Rev. bras. psicoter. 2017; 19(2):29-43
Sartori RM, Prette AD, Prette ZAPD. Habilidades Sociais do terapeuta na formaçao da aliança psicoterapêutica: estudo de revisao. Rev. bras. psicoter. 2017;19(2):29-43
Artigo de Revisao
Habilidades Sociais do terapeuta na formaçao da aliança psicoterapêutica: estudo de revisao
Social skills of the therapist in the formation of the psychotherapeutic alliance: review study
Raquel Martins Sartori1; Almir Del Prette2; Zilda Aparecida Pereira Del Prette3
Resumo
Abstract
Ao longo dos mais de cem anos de história da psicoterapia1, diferentes abordagens teóricas lançaram mao de distintos modelos explicativos para o comportamento e as emoçoes humanas, como também, de variados conjuntos de técnicas e estratégias de intervençao. Castonguay et al3, afirmam que a aliança entre cliente e terapeuta é reconhecida como um componente de mudança durante a psicoterapia, mesmo por abordagens que tradicionalmente nao situam a relaçao entre terapeuta e cliente como foco de análise e intervençao.
Segundo Horvath et al.4, o termo aliança foi proposto na década de 1950 e, em 1967, definido como uma relaçao estabelecida de forma consciente entre terapeuta e cliente. Posteriormente, na década de 1970, Bordin (1974), como citado em Horvath et al.4 propoe o termo "aliança de trabalho" e sugere que ela depende da colaboraçao do cliente no processo, bem como, do consenso entre terapeuta e cliente. Para tanto, sao destacados três aspectos fundamentais para a formaçao da aliança de trabalho: a natureza colaborativa da relaçao, o vínculo afetivo entre terapeuta e cliente e, por fim, o acordo entre terapeuta e cliente sobre objetivos e tarefas terapêuticas.
Horvath et al.4 e Martin et al.5, em estudos de metanálise, ressaltam os subsídios empíricos para estabelecer uma relaçao entre aliança e resultados terapêuticos. A aliança terapêutica relacionou-se de forma consistente5 e alcançou o status de forte preditor4 dos resultados do processo de psicoterapia. A confirmaçao da relaçao entre aliança resultados positivos do processo psicoterapêutico, a partir de dados empíricos, assegura a confiabilidade da relaçao estabelecida. Frente as evidências sobre a importância da aliança entre terapeuta e o cliente para o alcance de resultados na psicoterapia, identificar os elementos favoráveis à formaçao da aliança terapêutica é fundamental para o planejamento de um processo psicoterapêutico eficaz.
A busca de sustentaçao empírica sobre os fatores considerados terapêuticos está em conformidade com o movimento das Práticas Psicológicas Baseadas em Evidências (PPBE). Este movimento caracteriza-se pela busca de evidências que comprovem empiricamente a efetividade das práticas em Psicologia e os mecanismos de mudança, a partir da especificaçao das condiçoes em que as estratégias terapêuticas devem ser utilizadas e sua articulaçao com características individuais e culturais dos clientes6. A análise de fatores terapêuticos, tais como, a qualidade da relaçao terapêutica e as habilidades pessoais e clínicas do terapeuta sobre a efetividade do processo psicoterapêutico é compreendida como investigaçao de características de processo e compoe fontes de evidências das PPBE7.
Conforme Peuker et al.8 defendem, focar em pesquisas a respeito do estabelecimento da aliança terapêutica pode ser útil para a melhoria da efetividade e eficácia da psicoterapia. Identificar características de processo relacionadas ao terapeuta, tais como competência técnica, experiência clínica e estilo pessoal constitui uma condiçao para avaliaçao, desenvolvimento e monitoria de um elemento central na obtençao de resultados e formaçao de terapeutas potencialmente mais efetivos.
O campo de estudos de Habilidades Sociais (HS), que inclui identificar e promover conjuntos de comportamentos efetivos para o manejo de tarefas sociais9, pode ser promissor como referência para a análise, avaliaçao e promoçao das habilidades consideradas requisitos para o terapeuta no processo psicoterapêutico. As HS sao definidas como um conjunto de comportamentos apresentados no manejo de situaçoes e interaçoes sociais, que podem favorecer o desempenho efetivo diante de tarefas sociais9.
As pesquisas vêm indicando que pessoas com bom repertório de HS apresentam relaçoes sociais e profissionais mais produtivas, satisfatórias e duradouras, favorecendo assim a qualidade dessas relaçoes9,10. Conforme Del Prette e Del Prette9, as HS podem ser organizadas em sete conjuntos principais: de comunicaçao; de civilidade; assertivas, direitos humanos e cidadania; empáticas; de trabalho e de expressao de sentimentos positivos. Esses sete conjuntos agregam habilidades descritas na forma de verbos, ou seja, açoes que explicitam de forma precisa os comportamentos que compoem cada conjunto. Diante disso, tal área de estudos pode propiciar a identificaçao e desenvolvimento de um repertório amplo de habilidades que favorecem o desempenho competente no manejo das tarefas sociais apresentadas no processo psicoterapêutico.
Considerando que a natureza do processo de psicoterapia é uma interaçao social, a efetividade desse processo requer do profissional um conjunto de habilidades e competências que possibilitem o atendimento às demandas apresentadas pelo cliente. Essas habilidades e competências podem ser entendidas como comportamentos e a identificaçao dos mesmos possibilita o planejamento da formaçao profissional em Psicologia, no sentindo de promover e aprimorar as habilidades e competências necessárias para uma atuaçao eficaz, neste e em outros campos de atuaçao.
Este artigo relata a análise de uma revisao sistemática que teve como objetivo identificar e caracterizar os comportamentos do terapeuta favoráveis ao estabelecimento de uma aliança terapêutica com o cliente durante o processo de intervençao psicoterapêutica individual com adultos. Além disso, visou avaliar conjuntos de HS apontados pela literatura como parte desses requisitos. Como desdobramento dessas análises, o artigo discute o papel das instituiçoes formadoras sobre o ensino das habilidades relevantes para a formaçao e a manutençao da aliança terapêutica. O estudo nao pretende analisar a validade do construto de aliança, a consistência dos instrumentos de coleta de dados utilizados nas pesquisas, nem tampouco, comparar abordagens teóricas que fundamentam as práticas adotadas e seus efeitos sobre o processo.
MÉTODO
Foi realizada uma revisao sistemática da literatura especializada, tendo como foco estudos relativos às habilidades necessárias aos terapeutas para o desenvolvimento e manutençao da aliança. Considerando o significativo aumento de publicaçoes sobre o assunto a partir do ano 2000, em comparaçao às décadas anteriores, o presente estudo compilou artigos do período de 2000 a agosto de 2015, nas bases de dados Web of Science, Science Direct e American Psychological Association (PsycARTICLES). As buscas foram feitas a partir do cruzamento do descritor alliance com os descritores "social skill**", "therapeutic skill**", "personal characteristic**", "therapist characteristic**". Os termos foram pesquisados nos seguintes campos das bases de dados: tópico (da Web of Science), abstract, title e keywords (da Science Direct) e keywords (da base de dados da American Psychological Association). Em cada base de dados, foram utilizados os campos de pesquisa que mais geraram resultados. Utilizou-se o operador booleano AND para relacionar os termos. A busca foi realizada em agosto de 2015.
O levantamento foi composto exclusivamente por artigos. Foram pesquisados artigos que apresentassem a relaçao entre os dois descritores como foco central do artigo. Os critérios de inclusao de artigos neste levantamento foram: (a) publicaçoes nas línguas inglesa, espanhola e portuguesa; (b) artigos que estavam disponíveis para download na íntegra; (c) descritores "social skill**" e "personal characteristic**" relacionados ao terapeuta; (d) referir-se especificamente a psicoterapia individual; (e) o público alvo do artigo ser adulto e sem transtornos específicos. Nao foi feita nenhuma restriçao ao uso do termo aliança. Foram excluídos artigos que: (a) analisavam grupos específicos; (b) apresentavam objetivo de avaliar programas de desenvolvimento de repertório de habilidades em psicoterapeutas; (c) referiam-se a outros profissionais que nao psicólogos; (d) estabeleciam a relaçao entre a aliança e os outros descritores em uma análise secundária dos dados obtidos; (e) relacionavam-se às HS ou características pessoais dos clientes e nao dos terapeutas.
A seleçao inicial foi feita pela leitura dos títulos e resumos dos artigos. Nos casos em que o resumo nao foi suficiente para avaliar se os critérios de inclusao eram atendidos, o artigo foi lido na íntegra. A Figura 1 sintetiza os passos de busca e seleçao dos artigos. Os artigos incluídos na pesquisa foram lidos e os aspectos referentes aos objetivos deste estudo foram analisados. Nos casos em que os artigos apareceram repetidos nas bases dados, eles foram computados em todas as bases em que foram apresentados. Uma análise descritiva dos dados encontrados foi apresentada nos resultados do presente estudo.
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