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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2018; 20(1):95-103



Artigo Especial

Sobre as terapias psicanalíticas na infância e adolescência: um ensaio psicoeducativo

On psychoanalytic therapies in childhood and adolescence: a psychoeducational essay

Ana Cristina Tietzmann

Resumo

A psicanálise e a psicoterapia de orientaçao analítica, chamadas abordagens psicodinâmicas, mantém-se como importantes instrumentos preventivos e terapêuticos para os problemas de saúde mental na infância e adolescência. Apesar disso, permanecem desconhecidos para muitos pais e profissionais que cuidam de crianças e jovens. Aspectos históricos, o papel do inconsciente, o vínculo terapêutico e a possibilidade de transformaçao das emoçoes ao longo de um processo de tratamento sao alguns dos aspectos abordados neste trabalho. Fragmentos de textos literários servirao como ilustraçoes, buscando traduzir e tornar mais acessível ao leitor nao especializado este complexo campo de conhecimento que continua em desenvolvimento.

Descritores: Terapia Psicanalítica; Criança; Adolescente; Educaçao em Saúde.

Abstract

Psychoanalysis and psychoanalytic psychotherapy, the psychodynamic approaches, are important preventive and therapeutic tools for mental health problems in childhood and adolescence. Despite this, they remain unknown to many parents and professionals caring for children and young people. Historical aspects, the role of unconscious, the therapeutic bond and the possibility of transformation of emotions throughout a treatment process are some aspects addressed in this work. Fragments of literary texts will serve as illustrations, seeking to translate and make accessible to the non-specialized reader this complex field of knowledge that continues to develop.

Keywords: Psychoanalytic Therapy; Child; Adolescent; Health Education.

 

 

As crianças que nasceram neste século sao diferentes daquelas do início do século passado, quando Freud formulava suas teorias. Crianças e jovens em desenvolvimento podem adoecer mentalmente. Isso nao mudou. Auxiliá-los a tornarem-se adultos felizes, aptos a lidar com a realidade de seu tempo, continua sendo um grande desafio, tanto para pais quanto para os diferentes profissionais envolvidos.

Entre as distintas maneiras de se tratar os problemas de saúde mental nas crianças e jovens, a psicanálise teve um papel importante ao longo da, ainda recente, história da psicologia e psiquiatria da infância e adolescência. A psicanálise e a psicoterapia de orientaçao analítica, chamadas abordagens psicodinâmicas, têm indicaçoes específicas e nao servem para todos os pacientes. Quando bem indicadas, podem ser potentes instrumentos preventivos e terapêuticos.1 Este texto busca, com o auxílio de alguns fragmentos literários ilustrativos, mostrar ao leitor nao especializado um pouco da complexidade e importância desse campo de conhecimento.


UM ENCONTRO DE VALOR


"Quero pôr os tempos, em sua mansa ordem, conforme esperas e sofrências. Mas as lembranças desobedecem, entre a vontade de serem nada e o gosto de me roubarem do presente[...]" (Mia Couto, 1992)²


Durante nosso processo de desenvolvimento, características individuais inatas interagem com o ambiente físico, químico, social e cultural ao longo do tempo. Nao existe um fator que, por si só, explique o porquê de certas crianças e jovens desenvolverem problemas de saúde mental.3 Sabemos que existem aqueles que aumentam esta probabilidade, chamados fatores de risco, e os que protegem, diminuindo a chance de doença. O estudo das diferentes formas de interaçao entre os fatores ambientais e individuais e o desenvolvimento dos transtornos é um campo fértil de pesquisas. Exposiçao a substâncias tóxicas durante a gestaçao, maus tratos, negligência, abuso sexual, violência, perdas precoces, sao alguns dos fatores de risco para o surgimento de doenças mentais ao longo da vida. Mudar estas realidades ajuda a prevenir estes transtornos, assim como fortalecer fatores de proteçao pode minimizar prejuízos e mudar desfechos.4 Entre aqueles que protegem, e levam à saúde, estao uma boa autoestima e a presença de laços afetivos fortes com alguém que dê suporte em momentos de crise. Sao os adultos, que, em contato emocional direto com a criança, têm um papel crucial na formaçao da capacidade de superaçao das adversidades que virao ao longo da vida. Esta capacidade, a resiliência, depende, entre outras coisas, da qualidade dos vínculos afetivos que a criança encontra em seu caminho, isto é, a maneira como é tratada, e investida afetivamente, ajuda a moldar sua capacidade de sobrevivência psíquica e emocional frente às dificuldades.5 No ser humano, o complexo desenvolvimento emocional e psíquico está relacionado a aspectos cognitivos, sociais e biológicos. Corpo, inteligência, emoçoes, pensamento, comportamento, relacionamentos, sao interdependentes. Além disso, cada um destes domínios pode seguir por caminhos variados, lentos ou rápidos, normais ou patológicos. Mas estas divisoes servem apenas para propósitos de estudo e planejamento das intervençoes. Nao podemos perder de vista que a criança é uma só, com todos estes aspectos acontecendo ao mesmo tempo, inserida no seu contexto de vida próprio, à mercê da sua realidade e dos adultos que lhe couberem. Em qualquer fase da vida, estes padroes de vinculaçao e relacionamentos aprendidos podem ser trabalhados e se modificar. Quanto mais cedo os problemas sao identificados e tratados, maior a possibilidade de mudança e prevençao de complicaçoes.6


O NASCIMENTO DE UMA TÉCNICA


"[...] No começo pensou-se que Tlön era um mero caos, uma irresponsável licença da imaginaçao; agora se sabe que é um cosmos e as íntimas leis que o regem foram formuladas, ainda que de modo provisório. [...]" ( Borges, J.L. ,1944)7


Este fragmento de um conto de Borges pode servir como metáfora para o inconsciente. Tlön é um planeta imaginário, com suas características próprias, como é o inconsciente de cada um de nós. Neste planeta imaginário, vivemos sem perceber, obedecendo suas íntimas leis. Ali, tempo e espaço nao seguem à lógica. Memórias, desde as mais primitivas, sensoriais, até heranças culturais, biológicas e familiares, formam um cosmos pessoal. Enquanto vivemos e funcionamos em contato com a realidade que nos cerca, grande parte destas informaçoes fica inacessível ao pensamento consciente. Mas nem sempre.

Em 1909, Sigmund Freud publica um grande marco da psicanálise da infância, o caso do "Pequeno Hans".8 Este trabalho, "A análise de uma fobia de um menino de cinco anos", deu origem a um vasto campo de conhecimentos que ainda segue evoluindo. Até entao, era como se o mundo psicológico infantil nao existisse. A infância, como conceito e fase do desenvolvimento humano que necessita de proteçao e um olhar diferenciado dos adultos, existia há pouco tempo. A criança, ou era idealizada como um ser puro e imaculado ou que precisava ser moldado à força, de acordo com os ideais adultos vigentes. Quando doentes, eram, muitas vezes, maltratadas ou abandonadas.9 A teoria psicanalítica introduz a visao de uma vida mental, permeada de aspectos instintivos e culturais inconscientes, presente e observável desde a infância. Aquela altura, Freud já havia formulado sua teoria sobre o inconsciente e o papel dos sonhos como uma porta de acesso a um mundo de fantasias que permanecia "escondido" da consciência. Também havia publicado suas teorias iniciais a respeito dos impulsos instintivos, sexuais e agressivos, e sua "repressao", ou afastamento da mente consciente, associada a sintomas psicológicos e físicos em casos de adolescentes e adultos.1 Mas ele desejava poder observar "em primeira mao e em todo frescor da vida, os impulsos e desejos sexuais que tao laboriosamente desenterramos nos adultos dentre seus próprios escombros..." e passou a encorajar seus alunos e seus amigos a reunir observaçoes da sexualidade das crianças. Entre seus seguidores estavam o pai e a mae do pequeno Hans: "Seus pais estavam ambos entre meus mais chegados adeptos e haviam concordado em que, ao educar seu primeiro filho, nao usariam mais de coerçao do que a que fosse a mais absolutamente necessária para manter um bom comportamento. E, à medida que a criança se tornava um menininho alegre, bom e vivaz, a experiência de deixa-lo crescer e expressar-se sem intimidaçoes prosseguiu satisfatoriamente".8

Os primeiros relatos iniciam quando o menino tem cerca de 3 anos, e está às voltas com as diferenças entre os sexos. Segue-se o nascimento da irma e todas as dúvidas sobre a origem dos bebês. Pouco tempo antes de completar 5 anos, Hans desenvolve um quadro de fobia por cavalos que o impede de sair à rua. A partir da descriçao e resoluçao deste caso, Freud constrói as bases do que se tornaria uma das suas principais contribuiçoes: o "Complexo de Édipo". Segundo ele, presente em diferentes culturas desde a antiguidade, este mito permanece ativo na mente dos seres humanos. Seus estudos revelam que a maneira como é resolvido este conflito, gerado pelo desejo inconsciente de desposar o progenitor do sexo oposto, tem um papel fundamental na estruturaçao psíquica. O menino quer casar com a mamae e a menina quer casar com o papai. Em diferentes épocas e culturas, a história se repete. Crianças (de todas as idades), precisam aprender a lidar com os limites impostos pelo mundo real, superar a onipotência infantil e aprender a esperar até que estejam realmente aptas a transformar seus desejos em realidade.

Estudando as implicaçoes dos conflitos inconscientes ao longo da vida, Freud sistematiza sua teoria e uma técnica de tratamento para problemas mentais, revolucionária, influenciando nao só a medicina, mas toda a cultura ocidental. Também devemos a ele a descoberta de que o brincar da criança tem um sentido inconsciente e auxilia na elaboraçao de angústias. Posteriormente, o uso do brinquedo é incorporado como parte da técnica terapêutica para crianças. A partir da obra fundamental de Sigmund Freud, seus seguidores, Anna Freud, Melanie Klein, Donald Winnicott e muitos outros, desenvolveram suas teorias e aprimoraram as técnicas da psicanálise de crianças e adolescentes, complementando e descobrindo novos caminhos para entender o desenvolvimento psicoemocional desde o nascimento. Ao longo do tempo, ficava cada vez mais clara a importância dos anos iniciais da vida, e as primeiras relaçoes afetivas, para o desenvolvimento humano como um todo.


O AMBIENTE SUFICIENTEMENTE BOM


"Tu te sentarás, primeiro, um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto dos olhos e tu nao dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos [...] Mas a cada dia, te sentarás um pouco mais perto [...] Teria sido melhor se voltasses à mesma hora. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Mas se vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar meu coraçao. É preciso um ritual. [...]" (Saint- Exupéry, A., 1943)10


O famoso diálogo entre a raposa e o Pequeno Príncipe, ilustra uma aproximaçao afetiva, que vai se construindo com o tempo. É assim com a mae e seu bebê. E também na relaçao terapêutica. Precisa haver um encontro real, verdadeiro, e um ritual, uma rotina. A constância gera segurança e confiança. Sao as bases para a construçao de uma relaçao saudável e uma personalidade estável e autônoma.

Donald Winnicott foi um pediatra e psicanalista que desenvolveu estudos importantes nesse campo.11 Teorizou, a partir das observaçoes clínicas, sobre a complexidade de processos de interaçao que ocorrem no início da vida e tendem a se repetir nas relaçoes posteriores, inclusive na relaçao terapêutica.

O ser humano nasce em uma condiçao de extrema dependência e vai, aos poucos, conquistando mais autonomia, num processo de maturaçao em interdependência com seu ambiente. Neste ambiente inicial, a mae, ou alguém que a substitua, é a figura central. Ela precisa de apoio nesta tarefa, que é muitíssimo exigente, pois cabe-lhe prover necessidades físicas e emocionais numa adaptaçao quase total ao bebê. Depois, passando a uma fase em que se volta novamente para o mundo, a mae torna-se menos disponível, levando o bebê a desenvolver-se, numa dependência relativa, rumo à independência. "... em termos de psicologia, devemos dizer que o lactente é ao mesmo tempo dependente e independente". Ou seja, o bebê também tem uma vida própria, um jeito próprio, muitas vezes diferente de como a mae o idealiza. O reconhecimento disto fortalece o bebê em sua existência real, mas exige dela a capacidade para este reconhecimento do outro, separado e diferente. Segundo Winnicott, "o precursor do espelho é o rosto da mae". A criança constrói sua autoimagem a partir da forma como é vista e sentida. A chamada "mae suficientemente boa" recompensa os desejos no tempo certo, alimentando a onipotência infantil, o sentir-se poderoso que é base da autoestima, gerando uma noçao de valor intrínseca ("Sou poderoso, tenho valor"). Também consegue dizer nao, e dizer sim, conforme a necessidade da criança, sem negligenciar e sem forçar reaçoes adaptativas demasiadas ou chamadas "pseudomaduras". O ambiente "suficientemente bom" (família, escola, comunidade), ajuda a criança a perceber que ela é importante, mas nao é o centro do mundo, e poder utilizar seus próprios recursos para lidar com a realidade e obter satisfaçao. Aos poucos, princesas e super-heróis cedem lugar a novos desafios e capacidades reais. Este processo, de gradual adaptaçao ao mundo real, deve respeitar as condiçoes psíquicas e emocionais de cada criança, dependendo da fase do desenvolvimento e maturidade. Em nossa cultura, quando existem falhas na construçao das noçoes do eu e do outro, como existências separadas, podem ocorrer problemas de relacionamento interpessoal de gravidade variada. O estudo do desenvolvimento dos potenciais criativos, ligados à construçao da noçao de um "self verdadeiro", a noçao da própria existência como algo de valor e real, partindo da interaçao com o outro (a mae, o terapeuta) sao algumas das outras contribuiçoes desse autor.12

Chegando à adolescência, a formaçao da identidade, ou noçao de self, separada dos pais ou cuidadores, precisa se consolidar. Ingressar no "mundo adulto", com suas responsabilidades e exigências, encontrar um parceiro, atingir autonomia e maturidade emocional sao tarefas dolorosas e complexas mesmo em condiçoes normais. Ainda mais difícil quando existe doença mental ou situaçoes desfavoráveis ao crescimento. Sobre este processo iniciado na infância, e que cada indivíduo vive a seu tempo, a psicanalista argentina Arminda Aberastury, nos diz: "...só alguns conseguem a descoberta de encontrar o lugar de si mesmo em seu corpo e no mundo, ser habitantes de seu corpo no seu mundo atual, real, e também adquirir a capacidade de utilizar seu corpo e seu lugar no mundo".13

No contexto do tratamento com bases psicanalíticas, o estabelecimento de um novo vínculo, suas vicissitudes, dor e desilusao, mas também alegrias e reencontros, é uma possível chance para mudanças necessárias e superaçao. Terapeuta e paciente buscam entender a complexidade do encontro com o outro, na busca por crescimento, incluindo aspectos conscientes e inconscientes, com objetivos individualizados para cada paciente. Na infância e adolescência, a retomada do desenvolvimento psicoemocional e a aquisiçao de habilidades, de acordo com as possibilidades da criança e da faixa etária, tornam-se metas principais. Para que este processo se estabeleça com segurança, e possa atingir os objetivos, sao necessários encontros com frequência e tempo adequados, assim como um terapeuta bem capacitado e ciente de suas responsabilidades. No tratamento de crianças e adolescentes, pais e cuidadores precisam ser auxiliados a cumprir seus papéis sempre que for possível. Muitas vezes, em funçao de suas próprias vivências e dificuldades, nao estao aptos a dar o que nao tiveram, dificultando o desenvolvimento dos filhos e perpetuando padroes patológicos de interaçao. Vivenciar um ambiente compreensivo e estimulante pode vir a potencializar a mudança em todos, incluindo a possibilidade de busca de tratamento pelos pais.


AS EMOÇOES PODEM SER TRANSFORMADAS


[...] Mas a poesia nao existia ainda. Plantas. Bichos. Cheiros. Roupas. Olhos. Braços. Seios. Bocas. Vidraça verde, jasmim. Bicicleta no domingo. Papagaios de papel. Retreta na praça. Luto. Homem morto no mercado Sangue humano nos legumes. Mundo sem voz, coisa opaca [...] (Ferreira Gullar, 1975) 14


Estar vivo é estar exposto às mais diferentes situaçoes, que despertam emoçoes boas e ruins, memórias e pensamentos que vao construindo nossa maneira de ver o mundo e interagir com ele. Nossa mente precisa processar estímulos internos e externos, que inundam o psiquismo de maneira dispersa, muitas vezes traumática, e transformá-los de alguma forma. Esta transformaçao pode ser mais ou menos saudável, dependendo das capacidades mentais da pessoa. 15 O poema anterior ilustra este processo, partindo da experiência sensorial e chegando a uma transformaçao, neste caso, poética. No trabalho terapêutico, o desafio está em auxiliar na construçao da capacidade para pensar, criar simbolismos, brincar, a fim de lidar de maneira mais saudável e adaptativa com as realidades e os desafios de cada fase da vida. Criar uma correspondência entre algo vivido ou percebido no ambiente e uma simbologia ou representaçao, imagem, palavra ou narrativa é uma transformaçao realizada de forma natural pela mente humana, através da chamada simbolizaçao. Esta capacidade de "fazer de conta", se estabelece por volta dos 2 anos de idade, em circunstâncias normais, relacionada com a aquisiçao da linguagem, e evolui intimamente ligada ao desenvolvimento emocional.16 Por vários motivos, que nao abordarei neste texto, podem ocorrer falhas na capacidade de simbolizar e pensar. Isso exige do terapeuta a habilidade de "emprestar" seu "aparato psíquico" para ajudar a "metabolizar" as emoçoes e estímulos ainda "impensáveis", tal como a mae que aprende a absorver e decifrar as reaçoes da criança até que ela aprenda a se comunicar. Este processo deve ocorrer com extremo cuidado e respeito à autonomia do paciente. O espaço terapêutico deve ser um território neutro, protegido pela ética e as regras da técnica, onde as emoçoes sao vivenciadas, encenadas, brincadas, pensadas, transformadas em uma narrativa única e própria de cada dupla paciente/terapeuta.17 O jogo simbólico, o brinquedo, é a maneira pela qual a criança, e o adulto a seu modo, podem comunicar, elaborar suas diferentes vivências, experimentar-se, descobrir-se. Winnicott nos diz: [...] "É a brincadeira que é universal e que é própria da saúde: o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; [...] a psicanálise foi desenvolvida como forma altamente especializada do brincar, a serviço da comunicaçao consigo mesmo e com os outros."

Assim, com uma linguagem própria, desvendando enigmas, rompendo resistências e mecanismos de defesa - cortinas de fumaça criadas pela mente para esconder ou proteger memórias dolorosas, realidades indesejáveis, verdades difíceis de aceitar - o processo terapêutico acontece. Vao se criando significados e entendimentos possíveis para o paciente e o seu mundo, ao mesmo tempo em que este aprende a lidar com as emoçoes. Fácil na teoria, difícil na prática. Poder construir uma identidade própria, aceitar limitaçoes, usar capacidades e chegar a um verdadeiro amadurecimento para lidar com diferentes estados emocionais, raiva, tristeza, ressentimento, horror, dúvida, angústia, medo, vergonha, alegria, tesao, compaixao, ternura...é um longo caminho a ser percorrido. A intervençao terapêutica pode corrigir rumos e estimular os potenciais de crescimento. Dependendo da situaçao, tratamentos complementares, medicamentos e outras técnicas sao necessárias para que o desenvolvimento se reestabeleça.

Vivemos em um mundo em transformaçao. Aprender a lidar com a realidade, sentir-se vivo e criativo, em condiçoes de enfrentar uma vida de incertezas e desafios é tarefa impossível de se conseguir sozinho. Nossas crianças e jovens continuam precisando de adultos em quem possam confiar, emocionalmente presentes e aptos a acompanhá-las em seu processo de crescimento. Para isso, os adultos precisam ter a coragem de enfrentar-se no espelho, encarar seus próprios desafios de desenvolvimento. Afinal, mais cedo ou mais tarde, todos precisamos responder à pergunta de uma certa lagarta: "Quem é você? "18


REFERENCIAS

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12. Winnicott DW. O Brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago; 1975.

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14. Gullar F. Poema sujo (trechos). In: Moriconi I (organizador). Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva; 2001. p 230.

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Mestre em Medicina - Psiquiatra e psicoterapeuta - Preceptora de Psiquiatria Inf/ Adol - Porto Alegre - RS - Brasil

Correspondência
Ana Cristina Tietzmann
Av. Taquara, 586/605 - Bairro Petrópolis
90460-210 Porto Alegre, RS, Brasil
actietzmann@gmail.com
Fone: (51) 33212349

Submetido em: 17/09/2017
Aceito em: 27/02/2018

Instituiçao: Programa de Residência Médica em Psiquiatria da Infância e Adolescência da Universidade Federal de Ciências da saúde de Porto Alegre (UFCSPA)/ Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas (HMIPV), Porto Alegre - RS - Brasil

Colaboraçoes: Artigo elaborado, supervisionado e revisado por Ana Cristina Tietzmann.
Agradecimentos: A colega Betina Mariante Cardoso, pelo incentivo inicial para a elaboraçao deste ensaio. As pessoas que leram as primeiras versoes, contribuindo para o aprimoramento do texto, em especial as professoras Maria Lucrécia Zavaschi e Léa Masina.

 

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