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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2017; 19(1):1-13



Artigo Original

Comparaçao dos níveis séricos da Cocaine and Amphetamine Regulated Transcript (CART) entre sangue de cordao umbilical e sangue periférico em gestantes usuárias de crack

Comparison between serum levels of Cocaine and Amphetamine Regulated Transcript (CART) between umbilical cord blood and peripheral blood of pregnant crack users

Rodrigo Ritter Parcianello1; Victor Mardini1,2; Keila Maria Mendes Ceresér1,3; Fernando Xavier4; Maria Lucrécia Scherer Zavaschi1,2; Luis Augusto Paim Rhode1,2,5,6; Flávio Pechansky1,6,7; Pâmela Ferrari3; Claudia Maciel Szobot1,2,7

Resumo

INTRODUÇAO: No Brasil, o uso de crack permanece um desafio à saúde pública devido à facilidade de aquisiçao da droga e sua elevada capacidade de induzir dependência. A exposiçao intrauterina (EIU) à cocaína está associada a alteraçoes neurocomportamentais durante a infância e adolescência. Em estudo prévio do nosso grupo, achou-se menor nível de estresse oxidativo (EO) em recém-nascidos (RN) com EIU. Uma possível explicaçao pode ser a Cocaine and Amphetamine Regulated Transcript (CART), um antioxidante endógeno presente desde o período embrionário e ativado por maiores níveis de dopamina.
OBJETIVO: Verificar a correlaçao entre os níveis de CART no sangue de cordao umbilical (SCU) e sangue periférico de 57 gestantes com exposiçao ao crack.
MÉTODOS: Trata-se de um estudo transversal, com amostragem consecutiva, em que o desfecho primário foi a correlaçao entre os níveis de CART no SCU e sangue periférico materno no pós-parto imediato. Dados gestacionais e perinatais foram sistematicamente coletados.
RESULTADOS: Houve correlaçao significativa entre os níveis de CART no sangue de cordao umbilical e sangue periférico materno (rs= 0,350 e p<0,05).
CONCLUSOES: Estes achados demonstram que os níveis de CART no sangue materno e no SCU se correlacionam. Todavia, nao se pode afirmar de quem é a produçao, ou se é produzida por ambos. O presente trabalho pode ajudar a elucidar os caminhos neurobiológicos responsáveis pelas alteraçoes de neurodesenvolvimento, contribuindo para a ampliaçao das possibilidades de intervençoes precoces.

Descritores: CART. Crack. Gestaçao. Sangue de cordao umbilical. Bebê. Estresse oxidativo.

Abstract

INTRODUCTION: The use of crack cocaine remains a public health challenge in Brazil, due to easy drug acquisition and its high ability to induce dependence. Intrauterine exposure (IUE) to crack cocaine is associated with neurobehavioral changes during childhood and adolescence. In a previous study of our group, lower levels of oxidative stress (OS) were found in newborns with IUE. One possible explanation may be the Cocaine and Amphetamine Regulator Transcript (CART), an endogenous antioxidant present since the embryonic period activated by higher levels of dopamine.
OBJECTIVE: The aim of this study is to investigate the correlation of CART levels between umbilical cord blood (UCB) and peripheral blood samples of 57 pregnant women exposed to crack.
METHODS: This is a cross-sectional study with a consecutive sampling, in which the primary outcome was the correlation between CART levels in UCB and peripheral blood of their mothers in immediate postpartum. Gestational and perinatal data were systematically collected. Spearman correlation test was performed after checking the pattern of distribution, being considered a 0.05 significance level.
RESULTS: There was a significant correlation between CART levels in umbilical cord blood and peripheral blood (rs = 0.350 and p <0.05).
CONCLUSIONS: These findings suggest a correlation between CART levels at UCB and mother's blood. However, it remains unclear whether it is produced by the mother, the fetus, or both. This study may help to elucidate the neurobiological pathways responsible for neurodevelopmental changes, providing a rationale for early interventions.

Keywords: CART. Crack cocaine. Pregnancy. Umbilical cord blood. Newborn. Oxidative stress.

 

 

INTRODUÇAO

O abuso de substâncias psicoativas (SPAs) é um dos problemas mais importantes em saúde pública da atualidade. As mulheres representam aproximadamente 30% da populaçao de usuários de cocaína (National Survey on Drug Use and Health - NSDUH). Em 2012 e 2013, nos Estados Unidos, 5,4% das gestantes entre 15-44 anos de idade eram usuárias de drogas1.

A exposiçao pré-natal à cocaína está associada a problemas neurocomportamentais durante a infância e adolescência2,3. Os efeitos prejudiciais da exposiçao intrauterina à cocaína nao se restringem às doenças mentais, com evidências de efeitos sistêmicos4, com mecanismos neurobiológicos ainda pouco elucidados. A cocaína pode desregular o sistema REDOX5,6. Estudos em roedores, por exemplo, mostraram que a administraçao diária de cocaína pode estar associada à diminuiçao dos níveis de glutationa no hipocampo7. A cocaína promove contraçao dos vasos uterinos e placentários8,9,10,11, podendo provocar hipóxia no feto, aumentando, assim, o estresse oxidativo (EO)12. Outra forma de a cocaína induzir o EO é através da toxicidade de seus metabólitos, como a norcocaína, o nitróxido, a N-hidroxinorcocaína, a norcocaína-nitrosônio, entre outros13.

O EO vem sendo estudado na situaçao de exposiçao à cocaína durante a gestaçao. Lipton et al.14 demonstraram que, após uma injeçao de cocaína em ratas grávidas, seus fetos apresentaram uma reduçao de 16,38% no nível de glutationa cerebral, sugerindo maior recrutamento do sistema antioxidante. Zaparte et al.15 pesquisaram os níveis séricos de proteína carbonil, conteúdo proteico de tióis, superóxido dismutase (SOD), glutationaperoxidase (GPx), glutationa reduzida (GSH) e potencial reativo antioxidante total (TRAP) em 30 mulheres nao gestantes internadas por dependência ao uso de crack. Os autores encontraram níveis elevados de proteína carbonil e conteúdo total de tióis nas pacientes após quatro dias de abstinência, e níveis significativamente mais baixos de SOD, GPx, GSH e TRAP, quando comparados aos controles. Em conjunto, esses dados sugerem que mulheres dependentes de crack podem apresentar, ao internar, um aumento no EO. Apesar dos estudos disponíveis sobre EO e cocaína em humanos16,17, dados referentes a gestantes e seus bebês ainda sao escassos.

Recentemente, o nosso grupo comparou níveis de TBARS (um marcador de estresse oxidativo), entre outros biomarcadores, no sangue do cordao umbilical (SCU) entre os recém-nascidos expostos ao crack intraútero (RNE, N = 57) e os recém-nascidos nao expostos (RNNE, N = 99), assim como no sangue periférico materno, no momento do parto. A média ajustada de TBARS no SCU foi significativamente menor no grupo de RNE (63,97, IC95% 39,43-88,50) em comparaçao com RNNE (177,04, IC95% 140,93-213,14, p <0,001; Cohen EF = 0,84, p <0,001), mesmo após ajuste adequado para os seguintes confundidores: psicopatologia materna, QI estimado, intensidade do uso de álcool, nicotina e maconha nos últimos 3 meses, doença infectocontagiosa na mae (sífilis, hepatite C ou HIV), acompanhamento pré-natal e presença de companheiro. Já a média ajustada de TBARS nao diferiu no grupo das puérperas (p = 0,86). Assim, as mudanças nos níveis de TBARS em EN sugerem que o feto exposto à cocaína mobiliza rotas antioxidantes endógenas, desde muito cedo no desenvolvimento. Neste sentido, acredita-se que o feto conta com um sistema antioxidante endógeno, estimulado pela presença de cocaína, a Cocaine and Amphetamine Regulated Transcript (CART)18.

A CART é encontrada em muitas áreas, entre elas a área tegumentar ventral (ATV) no cérebro, sendo secretada no hipotálamo, pituitária, glândulas suprarrenais e pâncreas. A CART também pode ser encontrada no sistema circulatório19. Estudos em ratos mostram que a CART atravessa rapidamente a barreira hematoencefálica20 e provavelmente regula a atividade de neurônios nessa área21. Sabe-se que a CART produz uma regulaçao positiva pela proteína de ligaçao ao elemento de resposta de AMPc, mais conhecida como cAMP response element-binding protein (CREB)22, uma proteína possivelmente ligada ao desenvolvimento de adiçao a drogas19,23,24. Dessa forma, a CART pode ser um potencial alvo terapêutico no abuso de SPAs. A CART exerce açao antioxidante, diminuindo os níveis de peróxido de hidrogênio (H2O2), devido às interaçoes envolvendo a glutationa. Além disso, ela está envolvida no processamento de espécies reativas de oxigênio (ERO) em excesso20, o que pode ter contribuído para menores níveis de TBARS no SCU dos bebês expostos ao crack em nosso estudo anterior. No entanto, nao encontramos estudos descrevendo como a CART se distribui no sangue periférico de gestantes, ou se ela circula para o SCU, tampouco como se correlacionam nesses dois sistemas.

Assim, o objetivo do presente estudo foi verificar a correlaçao entre os níveis séricos de CART no SCU de recém-nascidos com história de exposiçao intrauterina (EIU) ao crack e no sangue periférico das suas maes no puerpério imediato.


MATERIAIS E MÉTODOS

Os dados foram coletados no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas (HMIPV), na cidade de Porto Alegre, Brasil, de janeiro de 2012 a setembro de 2013. Ambos sao hospitais universitários e de referência para gestaçao de alto risco. Todas as maes forneceram consentimento informado por escrito e o projeto foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa das instituiçoes participantes.


DELINEAMENTO E AMOSTRA

Trata-se de um estudo transversal, cujo desfecho principal foi a correlaçao entre os níveis séricos de CART no SCU de recém-nascidos com história de EIU ao crack com os níveis de CART no sangue periférico das suas maes no puerpério imediato.

Os casos vieram do HMIPV, por uma amostragem consecutiva. As gestantes foram questionadas sobre o uso de substâncias de abuso no momento de admissao hospitalar. Durante o período do estudo, 2.228 nascimentos ocorreram no HMIPV e 105 maes (4,7%) foram identificadas como tendo história de uso de crack. Destas, 62 (59%) foram identificadas como usuárias de crack por ocasiao do parto e entao convidadas a participar no estudo, coletando-se o seu sangue periférico e o SCU do bebê. Perdas ocorreram devido a uma variedade de razoes, incluindo a recusa, nenhum relato de uso de crack no momento do parto e ausência de condiçoes técnicas para a coleta de SCU.

Para determinar o perfil das gestantes usuárias de crack que nao foram incluídas na amostra (41%) (controle de qualidade das perdas), foram utilizados registros médicos para comparar a idade materna, nível de escolaridade, etnia, a presença de um parceiro, o estado do acompanhamento pré-natal, o tipo de parto e a presença de doenças infecciosas (hepatite C, sífilis, e/ou HIV) entre participantes e nao participantes. Também se compararam os escores de Apgar no 1° e 5° minutos, o peso do RN e a idade gestacional (IG) no exame neonatal. O peso dos recém-nascidos foi significativamente menor em maes que nao participaram no estudo (2.653,46 vs. 2.878,09 g, p = 0,02), assim como foi a IG (37,30 [DP 2,50] vs. 38,64 [DP 2,4] semanas, p = 0,02) e a realizaçao ou nao de atendimento pré-natal (p = 0,02), sem outras diferenças significativas entre os grupos (dados disponíveis mediante solicitaçao).

Os critérios de inclusao maternos para os casos foram história de uso de crack e idade entre 18 e 45 anos. Os critérios de exclusao foram incapacidade de compreender e preencher os questionários neuropsiquiátricos no período pós-parto imediato.


INSTRUMENTOS E VARIAVEIS

O QI foi estimado usando os subtestes cubo e vocabulário do Wechsler Adult Intelligence Scale, third edition (Escala de Inteligência Wechsler para Adultos); WAIS-III25,26. Psicopatologia materna foi avaliada usando o Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI), versao brasileira 5.0.0/DSM-IV/Current27. O MINI é uma entrevista diagnóstica padronizada, de aplicaçao rápida (em torno de 15 minutos), que explora os principais Transtornos Psiquiátricos do Eixo I com base nos critérios do DSM-IV. Uso de substâncias psicoativas foi avaliado através do Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST, teste de triagem para álcool, nicotina, maconha, cocaína e outras substâncias)28. Esse instrumento mensura o nível de dependência e contém oito questoes, sendo as sete primeiras referentes ao uso e aos problemas relacionados a tabaco, álcool, maconha, cocaína, estimulantes, inalantes, hipnóticos/sedativos, alucinógenos e opiáceos nos últimos três meses; a última questao relaciona-se às drogas injetáveis. O nível socioeconômico foi baseado no critério ABA/ABIPEME e dicotomizados em alto nível socioeconômico (classes A e B) ou baixo nível socioeconômico (classes C, D e E), com base na escolaridade do chefe da família e quantidade de determinados bens de consumo29. Idade, etnia autorreferida, estado civil e outras variáveis sociodemográficas foram sistematicamente coletados por meio de um formulário-padrao. A etnia foi dicotomizada como nao branco ou branco. As seguintes variáveis neonatais foram obtidas por revisao de prontuários médicos: peso, índice de Apgar no 1° e 5° minutos, idade gestacional (IG) ao exame neonatal, sexo, necessidade de hospitalizaçao. Os dados sobre a presença de doenças infectocontagiosas da mae (sífilis, HIV e/ou hepatite C), tipo de parto e assistência pré-natal também foram coletados de registros médicos. O nível de medidas de resultados da CART no SCU e sangue materno foram coletados e processados como descrito a seguir.


COLETA E PROCESSAMENTO DE SANGUE

O sangue total (10 mL) foi coletado por punçao venosa para dentro de um tubo de vácuo livre de anticoagulante. Imediatamente após a coleta, as amostras de sangue foram centrifugadas a 200 g/min durante 10 min e o soro foi dividido em alíquotas, etiquetado e armazenado a -80 °C até ao momento do teste. O sangue da mae foi coletado em até 24h após o parto. Já o SCU, no pós-parto imediato, como orienta o Protocolo do Banco de Sangue de Cordao Umbilical e Placentário do Instituto Nacional do Câncer30. As mensuraçoes foram realizadas no soro.


MENSURAÇAO DA CART

Os níveis de CART foram medidos pelo método de ELISA (enzyme-linked immunosorbent assay). Os ensaios de ELISA foram feitos através de kits comerciais (Intra-Assay: CV < 10%; Inter-Assay: CV < 15%) desenvolvidos por RayBiotech (USA), de acordo com o protocolo fornecido pelo fabricante. Devido à alta concentraçao de CART nas amostras, todas elas foram diluídas 200 vezes, pois ultrapassavam o limite de detecçao do espectrofotômetro. O fator de diluiçao foi incluído no software de análise. Os resultados foram expressos em µg/mL.


ANALISE ESTATISTICA

Os valores foram descritos como média e desvios-padrao (distribuiçao normal) ou mediana e intervalo interquartil (distribuiçao assimétrica). As variáveis categóricas foram descritas como frequência absoluta e relativa. Para verificar possíveis correlaçoes, foi aplicada a correlaçao de Spearman, após verificaçao do padrao de distribuiçao pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. O nível de significância aceito foi de p ≤ 0,05. Os dados foram processados e analisados em SPSS Statistics 18.0.


RESULTADOS

As características da amostra estao descritas na Tabela 1. Aproximadamente 90% dos bebês foram adequados para IG, com peso médio de 2.882,15 (473,32). As maes eram, na maioria, de etnia nao branca (67,9%) e 61% apresentavam algum outro diagnóstico psiquiátrico positivo no MINI que nao dependência química.




Em relaçao à medida principal de desfecho, correlaçao CART no sangue de cordao umbilical e periférico das maes usuárias de crack, houve correlaçao direta e moderada (rs = 0,350; p = 0,043).


DISCUSSAO

No presente trabalho, encontramos uma correlaçao direta e significativa da CART no sangue de cordao umbilical e no sangue periférico das maes usuárias de crack. De certa forma, o resultado era esperado, pois tanto o SNC fetal e materno como a placenta31 podem sintetizar mais CART mediante demanda. Todavia, como é uma resposta ao estresse, e a parturiente e o bebê diferem bastante nesse sentido (exemplo: mae com múltiplos estressores crônicos, com sistemas de resposta possivelmente sendo recrutados e modulados cronicamente), nao seria surpreendente nao encontrar correlaçao. Esse é um assunto ainda pouco explorado, sobretudo em duplas maes-bebês.

Argüelles e colaboradores32 avaliaram EO no sangue de maes e cordao umbilical de seus bebês e encontraram que altos níveis de marcadores de EO maternos correlacionam-se positivamente com os níveis nos seus bebês. No momento do parto, a criança sofre uma agressao em termos de demanda de oxigênio, pois passa de um ambiente de hipóxia (intrauterino) para um ambiente com cerca de quatro vezes mais oxigênio33. Isso pode influenciar na formaçao de radicais livres durante o parto. O aumento do EO é um processo que envolve alteraçoes fisiológicas, provavelmente resultantes da produçao elevada de radicais livres pela placenta; durante a gestaçao, a placenta induz peroxidaçao lipídica, sendo os níveis desses peróxidos mais elevados do que os encontrados no sangue periférico materno32.

Sabe-se que a CART desempenha um papel de regulaçao na homeostase em regioes cerebrais estimuladas por substâncias como a cocaína. A cocaína, entre outras açoes, se liga ao transportador de dopamina (DAT, dopamine reuptake transporter), bloqueando-o. Com isso, há um aumento súbito e significativo nos níveis de dopamina na fenda sináptica34. A hipótese de que a CART é um regulador homeostático vem sendo cada vez mais evidenciada. O potencial neuroprotetor da CART foi explorado em experimentos com cultura celular. Por exemplo, após injeçao de CART, em células expostas a isquemia/reperfusao e também privadas de glicose (simulaçao de acidente vascular cerebral), a CART foi efetiva em reduzir a apoptose neuronal35. Em outro estudo, também com cultura celular, a CART mostrou ter um efeito protetor nas células beta, contra a glucotoxicidade, promovendo proliferaçao celular36.

Dessa forma, este estudo pode contribuir para melhorar as possibilidades de intervençoes precoces. Os resultados sao consistentes com estudos que implicam o CART como potencial neuroprotetor35,36. Considerando a intervençao precoce em patologias pré-natais, esta pode ser uma área de interesse promissora.

O presente estudo deve ser compreendido no contexto de algumas limitaçoes. Nós nao avaliamos o estado nutricional das pacientes, que poderia influenciar nos níveis de CART. Devido ao tamanho amostral, o estudo nao tem poder suficiente para avaliar os fatores que podem interferir nas variaçoes da CART; além disso, as informaçoes a respeito do uso de drogas foram avaliadas retrospectivamente, sendo suscetível a viés de informaçao. Houve uma perda amostral para a seleçao da amostra; contudo, tivemos o cuidado de levar em conta essa perda, que provavelmente inclui os casos mais graves. Há alguns outliers, conforme figura 1. Lembramos que utilizamos testes nao paramétricos para as correlaçoes justamente por esse motivo. Porém, este trabalho também apresenta alguns pontos positivos. Apesar das perdas amostrais, houve uma cuidadosa análise do perfil das perdas. O fato de termos dosado a CART no SCU fornece uma medida mais proximal, enquanto o bebê ainda nao foi afetado por fatores após o nascimento. Sabe-se que crianças criadas por dependentes químicos estao mais suscetíveis a uma série de estressores, incluindo negligência e trauma37. Avaliando-se essas crianças posteriormente, sempre é mencionada como uma limitaçao a dificuldade em diferenciar o que é uma "marca" neurobiológica pela EIU e o que se deve a diversos estressores que a criança vivencia e que também trazem reflexos neurobiológicos38. Este trabalho demostra apenas uma correlaçao entre os níveis séricos, nao responde à pergunta de se a produçao de CART do bebê é própria ou produzida pela mae, por exemplo.


Figura 1. Correlaçao CART (em µg/mL) no sangue de cordao umbilical e periférico das maes usuárias de crack



CONCLUSAO

Existe uma correlaçao entre os níveis séricos de CART no sangue periférico materno e SCU em díades com EIU ao crack. Dessa forma, há um sistema antioxidante endógeno atuando desde cedo no feto em desenvolvimento. Se a produçao da CART encontrada no SCU é materna ou oriunda de recursos fetais segue a ser esclarecido. De qualquer forma, os autores entendem que esse achado, agregado a outros estudos, pode contribuir com a reflexao de intervençoes precoces para os bebês com EIU ao crack.


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1. Programa de Pós-Graduaçao em Psiquiatria e Ciências do Comportamento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rua Ramiro Barcelos, 2400, Santa Cecília, CEP 90035-003, Porto Alegre, RS, Brasil
2. Serviço de Psiquiatria da Infantil e Adolescente (SPIA), Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Rua Ramiro Barcelos, 2350, 4° andar, 400N sala, Santa Cecília, CEP 90035-903, Porto Alegre, RS, Brasil
3. Laboratório de Psiquiatria Molecular, HCPA, UFRGS, Rua Ramiro Barcelos, 2350, Santa Cecília, CEP 90035-903, Porto Alegre, RS, Brasil
4. Programa em Ciências Biomédicas, Centro Universitário Metodista-IPA, Rua Dona Leonor, 340, Rio Branco, CEP 90420-004, Porto Alegre, RS, Brasil
5. Vice-Coordenador, Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento (INPD), Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 785, 1° andar, sala 6, Ala Sul, Cerqueira Cesar, CEP 05403-010, Sao Paulo, SP, Brasil
6. Professor, Departamento de Psiquiatria, UFRGS, Rua Ramiro Barcelos, 2400, Santa Cecília, CEP 90035-003, Porto Alegre, RS, Brasil
7. Centro de Pesquisa em Alcool e Drogas (CPAD), HCPA, UFRGS, Rua Professor Alvaro Alvim, 400, Rio Branco, CEP 90420-020, Porto Alegre, RS, Brasil

Correspondência
Rodrigo Ritter Parcianello
Rua Ramiro Barcelos, 2350, sala 400, Santa Cecília
90035-903 Porto Alegre, RS, Brasil
rrparcianello@hotmail.com

Submetido em: 24/10/2016
Aceito em: 15/01/2017

 

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