Rev. bras. psicoter. 2018; 20(1):49-59
Zatti C, Neves J, Patrí K, Bü c, Bridi r, Calegaro VC, et al. O término de tratamento em psicoterapia psicanalítica. Rev. bras. psicoter. 2018;20(1):49-59
Artigo Original
O término de tratamento em psicoterapia psicanalítica
The termination of treatment in psychoanalytic psychotherapy
Cleonice Zattia; Juliana Nevesb; Kelen Patrícia Bürke Bridic; Vitor Crestani Calegarod; Lucia Helena Machado Freitase; Márcia Semensatof
Resumo
Abstract
INTRODUÇAO
Ainda que reconhecido como uma etapa importante do processo psicoterápico, bem como um conteúdo significativo para o estudo de psicoterapeutas em formaçao, o término de tratamento aparece, muitas vezes, de forma discreta na bibliografia psicanalítica. Freud, Melanie, assim como autores contemporâneos1,2 se ocuparam do assunto, oferecendo valiosas contribuiçoes. Quais sao os critérios para se pensar o fim da terapêutica? Quem decide pelo término? Quais sentimentos costumam despertar durante a etapa final? Quando ocorrerá a última sessao? Compreende-se o encerramento como uma experiência subjetiva, considerando que cada dupla vai formar uma relaçao terapêutica diferente em suas nuances e muitos outros questionamentos poderiam ser elaborados. Alguns autores atuais trazem a questao das interrupçoes, este término precoce que ocorre por uma combinaçao de fatores e despertam, ainda hoje, muitos questionamentos e angústias, tanto no paciente quanto no terapeuta. No entanto, a forma do presente trabalho terá como foco as características que se apresentam comumente na fase de término de uma psicoterapia psicanalítica.
PRIMEIROS ASPECTOS SOBRE O TÉRMINO DO TRATAMENTO
É difícil dizer o que acontece depois do encerramento de uma psicoterapia psicanalítica. Os pacientes se vao e nem sempre é possível confirmar se tudo segue bem. Por vezes, alguns terapeutas utilizam algum tipo de acompanhamento - Follow Up como a proposta de Etchegoyen (1989), que chama esse acompanhamento de encontros de entrevistas pós-analíticas, onde o terapeuta orienta que após o término de tratamento, os pacientes venham ocasionalmente.3 Nestas entrevistas, pode-se utilizar da interpretaçao de conteúdos trazidos pelos pacientes, pertinentes à fase de encerramento e que podem contribuir para uma vivência terapêutica bem-sucedida. Por mais que seja inerente à condiçao humana experimentar problemas e frustraçoes durante toda a vida, geralmente a expectativa do terapeuta é de que o paciente seja capaz de defrontar-se com os desafios do cotidiano de forma mais integrada. Pode-se dizer que, quando nao há a possibilidade desse feedback, o terapeuta precisa confiar no que alguns autores, como Tyson (1996), salientam.4 Tyson entende que o terapeuta deve utilizar-se de sua intuiçao como um elemento chave para a decisao de nao dar seguimento a um tratamento. Independentemente de uma série de critérios e recomendaçoes, o terapeuta, apoiado na sua experiência e no conhecimento sobre o paciente, deve levar em consideraçao este elemento chave.
Eizirik (2014), no entanto, ressalta que nao se pode falar em término sem levar em conta o grau de gravidade do transtorno de cada paciente com o qual trabalhamos1.
Apontamentos de Ferro (1998), nos revelam que existe uma nao-correspondência linear entre a evoluçao dos modelos e a ampliaçao dos critérios, ou seja, os analistas que mais expandiram o conhecimento no que diz respeito à análise de patologias mais graves, trataram somente de maneira marginal os critérios de analisabilidade. Para o autor, o critério mais útil seria a capacidade de pôr-se à prova. Com isto, quer dizer que o terapeuta/analista deve ter consciência de até que ponto pode ir ao analisar, baseando-se em sua própria análise, no seu próprio funcionamento mental, assim como em sua capacidade para tolerar o risco e a frustraçao2.
Ferro (1998) ainda ressalta um aspecto importante, no que diz respeito à analisabilidade, no qual compreende que já no primeiro encontro deve ser considerada as possibilidades de operaçoes transformadoras na sessao, com isso quer dizer a capacidade de formar imagens, histórias, rêveries que se ativam na dupla, acrescidos da fertilidade da própria dupla. Acrescenta ainda que quando isso nao acontece, esse deveria ser o problema a ser tratado2.
O término de uma psicoterapia significa que o paciente deverá desempenhar as funçoes desenvolvidas no processo, ter atingido seus objetivos e que possa usufruir dos ganhos alcançados em seu mundo interno. Efetivar uma conclusao satisfatória quer dizer encerrar um processo complexo com início, meio e fim, sustentado pelo vínculo terapêutico, significa ter que romper a díade de forma satisfatória. Portanto, nao é algo simples, requerendo bastante atençao por parte do terapeuta e paciente. Principalmente porque o momento é vivenciado de forma diferente por cada um dos envolvidos.
Nao raro, as expectativas do terapeuta sao maiores do que as possibilidades do paciente. Hollender e Ford (1990) lembram que a meta do terapeuta deve ser realista, passando longe de um ideal de mudança e cura5. É muito importante avaliar, desde o começo, as condiçoes egóicas de quem busca ajuda e, desta forma, vislumbrar um desfecho. Portanto, os objetivos pensados a priori também sao indicadores para um encerramento. Machado (1989) salienta que um processo construído nessa perspectiva, tem como critério geral para finalizaçao, o cumprimento dos objetivos fixados que se assentam na linha do autodesenvolvimento e do funcionamento psicológico mais independente6.
Para Zimerman (2008), o trabalho nao deve ser finalizado enquanto estiver sendo um terreno fértil e que a finalizaçao de tratamento deve, em todos os casos, ser trabalhada de forma gradativa. Este autor sugere ainda que um "canal aberto" deve estar interligado entre terapeuta e paciente, e que mesmo após a vivência de finalizaçao de uma etapa, nao significa que o paciente está "curado". Em caso de haver novas situaçoes conflitivas, o paciente necessita/precisa de abertura para retomar o tratamento.7
Outras duas questoes que merecem atençao quanto ao início de um tratamento, sao a presença do fantasma de término, e as súbitas sensaçoes de melhora do paciente, esta última pode acarretar em interrupçoes. Sobre o primeiro item, é muito comum que o sujeito que busca a psicoterapia pergunte quanto tempo vai durar o processo. E, mesmo que se justifique a impossibilidade de determinar de antemao uma data final exata, o vínculo que se estabelece em tratamento é fomentado, mesmo que de forma impensada, pela promessa ou uma fantasia inevitável de separaçao. Zygouris (1999) aborda esse paradoxo da relaçao terapêutica, dizendo que se trata de "um modelo de amor totalmente inédito", sustentado de modo latente pelo juramento de que um dia irá terminar8. Quinodoz (1993) ressalta que a angústia do fim pode ser tao forte para o paciente que ameaça a continuidade do mesmo no tratamento. Por outro lado, o autor pontua que alguns sujeitos podem engajar-se nas sessoes, justamente com a intençao de conseguir elaborar o afastamento9. Nesse sentido, winnicott (1962) propos que o término seja considerado como um dos objetivos do tratamento. Destarte, é preciso que o profissional esteja atento às fantasias despertadas ao longo dos encontros e as trabalhe garantido um holding* tao importante quanto a interpretaçao10.
Do mesmo modo, cabe ao psicoterapeuta avaliar cuidadosamente o contexto da psicoterapia e associaçoes relativas a notícias de repentina melhora daquele que ele escuta. Sabe-se que só de desabafar (descarregar suas angústias) com outro, as pessoas tendem a sentir um alívio imediato, entretanto, isto está muito aquém de uma genuína mudança psíquica, que é o objetivo primordial da psicoterapia psicanalítica. Ocorre que com o passar das sessoes e com os possíveis ganhos do paciente, o mesmo pode facilmente entender a sensaçao de bem-estar como indicaçao para o término de tratamento. Compete ao terapeuta, além de compreensao técnica/teórica, ter habilidade para confrontar tais ideias de afastamento sem desvalorizar os benefícios relatados. Assim, através da experiência técnica ocorrem garantias que o processo nao seja interrompido.
Observar os primeiros aspectos do encerramento terapêutico abre caminho para a tentativa de responder às perguntas apresentadas anteriormente. O objetivo é desbravar essa trilha mapeada na literatura que, apesar de guiar a um ponto sabido e esperado, a alta, suscita diferentes sentimentos e percepçoes ao longo do percurso.
A VIVENCIA DE TÉRMINO
Considerando o papel do terapeuta como objeto de transferência - figura central, segundo Tyson (1996) - para as experiências infantis do paciente, nao é difícil concluir que o rompimento desse vínculo irá implicar numa perda nao apenas real, mas, sobretudo, transferencial para o sujeito4. Por conta disso, Klein (1950/1991), destaca que o término, inevitavelmente, desperta sentimentos dolorosos e retoma angústias arcaicas que se assemelham ao estado de luto. Logo, desassossegos pueris, pela (re)vivência de separaçao e sentimentos de desamparo, podem emergir com grande força. A proximidade do término tende a desencadear diversas sensaçoes, fantasias, resistências, conflitos nao resolvidos e respostas afetivas vinculadas a todas as fases do desenvolvimento do paciente. De acordo com Klein (1950/1991) tais resultados devem ser devidamente analisados pela dupla, pois, assim que finalizado o processo, o paciente terá sozinho que se encarregar da sua elaboraçao. Por outro lado, Tyson (1996) pontua que, para alguns, o encerramento pode gerar uma sensaçao de prazer, através de um alívio e surgimento de expectativas para novas experiências. Esses afetos tendem a neutralizar aspectos ansiogênicos despertados pela proximidade do fim11.
Nao menos importante, é a atençao do terapeuta para seus próprios sentimentos. Hollender e Ford (1990) assinalam que nao se deve ficar apenas atento à relutância do paciente em deixar a colaboraçao, mas também, olhar para a resistência do profissional5. Como sugere Tyson (1996), o psicoterapeuta deve abdicar a todo o tipo de ternura que possa ter estabelecido durante o acompanhamento, fazer o luto pelo fim da relaçao, bem como superar ambiçoes4. O autor reforça essa ideia, dizendo que o psicoterapeuta deve superar ambiçoes e culpas produzidas por equívocos contratransferenciais. Portanto, uma das funçoes mais importantes do clínico, nesse momento, é reconhecer e interpretar, de forma empática, tais dinâmicas tendo em mente as limitaçoes da técnica psicanalítica e o alcance de suas intervençoes.
Ademais, cada parte tende a desenvolver verdadeiros sentimentos de carinho com relaçao à outra, e estes tentem a sentir-se devidamente enlutados com a eminência de separaçao. Por mais que os pesares do paciente fiquem mais evidentes, ambos necessitam lidar com o sentimento de perda. O tema de término deve ser trabalhado e explorado para que tanto terapeuta como paciente vivenciem essa fase no seu tempo e da melhor forma possível. Com uma aliança sólida e estável, ansiedades e fantasias poderao ser superadas.
QUAIS SAO OS CRITÉRIOS PARA SE PENSAR O FIM DA TERAPEUTICA?
Grinberg (1979) salienta que com o passar dos anos, os critérios de fim de tratamento se modificaram, devendo ser considerados ganhos obtidos em diferentes áreas. O autor destaca como indicadores:
"a superaçao dos estruturas patológicas manifestas e latentes com a superaçao dos sintomas, desaparecimento de resistências, resoluçao da neurose de transferência, estabelecimento de relaçoes objetais maduras, ... capacidade para amar e trabalhar, capacidade para remover amnésia infantil com a elaboraçao do Complexo de Édipo, capacidade para tolerar frustraçoes, capacidade para manejar as contradiçoes surgidas do adoecimento dialético entre as pulsoes agressivas, substituiçao do acting out pela simbolizaçao e do sintoma pela simbolizaçao, substituiçao da negaçao pela aceitaçao da realidade psíquica, uso predominante do pensamento e da comunicaçao verbal, capacidade para elaborar o luto pela experiência de separaçao do analista e perda da análise." (p.109)12
"de nenhuma maneira, deve ser o analista quem proponha o término. A única coisa válida que pode fazer o analista é interpretar que o paciente pensa em terminar, que o deseja ou o teme, quando nota que desejos existem e o paciente os reprime, mas nao deveria em princípio dar opinioes." (p. 382)3
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