Rev. bras. psicoter. 2016; 18(2):78-95
Oliveira LRF, Gastaud MB, Ramires VRR. Participaçao dos pais na psicoterapia psicanalítica de crianças. Rev. bras. psicoter. 2016;18(2):78-95
Artigos Originais
Participaçao dos pais na psicoterapia psicanalítica de crianças
Parent participation in child psychoanalytic psychotherapy
Luiz Ronaldo Freitas de Oliveira1; Marina Bento Gastaud2; Vera Regina Röhnelt Ramires3
Resumo
Abstract
INTRODUÇAO
A participaçao dos pais na psicoterapia psicanalítica de crianças sempre foi controversa1. A primeira publicaçao acerca de uma criança auxiliada pela psicanálise foi feita por Freud2, intitulada "Análise de uma fobia em um menino de cinco anos", conhecida como o caso do Pequeno Hans. Nesse caso, o menino era tratado por intermédio de seu pai, orientado por Freud2. Foi a psicanalista vienense Hug-Hellmuth que conduziu a primeira psicanálise com crianças, utilizando o jogo como ferramenta de acesso ao paciente e abandonando o uso do diva3.
Anna Freud4 e Melanie Klein5 deram continuidade ao pioneirismo da psicanálise infantil, porém com abordagens divergentes. Anna Freud4, representando a escola vienense, radicalizou a posiçao de que a análise da criança nao deveria começar antes dos quatro anos de idade, nem ser conduzida diretamente com ela, mas sim por intermédio da autoridade dos pais ou responsáveis. Ao contrário, Melanie Klein5 postulava que era preciso eliminar todas as barreiras que impediam o analista de ter acesso direto às fantasias inconscientes da criança, partindo da sua prática clínica com crianças a partir de dois anos, por meio dos brinquedos e jogos.
A psicoterapia psicanalítica (PP) de crianças teve seus pressupostos derivados da psicanálise e tem como objetivo possibilitar ao indivíduo a ampliaçao do entendimento sobre seu funcionamento, resultando no uso de defesas mais maduras, na melhora do padrao das relaçoes objetais6 e em mudanças sintomáticas significativas7. Embora haja uma crescente diversidade teórica dentro do referencial psicanalítico, o que o distingue dos demais sao os seus conceitos fundamentais: vida mental instintual (consciente e inconsciente), fases, conflitos e defesas desenvolvimentistas, realidade (psíquica) interna, a tendência para repetir o passado no presente, o fenômeno da transferência e da contratransferência e a dinâmica elaboraçao dos conflitos no curso de um tratamento8.
Na PP de crianças, as brincadeiras e atividades lúdicas sao o caminho pelo qual se tem acesso ao seu mundo interno. Seus objetivos sao atender situaçoes focais, resolver conflitos do desenvolvimento, propiciar a aquisiçao de insight sobre as motivaçoes inconscientes dos comportamentos relacionados aos conflitos principais e ajudar o paciente a retomar o curso normal do desenvolvimento9. Espera-se que ao longo da psicoterapia as tendências regressivas da criança diminuam, haja superaçao das inibiçoes e das paradas desenvolvimentais e que as energias liberadas e neutralizadas fiquem disponíveis para a atividade sublimada10.
Tendo as mesmas bases teóricas da psicanálise, a PP é herdeira das mesmas contradiçoes. Sendo um instrumento psicoterapêutico relevante, pode funcionar como uma medida preventiva, propiciando a construçao de bases sólidas para a integraçao mental no tratamento de perturbaçoes psíquicas diversas11. Porém, cada escola teórica advoga a favor de um papel mais ou menos intervencionista em relaçao aos pais no tratamento dos seus filhos, e apresenta soluçoes divergentes para essa questao. Em geral, cabe ao responsável pela criança a decisao de buscar tratamento e fornecer as informaçoes pregressas e atuais sobre a criança e sobre o pano de fundo familiar e social em que ela está inserida. Por isso, existe necessariamente um contato inicial entre o terapeuta e os responsáveis pela criança para que se inicie um tratamento.
De um lado, o contato terapeuta-genitor é visto como algo que pode contaminar a psicoterapia, quando os pais distorcem os fatos e obstruem o desenvolvimento da aliança terapêutica com a criança, levando-a a desconfiar do sigilo do terapeuta e a sentir que o tratamento é para os pais, e nao para ela. Aberastury12, ao longo da sua prática, suprimiu as entrevistas posteriores à avaliaçao com os pais (exceto quando os pais solicitavam) e abandonou o trabalho de orientaçao a pais, ao perceber que essas práticas transformavam o terapeuta em uma figura superegoica, fazendo com que a culpa que sentiam por estar errando com a criança se convertesse em agressao à psicoterapia. Como o vínculo transferencial dos pais nao pode ser interpretado, seu contato com o terapeuta acaba sendo superficial e de apoio, gerando frustraçoes. Para essa autora, os pais deveriam ser encaminhados à psicoterapia pessoal ou a grupos de orientaçao de pais nos casos em que suas dificuldades estejam impedindo o avanço do tratamento de seus filhos.
Opostos a essas ideias, encontram-se os defensores dos encontros terapeuta-genitores, tornando possível trabalhar as questoes familiares envolvidas nos sintomas da criança e conceder apoio aos pais quando os sintomas aumentam, persistem ou retornam9,10,13. A decisao dos pais de buscar psicoterapia para seu filho é geralmente marcada por uma série de sentimentos ambivalentes10. Quando nao trabalhados ao longo da psicoterapia, esses sentimentos acabam por impedir a evoluçao do tratamento da criança. Para Zimerman13, é difícil imaginar uma criança atendida em psicoterapia psicanalítica sem o acompanhamento concomitante sistemático dos pais, nao sendo rara a possibilidade de realizar sessoes familiares.
Como se pode observar, nao há consenso a respeito de como deve ser a participaçao dos pais no tratamento dos seus filhos. Além disso, a formaçao dos psicoterapeutas, tradicionalmente, é baseada em referências teóricas14,15, beneficiando-se pouco da pesquisa e das publicaçoes em periódicos científicos. Partindo dessas constataçoes, o presente estudo teve como objetivo revisar sistematicamente os artigos científicos sobre o tema da participaçao dos pais na PP de crianças, contribuindo para o debate e a elucidaçao dos prós e contras dessa participaçao. Especificamente, buscou-se discutir as abordagens de trabalho utilizadas com os pais, os benefícios e riscos da participaçao dos pais na psicoterapia da criança, os aspectos transferenciais e contratransferenciais desse processo, o manejo técnico e enquadre na sessao.
MÉTODO
Foram consultadas as bases de dados CAPES (campo Assunto), Medline, Lilacs, SciELO, PsycInfo (campo Abstract), Pepsic e PubMed (campo Title/Abstract). Os descritores utilizados em todas as bases foram: psychoanalytic psychotherapy, children e parents. Além disso, a escolha dos descritores foi realizada a partir dos termos previstos pelo DECS, Mesh Terms e pela relevância nas publicaçoes relacionadas à área de investigaçao.
Critérios de inclusao e de exclusao
Foram incluídos todos os artigos publicados nos últimos 30 anos, em inglês, espanhol ou português. Optou-se por investigar um período longo de tempo na tentativa de identificar o maior número de estudos, já que as pesquisas sobre o tema sao reduzidas. Foram excluídos os artigos: 1) que nao abordassem o tema da participaçao dos pais na psicoterapia de crianças, 2) referentes ao atendimento de adolescentes, 3) relativos à psicoterapia em grupo, 3) destinados às abordagens de intervençao pais-bebê e/ou 4) baseados em referenciais teóricos nao psicanalíticos ou psicodinâmicos.
Procedimentos de coleta e análise dos dados
Todos os estudos que contemplaram os critérios de inclusao foram analisados de forma descritiva e qualitativa, de acordo com as seguintes categorias: objetivo, método e resultados. Numa segunda etapa, foram analisadas as convergências e divergências entre as publicaçoes, selecionando os temas mais recorrentes, destacados por categorias temáticas.
RESULTADOS E DISCUSSAO
Até dezembro de 2015, foram localizados 177 registros nas bases de dados utilizando os descritores mencionados. Após a identificaçao dos registros duplicados e a aplicaçao dos filtros aos critérios de inclusao, 70 resumos de artigos foram selecionados e analisados. Destes, 14 artigos foram considerados pertinentes para a análise e compuseram a presente investigaçao, conforme descrito no fluxograma que segue:
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