Rev. bras. psicoter. 2016; 18(2):109-123
Martins MAM, Monteiro IS. Psicoterapia interpessoal: características e efetividade. Rev. bras. psicoter. 2016;18(2):109-123
Artigos Originais
Psicoterapia interpessoal: características e efetividade
Marco André de Melo Martins1; Ivandro Soares Monteiro2
Resumo
Abstract
INTRODUÇAO
A psicoterapia interpessoal (TIP) foi fundada por Gerald Klerman, Myrna Weissman e colegas como um tratamento de tempo limitado destinado a tratar a depressao major, uma perturbaçao mental comum, debilitante, geradora de elevados custos econômicos e potencialmente mortal1.
É uma das duas principais intervençoes psicoterapêuticas para as perturbaçoes de humor que se baseiam em evidências empíricas sólidas, a par da terapia cognitivo-comportamental2,3. Enquanto psicoterapias validadas empiricamente, partilham entre si o fato de serem orientadas para um diagnóstico clínico, limitadas no tempo, centradas no presente e dirigidas para o reassumir do controle, por parte do paciente, do seu humor e funcionamento psicológico global4.
A TIP está apoiada nos fatores comuns de uma eficaz psicoterapia, a saber: formar uma aliança terapêutica, ajudar o paciente a sentir-se compreendido, encorajar a expressao afetiva e ligar esses afetos às circunstâncias de vida, apresentar um racional claro, estabelecer um ritual terapêutico e reforçar experiências bem-sucedidas4.
Esse modelo terapêutico parte de uma premissa fundamental, nomeadamente que as perturbaçoes psicológicas, embora sejam causadas por múltiplos fatores, acontecem invariavelmente num contexto social e interpessoal. E, portanto, o seu propósito essencial é conseguir o alívio dos sintomas psicológicos intervindo nas dificuldades relacionais do paciente5.
A expansao da TIP tem sido uma realidade notada6, por diversas razoes. Primeiro, porque é um modelo terapêutico fácil de aprender e de ensinar. Segundo, porque tem sido adaptado com sucesso a várias outras perturbaçoes psicológicas, diferentes faixas etárias e grupos étnicos. Em terceiro lugar, porque se beneficia da atual tendência para se enfatizar a psicoterapia baseada em evidência científica, o que faz aumentar a atençao sobre psicoterapias de tempo limitado com eficácia comprovada7.
Este artigo procura alcançar três objetivos fundamentais: 1) apresentar e estabelecer uma posiçao teórica sobre a utilidade da psicoterapia interpessoal; 2) rever a bibliografia que suporta essa utilidade; 3) dar conta da situaçao da psicoterapia interpessoal em Portugal e no Brasil, procurando contribuir para o seu reforço junto de clínicos, investigadores e universidades, através da divulgaçao da sua estrutura, método e forma de administraçao, assim como aplicaçoes diretas a quadros clínicos conhecidos. Assim, procuramos contribuir para a disseminaçao do valor científico do modelo da psicoterapia interpessoal, através de uma revisao bibliográfica abrangente de fontes válidas e reconhecidas pela American Psychological Association (APA) e International Society for Interpersonal Psychotherapy (ISIPT).
FUNDAMENTOS TEORICOS
A psicoterapia interpessoal é uma das poucas psicoterapias que nasceram da clínica para a teoria. Surgiu enquanto tratamento prático, sem preocupaçoes teóricas decisivas. No entanto, os seus autores foram influenciados por diversas perspectivas teóricas. Em primeiro lugar, pela teoria interpessoal da psicopatologia, cujos representantes mais destacados foram Adolf Meyer8 e Harry Stack Sullivan9. Depois, pela teoria da vinculaçao, de John Bowlby10. E, mais recentemente, pela teoria da comunicaçao11-14 e teoria social15.
TEORIA INTERPESSOAL DA PSICOPATOLOGIA
Adolf Meyer, figura influente na psiquiatria americana, interessou-se pelo funcionamento da pessoa entendida enquanto totalidade, atribuindo especial importância às observaçoes empíricas e olhando com igual interesse para fatores biológicos e psicossociais16. Considerava o ambiente social-interpessoal como o locus mais importante na adaptaçao do indivíduo.
Influenciado por Adolf Meyer, Harry Stack Sullivan, psicanalista britânico, atribuía importância central às relaçoes interpessoais. Esse autor entendia que as relaçoes estabelecidas com os outros constituíam o aspecto mais fundamental da experiência humana16. Por sua vez, a saúde mental do indivíduo dependeria, por isso, da constituiçao de relaçoes saudáveis. Relacionada com a necessidade de serem estabelecidas relaçoes interpessoais estaria a necessidade de segurança nas relaçoes, ou seja, a capacidade de adquirir um senso de confiança e competência na esfera interpessoal.
Adolf Meyer e Harry Stack Sullivan ajudaram a preencher o hiato que existia entre a psiquiatria e as ciências sociais17. A ideia fundamental que deriva dos seus trabalhos é a de que os eventos de vida, em particular as relaçoes interpessoais, influenciam a psicopatologia.
TEORIA DA VINCULAÇAO
Os trabalhos de John Bowlby10 sobre vinculaçao e as consequências interpessoais da perda e separaçao constituem uma influência essencial para a psicoterapia interpessoal, constituindo o seu pilar teórico fundamental, sobretudo porque, num modelo psicoterapêutico que se centra nas relaçoes interpessoais do paciente, como sucede no caso da TIP, é útil entender as formas pelas quais os indivíduos iniciam, mantêm e terminam as suas relaçoes com os outros, assim como as maneiras pelas quais desenvolvem problemas nessas mesmas relaçoes5.
John Bowlby10 entendia a vinculaçao como um sistema complexo, biologicamente determinado, com o objetivo de manter o cuidador em proximidade. Esse mecanismo serviria de base a partir da qual eram lançados os comportamentos dirigidos a objetivos. Se na infância a vinculaçao era segura, formar-se-ia a base para o sucesso futuro nas relaçoes interpessoais. Caso tal nao acontecesse, surgiriam as dificuldades emocionais, perturbaçoes da vinculaçao e a psicopatologia.
O trabalho de John Bowlby foi continuado, entre outros, por Mary Ainsworth18, que acabou por conceitualizar diferentes estilos de vinculaçao, que servem de base no relacionamento com os outros: vinculaçao segura, vinculaçao ansiosa-ambivalente e vinculaçao evitante. O estilo de vinculaçao, embora nao constituindo o foco do tratamento, é de fundamental importância para a TIP, pela razao de poder condicionar o curso do tratamento e os seus resultados a longo prazo19.
Assim, a história do desenvolvimento, que condiciona o estilo de vinculaçao, resulta num estilo de vinculaçao no adulto seguro ou inseguro que vai determinar o grau de proximidade e qualidade das relaçoes interpessoais, dentro dos contextos de vida pessoal, social e profissional20.
TEORIA DA COMUNICAÇAO
A teoria da comunicaçao, articulada por Kiesler11-13 e Benjamin14, descreve a forma como os padroes mal-adaptativos de comunicaçao conduzem a dificuldades nas relaçoes atuais do indivíduo. Esses padroes disfuncionais dizem respeito a um estilo de comunicaçao rígido e automático que provoca reaçoes inadvertidas e indesejadas nos outros13.
O modelo de Kiesler é importante para os clínicos porque ajuda a identificar comportamentos interpessoais alternativos a esses tipos de padroes, que despertem sentimentos de pertença e de proatividade nas relaçoes, em vez de contribuírem para o isolamento, afastamento e passividade, o que pode resultar no agravamento do desespero, isolamento e baixa autoestima21.
Na TIP, a comunicaçao é entendida como um subproduto do comportamento de vinculaçao. Ou seja, se alguém desenvolve dificuldades de vinculaçao, é previsível que, secundariamente, desenvolva problemas de comunicaçao com os outros. Tais problemas constituem o foco sobre o qual incidem várias técnicas terapêuticas na TIP.
TEORIA SOCIAL
A teoria social descrita por Henderson & Duncan-Jones15 constitui a base de entendimento do contexto interpessoal do indivíduo e o efeito que a rede social tem no funcionamento interpessoal. Defende que as deficiências nas relaçoes sociais sao um fator causal independente na gênese das perturbaçoes psicológicas e que é o ambiente social atual que se revela crucial no desenvolvimento de dificuldades psicológicas.
A relaçao entre o ambiente social atual e o adoecer psicológico parece ainda mais forte quando o indivíduo enfrenta um estressor psicossocial significativo. Aqueles indivíduos que nao têm, ou têm a percepçao de nao ter, uma rede de suporte social suficiente estao em maior risco de desenvolver perturbaçoes psicológicas5.
ASSERÇOES FUNDAMENTAIS DA PSICOTERAPIA INTERPESSOAL
A psicoterapia interpessoal baseia-se nas seguintes asserçoes fundamentais7:
A depressao clínica é uma doença tratável (em vez de ser conceitualizada como um defeito pessoal do paciente, por exemplo).
A depressao clínica ocorre num contexto relacional e de fatores sociais (ou seja, o humor do paciente está intimamente relacionado a eventos de vida perturbadores, que provocam ou sao seguidos pelo aparecimento de uma perturbaçao de humor).
O tratamento deve basear-se em evidência científica de qualquer disciplina relevante, como a epidemiologia, neurobiologia etc.
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