Rev. bras. psicoter. 2017; 19(3):1-15
Cunha OR, Vandenberghe L. Caminhos e suportes para o terapeuta expor emoçoes em sessao. Rev. bras. psicoter. 2017;19(3):1-15
Artigo Original
Caminhos e suportes para o terapeuta expor emoçoes em sessao
Paths and safeguards in using the therapist's emotions in session
Olívia Rodrigues da Cunhaa; Luc Vandenbergheb
Resumo
Abstract
A relaçao terapêutica oferece dicas sobre as maneiras de funcionar do cliente que, compreendidas pelo terapeuta, podem ser trabalhadas em sessao1,2,3. As variáveis que possuem relaçao com os problemas do cliente nao ocorrem apenas fora da sessao, encontram-se também na relaçao terapêutica. Linehan4 entende por relaçao terapêutica o processo transacional no qual o terapeuta e o cliente exercem e recebem influências recíprocas que podem ser carregadas de sentido para ambos, além de promover mudanças mútuas.
A literatura clínica sugere que aquilo que o terapeuta sente em relaçao a um cliente é importante em sua atuaçao terapêutica. Isto nao significa que o terapeuta nao sinta emoçoes semelhantes às das outras pessoas da vida do cliente, mas que a relaçao terapeuta-cliente tem que oferecer algo original, que potencialize o processo de mudança do cliente e que deve ser usado para somar relevância ao processo psicoterápico. Essa mesma literatura pede que o profissional se pergunte a todo tempo, o que seus sentimentos revelam sobre os problemas do cliente1,2,5.
As emoçoes dos terapeutas assumem significados diferentes dependendo do modelo teórico. Nas terapias comportamentais de matriz brasileira, que incluem a terapia analítica comportamental6 e a terapia por contingências de reforçamento7, observa-se que sentimentos podem sinalizar contingências relevantes para o tratamento. Enquanto na análise aplicada do comportamento, o foco nas técnicas operacionais nao deixa explícito um papel relevante para as emoçoes do terapeuta no trabalho clínico.
Nas terapias comportamentais de matriz anglo-americana, o modelo clássico (que inclui a exposiçao graduada, a terapia implosiva e inundaçao) compreende que a relaçao com o terapeuta pode ser importante para o desenvolvimento da terapia, porém dá maior ênfase ao aspecto técnico do tratamento. A segunda onda, conhecida como terapia cognitiva comportamental, entende que a relaçao colaborativa entre terapeuta e cliente sustenta o processo e importou o conceito de contratransferência do modelo psicanalítico, traduzindo-o em termos das distorçoes cognitivas do terapeuta. Na terceira onda da terapia comportamental de matriz anglo-americana (que inclui a terapia comportamental dialética, terapia de aceitaçao e compromisso e terapia analítica funcional) o impacto do cliente sobre os sentimentos do terapeuta é material essencial na conduçao do tratamento1,5,8.
Emoçoes difíceis (raiva, falta de envolvimento...) do terapeuta podem trazer dicas sobre o funcionamento do cliente e através do que o cliente evoca em sessao, o terapeuta passa a ter pistas para formular o caso e desenvolver intervençoes específicas8. As experiências interiores do terapeuta, analisadas no contexto da sua história de aprendizagem e das contingências presentes em sessao, possibilitam questionamentos sobre a relaçao entre o que o terapeuta sente e os problemas do cliente9. Além disso, os sentimentos do terapeuta ajudam a detectar comportamentos problema e comportamentos-alvo do próprio profissional, providenciando dicas a respeito do caminho a seguir na conduçao do tratamento e na escolha das melhores estratégias terapêuticas10.
No entanto, expor-se emocionalmente a um cliente, mesmo contando com respaldo teórico, nao é uma tarefa fácil. Poucas pesquisas investigaram essa prática. Foi verificado, entretanto, que terapeutas procuram compartilhar algo sobre si durante a sessao apenas quando possuem clareza da finalidade, pois a exposiçao em excesso acarreta perda de foco e pode levar a violaçoes de limites11.
Quanto mais o terapeuta sabe sobre seus sentimentos e é cuidadoso na análise de sua origem e seus efeitos no relacionamento com o cliente, mais será capaz de identificar o que a emoçao sentida significa no contexto da interaçao e a relaçao que possui com os objetivos do tratamento12.
Na literatura clínica contemporânea é enfatizada a importância dos sentimentos do terapeuta como ferramenta clínica12. Contudo, essa literatura oferece instruçoes baseadas no modelo teórico e nao na vivência dos profissionais no campo. Falta a essa literatura um diálogo aberto com a perspectiva dos terapeutas a respeito do uso dos seus sentimentos na relaçao terapêutica e das dificuldades envolvidas na exposiçao emocional.
A literatura enfatiza que o terapeuta nao deve ver a situaçao do ponto de vista da emoçao, e sim detectar o que o sentimento representa no momento e como ele está relacionado com o fluxo de interaçoes na sessao8. Portanto, o terapeuta, para expor suas emoçoes em sessao, precisa de suportes confiáveis e de desvendar caminhos para que a exposiçao nao perca o foco dos objetivos do tratamento. Pretende-se nessa pesquisa descrever quais suportes os terapeutas usam na prática clínica e quais caminhos seguem para fazer da exposiçao emocional uma boa estratégia clínica.
MÉTODO
Participantes
Participaram da pesquisa 14 psicólogos, 8 do sexo feminino e 6 do sexo masculino. Eles tinham em média 7,6 anos de experiência clínica, variando entre dois a 20 anos de experiência. Foram organizados em três grupos: A) terapeutas novos : aqueles com dois a cinco anos de experiência clínica), B) terapeutas com médio tempo de experiência: com 6 a 9 anos de clínica e C) terapeutas com grande experiência: 10 anos de clínica ou mais. A pesquisa contou com 6 terapeutas do grupo A (novos), 4 do grupo B (médio) e 4 do grupo C (mais tempo de experiência).
Quanto as abordagens dos participantes, 5 eram comportamental, 2 psicanalítica, 2 cognitiva, 2 gestalt e 3 de outras abordagens. A diversidade de enfoque teórico, de tempo de experiência clínica (entre dois e vinte anos) e um número próximo entre terapeutas participantes dos dois gêneros (seis homens e oito mulheres) foram propositais, com intuito de verificar se algum desses fatores eram variáveis determinantes para optar por caminhos e suportes na exposiçao emocional.
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