifestando maior alegria. Aproximou-se do irmao mais novo. Os atendimentos se voltaram relatos das novas experiências que vivia e para açoes práticas, planejamento de suas atividades nos finais de semana- onde iria, o que desejava fazer- e para reflexao sobre o porquê fazia e o que queria com suas açoes.

Conseguiu organizar-se para estudar no período da noite, estava no terceiro ano. Começou a sair e namorar uma menina, antiga amiga do colégio e a deixou ciente da sua situaçao penal; porém a família dela nao possui conhecimento de sua história. Estava realizando planos para o processo seletivo do exército, identificando-se com um amigo que passou no exame da aeronáutica. Passou a treinar com o irmao para melhorar seu desempenho físico e conquistar maior força e resistência. Refere ainda que foi procurado pela antiga namorada que mentiu estar grávida. A probabilidade de ser pai nao lhe mobilizou sentimentos de afetividade. Ficou, no entanto, ansioso e agitado emais tarde, com raiva devido à farsa. Contou que teve desejo de agredi-la fisicamente, mas conseguiu controlar seus impulsos pensando nas perdas que poderiam ocorrer, adiar planos ao voltar para regime de internaçao em meio fechado. Tal situaçao pareceu reforçar seu entendimento denao confiar nos outros. Passou a falar da mae de forma mais carinhosa, preocupa-se com o seu bem-estar.


CONCORDANCIA ENTRE OS JUIZES

O coeficiente Kappa conquistado em cada eixo foi substancial, acima de 0,61, conforme apresentado na Tabela 2.




CARACTERIZAÇAO POR EIXO

Será apresentado o caso conforme os cinco Eixos do OPD-2, em que os itens serao descritos comparativamente entre os resultados do atendimento inicial e final do tratamento em psicoterapia:

No Eixo I - vivência da doença e pré-requisitos para o tratamento - o paciente apresentou, inicialmente, uma gravidade de sintomas moderada e um sofrimento subjetivo ausente, em que nao se conectava consigo, nao apresentava queixas físicas, psicológicas ou problemas sociais, nao se expressava. Apresentou limitaçoes psíquicas no sentido de descontrole do impulso, dificuldade de confiar. Atribui a causa de seu problema - internaçao socioeducativa - a problemas laborais, nao refletindo sobre o risco de suas escolhas. Entretanto, almejava tratamento psicoterápico para poder conversar com alguém, mas deparou-se com seus próprios sentimentos. Na sessao final, houve diminuiçao da gravidade dos sintomas com maior vivência do paciente, equivalendo o nível de sofrimento com o nível de gravidade. Há umaleve ansiedade quanto ao futuro; mas demonstrou maior organizaçao, com planos concretos de trabalho. Ainda, há a tentativa de esconder o passado e o estigma social do seu envolvimento criminal; bem como permanece a dificuldade de confiar nos demais com resistências internas à mudança.

No que se refere ao apoio social percebido, no atendimento inicial, diz que ele nunca teve um relacionamento harmonioso com a namorada, mas sempre se apoiaram. Ela visitava-o poucas vezes; ademais houve a farsa da gravidez. Já no atendimento final, descreveu ótimo relacionamento com o irmao, inicio de novo relacionamento afetivo; havia preocupaçao com a mae e estabeleceu um vínculo saudável com a terapeuta, em que contava com ela para a resoluçao dos seus problemas (Gráfico 1).


Gráfico 1. Principais itens do Eixo I.
Nota. Maior pontuaçao corresponde a maior intensidade sintomática.



Sobre o eixo relacional - Eixo II - o paciente, no atendimento inicial,percebia os demais como dominadores e controladores, exigindo tarefas ilícitas no "trabalho", menosprezavam-no procurando envergonhá-lo em público e abandonavam-no, como fez a namorada que o visitava poucas vezes. Diane disso, o paciente atacava e prejudicava os outros impulsivamente, expondo-se às situaçoes de risco ou entao,ignorava os demais e retirava-se quando é motivo de chacota. Assim, os outros protegiam-se dele, muitas vezes nao se vinculando e retirando-se à um possível vínculo. Na sessao final, o paciente apresentou uma dinâmica relacional diferente:para ele os demais permitiam que atuasse autonomamente, já que tinha os finais de semana livres, idealizava o amigo vinculado à aeronáutica, procurando dedicar-se em treinos físicos para conquistar uma vaga no exército; mas permanecia a tentativa de controle e exigência no sentido da ex-namorada, procurando "prendê-lo" com a possibilidade de gravidez. Assim, o paciente buscava nao depender dos outros, ser autoconfiante, muitas vezes ainda se expondo ao risco, já que nao ponderava suas açoes por completo, como no caso da atual namorada em que os pais dela nao sabem do seu passado criminal. Entretanto, há maior crítica sobre suas açoes. Com isso, os outros admiravam-no pelo seu esforço e seus planos e evitavam a agressividade. Ainda sentia que os demais podiam retirar seu afeto, procurando nao se envolver com ele.

No Eixo III, o conflito intrapsíquico predominante inicialmente era a necessidade de ser cuidado versus autossuficiência em modo ativo, cujo paciente procurava ser autossuficiente, distanciando-se precocemente da família de origem. No entantosua baixa crítica fez envolver-se profissionalmente com o tráfico de drogas. Preocupava-se e cuidava da mae como forma inconsciente de obter cuidado. Apresentava sentimentos depressivos subjacentes que sao recalcados defensivamente, nao se deparando com a dor do desamparo. Como conflito secundário apresentou o conflito de autoestima modo ativo, que indica uma falta de reconhecimento do seu próprio valor, mesmo havendo a promessa dos familiares de lhe concederam a responsabilidade pelas propriedades da família, significativa quantidade de terras. Os bens (terras) serviam como atributos representativos de autovalorizaçao, porém tais atributos encontravam-se mais na fantasia do que na realidade. Também, tentava convencer-se que nao foi anamorada quem o abandonou, mas sim ele que perdeu o interessee que nao precisava dela. Os demais conflitos nao foram pontuados de forma significativa, como o conflito submissao versus controle, onde o paciente procurava controlar os demais a partir de atitudes agressivas. Nao há conflito de culpa, apesar de reconhecer que estava privado de liberdade em funçao de suas atitudes. Entretanto, percebe-se um conflito de identidade quanto à nacionalidade (Rio Grande do Sul versus Mato Grosso), em que nao se sentia identificado, sem sentimento de pertencimento; bem como havia preocupaçao com sua identidade profissional, já que suas tentativas laborais nao foram positivas, buscando maior autonomia, liberdade e um trabalho que apreciasse.

No atendimento final o paciente permaneceu com esses conflitos, mas atuavam com menor intensidade. Ainda houve prevalência da necessidade de ser cuidado versus autossuficiência em modo ativo, porém com planos mais concretos para a conquista da sua autonomia, com um direcionamento - exército. Assim como, sua identidade está mais bem definida, apesar da tentativa de esconder seus antecedentes (Gráfico 2).


Gráfico 2. Itens do Eixo III.
Nota. Maior pontuaçao corresponde a maior conflito intrapsíquico.



A respeito da estrutura psicológica - Eixo IV - o jovem, apesar de permanecer com nível mediano, apresentou melhoras no que se refere à autopercepçao, com desenvolvimento da mentalizaçao, percebendo de forma mais coerente seus estados mentais e emocionais bem como, dos demais. Igualmente, evidenciou maior controle do impulso, como confirmado com a situaçao da ex-namorada, que mesmo com vontade de prejudicá-la, reconheceu sua raiva e controlou-se; os afetos negativos sao mais tolerados. Sobre a regulaçao da relaçao de objeto o paciente conseguiu ponderar seus interesses com os demais, assim como as reaçoes dos outros passou a ser antecipada. Os objetos internos ainda estavam consolidados de maneira insegura, mas ele conseguia acalmar-se sozinho. Ainda apresentou dificuldades de confiar nos demais, entretanto conseguiu estabelecer um vínculo afetivo saudável com os profissionais da instituiçao que certamente introduziram uma nova possibilidade de vínculo, como demonstrado pela nova namorada, aproximaçao do irmao (Gráfico 3).


Gráfico 3. Itens do Eixo IV.
Nota. Maior pontuaçao corresponde a maior desintegraçao da estrutura.



Por fim, o Eixo V, incialmente, havia o diagnóstico CID F 91, Distúrbios de Conduta. No atendimento final, o paciente nao fecha mais os critérios diagnóstico para o respectivo transtorno.


LIMITAÇOES

O jovem apresentou melhora sintomática de modo geral, como observado nos resultados; entretanto ressalva-se que ainda que houve tal evoluçao, outros aspectos ainda necessitam ser trabalhados.Assim como nao se tem a pretensao de generalizar os resultados como características dos adolescentes em conflito com a lei.

Destaca-se também que a TBM-A é uma modalidade psicoterápica que vem sendo estudada em diferentes quadros psicopatológicos.Tal caso em estudo foi piloto à terapeuta, mas procurou-se, a partir da supervisao periódica, a adequaçao da postura e das intervençoes frente ao determinado paciente. Assim como, uma das juizas avaliadoras era a terapeuta, cuja aferiçao foi controlada pela segunda juíza, havendo concordância substancial. Aponta-se o OPD útil para a investigaçao clínica, porém o mesmo nao é considerado um instrumento especifico para a avaliaçao da capacidade de mentalizaçao.


DISCUSSAO

O estudo foi realizado com um jovem de 18 anos em conflito com a lei, que estava inicialmente, em internaçao em meio fechado (Medida Socioeducativa de Internaçao Sem Possibilidades de Atividades Externas) e que no decorrer do tratamento teve medida progredida para Semiliberdade. A avaliaçao de suas características psicodinâmicas, baseadas nos critérios diagnósticos do OPD-2, foram realizadas em dois momentos distintos: no início do tratamento psicoterápico baseado na mentalizaçao e após 18 meses, período final de atendimento. O coeficiente Kappa encontrado em cada eixo foi substancial, acima de 0,61. Esse dado evidencia que houve confiabilidade nos dados aferidos pelos juízes.

Evidencia-se, através das análises do estudo a efetividade da TBM-A, já que o paciente melhorou em diversos aspectos. Assinala-se que a experiência de segurança vivida em psicoterapia pode sido sentida como um regulador da experiência emocional, visto a oferta de um novo modo de apego e a possibilidade de reativaçao ou desenvolvimento da mentalizaçao14.

Também é possível destacar em outras pesquisas, utilizando a psicoterapia da mentalizaçao, que adolescentes que apresentam sintomas de personalidade borderline, traços narcisistas e esquiva conseguiram ampliar sua capacidade reflexiva e postura de observaçao, auxiliando na regulamentaçao dos afetos e controle dos impulsos, passando a serem mais estáveis e seguros2,6.

Ao avaliar-se o eixo I foi possível verificar a diminuiçao da gravidade dos sintomas, com maior tomada de consciência em relaçao ao sofrimento. A capacidade cognitiva e de reflexao sao fatores apontados como tendo impacto positivo na manutençao do tratamento e na eficácia terapêutica auxiliando na mudança de comportamento12. No entanto, o jovem manteve-se resistente em confiar nos demais buscando evitar o contato com sentimentos de desprazer, anteriormente sentidos pela rejeiçao paterna.

Ademais observou-se, primeiramente, a dificuldade em conter impulsos levando o adolescente a envolverse em condutas de risco, brigas constantes, problemas laborais, atos ilícitos. Tais comportamentos também apontados em outras pesquisas com adolescentes em conflito com a lei demonstram que,muitas vezes, sao exercidos de forma natural para a resoluçao de problemas15; o que revela imaturidade na modulaçao dos afetos e dificuldade em observar papel nocivo se suas reaçoes frente às relaçoes interpessoais. Segundo Loving e Russell (2000)16 observam-se também, sentimentos deficitários de empatia pelo próximo, o que pode levar à repetiçao de atos sem capacidade de reflexao.

Ainda, pode-se dizer que o OPD-2 permitiu levantar de forma substancial, dados sobre os sintomas, a estrutura, o conflito e as relaçoes interpessoais, relevantes no planeamento terapêutico. Tais resultados levantados pelo instrumento corroboram com achados da literatura, em estudos comparativos, onde a TBM também demonstrou ser clinicamente mais benéfica do que a tradicional psicodinâmica em uma amostra de 345 adolescentes noruegueses com diagnóstico borderline. No geral, ocorrendo maior adesao ao tratamento e melhora nos sintomas emocionais e interpessoais17.

Segundo Cryan e Quiroga (2013)1 adolescentes violentos possuem um nível alto de agressao e destruiçao que se volta ao terapeuta, há tendência de considerar que o atendimento é uma perda de tempo, como foi a expectativa inicial do jovem, há carência de expressao verbal, limites difusos entre o mundo interno e externo, dificuldade no estabelecimento de vínculos estáveis, desconexao afetiva, cognitiva e moral, irresponsabilidade por suas açoes e racionalizaçoes distorcidas. Da mesma forma, Bateman e Fonagy18 apontam uma dificuldade de pacientes com características antissociais e transtornos de personalidade borderline observar seus estados mentais e aos dos outros, perdendo sua capacidade de mentalizaçao, quando a autoestima é ameaçada por algum funcionamento mental em nível secundário de representaçao. Observa-se que o esforço da terapeuta e a utilizaçao de técnicas adequadas em compreender os sentimentos e representaçoes dos sintomas possibilitou o paciente a sair do estado de equivalência psíquica e tomar consciência dos estados mentais próprios e dos demais6. Aliado a isso, a criaçao de um espaço onde se podem considerar as questoes do eu e do outro, investigando as emoçoes despertadas e encontrando formas de gerenciá-las de maneira a nao recorrer a violência, ocasionou a possibilidade do desenvolvimento da mentalizaçao6.

O jovem, a partir da TBM, melhorou sua capacidade reflexiva no sentido de que inicialmente utilizava-se da hipermentalizaçao, como observados em diversos quadros psicopatológicos. Os casos de hipermentalizaçao sao comuns em adolescentes com suposiçoes irreflexivas, rígidas e automáticas sustentadas com certezas injustificadas dos estados mentais internos e dos demais. Além disso centra-se em demasia nos aspectos externos deles mesmos e dos outros9, também observado nos relatos iniciais centrados nos demais, na distorçao da realidade com falta de perspectiva futura. Ao final do tratamento, observa-se que ele desenvolveu maior mentalizaçao, autorregulaçao emocional e percepçao do objeto mais clara e coerente com a realidade, eximindo-se de distorçoes disfuncionais.

Em um estudo com 80 adolescentes que apresentavam autolesao, sendo 97% depressivos e 73% com transtorno de personalidade borderline, a TBM apresentou maiores benefícios que o tratamento usual utilizando-se de sessoes individuais semanais com os adolescentes e uma sessao mensal com a família. Os sintomas de ambas patologias reduziram consideravelmente e houve melhora na habilidade de mentalizar e no tipo de vinculaçao, antes caracterizada como inseguro-evitativa19. Oadolescente em estudo, a partir do tratamento, estabeleceu um vínculo saudável com a terapeuta, começou a confiar mais nos demais, experenciando novas formas de vinculaçao. Também se observa uma mudança na dinâmica relacional, passou agir de modo autônomo, com maior crítica sobre suas açoes e buscando figuras de identificaçao mais "saudáveis" como o amigo.

Em relaçao ao conflito e a estrutura respectivamente, conforme Boeker e colaboradores (2008)20, em estudos de correlaçao entre os eixos III e IV, apontam que o conflito "necessidade de ser cuidado x autonomia" foi associado aos níveis de integraçao estrutural moderados ou bons; o que é considerado fator positivo para organizaçao e capacidade de mudança do sujeito. Evidenciou-se assim, maior autopercepçao visto ao desenvolvimento da mentalizaçao, com ampliaçao da coerência em relaçao a seus estados mentais e emocionais bem como, dos demais. Tal evoluçao auxilia no controle de impulsos a ainda na forma com que consegue lidar com afetos de desprazer, sendo esses melhor tolerados. Da mesma forma, sua estruturaçao também faz referência ao funcionamento interpessoal que se sustenta na noçao de empatia e intimidade, onde se desenvolve a capacidade de reconhecer as expectativas dos demais e de estabelecer relaçoes mais próximas21, o que também foi observado no paciente.


CONCLUSAO

O tema possui diversas facetas referindo-se ao desenvolvimento da mentalizaçao e avaliaçao psicodinâmica em um adolescente em conflito com a lei. Ressalta-se a importância da identificaçao, avaliaçao e intervençao da mentalizaçao, já que é o fator central para o desenvolvimento de variadas patologias principalmente na adolescência que possui diversas características peculiares. A partir dos critérios avaliativos do OPD-2, foi possível verificar uma melhora sintomática de maneira geral no paciente, e principalmente, constatar o desenvolvimento da mentalizaçao pela TBM.

A mentalizaçao, quando desenvolvida, é considerada um fator de proteçao que auxilia na regulaçao e compreensao dos estados mentais, de si e dos demais. Dessa forma, focar o tratamento no seu desenvolvimento é central para o desenvolvimento de demais habilidades, emocionais e sociais. Um importante fator a ser considerado é a necessidade de treinamento para a aplicaçao dessa terapia, pois a postura do terapeuta e a compreensao que se desenvolve sobre o paciente é distinta de demais abordagens. Assim, esse aspecto pode ser considerado um empecilho a nível nacional, já que os centros de treinamento sao inexistentes no Brasil. Por isso, pode-se afirmar que é uma terapia relativamente nova, apesar da sua existência desde 2004.

Ainda nao é significativo o número de produçoes acerca da TBM-A, nao havendo um conhecimento consistente em diversos aspectos. Principalmente, ao nível de estudos nacionais, já que é praticamente inexistente publicaçoes nesta temática. Para promover maior desenvolvimento de conhecimento nessa área, é de especial importância que se invista em pesquisas.


REFERENCIAS

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a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, PPG Psiquiatria e Ciências do Comportamento - Porto Alegre - Rio Grande do Sul - Brasil
b Universidade do Vale do Rio dos Sinos, PPG Psicologia Clínica - Sao Leopoldo - Rio Grande do Sul - Brasil
c Universidade do Vale do Rio dos Sinos, PPG Psicologia Clínica - Sao Leopoldo - Rio Grande do Sul - Brasil

Correspondência
Taís C. Favaretto
Avenida Unisinos, 1505
93022-414 Sao Leopoldo, RS, Brasil

Submetido em: 04/04/2018
Aceito em: 27/08/1028

Contribuiçoes: Luciane Maria Both - Análise estatística, Gerenciamento do Projeto, Metodologia, Redaçao - Preparaçao do original, Redaçao - Revisao e Ediçao, Software;
Taís Cristina Favaretto - Coleta de Dados, Redaçao - Preparaçao do original, Redaçao - Revisao e Ediçao;
Sílvia Pereira da Cruz Benetti - Supervisao.

Observaçoes éticas
1. Conflitos de interesse. Nao existem conflitos de interesse.
2. Aprovaçao Ética. O trabalho recebeu a aprovaçao de um comitê de ética institucional e autorizaçao para a coleta de dados.
3. Consentimento. O adolescente foi convidado e autorizou sua participaçao na pesquisa mediante assinatura do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido.
4. Omissao: Todos os dados que pudessem identificar o participante foram omitidos.

Instituiçao: Universidade do Vale do Rio dos Sinos

 

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