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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2017; 19(2):29-43



Artigo de Revisao

Habilidades Sociais do terapeuta na formaçao da aliança psicoterapêutica: estudo de revisao

Social skills of the therapist in the formation of the psychotherapeutic alliance: review study

Raquel Martins Sartori1; Almir Del Prette2; Zilda Aparecida Pereira Del Prette3

Resumo

A importância do vínculo entre terapeuta e cliente para o sucesso do processo tem sido consenso na literatura. No entanto, as características e habilidades do terapeuta que contribuem para esse vínculo nao têm sido suficientemente esclarecidas. O presente estudo visou esclarecer as características dos psicoterapeutas favoráveis à formaçao e à manutençao da aliança, assim como, avaliar habilidades sociais que a literatura situa como parte desses requisitos. Analisou ainda, o papel das instituiçoes formadoras no ensino das habilidades apontadas como indicadoras para a efetividade do processo. Para tanto, efetuou-se uma revisao sistemática de artigos em três bases de dados internacionais, recuperando-se 125 que, sob critérios de inclusao e exclusao, resultaram em 13 textos. A análise buscou converter, em comportamentos relativos às Habilidades Sociais, as referências a características pessoais e técnicas encontradas. A investigaçao permitiu verificar a importância dessa descriçao no planejamento de condiçoes de seu ensino para o processo de formaçao profissional e o aperfeiçoamento das pesquisas no campo das Habilidades Sociais do terapeuta.

Descritores: Revisao; Psicoterapia; Relaçoes Interpessoais.

Abstract

The importance of the bond between therapist and client for the success of the process has been consensus in the literature. However, the characteristics and abilities of the therapist that contribute to this bond have not been sufficiently clarified. The present study aimed to clarify the characteristics of psychotherapists favorable to the formation and maintenance of the alliance, as well as to evaluate social skills that the literature places as part of these requirements and the role of training institutions in the teaching of the skills indicated as indicators for the effectiveness of the process. A systematic review of articles was carried out in three international databases, retrieving 125 that, under inclusion and exclusion criteria, resulted in 13 texts. The analysis sought to convert, in behaviors related to Social Skills, the references to personal and technical characteristics found. The investigation allowed to verify the importance of this description in the planning of conditions of its teaching for the process of professional formation and the improvement of the researches in the field of the Social Skills of the therapist.

Keywords: Psychotherapy; Interpersonal Relations; Review.

 

 

Ao longo dos mais de cem anos de história da psicoterapia1, diferentes abordagens teóricas lançaram mao de distintos modelos explicativos para o comportamento e as emoçoes humanas, como também, de variados conjuntos de técnicas e estratégias de intervençao. Castonguay et al3, afirmam que a aliança entre cliente e terapeuta é reconhecida como um componente de mudança durante a psicoterapia, mesmo por abordagens que tradicionalmente nao situam a relaçao entre terapeuta e cliente como foco de análise e intervençao.

Segundo Horvath et al.4, o termo aliança foi proposto na década de 1950 e, em 1967, definido como uma relaçao estabelecida de forma consciente entre terapeuta e cliente. Posteriormente, na década de 1970, Bordin (1974), como citado em Horvath et al.4 propoe o termo "aliança de trabalho" e sugere que ela depende da colaboraçao do cliente no processo, bem como, do consenso entre terapeuta e cliente. Para tanto, sao destacados três aspectos fundamentais para a formaçao da aliança de trabalho: a natureza colaborativa da relaçao, o vínculo afetivo entre terapeuta e cliente e, por fim, o acordo entre terapeuta e cliente sobre objetivos e tarefas terapêuticas.

Horvath et al.4 e Martin et al.5, em estudos de metanálise, ressaltam os subsídios empíricos para estabelecer uma relaçao entre aliança e resultados terapêuticos. A aliança terapêutica relacionou-se de forma consistente5 e alcançou o status de forte preditor4 dos resultados do processo de psicoterapia. A confirmaçao da relaçao entre aliança resultados positivos do processo psicoterapêutico, a partir de dados empíricos, assegura a confiabilidade da relaçao estabelecida. Frente as evidências sobre a importância da aliança entre terapeuta e o cliente para o alcance de resultados na psicoterapia, identificar os elementos favoráveis à formaçao da aliança terapêutica é fundamental para o planejamento de um processo psicoterapêutico eficaz.

A busca de sustentaçao empírica sobre os fatores considerados terapêuticos está em conformidade com o movimento das Práticas Psicológicas Baseadas em Evidências (PPBE). Este movimento caracteriza-se pela busca de evidências que comprovem empiricamente a efetividade das práticas em Psicologia e os mecanismos de mudança, a partir da especificaçao das condiçoes em que as estratégias terapêuticas devem ser utilizadas e sua articulaçao com características individuais e culturais dos clientes6. A análise de fatores terapêuticos, tais como, a qualidade da relaçao terapêutica e as habilidades pessoais e clínicas do terapeuta sobre a efetividade do processo psicoterapêutico é compreendida como investigaçao de características de processo e compoe fontes de evidências das PPBE7.

Conforme Peuker et al.8 defendem, focar em pesquisas a respeito do estabelecimento da aliança terapêutica pode ser útil para a melhoria da efetividade e eficácia da psicoterapia. Identificar características de processo relacionadas ao terapeuta, tais como competência técnica, experiência clínica e estilo pessoal constitui uma condiçao para avaliaçao, desenvolvimento e monitoria de um elemento central na obtençao de resultados e formaçao de terapeutas potencialmente mais efetivos.

O campo de estudos de Habilidades Sociais (HS), que inclui identificar e promover conjuntos de comportamentos efetivos para o manejo de tarefas sociais9, pode ser promissor como referência para a análise, avaliaçao e promoçao das habilidades consideradas requisitos para o terapeuta no processo psicoterapêutico. As HS sao definidas como um conjunto de comportamentos apresentados no manejo de situaçoes e interaçoes sociais, que podem favorecer o desempenho efetivo diante de tarefas sociais9.

As pesquisas vêm indicando que pessoas com bom repertório de HS apresentam relaçoes sociais e profissionais mais produtivas, satisfatórias e duradouras, favorecendo assim a qualidade dessas relaçoes9,10. Conforme Del Prette e Del Prette9, as HS podem ser organizadas em sete conjuntos principais: de comunicaçao; de civilidade; assertivas, direitos humanos e cidadania; empáticas; de trabalho e de expressao de sentimentos positivos. Esses sete conjuntos agregam habilidades descritas na forma de verbos, ou seja, açoes que explicitam de forma precisa os comportamentos que compoem cada conjunto. Diante disso, tal área de estudos pode propiciar a identificaçao e desenvolvimento de um repertório amplo de habilidades que favorecem o desempenho competente no manejo das tarefas sociais apresentadas no processo psicoterapêutico.

Considerando que a natureza do processo de psicoterapia é uma interaçao social, a efetividade desse processo requer do profissional um conjunto de habilidades e competências que possibilitem o atendimento às demandas apresentadas pelo cliente. Essas habilidades e competências podem ser entendidas como comportamentos e a identificaçao dos mesmos possibilita o planejamento da formaçao profissional em Psicologia, no sentindo de promover e aprimorar as habilidades e competências necessárias para uma atuaçao eficaz, neste e em outros campos de atuaçao.

Este artigo relata a análise de uma revisao sistemática que teve como objetivo identificar e caracterizar os comportamentos do terapeuta favoráveis ao estabelecimento de uma aliança terapêutica com o cliente durante o processo de intervençao psicoterapêutica individual com adultos. Além disso, visou avaliar conjuntos de HS apontados pela literatura como parte desses requisitos. Como desdobramento dessas análises, o artigo discute o papel das instituiçoes formadoras sobre o ensino das habilidades relevantes para a formaçao e a manutençao da aliança terapêutica. O estudo nao pretende analisar a validade do construto de aliança, a consistência dos instrumentos de coleta de dados utilizados nas pesquisas, nem tampouco, comparar abordagens teóricas que fundamentam as práticas adotadas e seus efeitos sobre o processo.


MÉTODO

Foi realizada uma revisao sistemática da literatura especializada, tendo como foco estudos relativos às habilidades necessárias aos terapeutas para o desenvolvimento e manutençao da aliança. Considerando o significativo aumento de publicaçoes sobre o assunto a partir do ano 2000, em comparaçao às décadas anteriores, o presente estudo compilou artigos do período de 2000 a agosto de 2015, nas bases de dados Web of Science, Science Direct e American Psychological Association (PsycARTICLES). As buscas foram feitas a partir do cruzamento do descritor alliance com os descritores "social skill**", "therapeutic skill**", "personal characteristic**", "therapist characteristic**". Os termos foram pesquisados nos seguintes campos das bases de dados: tópico (da Web of Science), abstract, title e keywords (da Science Direct) e keywords (da base de dados da American Psychological Association). Em cada base de dados, foram utilizados os campos de pesquisa que mais geraram resultados. Utilizou-se o operador booleano AND para relacionar os termos. A busca foi realizada em agosto de 2015.

O levantamento foi composto exclusivamente por artigos. Foram pesquisados artigos que apresentassem a relaçao entre os dois descritores como foco central do artigo. Os critérios de inclusao de artigos neste levantamento foram: (a) publicaçoes nas línguas inglesa, espanhola e portuguesa; (b) artigos que estavam disponíveis para download na íntegra; (c) descritores "social skill**" e "personal characteristic**" relacionados ao terapeuta; (d) referir-se especificamente a psicoterapia individual; (e) o público alvo do artigo ser adulto e sem transtornos específicos. Nao foi feita nenhuma restriçao ao uso do termo aliança. Foram excluídos artigos que: (a) analisavam grupos específicos; (b) apresentavam objetivo de avaliar programas de desenvolvimento de repertório de habilidades em psicoterapeutas; (c) referiam-se a outros profissionais que nao psicólogos; (d) estabeleciam a relaçao entre a aliança e os outros descritores em uma análise secundária dos dados obtidos; (e) relacionavam-se às HS ou características pessoais dos clientes e nao dos terapeutas.

A seleçao inicial foi feita pela leitura dos títulos e resumos dos artigos. Nos casos em que o resumo nao foi suficiente para avaliar se os critérios de inclusao eram atendidos, o artigo foi lido na íntegra. A Figura 1 sintetiza os passos de busca e seleçao dos artigos. Os artigos incluídos na pesquisa foram lidos e os aspectos referentes aos objetivos deste estudo foram analisados. Nos casos em que os artigos apareceram repetidos nas bases dados, eles foram computados em todas as bases em que foram apresentados. Uma análise descritiva dos dados encontrados foi apresentada nos resultados do presente estudo.


Figura 1 - Etapas de seleçao dos artigos



RESULTADOS

Dos artigos que atenderam aos critérios de inclusao neste artigo, nove11,14,15,16,17,18,20,23,24 foram referentes a pesquisas empíricas e quatro13,19,21,22 de revisao de literatura, conforme Tabela 1. As pesquisas empíricas utilizadas neste estudo envolveram, em sua maioria, correlaçao entre instrumentos de autorrelato que mensuravam características, traços ou outras variáveis relativas ao terapeuta a um instrumento que avaliava a aliança entre terapeuta e cliente. Apenas um dos artigos empíricos11 nao teve os clientes como respondentes dos instrumentos e contou com avaliadores externos para o seu preenchimento. O instrumento predominantemente utilizado para avaliaçao da aliança foi o Working Alliance Inventory (WAI), usado em sete dos nove estudos empíricos. Além do WAI, o instrumento Post-Session Questionnaire foi utilizado para avaliaçao da aliança psicoterapêutica24.




As características dos terapeutas, apresentadas nos artigos, foram divididas em duas categorias: características pessoais e aspectos técnicos relativos à formaçao e à manutençao da aliança. Os tipos de estudo e os principais resultados referentes às características dos terapeutas favoráveis à formaçao e à manutençao da aliança sao sintetizados na Tabela 1.

Na Tabela 1, sao listados os artigos que retratam características dos terapeutas favoráveis à formaçao da aliança. Nos artigos empíricos, a formaçao da aliança foi avaliada do ponto de vista dos clientes. Aspectos desfavoráveis à formaçao da aliança foram apresentados por quatro artigos empíricos, dos quais dois11, 23 descreveram exclusivamente estas características e nao foram incluídos na Tabela 1. Os aspectos desfavoráveis à formaçao da aliança foram descritos em termos de sentimentos negativos do terapeuta em relaçao ao seu cliente23, contratransferência negativa11, atitude distanciada, desconectado ou indiferente17 ou padroes qualificados por adjetivos como desafiador, controlador e hostil22. Além destes, o artigo de Marmarosh et al.24 é uma pesquisa empírica que analisou o estilo de apego e sua associaçao com a formaçao da aliança, porém, nao encontrou relaçao significativa entre as variáveis. Desta forma, este estudo também nao foi incluído na Tabela 1.

Considerou-se como características pessoais do terapeuta, os aspectos referidos nos artigos por meio de adjetivos que permitiam inferir um padrao de comportamentos do terapeuta nas relaçoes em geral, assim como, características descritas como traços de personalidade. Combinaçao de estilos interpessoais (complementaridade) e traços de personalidade congruentes entre terapeutas e clientes foram incluídos na categoria de características pessoais por referirem-se a características do terapeuta que sao, por coincidência, compatíveis as características comportamentais de seus clientes. Além disso, a idade foi incluída como uma característica pessoal uma vez que é uma condiçao da vida do terapeuta e foi analisada quanto à sua relaçao com a formaçao da aliança. Deste modo, os elementos incluídos nas características pessoais tratam-se das características do terapeuta que nao sao exclusivamente dirigidas aos objetivos e ao processo de psicoterapia ou ao cliente, mas que apesar disto, geram implicaçoes para esta relaçao.

Conforme Tabela 1, os aspectos relacionados a características pessoais dos terapeutas favorecedoras à formaçao e à manutençao da aliança terapêutica sao apontados em termos de traços de personalidade: padrao de interaçao de "cuidados maternais"17 e "estilo de apego ansioso baixo"15. Dois estudos combinam os traços de personalidade entre terapeutas e clientes como fator que pode favorecer a formaçao e a manutençao da aliança. Taber et al.16 referem-se a traços de personalidade congruentes entre terapeutas e clientes, enquanto Horvath22 refere-se à complementaridade do estilo interpessoal entre ambos.

Os estudos que descrevem as características pessoais dos terapeutas de forma mais detalhada, e nao a partir de um perfil de personalidade, fazem uso de adjetivos para qualificar o padrao de interaçao do terapeuta com o cliente, tal como Ackerman e Hilsenroth21 que usam adjetivos como "flexível, honesto, respeitoso", por exemplo. Heinonen et al.14 e Holdsworth et al.13, nao obstante referirem-se a um repertório de habilidades interpessoais, valem-se também de adjetivos como qualificadores de um padrao (envolvente, por exemplo) ou substantivos (compaixao, tranquilidade, cuidado) e nao adotam verbos para expressar comportamentos componentes de um repertório interpessoal.

No que diz respeito a aspectos técnicos de atuaçao do terapeuta, foram indicadas características ou estratégias diretamente relacionadas ao processo de psicoterapia. Dos sete estudos que apontaram aspectos técnicos, quatro fizeram referência à importância da empatia ou apoio para a construçao e manutençao da aliança13, 14, 20, 21, 22, três referiram-se à facilitaçao de expressao de afeto18, 19, 22 e outros três, exploraçao de conteúdo ou sentimentos19, 21, 22. Ainda que seja possível inferir um consenso entre os autores sobre a predominante importância de se estabelecer um clima de apoio e afeto para construçao da aliança, Heinonen et al.14 afirmam que, em terapias de longa duraçao, a aliança se deteriora quando estratégias variadas e flexíveis de enfrentamento nao sao apresentadas. Holdsworth et al.13 citam o confronto como uma importante habilidade para a aliança, quando associada a um elaborado repertório de habilidades interpessoais.

Exceto pela revisao bibliográfica realizada por Hilsenroth e Cromer19, todos os demais estudos referiramse aos aspectos técnicos por meio de adjetivos qualificadores de um padrao comportamental (afirmativo, compreensivo, atento, por exemplo) ou substantivos (exploraçao, encorajamento, persuasao). O estudo de Hilsenroth e Cromer19, diferentemente dos demais, apresenta um resumo das atividades clínicas do terapeuta relacionadas à formaçao da aliança terapêutica, em forma de orientaçoes para guiar os psicólogos na avaliaçao e planejamento da relaçao. Para tanto, o autor emprega verbos para descrever açoes do terapeuta que favorecem a aliança, tais como, esclarecer, explorar, manter o foco e facilitar, por exemplo.

Além do repertório de HS básicas, citado por Heinonen et al.14 e Holdsworth et al.13, oito características pessoais e dez aspectos técnicos diferentes apontados pelas pesquisas guardam relaçao com os conjuntos de HS propostos por Del Prette e Del Prette9. Deste modo, com o objetivo de realçar essa relaçao, a Tabela 2 apresenta os possíveis comportamentos que constituem os conjuntos de HS e se relacionam às características pessoais e aspectos técnicos apresentadas pela literatura.




Conforme a Tabela 2 retrata, as características pessoais e aspectos técnicos dos terapeutas, favoráveis à formaçao e à manutençao da aliança, relacionam-se a quatro conjuntos de HS apresentados por Del Prette e Del Prette9. O conjunto de habilidades mais associado aos dados das pesquisas foi o de comunicaçao, seguido pelos conjuntos de HS empáticas, assertivas, direito e cidade e de expressao de sentimento positivo.


DISCUSSAO

A presente pesquisa proporcionou a identificaçao e caracterizaçao dos comportamentos do terapeuta favoráveis ao estabelecimento de uma aliança terapêutica com o cliente, durante o processo de intervençao psicoterapêutica. Além disso, foi possível analisar os dados apontados pela literatura conforme a perspectiva das HS. Notou-se que as características comportamentais do terapeuta, favoráveis à formaçao e à manutençao da aliança terapêutica, sao apresentadas pela literatura de modo genérico enquanto atributos e, portanto, pouco precisas em termos dos comportamentos esperados. Ainda que se observe aspectos comuns entre os estudos, tais como empatia, facilitaçao da expressao de afeto e exploraçao, de modo geral, nao há um consenso entre os resultados. Os estudos que se referiram ao valor das habilidades interpessoais usaram o construto sem uma definiçao explícita das características comportamentais que o constituem.

As características favorecedoras da formaçao e da manutençao de aliança sao apresentadas pelas pesquisas, em sua maioria, por meio do uso de substantivos ou adjetivos qualificadores dos padroes comportamentais do terapeuta, em detrimento de descriçoes de comportamentos. Kubo e Botomé25, em artigo que discute processos de ensino e aprendizagem, chamam a atençao para os benefícios do uso de verbos para referirem-se a processos que sao, fundamentalmente, constituídos por uma interaçao entre dois organismos, o que é o caso da relaçao entre terapeuta e cliente. O uso de verbos, como mençao às açoes da pessoa, favorece a referência a um "processo" e nao a "coisas estáticas" ou fixas. Além disso, transformar substantivos e adjetivos em verbos permite analisar as características pessoais em termos comportamentais, e como tal, planejar condiçoes para seu ensino. Tal raciocínio justifica o empreendimento em inferir as açoes, ou seja, os verbos referentes às características pessoais e aspectos técnicos favoráveis à formaçao e à manutençao da aliança, designados pela literatura como traços de personalidade ou adjetivos. Trata-se de converter os substantivos e adjetivos em verbos que os caracterizam.

Uma parte significativa das características descritas pelas pesquisas como favorecedoras da formaçao de aliança terapêutica guarda forte relaçao com as categorias de HS, descritas por Del Prette e Del Prette9. Considerando que os conjuntos de HS sao descritos por verbos, designando as açoes do sujeito, a área de estudos propicia a análise comportamental das habilidades e o arranjo de condiçoes para seu ensino, quando identificados déficits nesse repertório. As características pessoais favorecedoras da formaçao de aliança, analisadas a partir dos conjuntos de HS descritos, favoreceriam a compreensao comportamental desse repertório e o planejamento do seu ensino nos cursos de graduaçao. As características descritas aproximam-se das HS, em especial nas categorias HS de expressao de sentimento positivo, de comunicaçao, assertivas e empáticas.

Os adjetivos e substantivos, amplamente utilizados na descriçao dos aspectos favoráveis à formaçao e à manutençao da aliança, se descritos a partir comportamentos, expressos na forma de verbos, favoreceria maior clareza por parte dos terapeutas do que pode ser feito para promover a aliança. Tratar as características dos terapeutas, favorecedoras da formaçao da aliança, como traços de personalidade ou atributos inerentes à pessoa, limita o planejamento de condiçoes de ensino das habilidades necessárias durante o processo de formaçao de terapeutas. Planejar o ensino dessas habilidades nos cursos de formaçao em Psicologia implica assumir a responsabilidade sobre a qualidade do desempenho dos futuros profissionais.

Heinonen et al.14 discutem que os resultados das pesquisas sobre aliança terapêutica têm implicaçoes práticas bastante importantes para a formaçao de terapeutas. Se características pessoais sao constatadas como fundamentais para a formaçao da aliança terapêutica, o seu desenvolvimento deveria ser garantido na formaçao. Se essas características forem analisadas mais como propensao natural do que como produto de treino, habilidades interpessoais básicas poderiam passar a ser requisitos para o ingresso na profissao. Ao adotar uma concepçao de que as características pessoais sao comportamentos e como tais, passíveis de serem aprendidas e ensinadas, buscar estratégias para o desenvolvimento das identificadas como favorecedoras da formaçao de aliança terapêutica torna-se uma condiçao possível e necessária. Aproximar-se da literatura de HS pode ser caminho frutífero neste sentido. A partir de sua proposta de análise operacional de comportamentos, tem-se o sucesso demonstrado dos programas de treinamento de HS para diferentes públicos e objetivos, a exemplo dos estudos sistematizados em Del Prette e Del Prette26, inclusive para públicos universitários. Especificamente com estudantes de Psicologia, programas de Treinamento de Habilidades Sociais (THS) também foram desenvolvidos e indicaram ampliaçao de repertório de HS em algumas das categorias após o treinamento27,28,29. Este último estudo citado aponta que, ainda que a partir de dados obtidos de forma assistemática, foi possível verificar que os alunos que passaram pelo THS apresentaram melhor desempenho em estágios e outras atividades de formaçao profissional.

Esse estudo nao teve pretensao de ser conclusivo sobre o assunto, entretanto, visa fornecer um panorama geral sobre a área e salientar possíveis relaçoes entre a formaçao e manutençao da aliança terapêutica e as HS do terapeuta. Todavia, há algumas limitaçoes que devem ser explicitadas, dentre elas, o uso apenas de artigos disponíveis para download na íntegra e o uso exclusivo de buscas em periódicos, excluindo-se teses, dissertaçoes ou outras fontes de materiais sobre o tema. O uso de campos de pesquisa diferentes nas bases de dados para as buscas também representou um limite. Além disso, o estudo restringiu-se à análise de três de bases de dados, nao contemplando outras bases com potencial para apresentar artigos importantes sobre o assunto, como a PUBMED, por exemplo. Outra restriçao do estudo foi limitar-se à revisao das habilidades necessárias para a formaçao de aliança terapêutica com adultos, e nao com crianças e adolescentes, o que poderia gerar uma maior variabilidade nos dados obtidos.

Na medida em que a presente pesquisa aponta para as características favoráveis à formaçao da aliança e as descreve operacionalmente, pode colaborar para que profissionais, estagiários e supervisores da área de Psicologia Clínica analisem seu próprio repertório comportamental e invistam no aprimoramento das habilidades associadas ao alcance de resultados positivos na psicoterapia. A partir das pesquisas de identificaçao das características pessoais relevantes para gerar impactos positivos sobre a aliança terapêutica e, consequentemente, sobre os resultados do processo terapêutico, cabe, por conseguinte, a tarefa de encontrar alternativas e caminhos para seu ensino nos cursos de graduaçao. Pesquisas adicionais precisam ser realizadas no sentido de analisar as relaçoes teoricamente inferidas no presente artigo. Responder se um repertório elaborado de HS favorece a formaçao de aliança terapêutica parece ser um primeiro passo para o planejamento e sistematizaçao de seu ensino nos cursos de formaçao.


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* Indica os trabalhos que compuseram a amostra de estudos analisados para a revisao sistemática










1. Mestre - (Doutoranda do Programa de Psicologia da Universidade Federal de Sao Carlos - UFSCar / Docente do Centro Universitário de Votuporanga - UNIFEV ) - Votuporanga - SP - Brasil
2. Doutor - (Professor Titular (voluntário) vinculado ao programa de Pós-Graduaçao em Educaçao Especial e em Psicologia da Universidade Federal de Sao Carlos.)
3. Pós-Doutora - (Professora Titular da Universidade Federal de Sao Carlos, vinculada aos programas de Pós-Graduaçao em Educaçao Especial e de Pós-Graduaçao em Psicologia da Universidade Federal de Sao Carlos)

Correspondência
Raquel Martins Sartori
Rua Canadá, 4420 15502-213
Votuporanga, SP, Brasil
ra_ms10@hotmail.com

Submetido em: 08/05/2017
Aceito em: 25/08/2017

Instituiçao: Universidade Federal de Sao Carlos

1 O período faz referência ao modelo de clínica inaugurado por Freud1 que, de acordo com Moreira et al.2, mudou a concepçao de clínica ao atribuir ao paciente e nao ao médico, o domínio do saber, em uma prática fundamentada na escuta, que influencia o modelo de psicoterapia até os dias atuais.

* Os estudos empíricos foram caracterizados conforme delineamentos e análise de dados propostos por Cozby12.
** Características pessoais ou aspectos técnicos que guardam relaçao com conjuntos de HS.

 

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