Rev. bras. psicoter. 2018; 20(3):17-29
Silva EF, Teixeira RCP, Hallberg SCM. Prevalência de depressao na adolescência: uma consulta a prontuários de uma clínica-escola em Porto Alegre. Rev. bras. psicoter. 2018;20(3):17-29
Artigo Original
Prevalência de depressao na adolescência: uma consulta a prontuários de uma clínica-escola em Porto Alegre
Depression prevalence in adolescence: a consultation in of medical records in a clinical school in Porto Alegre
Eduarda Ferreira da Silvaa; Rita de Cássia Petrarca Teixeirab; Sílvia Cristina Marceliano Hallbergc
Resumo
Abstract
INTRODUÇAO
Os transtornos mentais representam uma significativa causa de sofrimento, incapacidade e dependência na populaçao, atingindo cerca de 15% de crianças e adolescentes no mundo1. Em países subdesenvolvidos, como o Brasil, estima-se que a prevalência de psicopatologias em crianças e adolescentes varia entre 7% e 20%1. A maior parte desses transtornos tem início nessa etapa inicial da vida, acompanham o indivíduo ao longo de seu desenvolvimento e sao preditores de problemas na vida adulta1,2,3. É o caso dos transtornos depressivos, que sao prevalentes na adolescência e possuem risco elevado de cronicidade4,5. Conhecer o perfil sociodemográfico de adolescentes que buscam atendimento psicoterápico, bem como levantar a prevalência de psicopatologias, faz-se importante para o desenvolvimento de intervençoes precoces e para o aprimoramento de técnicas terapêuticas destinadas a essa populaçao.
O período da adolescência é definido pela Organizaçao Mundial da Saúde (OMS)6 como aquele que ocorre entre 10 e 19 anos de idade. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n. 8.069, de 19907, define a adolescência como a faixa etária entre 12 a 18 anos de idade (artigo 2º), e, em casos excepcionais e quando disposto na lei, o estatuto é aplicável até os 21 anos de idade (artigos 121 e 142).7 A adolescência é caracterizada como uma etapa evolutiva típica da espécie humana, sendo uma fase do ciclo vital de transiçao entre a infância e a vida adulta - na qual ocorrem mudanças biológicas, sociais, psicológicas e culturais8,9,10. Diante de todas as transformaçoes inerentes a esse período e de uma série de novidades com que o jovem precisa lidar, a adolescência é uma fase de muitas turbulências - sendo considerado um período normal de crise11,12.
A noçao de período normal de crise adolescente tem sido utilizada para dar conta das variadas formas de expressao das transformaçoes que acontecem nessa etapa13. Assim, o termo diz respeito a uma série de situaçoes difíceis e de incertezas que sao vivenciadas, o que faz da adolescência uma fase importante e decisiva para o vir a ser do sujeito13. Momentos de crise também sao responsáveis pelo crescimento dos indivíduos durante todo o ciclo vital, oportunizando aquisiçao de habilidades para o enfrentamento de novas realidades12. Apesar disso, momentos de crise tornam o jovem mais vulnerável ao sofrimento psíquico, uma vez que o colocam em situaçoes nas quais deve refletir sobre sua própria trajetória de vida13.
É importante também pensar a sociedade na qual os adolescentes dos tempos atuais estao inseridos e vao se desenvolver. O estilo de vida que levam, suas demandas individuais e sociais, bem como as questoes do mundo contemporâneo podem estar associadas ao sofrimento psíquico e à manifestaçao de transtornos mentais.14 Além das crises e conflitos pertinentes a essa fase, o adolescente de hoje se depara com questoes socioculturais que interferem em um processo mais saudável de subjetivaçao e integraçao de sua personalidade.15 A literatura tem trazido como fenômenos frequentes na adolescência contemporânea as depressoes, ansiedade, abuso de substâncias, transtornos alimentares, transtornos de conduta, psicoses e violências15. Estudos apontam as patologias do agir como cada vez mais prevalentes na clínica de adolescentes12,13,15,16,17. Trata-se de transtornos alimentares, toxicomanias, suicídio e outras condutas autodestrutivas, que podem estar relacionadas à fragilidade do aparelho psíquico e às demandas que o jovem precisa dar conta nessa sociedade14, 15,16.
Logo, faz-se importante pensar com quais psicopatologias o psicoterapeuta de adolescentes se depara na atualidade. Os estudos de prevalência de psicopatologias na adolescência e infância em nosso país e no mundo apresentam índices variados2. Estima-se que entre 10% e 25% das crianças e adolescentes, em algum momento de seu desenvolvimento, manifeste algum comprometimento de caráter clínico ou desviante, precisando, portanto, de tratamento1,3,16. Ao se falar dos prováveis fatores associados à ocorrência de psicopatologias em crianças e adolescentes, deve-se levar em conta os fatores biológicos, genéticos, psicossociais e ambientais, ou seja, um modelo biopsicossocial de saúde17. Existe, portanto, fatores de risco e de proteçao que aumentam ou diminuem a chance dos transtornos mentais se manifestarem. Como exemplos desses fatores destacamse: características individuais do sujeito (gênero, temperamento, personalidade e cogniçao), fatores familiares (estilo parental, capacidade ou nao de estabelecer vínculo, situaçoes familiares adequadas ou estressantes e ausência ou presença de psicopatologias na família), e atributos sociais (condiçoes do ambiente, local da moradia, nutriçao, violência urbana, acesso à saúde e ao saneamento básico)18,19,20. Exposto isso, o presente estudo objetivou levantar o perfil sociodemográfico e prevalência de psicopatologias em adolescentes atendidos numa clínica-escola de Porto Alegre/RS. Foi dada atençao às diferenças em relaçao ao diagnóstico, ao gênero e às fases da adolescência (inicial, intermediária e final). Na discussao dos resultados, foi dado destaque a presença dos transtornos depressivos.
MÉTODO
Trata-se de um estudo quantitativo, descritivo e de corte transversal, realizado a partir de uma pesquisa documental21,22. Foram consultados 228 prontuários de adolescentes que buscaram atendimento psicoterápico, em uma clínica-escola de Porto Alegre/RS, entre os anos de 2013 e 2016. As consultas permitiram levantamento do perfil sociodemográficos dessa clientela e foram verificadas as hipóteses diagnósticas presentes nas fichas de avaliaçao desses adolescentes.
Foram coletadas as seguintes variáveis: sexo, idade e escolaridade do paciente; tipo de ensino que o adolescente frequentava (se público ou rede privada); quem indicou o tratamento; tempo de atendimento; tipo de encerramento de atendimento e hipótese diagnóstica dada ao paciente. As informaçoes coletadas foram transcritas para o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS - 17º Ediçao) e receberam tratamento estatístico (frequência). Também foram cruzados os dados referentes às hipóteses diagnósticas com o sexo e idade dos pacientes para investigar possíveis diferenças entre psicopatologias, gênero e fases da adolescência. Os achados foram discutidos à luz de referencial teórico, especialmente no que diz respeito à depressao na adolescência.
O uso desses prontuários, para fins do presente estudo, seguiu a Resoluçao n. 510, de 7 de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde, que discorre sobre a ética em pesquisa na área de Ciências Humanas e Sociais23. Além disso, os responsáveis pelos adolescentes concordaram que os dados relativos aos atendimentos fossem utilizados para fins de ensino e pesquisa, assinando um termo de consentimento livre e esclarecido.
APRESENTAÇAO E DISCUSSAO DOS RESULTADOS
Quanto ao perfil sociodemográfico, os jovens que compuseram a amostra tinham entre 12 e 20 anos (M=14,44; DP=1,94) e metade era do sexo masculino (51,3%). A maioria dos pesquisados (55,3%) estava em etapa inicial da adolescência (com idade variando entre 12 e 14 anos). O Ensino Fundamental era cursado por 61,5% dos pesquisados, especialmente o 6º, 7º e 8º ano. A rede pública de ensino era frequentada por 47,4% da amostra e 46,7% estudava na rede particular de ensino. Em 5,7% dos prontuários nao foi registrado o tipo de escola.
A busca por atendimento foi indicada por profissionais da área da saúde em 52,6% dos casos, sendo divididos em 31,5% por médicos e 21,1% por psicólogos. Entre os médicos, destaca-se o encaminhamento por psiquiatras (19,7%). Apesar disso, 53,1% dos adolescentes da amostra nunca havia consultado um psiquiatra e 57,5% nunca havia feito uso de psicofármacos. A escola encaminhou os adolescentes para acompanhamento psicoterápico em 15,8% dos casos. O grupo familiar é responsável por 7% dos encaminhamentos. Chama a atençao que 6,6% da amostra buscou atendimento por indicaçao de algum amigo. Somente 3,1% dos jovens buscou tratamento por iniciativa própria e 7% foram encaminhados por outros. Em 7,9% dos prontuários nao foi registrada a origem da indicaçao de atendimento.
No momento da coleta dos dados, 41,2% da amostra ainda se encontrava em acompanhamento psicoterápico. Dos jovens que encerraram o atendimento, a maioria (90%) abandonou ou interrompeu o tratamento. Somente 6% recebeu alta clínica e 2,3% da amostra foi encaminhada para outras instituiçoes de atendimento. Em 1,7% dos prontuários nao foi registrado o tipo de término. Ainda quanto aos jovens que encerraram o atendimento, a maioria dos participantes (67%) permaneceu apenas de 1 a 6 meses em tratamento. 25,3% ficou de 7 meses a 1 ano em atendimento, e somente 6% permaneceu mais de 1 ano em psicoterapia. Em 1,8% dos prontuários nao foi registrado o tempo de permanência em acompanhamento psicoterápico.
A literatura aponta o período de 6 meses como crítico aos processo psicoterápicos. É o período mais suscetível a abandonos. O abandono de tratamento em psicoterapia constitui-se em problema com graves consequências para o indivíduo e para a sociedade, tendo em vista que poucas pessoas conseguem de fato obter ajuda especializada para seu sofrimento e resolver seus problemas psicológicos. As altas taxas de abandono estimadas pela literatura nacional e internacional justificam a crescente preocupaçao com esse fenômeno24. Em contrapartida, as altas clínicas tendem a apresentar números menos expressivos25.
Quanto a prevalência de psicopatologias, os principais motivos de consulta relatados pelos adolescentes ou pelos responsáveis foram ansiedade/depressao e sintomas como choro, medos, nao se sentir amado (22,4%); problemas de relacionamento e queixas do tipo nao se dar bem com as pessoas, ser dependente, sentir que as pessoas implicam com ele (14,5%) e retraimento/depressao, envolvendo sintomas do tipo timidez, tristeza, preferir ficar sozinho (14,0%) (Tabela 1). As hipóteses diagnósticas mais encontradas, na presente amostra, foram aquelas relacionados aos transtornos depressivos (29%) de acordo com os critérios diagnósticos do DSM-526 (Tabela 2). Em seguida se destacaram os transtornos de neurodesenvolvimento (15,2%), os transtornos de ansiedade e aqueles relacionados a trauma e a estressores (8,3%) (Tabela 2). Quanto aos transtornos de neurodesenvolvimento, notou-se a presença significativa de transtorno do déficit de atençao/ hiperatividade (TDAH) (76% dos adolescentes classificados com transtornos do neurodesenvolvimento receberam esse diagnóstico). Esses achados também vao ao encontro da literatura, que apontam a depressao, transtornos de ansiedade e TDAH como os transtornos mentais mais prevalentes entre adolescentes4. Nao houve diferença significativa entre os diagnósticos, sexo e idade dos participantes. Igualmente, os transtornos depressivos foram os mais recorrentes independente do sexo ou faixa etária dos pacientes. Esse achado vai de encontro ao apontado na literatura sobre depressao na adolescência, que indica a prevalência maior em meninas do que em meninos5. Em razao da prevalência de queixas e diagnósticos relacionados a quadros depressivos encontrados na amostra, a discussao dos achados do presente estudo irá enfatizar esses transtornos.
artigo anterior | voltar ao topo | próximo artigo |
Rua Ramiro Barcelos, 2350 - Sala 2218 - Porto Alegre / RS | Telefones (51) 3330.5655 | (51) 3359.8416 | (51) 3388.8165-fone/fax