Rev. bras. psicoter. 2018; 20(3):115-133
Both LM, Favaretto TC, Benetti SPC. Terapia Baseada na Mentalizaçao de um adolescente em conflito com a lei. Rev. bras. psicoter. 2018;20(3):115-133
Artigo Original
Terapia Baseada na Mentalizaçao de um adolescente em conflito com a lei
Therapy Based on Mentalization of a teenager in conflict with the law
Terapia basada en la Mentalización de un adolescente en conflicto con la ley
Luciane Maria Botha; Taís Cristina Favarettob; Sílvia Pereira da Cruz Benettic
Resumo
Abstract
Resumen
INTRODUÇAO
Nas últimas décadas o conceito de mentalizaçao tem se destacado como um constructo de grande importância para múltiplas investigaçoes acerca do desenvolvimento psicológico, avaliaçao diagnóstica na área da pesquisa e da intervençao clínica1. A mentalizaçao(ou capacidade reflexiva) diz respeito à capacidade do indivíduo em compreender os estados mentais, desejos, motivaçoes, emoçoes, necessidades de si e dos demais e discriminar os aspectos internos (implícitos) e externos (explícitos) da realidade. Outorga solidez ao sentido de si como ser contínuo e único, bem como auxilia o sujeito a compreender a conduta e as pessoas como seres intencionais e previsíveis2.
Além disso, o conceito fundamenta a açao terapêutica de intervençoes clínicas que incluem a psicoterapia da mentalizaçao em diferentes contextos: atendimento individual, atendimento às famílias, à díade cuidador-bebê e às comunidades para minimizar a violência.3 Dessa forma, a mentalizaçao é investigada tanto pela associaçao à efetividade das psicoterapias quanto pela compreensao e identificaçao dos processos promotores da capacidade de mentalizar ao longo do desenvolvimento, principalmente na infância e adolescência.
Dessa forma, criou-se a Terapia Baseada na Mentalizaçao (TBM) que integra a psicodinâmica, a teoria do apego e recentemente, as pesquisas neurológicas. Pressupoem-se que um ambiente acolhedor como a psicoterapia, que proporciona reativaçao da mentalizaçao baseado no estabelecimento de uma relaçao de apego seguro.2 De tal forma, opsicoterapeuta particularmente, atua como promotor da compreensao dos estados mentais reais e intencionais facilitando o desenvolvimento de representaçoes internas estáveis e estruturando o self.4 Para o TMB é necessário treinamento específico visando a aplicabilidade correta das técnicas e estrutura. Tais exigências dificultam o trabalho de profissionais, já que esses treinamentos sao inexistentes no Brasil ou na América Latina.
A TBM é uma terapia que foi criada incialmente para os pacientes Borderline, entretanto transcendeu sua aplicabilidade para demais contextos psicopatológicos. Conforme o manual desenvolvido por Bateman e Fonagy, o desenvolvimento de um processo terapêutico é focado na percepçao do paciente de sua própria mente e as mentes dos outros, para que o paciente descubra como pensa e sente sobre si mesmo e sobre os outros, como isso dita a resposta dos demais, e como erros na compreensao de si mesmo e de outros levam para açoes que sao tentativas de reter a estabilidade e dar sentido a sentimentos incompreensíveis. O tratamento tem três fases principais. A fase inicial começa com uma avaliaçao da capacidade de mentalizaçaoe do contexto de relacionamento do paciente. A avaliaçao fornece um mapa de importante relacionamento interpessoale suas conexoes com os principais comportamentos problemáticos. Em seguida o contrato é estabelecido. Destaca-se, neste tipo de intervençao, que o psicoterapeuta adapta as intervençoes conforme o nível de mentalizaçao do sujeito. No princípio da terapia foca-se os afetos do aqui e agora, os conteúdos conscientes ou pré-conscientes e há intervençoes simples e curtas.O alvo sao a mente e os afetos do paciente ao invés do comportamento.A fase intermediária é caracterizada pela promoçao do aliança terapêutica, mantendo uma postura mentalizadora. Há o foco constante no estado atual da mente de sua mente e da mente do paciente, possui uma postura inquisitiva ou nao sabedora, enfatizando os estados mentais. Os terapeutas sao obrigados a observar sua própria nao-mentalizaçaoerros. No decorrer do tratamento pode-se tratar de conteúdos inconscientes e realizar interpretaçoes mais elaboradas. A fase final do tratamento começa no ponto de 12 meses e possui a ênfase nos aspectos interpessoais e sociais do funcionamento do paciente, juntamente com a consolidaçao de trabalhos anteriores. Nesse momento também trabalha-se a resposta à perda, associadas à separaçao do vínculo consolidado5.
Especificamente, esse modelo também pode ser utilizado em adolescentes - Mentalization Based Treatment for adolescentes (TBM-A). É um tratamento com tempo limitado e intervençoes estruturadas, necessitando treinamento específico e supervisoes clínicas aos profissionais que a executam. O psicoterapeuta é considerado mais ativo na sessao e assume uma postura de nao saber, questionando e refletindo com o paciente. A TBM-A tem a finalidade tanto de promover e restabelecer a mentalizaçao, como de mantê-la equilibrada mesmo em situaçoes de emoçoes intensas e contextos específicos de estresse no apego6. Um programa holandês de implementaçao do TBM-A apontou dificuldades na adesao e coerência dos profissionais ao modelo. Houveram dificuldades na seleçao dos profissionais, devido a falta de experiência ao modelo e na necessidade de treinamento e supervisao. Por outro lado, os pacientes foram beneficiados com o novo processo psicoterápico7.
Referindo-se a adolescência, a mentalizaçao é considerada um fator de proteçao contra o desenvolvimento de psicopatologia, pois auxilia na elaboraçao das perdas e transformaçoes características dessa faixa etária, mantendo o indivíduo seguro e estável2,8. Nesse sentido, Fonagye colaboradores (2002)2 apontam que várias manifestaçoes de psicopatologia nesta fase emergem de dificuldades na mentalizaçao. Tais dificuldades podem se referir a baixa capacidade de mentalizar ou hipermentalizaçao. Para alguns autores, a baixa capacidade de mentalizar relaciona-se a déficits em compreender os estados mentais próprios e dos demais e dificuldades de reflexao em virtude de situaçoes traumáticas infantis e atuais. Já a hipermentalizaçao surge como uma alternativa estratégica contra uma baixa e vulnerável mentalizaçao, cujo sujeito passa a interpretar de maneira excessiva os estados mentais dos demais, distorcendo a realidade; é uma mentalizaçao vulnerável8,9. Evidenciamse disfunçoes referentes à hipermentalizaçao em adolescentes com traços de personalidade borderline9 e adolescentes ansiosos10. Ademais, a baixa mentalizaçaoadolescentes violentos e com sintomas de psicopatia8.
Observa-se no Brasil, em adolescentes, um aumento gradual de passagem ao ato através de práticas de violência e atos infracionais11. De tal maneira, considera-se a problemática do adolescente em conflito com a lei de extrema importância, tanto pela uma pela gravidade e consequência dos envolvimentos, como pela precocidade da manifestaçao das condutas agressivas e, até mesmo, antissociais. Observam-seníveis baixos de mentalizaçao e hipermentalizaçao em tais adolescentes com a presença de distorçoes na percepçao de si e do outro, com desregulaçao emocional e dificuldade de vinculaçao9.
Frente a intervençoes psicoterápicas voltadas aos adolescentes em conflito com a lei aponta-se a necessidade de formas de avaliaçoes aprofundando a compreensao dos aspectos intrapsíquicos, identificando para além de sintomas, conflitos, estrutura, forma com que se estabelece suas relaçoes, levantando assim, possíveis fatores de risco relacionado a psicopatologias estruturadas ou em estruturaçao. O Diagnóstico Operacionalizado Psicodinâmico (OperationalisiertePsychodynamischeDiagnostik, OPD), hoje na segunda versao, visa ampliar a compreensao das perturbaçoes psíquicas, sendo um instrumento diferencial no diagnóstico psicodinâmico avaliativo e de planejamento e acompanhamento terapêuticos. Acredita-se que a mentalizaçao pressupoe variados aspectos do sujeito: nível de estrutura de personalidade, relacionamento interpessoal, vivência da doença; tais itens sao correspondentes aos eixos do OPD. Dessa forma, com base no interesse de aprofundar a contribuiçaoda TBM-Ana fase da adolescência, este estudo tem como objetivo verificar a efetividade da Terapia Baseada na Mentalizaçao de um adolescente em conflito com a lei, a partir da análise de resultado baseada nos critérios do Diagnóstico Psicodinâmico Operacionalizado (OPD-2).
MÉTODO
Trata-se um estudo de caso de um atendimento psicoterápico - Terapia Baseada na Mentalizaçao.
PARTICIPANTE
O participante, 18 anos de idade, branco, cabelos curtos e olhos claros,possuía porte físico médio. Cumpriu inicialmente Medida Socioeducativa em meio fechado, em uma Unidade de Atendimento no Rio Grande do Sul/ Brasil, devido ao ato infracional de tentativa de latrocínio. No decorrer do tempo de internaçao, após 18 meses, teve sua medida socioeducativa progredida para semiliberdade, passando a realizar saídas aos finais de semana. Anteriormente a esse tratamento nao havia passado por psicoterapia durante sua vida. Começou o atendimento após cinco mesesde internaçao.
TERAPEUTA
A terapeuta refere-se a uma psicóloga com 34 anos de idade e 10 anos de experiência clínica. Possui formaçao em Psicoterapia de Orientaçao Psicanalítica. Atua em uma Unidade de Atendimento Socioeducativo. Recebeu treinamento TBM-A com professor capacitado e teve supervisoes quinzenais.
INSTRUMENTOS
Foi aplicada uma ficha de dados sociodemográficas para caracterizaçao do participante. O tratamento, de abordagem integrativa, direcionou-se para a psicoterapia psicanalítica baseada na Terapia da Mentalizaçao de Fonagy.O estudo foi desenvolvido a partir do Diagnóstico Psicodinâmico Operacionalizado (OPD-2).12
O Diagnóstico Operacionalizado Psicodinâmico (Operationalisierte Psychodynamische Diagnostik, OPD) é um instrumento criado na Alemanha, com o intuito de ampliar a classificaçao de perturbaçoes psíquicas do CID-10 na descriçao de sintomas introduzindo dimensoes psicodinâmicas. Utilizou-se, neste estudo, a versao brasileira do instrumento.13 A Tabela 1 apresenta uma descriçao detalhada dos Eixos, dimensoes avaliadas e indicadores.
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