ISSN 1516-8530 Versão Impressa
ISSN 2318-0404 Versão Online

Revista Brasileira de Psicoteratia

Submissão Online Revisar Artigo

Rev. bras. psicoter. 2018; 20(3):97-114



Artigo Original

Investigaçao da adesao do processo terapêutico de uma paciente borderline a diferentes modelos prototípicos de psicoterapia

Investigation of the adherence of the therapeutic process of a borderline patient to different prototypical models of psychotherapy

Investigación de la adhesión del proceso terapéutico de una paciente borderline a diferentes modelos prototípicos de psicoterapia

Suzana Catanio Nardia; Aline Alvares Bittencourtb; Fernanda Barcellos Serraltac; Silvia Pereira Benettid

Resumo

O objetivo da presente investigaçao é descrever o processo do primeiro ano de uma psicoterapia de orientaçao psicanalítica de uma paciente com Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) e determinar em que medida o tratamento ocorreu de acordo com os modelos ideais de processos da Psicoterapia Psicanalítica (PP), com o protótipo da Funçao Reflexiva (FR) ou com o protótipo da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). É um Estudo de Caso Sistemático, cujas 68 sessoes gravadas em vídeo foram mensuradas quanto à adesao aos protótipos de Psicoterapia Psicanalítica (PP) e de Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), desenvolvidos no Brasil e o protótipo da Terapia Baseada na Mentalizaçao (FR) desenvolvido nos Estados Unidos. Para a verificaçao da adesao do tratamento aos protótipos, as sessoes foram codificadas por meio do Psychotherapy Process Q-set (PQS), avaliadas por juízes treinados na metodologia Q-Sort. Os resultados revelaram que o processo terapêutico aderiu a todos os modelos, e mais proximamente ao protótipo FR do que aos demais. A investigaçao está em consonância com o pressuposto de que a FR é fator comum no tratamento efetivo de pacientes borderline e indica que, com pacientes com patologias mais regressivas o terapeuta, por vezes, se afasta da técnica clássica e prioriza intervençoes que promovam a mentalizaçao.

Descritores: Psychotherapy process Q-Set; Protótipos; Psicoterapia psicodinâmica.

Abstract

The purpose of the present investigation is to describe the process of the first year of a psychoanalytic oriented psychotherapy of a patient with Borderline Personality Disorder (BPD) and to determine to what extent the treatment occurred according to the ideal psychoanalytic psychotherapy (PP) the Reflexive Function (FR) prototype or the prototype of Cognitive-Behavioral Therapy (CBT). It is a Systematic Case Study, whose 68 videotaped sessions were measured in terms of adherence to the prototypes of Psychoanalytic Psychotherapy (PP) and Cognitive-Behavioral Therapy (CBT) developed in Brazil and the prototype of Mentalization Based Therapy (FR) developed in the United States. For the verification of treatment adherence to the prototypes, the sessions were coded using the Psychotherapy Process Q-set (PQS), evaluated by judges trained in the Q-Sort methodology. The results revealed that the therapeutic process adhered to all the models, and more closely to the RF prototype than to the others. The research is in line with the assumption that RF is a common factor in the effective treatment of borderline patients and indicates that with patients with more regressive pathologies the therapist sometimes departs from the classical technique and prioritizes interventions that promote mentalization.

Keywords: Psychotherapy process Q-Set; Prototypes; Psychodynamic psychotherapy.

Resumen

El objetivo de la presente investigación es describir el proceso del primer año de una psicoterapia de orientación psicoanalítica de una paciente con Trastorno de Personalidad Borderline (TPB) y determinar en qué medida el tratamiento ocurrió de acuerdo con los modelos ideales de procesos de la Psicoterapia Psicoanalítica (PP), con el prototipo de la Función Reflexiva (FR) o con el prototipo de la Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). Es un Estudio de Caso Sistemático, cuyas 68 sesiones grabadas en vídeo fueron medidas en cuanto a la adhesión a los prototipos de Psicoterapia Psicoanalítica (PP) y de Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), desarrollados en Brasil y el prototipo de la Terapia Basada en la Mentalización (FR) desarrollado en los Estados Unidos. Para la verificación de la adhesión del tratamiento a los prototipos, las sesiones se codificaron a través del Psychotherapy Process Q-set (PQS) evaluadas por jueces entrenados en la metodología Q-Sort. Los resultados revelaron que el proceso terapéutico se adhirió a todos los modelos, y más cerca del prototipo FR que a los demás. La investigación está en consonancia con el supuesto de que la FR es factor común en el tratamiento efectivo de pacientes borderline e indica que con pacientes con patologías más regresivas el terapeuta a veces se aleja de la técnica clásica y prioriza intervenciones que promueven la mentalización.

Descriptores: Psicoterapia de procesamiento; Prototipos; Psicoterapia psicodinámica.

 

 

INTRODUÇAO

Pacientes com diagnóstico de Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) têm sido muito estudados no contexto da pesquisa clínica1.Esse é um transtorno associado à instabilidade emocional, a problemas interpessoais, a dificuldades funcionais, à impulsividade e a comportamentos suicidas2. O paciente com TPB possui uma conduta explosiva, seus estados afetivos sao colocados no ato (enactment) e se repetem sistematicamente nas sessoes, mesmo que seja de forma nao verbal. O comportamento rígido do paciente e a dificuldade para expressar o afeto podem penetrar nas sessoes e causar efeitos sobre a relaçao pacienteterapeuta. Isso pode provocar intensas reaçoes do terapeuta e desencadear impasses no tratamento. Sao manifestaçoes explosivas de afeto que dominam as sessoes, mas que rapidamente mudam e os afetos se atenuam3.

Diante das dificuldades que o paciente com TPB apresenta, como desregulaçao emocional grave e forte impulsividade4, o processo terapêutico tem sido identificado como complexo em funçao do difícil acesso a esses pacientes. Dessa forma, estudos5-6-7 apontam para as questoes técnicas do tratamento do paciente com TPB, já que, em funçao das complexidades que a patologia apresenta, o tratamento necessita de adequaçao e ajustamentos às especificidades da sintomatologia e suas comorbidades.

Assim, modelos terapêuticos baseados em evidências foram desenvolvidos, dirigidos para o tratamento desses pacientes5. Entre esses modelos estao a Psicoterapia Focada na Transferência (TFT), a Terapia Baseada na Mentalizaçao (TBM), a Psicoterapia Cognitivo-Comportamental (TCC), a Terapia Psicodinâmica (PDT) e a Terapia comportamental Dialética (DBT)8-9-10-11-12 .

Pesquisas utilizando-se dessas abordagens psicoterápicas têm sido realizadas tanto voltadas para os resultados quanto para o processo terapêutico. Em relaçao às pesquisas de processo, o foco dos estudos referese à identificaçao dos fatores comuns e específicos dos modelos próprios de determinada teoria que embasa cada abordagem, associados ao processo terapêutico13-14-15, visando tanto verificar a eficácia e efetividade dos atendimentos quanto os aspectos do processo terapêutico associados aos resultados.


PESQUISAS DE PROCESSO EM PSICOTERAPIA: PACIENTES COM TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE

Nas últimas décadas, as pesquisas de processo com pacientes com TPB têm sido bastante exploradas, buscando compreender o que de fato ocorre nas sessoes. Tais pesquisas incluem o estudo das açoes, das experiências e do grau de proximidade entre paciente e terapeuta durante as sessoes16-17-18. Também podem ser caracterizadas por compreender as mudanças que acontecem internamente no paciente durante a psicoterapia, podendo estar casualmente associadas ao resultado do tratamento19-20. Dessa forma, estudos de processo contribuem para a identificaçao dos mecanismos de mudança, verificando a açao dos ingredientes comuns aos distintos modelos de psicoterapia, bem como os ingredientes específicos na açao terapêutica, permitindo conhecer quais elementos do paciente, do terapeuta e da interaçao estao mais associados à mudança.

Para a identificaçao de ingredientes ativos no processo terapêutico, Jones (2000) desenvolveu um instrumento inovador baseado na metodologia Q-Sort, o Psychotherapy Process Q-Set (PQS), que descreve os comportamentos do terapeuta, do paciente e a relaçao entre ambos. O PQS consiste em 100 itens a serem ordenados (Q-sort) em nove categorias que descrevem o processo da psicoterapia. Essa distribuiçao dos itens é forçada, uma vez que cada categoria comporta um número de itens e faz com que os avaliadores tentem da melhor forma descrever o que ocorre durante a sessao18,21-22. Além de possibilitar o estudo do processo terapêutico, o PQS permite que se desenvolvam protótipos dos modelos ideais de cada abordagem terapêutica. Com base na avaliaçao de experts, foram criados protótipos com base em sessoes ideais e hipotéticas de psicoterapia, dentro do seu modelo teórico.

Em uma das linhas de investigaçao com o PQS,23, pesquisadores solicitaram para especialistas em PDT e TCC que classificassem os 100 itens do (PQS) de acordo com o que consideravam uma sessao ideal. Assim, foram desenvolvidos protótipos de sessoes ideais, e os especialistas definiram os itens mais e menos característicos do protótipo psicodinâmico. Entre os itens mais característicos da PDT estao: Os sonhos ou fantasias do paciente sao discutidos (item 90), O terapeuta é neutro (item 93) e O terapeuta assinala o uso de manobras defensivas pelo paciente, por exemplo, anulaçao, negaçao (item 36). No protótipo da TCC, destaca-se, por exemplo, que Há discussao sobre atividades ou tarefas específicas para o paciente tentar fazer fora da sessao (item 38), A discussao se concentra em temas cognitivos, isto é, sobre ideias ou sistemas de crenças (item 30) e (Item 85) O terapeuta encoraja o paciente a tentar novas formas de comportar-se com os outros.

Esses protótipos foram utilizados23 para comparar três amostras de tratamentos arquivados, dois deles de Psicoterapia Psicodinâmica Breve (PPDB) e o outro TCC, para verificar o grau de aderência dos tratamentos e o resultado. Os dados demonstraram que ambos os modelos de tratamento, tanto PPDB quanto TCC, aderiram significativamente ao protótipo da TCC. O protótipo psicodinâmico foi associado positivamente ao resultado nos três tratamentos, indicando que processos de outra abordagem e menos prevalentes podem produzir mudança.

Posteriormente, os protótipos Terapia Interpessoal Breve (PIBTI) e o protótipo da TCC, foram utilizados para comparar tratamentos24. Os protótipos de sessoes ideais foram comparados com quatro tratamentos reais breves: TI, TCC, um tratamento clínico com a utilizaçao de medicaçao, e outro com um grupo controle com uso de placebo. Foi verificado em que medida cada tratamento real aderiu ao protótipo ideal do seu modelo. Concluíram que todos os pacientes melhoraram e os tratamentos da TI e da TCC aderiram significativamente ao protótipo da TCC. Os autores apontam que esse resultado pode estar associado ao fato de que diferentes psicoterapias podem, na verdade, usar terminologias distintas para se referir a construtos psicológicos e processos que sao análogos.

No sentido de verificar elementos comuns aos processos psicoterápicos, Goodman25 desenvolveu uma investigaçao orientada para verificar se a mentalizaçao era um processo comum presente em vários modelos de tratamento. Mentalizar é a capacidade de perceber e compreender a si mesmo e aos outros em relaçao aos estados mentais (sentimentos, crenças, intençoes e desejos). Durante os anos iniciais da vida da criança, os processos mentais sao pré-reflexivos, evoluindo durante esta etapa de vida para a capacidade reflexiva26. Entretanto, é muito comum o uso dos conceitos como sinônimos e frequentemente como conceitos intercambiáveis27-28-29.

Tomando esses conceitos, Goodman25 inicialmente desenvolveu o protótipo da FR, a partir da classificaçao dos itens do PQS, de acordo com o que seria uma sessao ideal realizada por experts reconhecidos por seu trabalho na área. Os três itens mais característicos do protótipo da FR foram: (item 99), O terapeuta questiona a visao do paciente versus valida as percepçoes do paciente, (item 98) , ;A relaçao terapêutica é um foco de discussao (item 98), e (item 3). As observaçoes do terapeuta visam facilitar a fala do paciente (item 3)

Com base no desenvolvimento do protótipo da FR, procurou-se investigar se a mentalizaçao é um fator comum no processo de psicoterapia com modelos de tratamento da Terapia Focada na Transferência (TFT) e Terapia Comportamental Dialética (TCD) e a TCC. Foi constatado que o protótipo da FR foi altamente correlacionado com todos os protótipos, indicando que a mentalizaçao é um processo inerente aos diferentes modelos de tratamento para pacientes TPB.

Investigaçoes subsequentes realizadas por Goodman, Edwards e Chung30 e Goodman, Anderson e Diener31 visaram identificar processos prototípicos que caracterizam tratamentos com pacientes TPB, identificando estratégias efetivas de intervençao que os terapeutas pudessem incorporar em seu trabalho clínico com pacientes diagnosticadas com TPB em internaçao psiquiátrica. Em ambos os estudos, as sessoes foram gravadas em vídeo e codificadas com o PQS e as pacientes foram as mesmas. As pacientes foram tratadas com Terapia Psicodinâmica (PDT) durante seis meses, três vezes por semana. As sessoes foram correlacionadas aos protótipos da TFT, TCD, TCC, PDT e TI. Goodman et al.30, constataram que houve uma variaçao da adesao aos protótipos conforme o tempo, o que demonstrou que ocorreram mudanças na interaçao da díade ao longo do processo. A adesao ao protótipo da PDT foi diminuindo em três dos cinco tratamentos, conforme o tempo foi passando. Utilizando o modelo de regressao múltipla, que incluiu todas as cinco correlaçoes de processo prototípicas, entre esses três tratamentos, a adesao ao modelo TCC e ao modelo da TFT foram preditoras de reduçao de angústia, enquanto a adesao ao modelo PDT previu aumento do sofrimento. Concluem os autores que o uso de estratégias de intervençao mais estruturadas, utilizadas por terapeutas psicodinâmicos, assinala o empenho na manutençao da estabilidade e da aliança terapêutica em pacientes severamente doentes, quando os sintomas se agravam. Dessa forma, os resultados demonstram que a flexibilidade técnica e o uso de intervençoes mais estruturadas servem para a estabilizaçao do paciente.

Tomando em consideraçao as investigaçoes de processo em psicoterapia com pacientes com TPB, destaca-se o valor do desenvolvimento de pesquisas que investiguem o processo psicoterápico em condiçoes naturalísticas para compreender como os terapeutas de orientaçao psicanalítica conduzem o tratamento com estes pacientes, contribuindo para levantar hipóteses sobre possíveis ingredientes ativos no processo da psicoterapia com pacientes TPB.


OBJETIVOS:

O estudo teve como objetivos descrever o processo do primeiro ano umade uma psicoterapia psicanalítica de uma paciente com TPB e determinar em que medida o tratamento ocorreu de acordo com o protótipo da Psicoterapia Psicanalítica (PP), com o protótipo da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), ou com o protótipo da Funçao Reflexiva (FR).


MÉTODO

Delineamento:

Trata-se de um estudo misto e longitudinal, com delineamento de Estudo de Caso Sistemático (ECS) (32). Essa modalidade de investigaçao utiliza o caso único, com o objetivo de compreender os elementos que contribuem para a mudança, baseado nos processos que acontecem no contexto naturalista, cujos dados advêm das sessoes de psicoterapia.

Aspectos Éticos

Esse estudo está vinculado a um projeto de pesquisa maior, (Psicoterapia Psicanalítica na Adolescência - Características e avaliaçao do processo terapêutico), submetido e aprovado no Comitê de Ética da universidade de origem. O termo de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assinado pela paciente e a pela terapeuta, o Termo foi elaborado conforme as diretrizes regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos, Resoluçao no. 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, fornecido pela pesquisadora coordenadora do projeto.

Participantes

Paciente:

Uma Jovem de 19 anos buscou tratamento em uma clínica de atendimento psicológico de Porto Alegre/RS. Foi realizada uma entrevista de triagem com psicólogo e neste momento, a paciente teve uma crise de choro, relatou que em diversas ocasioes tentou cortar-se. Iniciou várias vezes tratamento psicoterápico, mas interrompeu todos. Ela foi encaminhada à psicoterapia de orientaçao psicanalítica e à avaliaçao psiquiátrica. O Psiquiatra realizou o diagnóstico utilizando o modelo proposto para diagnóstico multiaxial do DSM-IV-TR (APA, 2000), que foi de Transtorno de Personalidade Borderline, confirmado posteriormente pela terapeuta. O psiquiatra prescreveu o medicamento Neozine 100 mg, e posteriormente houve troca do remédio para o Depakote 250mg.

Síntese do caso:

A paciente buscou atendimento em 2013 por se cortar em momentos de raiva e ter crises de choro desde os 12 anos. Já iniciou várias psicoterapias, inclusive com uso de medicaçao, todas as vezes que se sente melhor, abandona o tratamento. Em relaçao a sua infância, refere que em muitas ocasioes, o pai estava alcoolizado, batia na mae, e elas precisavam fugir. Quando o efeito do álcool passava, ele pedia perdao e tudo ficava bem. Refere também que sofreu tentativa de abuso por parte de um amigo do pai, mas contou somente à mae, pois o pai era violento e teve medo do que ele poderia fazer, já que usava arma.

O pai morreu quando ela estava no início da adolescência. Nesta época começou a namorar um rapaz mais velho, também alcoolista. Com ele, começou a beber, além de ter presenciado vários episódios agressividade por parte dele.

No momento da busca por atendimento, a paciente apresentava comportamentos fóbicos, dificuldade para sair de casa, pegar ônibus e até mesmo para ir à aula. Também apresentava compulsoes e rituais para conseguir dormir, além de condutas de automutilaçao.

Terapeuta:

A terapeuta possuía experiência na área clínica de dez anos, com formaçao em psicoterapia psicanalítica. A formaçao incluiu seminários teóricos, supervisoes e tratamento pessoal.

Tratamento:

A clínica procurada pela paciente utiliza procedimentos padronizados que se iniciam com a avaliaçao da paciente em entrevista de triagem com psicólogo treinado, seguida do encaminhamento para a psicoterapia e/ou avaliaçao psiquiátrica. A paciente deste estudo foi conduzida para psicoterapia individual de orientaçao psicanalítica e para avaliaçao psiquiátrica, que se realizou na etapa inicial da psicoterapia.

O consultório da terapeuta foi o local dos atendimentos em horários previamente combinados. As sessoes de psicoterapia psicanalítica ocorreram ao longo dos primeiros cinco meses, com periodicidade de duas vezes por semana. Posteriormente, a frequência passou a ser semanal, por solicitaçao da paciente. Após os primeiros cinco meses do início do tratamento, a paciente entrou em contato por telefone com a terapeuta, falando de seu desejo de se cortar e de pensamentos suicidas, momento em que foi internada em uma clínica psiquiátrica onde permaneceu durante quinze dias. Nessa fase, os atendimentos continuaram no local da internaçao (sessoes 37,38,39,40). Após esse período, as sessoes foram retomadas no consultório da terapeuta. O tratamento iniciou no ano de 2013 e os dados coletados compreenderam um período de 12 meses.


INSTRUMENTO

Psychotherapy Process Q-Set (PQS) Jones16. Trata-se de um instrumento que busca compreender os fenômenos emergentes em um processo de psicoterapia individual. O PQS é baseado no método Q-Sort, validado no Brasil por Serralta, Nunes e Eizirik22 e desenvolvido com o objetivo de permitir a compreensao de como se dá a mudança durante o processo psicoterápico, assinalando os mecanismos de açao, tanto do psicoterapeuta, quanto do paciente e da interaçao que se processa. O PQS tem como unidade de análise o processo de cada sessao. As sessoes devem ser gravadas na íntegra em áudio e/ou vídeo. Após o estudo da sessao, procede-se ao ordenamento conforme o manual. Utilizam-se dois juízes independentes e avalia-se a fidedignidade entre avaliadores antes das análises subsequentes. Caso a fidedignidade esteja abaixo de 0,7 (coeficiente de Pearson), um terceiro avaliador faz-se necessário.

Os itens descrevem os comportamentos que sao visíveis ou assinalamentos manifestos por meio da linguagem, o que dificulta as inferências. Para que o instrumento seja adequadamente avaliado, é necessário que os juízes sejam treinados previamente e suas primeiras avaliaçoes sejam comparadas com avaliadores com experiência na utilizaçao do PQS.


PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS

Foram analisadas as 68 sessoes gravadas em vídeo que contemplam por contemplarem o primeiro ano de tratamento. Para a utilizaçao do PQS, foi realizado um treinamento por duas pesquisadoras experientes na administraçao e codificaçao do instrumento. Participaram dessa capacitaçao, seis psicoterapeutas ligadas a distintos locais de formaçao em psicoterapia de orientaçao psicanalítica de Porto Alegre e Regiao Metropolitana, além de uma psicóloga mestre em psicologia clínica, com a mesma formaçao teórica. Foram formadas duplas aleatórias de juízes que se alternavam entre si para codificar as sessoes, também escolhidas de modo aleatório. Foram calculadas as correlaçoes entre as diferentes duplas de juízes, sendo verificado, em todas as sessoes, boa fidedignidade entre avaliadores (correlaçoes Intra Classe Classe >0,70).


ANALISE DOS DADOS

As 68 sessoes de psicoterapia psicanalítica gravadas, foram codificadas por meio do PQS, avaliadas de modo aleatório, por duplas de juízes treinados na metodologia Q-Sort. Com base nesta avaliaçao, foi realizado o cálculo das médias dos itens no conjunto das sessoes, identificando-se os 10 itens mais e os 10 menos característicos para a descriçao geral do processo. Para a investigaçao da adesao do processo aos protótipos, utilizaram-se os protótipos de Psicoterapia Psicanalítica (PP) e de Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), ambos desenvolvidos no Brasil, respectivamente por Serralta e Alvares33 e Serralta e Ablon34, e da Funçao Reflexiva (FR) por Goodman25, todos tendo como base resposta de experts aos itens do PQS. Tais protótipos incluem nao somente os comportamentos e a técnica do terapeuta, mas também os comportamentos do paciente, e a interaçao entre eles.

Para o cálculo da adesao do tratamento aos modelos ideais da PP, da FR e da TCC, os escores fatoriais em cada item de cada protótipo foram correlacionados, por meio do coeficiente de Pearson, Pearson, às médias dos itens do PQS em cada sessao do tratamento realizado. Isso gerou escores de adesao a estes modelos em cada sessao. Para examinar, o (s) modelo (s) proeminentes, foram realizados testes t para amostras pareadas, comparando os escores de adesao do processo total do tratamento (68 sessoes) aos protótipos da PP, da TCC e da FR entre si. O mesmo procedimento foi realizado considerando somente os escores dos itens referentes ao terapeuta. Estas análises foram realizadas utilizando o software SPSS 22.0.


RESULTADOS

Descriçao de processo geral da psicoterapia

Para obter uma síntese quantitativa do processo terapêutico, foram calculadas as médias dos itens do PQS das 68 sessoes e ordenados os mesmos, verificando-se os dez itens mais e menos característicos do processo (Tabela 1). Com base nesses itens foi realizada a narrativa do processo.




De modo geral, observa-se que o tratamento da paciente foi caracterizado por uma terapeuta que solicita mais informaçoes ou elaboraçao (PQS 31), é sensível aos sentimentos da paciente, afinada e empática (PQS 6), se comunicando com estilo claro e coerente (PQS 46). É também segura e autoconfiante (PQS 86), transmitindo a impressao de aceitaçao nao crítica (PQS 18), percebendo acuradamente o processo terapêutico (PQS 28), mostrando tato (PQS 77) envolvimento responsivo com a paciente (PQS 9). A paciente responde trazendo temas e material significativos (PQS 88), é clara e organizada em sua expressao (PQS 54), nao tem dificuldade para compreender os comentários da terapeuta (PQS 5). Ela inicia assuntos, nao é passiva (PQS 15), se sente confiante e segura (PQS 44), nao busca aprovaçao, afeiçao, ou simpatia da terapeuta (PQS 78), nao se sente tímida ou envergonhada (PQS 61), nao é controladora (PQS 87), nao tem dificuldade em começar a sessao (PQS 25) e nao está preocupada com o que a terapeuta pensa dela (PQS 53). A relaçao entre a díade se caracterizou pela discussao da situaçao de vida atual ou recente da paciente (PQS 69), os relacionamentos interpessoais (PQS 63) e a autoimagem (PQS 35).

A análise dos dados em relaçao aos modelos ideais, indicou que o processo geral das sessoes foi caracterizado pela adesao a todos os protótipos.

Foi verificado que, em média, a adesao do processo ao modelo FR foi de 0,39 (DP = 0,12), ao modelo TCC, 0,35 (DP = 0,13), e ao modelo PP, 0,27 (DP = 0,10). A adesao global da terapia ao modelo PP foi significativamente menor que ao modelo FR (t = -15,26; p = 0,000) e que ao modelo TCC (t = -6,09; p = 0,000). A adesao ao modelo FR também foi superior a adesao ao modelo TCC (t = 3,79; p = 0,000). Isso indica que o processo do primeiro ano da terapia ocorreu predominantemente em conformidade com o modelo de FR. O tempo de tratamento nao foi associado a adesao a nenhum dos protótipos.

Na figura 1 observa-se que duas sessoes (25 e 52) correlacionaram-se negativamente ao protótipo da PP. Na sessao 25, o processo foi direcionado aos relacionamentos interpessoais da paciente (PQS 63), sua situaçao de vida atual ou recente é enfatizada na discussao (PQS 69), trazendo temas e material significativos (PQS 88), suas aspiraçoes ou ambiçoes sao tópicos de discussao (PQS 41). Por sua vez a terapeuta se comunica com o paciente com um estilo claro e coerente (PQS 46), mas nao faz conexoes entre a relaçao terapêutica e outras relaçoes (PQS 100), nao interpreta desejos, sentimentos ou ideias, rejeitadas ou inconscientes (PQS 67) e a paciente nao busca aprovaçao, afeiçao, ou simpatia da terapeuta (PQS 78), nao se sentindo inadequada ou inferior (PQS 59), nem tímida ou envergonhada (PQS 61).


Figura 1. Gráfico da adesao do processo geral



Em relaçao a sessao 52, o processo foi caracterizado por uma terapeuta solicitando mais informaçao ou elaboraçao (PQS 31), se comunicando com o paciente com um estilo claro e coerente (PQS 46) e exerce ativamente o controle sobre a interaçao (PQS 17). Os itens menos característicos apontam para uma terapeuta que nao é condescendente (PQS 51), também nao é distante (PQS 9) e é responsiva demonstrando tato para com a paciente (PQS 77). A paciente por sua vez, culpa os outros ou forças externas pelas dificuldades (PQS 34), resiste em examinar pensamentos, reaçoes ou motivaçoes relacionadas aos problemas (PQS 58). Já os itens menos característicos indicaram que a paciente estava introspectiva, nao conseguiu explorar pensamentos e sentimentos íntimos (PQS 97), nao buscava a aprovaçao, afeiçao ou simpatia da terapeuta (PQS 78) e nao estava preocupada com o que a terapeuta pensava dela (PQS 53).

Para examinar a adesao da terapeuta aos modelos investigados, o mesmo procedimento foi realizado considerando somente os itens do PQS que refletem comportamentos, atitudes e técnicas do terapeuta. O objetivo foi verificar em que contexto a terapeuta adotou técnicas menos compatíveis com o seu modelo teórico (psicanalítico). Foi constatado que, em média a adesao da terapeuta ao modelo FR foi de 0,51 (DP = 0,12), ao modelo TCC, 0,38 (DP = 0,12), e ao modelo PP, 0,30 (DP = 0,13). Adesao ao modelo PP foi significativamente menor que ao modelo FR (t = -15,41; p = 0,000) e que ao modelo TCC (t = -2,83; p = 0,006). Acrescenta-se ainda, que a adesao da terapeuta ao modelo FR também é superior ä adesao ao modelo TCC (t = 6,51; p = 0,000), o que confirma que o modelo mais adotado pela terapeuta ao longo do primeiro ano da paciente foi o FR.

Observa-se na Figura 2 que em duas sessoes (16 e 52) a terapeuta aderiu negativamente ao protótipo da PP. A análise dos 3 itens mais e os 3 menos característicos do PQS, da terapeuta na sessao 16, denotam que ela se comporta como um professor (PQS 37), dando orientaçoes e conselhos explícitos (PQS 27), transmitindo a impressao de aceitaçao nao-crítica (PQS 18). Dentre os itens menos característicos demonstram o comportamento da terapeuta nao sendo distante da paciente (PQS 9), sendo responsiva, tendo tato (PQS 77) e nao fortalecendo as defesas da paciente (PQS 89). Os itens mais característicos da paciente revelam itens com média (7,0) inferiores aos dos itens do terapeuta (8,5). Os comportamentos da paciente demonstram que ela se expressava de forma clara e organizada (PQS 54), compreendia a natureza da terapia e o que era esperado (PQS 72) e está comprometida com o trabalho terapêutico (PQS 72). Os itens menos característicos evidenciam a dificuldade de a paciente compreender os comentários da terapeuta (PQS 5), nao é controladora (PQS 87), sem dificuldades para começar a sessao (PQS 25).


Figura 2. Gráfico da adesao do terapeuta aos protótipo



DISCUSSAO

O presente estudo demonstrou que uma psicoterapia supostamente psicanalítica com uma jovem paciente com TPB, embora contivesse diversos elementos compatíveis com o modelo psicanalítico, aderiu significativamente mais ao modelo da FR e, inclusive, ao modelo TCC que ao modelo PP ideal. A maior adesao ao modelo FR indica que, de forma geral, o tratamento focalizou o desenvolvimento da mentalizaçao da paciente. Dentre os 10 itens mais característicos do processo geral, 7 itens caracterizam o protótipo da FR: (PQS 31) solicitaçao de mais informaçao ou elaboraçao, (PQS 6) postura sensível e empática do terapeuta, (PQS 69) exploraçao de temas referentes à vida atual ou recente do paciente, comunicaçao do terapeuta com o paciente tem um estilo claro e coerente (PQS 46), o terapeuta é seguro ou autoconfiante (PQS 86), transmitindo a impressao de aceitaçao nao crítica (PQS 18) e percebe acuradamente o processo terapêutico (PQS 28).

Os itens característicos da FR presentes no processo geral apóiam a posiçao de Bateman e Fonagy27 sobre as estratégias da Terapia Baseada na Mentalizaçao que visam desenvolver a funçao reflexiva em paciente TPB. A sintonizaçao empática com o paciente no aqui e agora, o apoio e o esclarecimento constituem o princípio fundamental deste modelo (Bateman & Fonagy35. Essas intervençoes promovem a restauraçao da capacidade de interpretar os comportamentos de si e de outros, produzidos pelos estados mentais subjacentes de si mesmo e outros. Além disso, argumentam os autores que, para promover a mentalizaçao, o terapeuta deve ser ativo, questionando ativamente o paciente em relaçao às suas experiências, solicitando descriçoes minuciosas dessas vivências, dizendo explicitamente aquilo que nao está claro, e ter paciência para identificar as diferenças de perspectivas do paciente. Portanto, as intervençoes terapêuticas que auxiliam no estabelecimento da mentalizaçao incluem a sintonizaçao emocional, diferenciaçao ativa de estados mentais e discussao dos estados mentais do paciente em relaçao aos estados mentais dos outros no aqui e agora 25.

Uma análise mais aprofundada demonstrou que de modo geral, a terapeuta trabalhou ativamente com a paciente no sentido do encorajamento de elaboraçao, também utilizou intervençoes que enfatizavam as experiências emocionais do paciente. A finalidade é dar sentido e contexto ao comportamento que resulta de uma falha na mentalizaçao. Nessa direçao, o terapeuta assume uma postura ativa, questionando a paciente para reconstruir na sua história os fatos que contribuíram para a falha da mentalizaçao, identificando os sentimentos ligados a esses eventos. Assim, o objetivo é auxiliar a paciente a mentalizar, ligando o fato ao sentimento.

Ainda que, ao longo do tratamento, o protótipo da FR tenha caracterizado grande parte das sessoes, é importante destacar que vários itens presentes nesse protótipo também fazem parte dos protótipos da PP e TCC. A partir da análise do processo geral e da análise complementar realizada nas sessoes com baixa adesao ao protótipo PP, a hipótese é que a significativa adesao deste tratamento modelo ideal TCC se deve mais aos processos compartilhados deste modelo com a FR (com o apoio e a diretividade, por exemplo) do que a utilizaçao de técnicas específicas da TCC por parte da terapeuta. Nesse sentido, os dados vao na direçao da proposiçao de Bateman e Fonagy10 confirmada nos estudos de Goodman25 de que a mentalizaçao é um processo implícito e inerente às diferentes abordagens com pacientes TPB. Assim, itens comuns aos protótipos da FR, PP e TCC caracterizaram as sessoes do tratamento analisado. Por exemplo, o terapeuta é sensível aos sentimentos do paciente, afinado com o paciente; empático (PQS 6), e o terapeuta transmite a impressao de aceitaçao nao crítica (PQS 18) sao itens que aparecem em todos os protótipos e caracterizam o tratamento investigado.

Observou-se também que, dos dez itens mais característicos do processo geral, quatro indicam que o tratamento se voltou também para o incremento da aliança terapêutica. Dessa maneira, uma postura empática do terapeuta, uma comunicaçao clara e coerente e uma aceitaçao nao crítica do paciente demonstram a preocupaçao no desenvolvimento da aliança. Esses aspectos sao apontados no estudo de Price e Jones36 como associados à aliança terapêutica. De acordo com os autores, sao itens que denotam a capacidade do paciente para trabalhar na psicoterapia suas atitudes, seus sentimentos em relaçao à terapia ou ao terapeuta.

Ao observarmos o gráfico da adesao da terapeuta (Figura 2), chamam a atençao duas sessoes que correlacionaram negativamente com o protótipo da PP: 16 e 52. Os resultados indicaram que essas sessoes foram caracterizadas por comportamentos da terapeuta exercendo ativamente o controle da relaçao e as resistências por parte da paciente, com dificuldades para compreender a terapeuta, culpando os outros por suas dificuldades.

No processo geral as sessoes 25 e 52, a paciente demonstra resistência, evitando falar sobre sentimentos, nega que se emociona. Os dados evidenciam que em ambas as sessoes o trabalho terapêutico se detém em temas da vida atual da paciente, resistindo à análise de seus sentimentos. O terapeuta por sua vez, se torna menos interpretativo e mais ativo, do que seria esperado de acordo com seu modelo teórico, caracterizando uma abordagem mais próxima da TCC. Apesar disso, nao há foco nas crenças, em tarefas, tampouco há reestruturaçao cognitiva. Os itens destas sessoes indicam, que a postura mais didática e ativa do terapeuta está ligada as dificuldades da paciente, que resiste em examinar pensamentos, reaçoes ou motivaçoes relacionadas aos problemas e devido a sua ansiedade. A sessao 52 foi marcada pela resistência da paciente, dificuldades para pensar e explorar seus sentimentos.

Em relaçao à adesao do terapeuta, a sessao 16, que foi correlacionada negativamente com o protótipo da PP, faz parte de uma fase bastante inicial do tratamento. Foi marcadamente direcionada à busca de informaçoes, estabelecimento da aliança terapêutica e diferenciaçao dos estados mentais da paciente em relaçao aos outros, ressaltando-se também o papel ativo do terapeuta.

Em síntese, esta investigaçao demonstrou que a PP de uma paciente com TPB aderiu significantemente mais ao protótipo da FR do que ao protótipo PP. Intervençoes características do protótipo PP, tais como interpretaçao da transferência, análise de defesas, exploraçao de sonhos, foram menos utilizadas no tratamento. Os pacientes com TPB apresentam falhas na simbolizaçao e, por isso, somente com o desenvolvimento do tratamento e a ativaçao da capacidade simbólica, ainda que primitiva, o terapeuta pode utilizar a interpretaçao da transferência com esses pacientes30. A preocupaçao com a manutençao da aliança terapêutica também é indicada com estes pacientes8,37. Neste sentido, é possível supor que a adesao ao modelo PP tenha sido maior nas sessoes em que a paciente está mais organizada psiquicamente e menor quando está mais confusa, ansiosa, com menor capacidade reflexiva e/ou com menores níveis de confiança e colaboraçao terapêutica.

Dessa maneira, se verifica a importância da adaptaçao da técnica ao contexto da patologia do paciente. Possivelmente, como afirma Goodman31, a terapeuta tenha percebido que as intervençoes psicodinâmicas em determinados momentos do tratamento nao trariam ajuda à paciente, incrementando o nível de angústia. Estudos como o de Barber, Crits-Christoph e Luborsky38 indicam que os pacientes podem influenciar a utilizaçao de determinadas intervençoes pelos terapeutas. Investigar melhor esta relaçao implicaria em analisar a interaçao paciente-terapeuta sessao a sessao. Neste sentido, análise de micro processos dos estados mentais e das intervençoes do terapeuta poderia esclarecer melhor em que contexto a terapeuta prioriza um ou outro modo de intervençao.

O presente estudo é meramente descritivo. A investigaçao do papel preditivo da adesao aos modelos ideais de psicoterapias no progresso e nos resultados do tratamento requer outro método de análise. Desse modo sugere-se investigaçoes que examinem os mecanismos de açao que atuam na psicoterapia psicanalítica com paciente TPB, por exemplo, examinando-se como a flexibilizaçao da técnica relaciona-se com a mudança.


CONCLUSAO

Esta investigaçao corrobora o pressuposto de que, na prática clínica, os tratamentos de uma abordagem podem se assemelhar muito a tratamentos de diferentes modelos. Em consonância com a literatura, ao examinar uma psicoterapia conduzida em contexto naturalístico por uma terapeuta de orientaçao psicanalítica, com uma paciente com transtorno de personalidade borderline, foi constatada grande variabilidade técnica com intervençoes de apoio, interpretativas e, principalmente, mentalizadadoras.

Os dados sugerem que a gravidade do caso exigiu modificaçoes de estratégias e da técnica no tratamento. O estudo contribui para a aproximaçao entre prática clínica e pesquisa. A investigaçao sugere aos terapeutas que na prática da psicoterapia psicanalítica direcionada a pacientes com TPB, há necessidade de flexibilizaçao da técnica. Uma maior estruturaçao das sessoes e uma postura altamente responsiva e empática sao fundamentais para a promoçao da capacidade reflexiva e para o desenvolvimento e manutençao da aliança terapêutica, aspectos essenciais na psicoterapia com pacientes TPB. Além disso, ocompartilharem alguns O estudo apresenta algumas limitaçoes que merecem ser apontadas. Nao foi analisado o tratamento completo, mas somente um segmento deste (as 68 sessoes do primeiro ano). Como o tratamento está ainda em andamento, futuramente outras etapas do tratamento poderao ser analisadas e comparadas a este período inicial. A ausência de dados sobre o progresso da paciente é outra limitaçao, que impossibilita a análise da relaçao entre processo e resultado. houve o fato de nao ter ocorrido a coleta.


REFERENCIAS

1. Antonsen BT, Kvarstein EH, Urnes O, Hummelen B, Karterud S, Wilberg T. Favourable outcome of longterm combined psychotherapy for patients with borderline personality disorder: Six-year follow-up of a randomized study. Psychother Res. 2017;27(1):51-63.

2. Links PS, Shah R, Eynan R. Psychotherapy for Borderline Personality Disorder: Progress and Remaining Challenges. Curr Psychiatry Rep. 2017;19(3).

3. Kernberg, O. F. (2003). The Management of Affect Storms in the Psychoanalytic Psychotherapy of Borderline Patients. Journal of the American Psychoanalytic Association, 51(2), 517-545. doi:10.1177/00030651030510021101

4. Fonagy P, Luyten P BA. Treating Borderline Personality Disorder With Psychotherapy: Where Do We Go From Here? JAMA psychiatry. 2017;74(4):316-7.

5. Goldman GA, Gregory RJ. Relationships between techniques and outcomes for borderline personality disorder. Am J Psychother. 2010;64(4):359-71.

6. Stone MH. Management of borderline personality disorder: a review of psychotherapeutic approaches. World Psychiatry. 2006;5(1):15-20.

7. Paris J. Effectiveness of different psychotherapy approaches in the treatment of borderline personality disorder. Curr Psychiatry Rep. 2010;12(1):56-60.

8. Weinberg I, Ronningstam E, Goldblatt MJ, Schechter M, Maltsberger JT. Common factors in empirically supported treatments of borderline personality disorder. Curr Psychiatry Rep. 2011;13(1):60-8.

9. Clarkin JF. Levy KN. Lenzenweger MF. Kernberg O. Evaluating three treatments for borderline personality disorder. Am J Psychiatry. 2007;164(6):922-8.

10. Bateman A. Mentalization-based treatment of BPD. J Pers Disord. 2004;18(1):36.

11. Linehan MM. Cognitive Behavioral Treatment of Borderline Personality Disorder. (1a Ed.). New York: The Guilford Press.; 558 p.

12. Linehan MM. Skills training manual for treating borderline personality disorder. 6a ed. New York: The Guilford Press.; 180 p.

13. Leichsenring F, Leibing E. The effectiveness of psychodynamic therapy and cognitive behavior therapy in the treatment of personality disorders: A meta-analysis. Am J Psychiatry, (2003);160, 1223-32.

14. Rudge S, Feigenbaum JD, Fonagy P. Mechanisms of change in dialectical behaviour therapy and cognitive behaviour therapy for borderline personality disorder: a critical review of the literature. J Ment Heal [Internet]. 2017;8237(May):1-11. Available from: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/09638237.2017.1322185

15. Kramer, U. Personality, personality disorders, and the process of change. Psychotherapy Research, (2017);1-13.

16. Jones EE. Therapeutic action: A guide to psychoanalytic therapy. Lanham, MD, US: Jason Aronson; 2000.

17. Lingiardi V, Colli A, Gentile D, Tanzilli A. Exploration of Session Process: Relationship to Depth and Alliance. Psychotherapy. 2011;48(4):391-400.

18. Smith-Hansen L., Levy R.A., Seybert C., Erhardt I., Ablon J.S. The Contributions of the Psychotherapy Process Q-Set to Psychotherapy Research. In: Levy R., Ablon J., Kächele H. (eds) Psychodynamic Psychotherapy Research. Current Clinical Psychiatry. Humana Press, Totowa, NJ;(2012).

19. Linehan MM. Dialectical Behavior Therapy for Borderline Personality Disorder: Theory and Method. Bull Menninger Clinical. 1987;51(3):261-76.

20. Crits-Christoph P, Gibbons MBC MD. Process-Outcome Research. Handbook of Psychotherapy and Behavior Change . In: NY: Wiley, editor. Bergin and Garfield’s handbook of psychotherapy and behavior change. 6a. New York; 2013. p. 298-340.

21. Pole N, Ablon JS, O’Connor LE. Using Psychodynamic, Cognitive Behavioral, and Control Mastery Prototypes to Predict Change: A New Look at an Old Paradigm for Long-Term Single-Case Research. J Couns Psychol. 2008;55(2):221-32.

22. Serralta FB. Elaboraçao da versao em português do Psychotherapy Process Q-Set. 2007;29(1):44-55.

23. Ablon JS, Jones EE. How expert clinicians’ prototypes of an ideal treatment correlate with outcome in psychodynamic and cognitive-behavioral therapy. Psychother Res. 1998;8(1):71-83.

24. Ablon JS, Jones EE. Validity of Controlled Clinical Trials of Psychotherapy : Findings From the NIMH Treatment of Depression Collaborative Research Program. Am J Psychiatry 1595,. 2002;159(5):775-83.

25. Goodman G. Is mentalization a common process factor in transference-focused psychotherapy and dialectical behavior therapy sessions? J Psychother Integr. 2013;23(2):179-92.

26. Fonagy P, Target M, Steele H, Steele M. Reflective-functioning manual, version 5.0, for application to adult attachment interviews. London Univ . [Internet]. 1998;(July):1-47. Available from: http://mentalizacion.com.ar/images/notas/ReflectiveFunctioningManual.pdf

27. Bateman A, Fonagy P. Mentalization based treatment for borderline personality disorder. World Psychiatry [Internet]. 2010;9(1):11-5. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20148147%5Cnhttp://www.pubmedcentral.nih.gov/articlerender.fcgi?artid=PMC2816926

28. Fonagy, Peter Gergely, György Jurist, Elliot L. Target M. Affect regulation, mentalization, and the development of the self. New York: Other Press; 2002. 577 p.

29. Quiroga, S., & Cryan G. Análisis de proceso en Grupos de Terapia Focalizada para adolescentes violentos: Función Reflexiva-RF y Modelo de Ciclo Terapeutico-TCM. Anu Investig. 2012;19(1):261-72.

30. Goodman G, Edwards K, Chung H. The relation between prototypical processes and psychological distress

in psychodynamic therapy of five inpatients with borderline personality disorder. Clin Psychol Psychother. 2015;22(1):83-95.

31. Goodman G, Anderson K, Diener MJ. Processes of therapeutic change in psychodynamic therapy of two inpatients with borderline personality disorder. J Psychother Integr. 2014;24(1):30-45.

32. Edwards DJA. Collaborative Versus Adversarial Stances in Scientific Discourse: Implications for the Role of Systematic Case Studies in the Development of Evidence-Based Practice in Psychotherapy. 2007 [Internet]. 2007;3:6-34. Available from: http://www2.scc.rutgers.edu/journals/index.php/pcsp/article/view/892

33. Serralta, Fernanda Barcellos, Alvares A. Desenvolvimento de protótipo brasileiro para psicoterapia psicanalítica. Nao Publ. 2017;

34. Serralta FB, Ablon JS. Development of Brazilian prototypes for short-term psychotherapies. Trends Psychiatry Psychother [Internet]. 2016;38(2):71-9. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-60892016000200071&lng=en&tlng=en

35. Bateman, A. W., & Fonagy P. Psychotherapy for borderline personality disorder: Mentalization-based treatment. 1a. New York: Oxford University Press; 2004.

36. Price PB, Jones EE. Examining the alliance using the Psychotherapy Process Q-Set. 1998;35(3):392-404.

37. Kernberg OF. The Management of Affect Storms in the Psychoanalytic Psychotherapy of Borderline Patients. J Am Psychoanal Assoc [Internet]. 2003;1:547-578. Available from: https://doi.org/10.1177/00030651030510021101

38. Barber JP, Crits-Christoph P, Luborsky L. Effects of therapist adherence and competence on patient outcome in brief dynamic therapy. J Consult Clin Psychol. 1996;64(3):619-22.










a Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de pós graduaçao em Psicologia - Sao Leopoldo - RS - Brasil
b Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de pós graduaçao em Psicologia - Sao Leopoldo - RS - Brasil
c Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de pós graduaçao em Psicologia - Sao Leopoldo - RS - Brasil
d Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de pós graduaçao em Psicologia - Sao Leopoldo - RS - Brasil

Correspondência
Suzana Catanio Nardi
e-mail: suzanacatanio@gmail.com / e-mail alternativo: suzana.catanio@outlook.com

Submetido em: 07/05/2018
Aceito em: 09/12/2018

Contribuiçoes: Suzana Catanio Nardi - Redaçao - Preparaçao do original;
Aline Alvares Bittencourt - Coleta de Dados;
Fernanda Barcellos Serralta - Análise estatística;
Silvia Pereira Benetti - Redaçao - Preparaçao do original, Supervisao.

Instituiçao: Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de pós graduaçao em Psicologia - Sao Leopoldo - RS - Brasil

 

artigo anterior voltar ao topo próximo artigo
     
artigo anterior voltar ao topo próximo artigo