Rev. bras. psicoter. 2018; 20(1):19-35
Costa CP, Alves CP, Eizirik CL. Fatores associados à percepçao de aliança terapêutica por pacientes em psicoterapia psicanalítica. Rev. bras. psicoter. 2018;20(1):19-35
Artigo Original
Fatores associados à percepçao de aliança terapêutica por pacientes em psicoterapia psicanalítica
Factors associated with patient's perception of therapeutic alliance in psychoanalytic psychotherapy
Camila Piva da Costaa; Camila Pereira Alvesb; Cláudio Laks Eizirikc
Resumo
Abstract
INTRODUÇAO
A psicoterapia psicanalítica tem ampliado seu campo de investigaçao, buscando analisar variáveis do processo e dos resultados do tratamento. Nas últimas décadas, com o crescente refinamento da técnica psicanalítica, cada vez mais se incluem a mente do psicoterapeuta e o campo bipessoal que este constitui com o paciente como elementos centrais da investigaçao1. Portanto, a percepçao do paciente sobre a relaçao com seu psicoterapeuta é essencial para a sua permanência em tratamento e para o sucesso da psicoterapia.
A aliança terapêutica é um conceito central no processo da psicoterapia psicanalítica2,3,4. Historicamente, a aliança terapêutica foi desenvolvida a fim captar o papel especial desempenhado pela relaçao pacientepsicoterapeuta: em 1912, Freud5 esboçou as primeiras referências a este modelo. Entre as décadas de 1930 e 1980, outros autores revisaram e expandiram o conceito de aliança6,7,8,9. A aliança terapêutica é entendida como a capacidade do paciente de estabelecer uma ligaçao de trabalho com o terapeuta, incluindo sua motivaçao em colaborar e sua capacidade de participar ativamente do processo8. É dependente dos laços afetivos do paciente com o terapeuta, do acordo mútuo nas tarefas objetivas e do papel do terapeuta como um ouvinte empático10,11.
Vários estudos têm demonstrado que a aliança terapêutica é o preditor mais sólido de resultados das psicoterapias tanto para as abordagens cognitivas, interpessoais, comportamentais quanto psicodinâmicas12,13,14,15,16,17,18,19,20. Presume-se que a qualidade da aliança é mais importante do que a orientaçao teórica da psicoterapia na prediçao de resultados positivos, constituindo-se um fator inegável e forte fator inespecifico que explica a mudança através das diferentes modalidades clínicas e abordagens teóricas.21 Apesar disso, pouco se identificou a respeito dos fatores que podem propiciar melhor aliança e se é possível trabalhar no desenvolvimento da mesma22,23,24.
Há indicaçoes de que o estilo defensivo do paciente nao influencia no estabelecimento da aliança terapêutica25,26. Os fatores positivamente associados descritos na literatura sao a motivaçao do paciente, as expectativas deste antes de iniciar o tratamento27 e as características de abertura e de exploraçao nos terapeutas28. Os negativamente associados sao a gravidade da sintomatologia dos pacientes29, a percepçao pelo paciente de irritabilidade e frieza do terapeuta, a utilizaçao precoce de interpretaçoes30 e a contratransferência negativa31.
Considerando a incipiência de pesquisas que tratam das variáveis preditoras de aliança terapêutica, o objetivo do estudo é investigar fatores sócio-demográficos e clínicos que possam se associar a qualidade aliança.
MÉTODO
Delineamento do estudo
Trata-se de estudo transversal realizado em ambulatório de saúde mental no sul do Brasil (Contemporâneo - Instituto de Psicanálise e Transdisciplinaridade). O ambulatório integra uma instituiçao de ensino que forma psicoterapeutas psicanalíticos em uma especializaçao de três anos. Os atendimentos têm término aberto e os honorários e frequência das sessoes sao estipuladas entre cada terapeuta e paciente nas primeiras sessoes. A partir de uma amostra de sessoes realizadas neste ambulatório, concluiu-se que os psicoterapeutas desta instituiçao parecem aderir à técnica da psicoterapia psicanalítica em suas intervençoes32.
Participantes
Participaram do estudo 118 pacientes adultos (entre 18 e 59 anos) que iniciaram psicoterapia psicanalítica. Assim, foram incluídos pacientes que permaneceram em atendimento até a quarta sessao, concordaram em participar do estudo e que assinaram o TCLE. Foram incluídos todos os terapeutas que concordaram previamente em participar da pesquisa de forma que todas as variáveis sócio-demográficas e clínicas dos terapeutas estivessem representadas na amostra (idade, sexo, experiência do terapeuta).
instrumentos
Questionário sócio-demográfico e clínico - Os dados relatados pelo paciente foram obtidos a partir da ficha de contato inicial que os pacientes preenchem ao ingressar na instituiçao e a partir dos registros dos profissionais que realizam as entrevistas iniciais. Os dados obtidos foram: sexo, idade, escolaridade e diagnóstico de acordo com a Classificaçao Internacional de Doenças - 10ª. Ediçao (CID-10)33. O diagnóstico foi formulado por profissionais especialistas em psicoterapia psicanalítica e treinados para a conduçao de entrevistas inicias.
Symptom Check-List-90-Revised (SCL-90-R) - Para avaliaçao do tipo e da gravidade da sintomatologia apresentada pelo paciente foram utilizadas as medidas de avaliaçao de sintomas aferidas pelo SCL-90-R. Compreende nove dimensoes: Somatizaçao, Obsessividade/Compulsividade, Sensibilidade Interpessoal, Depressao, Ansiedade, Hostilidade, Ansiedade Fóbica, Idéias Paranóides e Psicoticismo. Foi desenvolvido por Derogatis e Savitz34 e adaptado e validado para a populaçao brasileira por Laloni35. O instrumento ainda fornece o Indice Global de Severidade (IGS), o Total de Sintomas Positivos (TSP) e o Indice de Distúrbio de Sintomas Positivos (IDSP), definido pela intensidade em que os sintomas pontuados estao presentes.
California Psychotherapy Alliance Scales (Calpas - P) - A Aliança Terapêutica foi avaliada pela Calpas - P (versao paciente), que foi desenvolvida por Marmar et al.36 A versao atual da Calpas - P (versao paciente) foi desenvolvida para medir quatro dimensoes:
Escala de Avaliaçao do Compromisso do Paciente (PC): avalia o esforço do paciente em empreender uma mudança, boa vontade em fazer sacrifícios em relaçao ao tempo e ao dinheiro; visao da terapia como uma experiência importante; confiança na terapia e no terapeuta; participaçao na terapia apesar de momentos de sofrimento; compromisso de completar o processo terapêutico.
Escala de Avaliaçao da Capacidade de Trabalho do Paciente (PWC): auto-observar suas reaçoes; explorar as contribuiçoes para os problemas; experimentar emoçoes de forma modulada; trabalhar ativamente com as observaçoes do terapeuta; aprofundar a exploraçao dos temas emergentes; trabalhar em direçao à resoluçao dos problemas.
Escala de Avaliaçao da Compreensao e Envolvimento do Terapeuta (TUI): capacidade do terapeuta em entender o ponto de vista e o sofrimento do paciente; demonstrar aceitaçao do paciente sem julgamentos; dirigir-se ao ponto central de dificuldade do paciente; intervir com tato e no tempo certo; nao usar de forma incorreta a terapia para suas necessidades; mostrar compromisso em ajudar o paciente a vencer os problemas.
Escala de Acordo de Trabalho e Estratégia (WSC): aborda a semelhança de objetivos do terapeuta e do paciente; o esforço conjunto; o entendimento de como uma pessoa pode ser ajudada; como pode se modificar na terapia; como a terapia deveria proceder.
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