Rev. bras. psicoter. 2018; 20(1):37-48
Leite CT. Falhas ambientais e conflito: compondo uma escuta da organizaçao borderline. Rev. bras. psicoter. 2018;20(1):37-48
Artigo Original
Falhas ambientais e conflito: compondo uma escuta da organizaçao borderline
Environmental flaws and conflict: composing an understanding of the borderline organization
Carina Teixeira Leite
Resumo
Abstract
INTRODUÇAO
Casos clínicos que exigem uma nova configuraçao do setting1,2,3 e uma maior disponibilidade interna do psicoterapeuta sao cada vez mais frequentes na clínica. Abordo neste trabalho a literatura sobre pacientes com transtorno de personalidade borderline e os quadros componentes das "patologias do vazio", enunciados conjuntamente por apresentarem um arranjo limítrofe, caracterizado pela fragilidade do self, pela mudança em direçao a um processo primário de pensamento e por operaçoes defensivas específicas4,5,6 (tais como cisao, idealizaçao primitiva, identificaçao projetiva, negaçao, onipotência e desvalorizaçao). Na categorizaçao do transtorno de personalidade borderline evidenciam-se os mecanismos defensivos, enquanto a clínica do desvalimento7 - assim também chamada a clínica do vazio8 - apresenta patologias como a depressao, as organizaçoes psicossomáticas, as adiçoes e os transtornos alimentares3,4. Ambas as categorizaçoes estao voltadas para a compreensao e complementam-se.
Essas patologias extrapolam os limites da clínica do simbólico por estabelecerem-se numa infância muito precoce, período em que a capacidade representacional ainda nao está desenvolvida. Assim, a evoluçao emocional posterior desses pacientes acaba comprometida por falhas ambientais. No adulto, a insuficiência de representaçoes, ocasionada pelo reforço de defesas narcisistas, e a dificuldade de manter laços afetivos, geram intensa angústia e disparam manifestaçoes voltadas ao corpo e ao ato, em lugar da atividade simbólica, essencial à construçao do psiquismo3.
Esses pacientes sao geralmente encaminhados à psicoterapia por clínicos, com queixas de sintomas físicos, sem uma definiçao clara de seu sofrimento. A um olhar mais atento, sao corpos que aparecem "desabitados de emoçoes"7(p.90). Seus relatos expressam os sentimentos de esvaziamento, de futilidade, de superficialidade, sentimentos explicados psicodinamicamente pelos vazios de significaçao simbólica.
Pode-se dizer, assim, que
sentir um afeto é requisito indispensável para o surgimento da consciência ligada às percepçoes. No entanto somente existe o registro do afeto quando existe um sujeito capaz de senti-lo. Quando falta um outro empático, o estímulo nao é processado e o afeto transborda ou se mantém diminuído, ficando assim sem o registro psíquico. A abulia aparece no lugar do sentir, tornando-se a expressao de uma dor carente de qualidade e de sujeito. Os quadros do desvalimento correspondem a um estado econômico no qual predomina uma dor sem qualificaçao afetiva7 (p.91)
Certos tipos de fracasso materno, especialmente um comportamento irregular, produzem uma hiperatividade do funcionamento mental. Aqui no crescimento excessivo da funçao mental como reaçao a uma maternagem inconstante vemos que é possível o desenvolvimento de uma oposiçao entre a mente e o psique-soma, pois em reaçao a este estado anormal do meio ambiente, o pensamento do indivíduo começa a controlar e organizar os cuidados a serem dispensados ao psique-soma, ao passo que na saúde essa é uma funçao do meio ambiente. Quando há saúde, a mente nao usurpa a funçao do meio ambiente, tornando possível, porém, a compreensao e, eventualmente, a utilizaçao de seu fracasso relativo10 (p. 413-414)
O analista, através do que poderia ser chamado de "preocupaçao terapêutica primária", aproximar-se-ia, através da empatia e de sua subjetividade, do reconhecimento das necessidades também primitivas do seu paciente. Este encontro possibilitaria, dentro das limitaçoes impostas pelo enquadre analítico, a retomada de processos psíquicos até entao paralisados ou mesmo desconhecidos pela dupla, o que configuraria, no meu ponto de vista, o processo analítico em si20 (p.171)
No se trata tanto de "Pedid y os será dado" como de "Tended la mano y estará allí para que toméis, lo uséis y lo gastéis". Este es el comienzo y debe perderse en el proceso de presentación del mundo real, del principio de realidad; pero en la salud hallamos el modo de vivir creativamente y recobrar así el sentimiento de que las cosas tienen sentido. El síntoma de una vida no creativa es el sentimiento de que nada tiene sentido, de futilidad, de "A mí qué me importa"21 (p.61)
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