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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2016; 18(2):37-49



Artigos Originais

Desistência e abandono da psicoterapia em um serviço-escola de Psicologia

Withdrawal and abandonment of psychotherapy in a Psychology service-school

Maíra Bonafé Sei1; Joao Rafael Pimentel Colavin2

Resumo

Os serviços-escola de Psicologia sao parte fundamental da graduaçao em Psicologia por propiciar a vivência da prática clínica e permitir o acesso da populaçao aos atendimentos psicológicos ofertados. Todavia, se por um lado há uma grande busca por esse tipo de serviço, por outro nota-se uma forte presença de desistências e abandonos por parte do público que demanda a ajuda psicológica. Objetivou-se, assim, mapear o índice de desistência e abandono dos atendimentos psicológicos em um serviço-escola de Psicologia de uma universidade pública do estado do Paraná. Trata-se de uma pesquisa descritiva, empreendida por meio de pesquisa documental, a partir da consulta a fichas de triagens e resumos de encerramento de casos. Observou-se um total de 24% de desistência do processo de psicoterapia durante o tratamento. Entende-se que essa porcentagem poderia ser diminuída diante da oferta de intervençoes mais específicas que pudessem melhor contemplar as demandas dessa populaçao.

Descritores: Psicoterapia; Psicologia clínica; Recusa do paciente ao tratamento; Pacientes desistentes do tratamento.

Abstract

The psychological university clinics are a fundamental part of undergraduate courses in the area for allowing the experience of clinical practice and enabling the population's access to psychological assistance offered. However, if on one hand there is a big demand for this type of service, on the other it a significant presence of dropout and abandonment of the psychological assistance is noticed, by the public who claim demand for the psychological help. Faced with this panorama, it was aimed to map the dropout and abandonment rate in a psychological university clinic of a public university in the state of Paraná. It is a descriptive research, undertaken through documental research from the consulting screening sheets and case closure summaries. There was a total of 24% of the withdrawals of the psychotherapy process during the treatment and it is understood that this percentage could be reduced through the offer of more specific interventions that could better address the needs of this population.

Keywords: Psychotherapy; Psychology; clinical; Patient dropouts; Treatment refusal.

 

 

INTRODUÇAO

O serviço-escola de Psicologia é um serviço que está diretamente vinculado aos cursos de graduaçao em Psicologia. Desde a Lei 4.119, em 1962, por meio da qual a profissao de "Psicólogo" foi regulamentada e reconhecida na Classificaçao Brasileira de Ocupaçoes (CBO), os serviços-escola de Psicologia foram instalados com o objetivo de propiciar ao estudante a vivência da prática clínica. Assim, o futuro psicólogo pode transpor o aprendizado apenas teórico e conduzir processos terapêuticos, oferecendo atendimento psicológico à populaçao que nao tem condiçoes de arcar com os custos da psicoterapia em clínicas particulares1.

Por se tratar de um serviço com custo acessível, com preços abaixo daqueles praticados em espaços privados ou mesmo sem cobrança financeira, um cenário permeado por algumas dificuldades acaba por se delinear nesse tipo de instituiçao. Neste sentido, Guerrelhas e Silvares2 pontuam que os principais problemas encontrados no contexto do serviço-escola de Psicologia sao as longas filas para atendimento e consequentemente um extenso período de espera para o atendimento e um grande número de desistências e abandonos do processo psicoterapêutico. Quanto ao termo "desistência", esta é definida por Kazdin e Mazurick3 como o término prematuro e unilateral do tratamento, que pode acontecer tanto por parte do paciente quanto por parte do terapeuta.

Alguns estudos mostram a realidade do Brasil acerca da situaçao da evasao em serviços públicos de atendimento psicológico, sobretudo os serviços-escola de Psicologia. Dentre estes, menciona-se o trabalho de Lhullier et al.4, desenvolvido na cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, que concluiu que 49,5% dos pacientes atendidos na Clínica-Escola da Universidade Federal de Pelotas abandonaram a psicoterapia sem nenhuma sinalizaçao de término por parte do terapeuta ou da instituiçao. Ampliando o olhar para além da realidade brasileira, Wierzbicki e Pekarin5 mostraram que 48% dos pacientes que iniciam um trabalho psicoterapêutico abandonam seus tratamentos. Além disso, em estudo empreendido por Bados, Balaguer e Saldaña6, 43,8% dos pacientes da Clínica-Escola da Universidade de Barcelona abandonaram seus tratamentos, citando como motivos a baixa motivaçao para o processo ou a insatisfaçao com o tratamento ou o terapeuta (46,7%), dificuldades nao relacionadas ao tratamento ou à instituiçao (40%) ou nao ter sentido nenhuma melhora em seu sintoma (13,3%).

Diante de tais dados, faz-se necessário investigar os sentidos e motivaçoes para essa alta taxa de evasao (quase metade dos pacientes tanto no Brasil quanto no exterior), para identificaçao de aspectos que geram o abandono e, com isso, possibilitar mudanças no manejo do atendimento, prevenindo a saída do paciente do processo terapêutico antes do término previsto7. Neste sentido, observa-se que vários sao os motivos para a desistência do atendimento psicológico8, tais como uma frágil aliança terapêutica entre paciente e terapeuta, dificuldades pessoais do paciente em se engajar em determinados tipos de tratamentos psicológicos7, a troca de terapeutas presente no atendimento em instituiçoes9, a percepçao de que já obteve a ajuda almejada10,11, experiências negativas em tratamentos anteriores, início do tratamento em decorrência de indicaçao de terceiros12, dentre outros.

A despeito do fato de alguns pacientes desistentes referirem ter alcançado a melhora desejada10,11, entende-se que a desistência decorrente de questoes como problemas na relaçao terapêutica, advindas da troca de terapeutas ou da frágil aliança terapêutica, podem fazer com que a pessoa nao se beneficie de tudo o que a psicoterapia poderia lhe oferecer, sem, talvez, conseguir solucionar seus conflitos e questoes. Uma dinâmica como essa poderia contribuir para o aumento da taxa de pessoas com morbidades psiquiátricas graves13, tornando-se esse um problema de saúde pública. A partir desse panorama, objetiva-se mapear as desistências e abandonos da psicoterapia junto a um serviço-escola de Psicologia, apontando para as possíveis motivaçoes da populaçao para a nao continuidade no atendimento inicialmente solicitado.


MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa descritiva que, enquanto tal, almeja descrever características de uma populaçao ou fenômeno, sem manipulaçoes ou interferência do pesquisador, com o intuito de classificaçao, explicaçao e interpretaçao dos acontecimentos14. No que se refere aos procedimentos empregados, caracteriza-se como uma pesquisa de levantamento, de caráter documental, ou seja, que se baseia em documentos que nao receberam um tratamento analítico, com o objetivo de organizar informaçoes dispersas dando a estas uma importância como fonte de consulta.

No caso desta investigaçao, os documentos consultados foram as fichas de triagens realizadas e os resumos de encerramento de casos referentes a atendimentos efetuados em um serviço-escola, entre fevereiro de 2013 e dezembro de 2013. Esclarece-se que no serviço-escola em questao constam no prontuário dos pacientes os seguintes documentos: a ficha de triagem, uma tabela com informaçoes sobre as sessoes realizadas, os atendimentos desmarcados e as faltas nao justificadas, além de uma ficha de encerramento do caso nas situaçoes de alta ou desistência da psicoterapia, na qual constam informaçoes acerca do número de sessoes realizadas, aspectos trabalhados e motivo da finalizaçao, ou uma ficha de encaminhamento do caso para outro terapeuta no caso de finalizaçao das atividades do terapeuta inicial junto ao serviço-escola.

Quanto aos aspectos éticos, ressalta-se que todos os pacientes do referido serviço, acompanhados em psicoterapia, assinam um Termo de Consentimento, por meio do qual indicam a ciência sobre o uso do material clínico decorrente dos atendimentos realizados, trabalhos científicos e outras atividades de caráter acadêmico.


CARACTERIZAÇAO DO SERVIÇO-ESCOLA

O presente trabalho baseia-se na experiência de um serviço-escola de Psicologia de uma universidade pública paranaense, instituiçao que conta com aproximadamente 40 anos de existência. Sua implantaçao foi decorrente da chegada ao 5º ano do curso de Psicologia para a habilitaçao de Formaçao de Psicólogo. Esse serviço atende a comunidade interna (estudantes e funcionários da universidade) e a comunidade externa (moradores da cidade na qual a universidade está situada e de municípios da regiao sem vínculo com a instituiçao), que procuram atendimento por iniciativa própria ou que chegam ao espaço por meio de encaminhamentos, e propicia aos estagiários a vivência da prática clínica em Psicologia.

Sua principal oferta ao público interessado é a psicoterapia individual, usualmente conduzida por estagiários de 5° ano da graduaçao em Psicologia, sob supervisao de docentes credenciados junto ao Conselho Regional de Psicologia. Contudo, também realiza atividades de avaliaçao psicológica, psicoterapia de grupo, casal e família, dentre outras intervençoes psicológicas, propostas por meio de projetos de ensino, pesquisa e extensao. Ao iniciar a psicoterapia, os pacientes assinam um termo de consentimento no qual fica estabelecido o contrato terapêutico, com declaraçao de ciência acerca do fato de tratar-se de um serviço-escola de Psicologia, cujos atendimentos sao conduzidos por estudantes em formaçao, com a norma de nao poderem se ausentar em mais de 30% dos atendimentos agendados.

Ressalta-se que o estágio em Psicologia Clínica configurou-se como uma atividade obrigatória a todos os estudantes de Psicologia para a conclusao da formaçao de psicólogo. Todos os estagiários deveriam atender obrigatoriamente um caso clínico, ao longo de um ano letivo. Entretanto, por meio de uma mudança curricular, a ênfase "Psicologia e Processos Clínicos" passou a se apresentar como uma das três possíveis ênfases do curso a partir do currículo cuja vigência se iniciou em 2014, tendo, entao, um caráter optativo.

No que se refere ao montante de atendimentos realizados, entre 2006 e 2013, o serviço-escola estudado contabilizou uma média de 3.855 atendimentos por ano. Em 2013, foram realizados 4.104 atendimentos, sendo 3.974 atendimentos realizados de forma individual e 130 realizados em grupo. Foram também realizadas 229 entrevistas de triagem, sendo 176 de pessoas adultas e 53 de crianças. Dentre essas 229, 188 compareceram e deram prosseguimentos à psicoterapia e 41 nao deram prosseguimento quando chamados para iniciar a psicoterapia.




De uma forma geral, o serviço-escola de Psicologia investigado tem uma grande demanda por atendimento. O tempo de espera por atendimento é de aproximadamente um ano, contando a partir do primeiro contato para solicitaçao do atendimento. Indica-se que os procedimentos adotados para o início do atendimento sao: inclusao do nome do interessado na lista de espera, após a qual se realiza uma entrevista de triagem. Por meio da triagem a pessoa pode ser encaminhada para a psicoterapia e, entao, iniciar o processo terapêutico. Entretanto, frequentemente decorre um tempo entre a inserçao do nome na lista de espera e o chamado para a entrevista de triagem. Há igualmente uma espera entre a entrevista de triagem e o início da psicoterapia, que frequentemente nao é efetuada pela mesma pessoa responsável pela entrevista inicial.

Como posto, no ano de 2013, dentre as 229 entrevistas de triagem realizadas, houve um total de 41 pessoas que nao se interessaram por começar a psicoterapia, totalizando 18% dos indivíduos inicialmente triados. Essa desistência pode ser decorrente de diversos fatores, como o tempo de espera, com esse fator desempenhando um papel importante na desistência da psicoterapia2,8, que pode gerar a sensaçao de que nao mais serao chamados para o atendimento ou de que nao há mais uma demanda para a psicoterapia. Em outras situaçoes, tem-se uma dificuldade em estabelecer contato com o interessado, por mudanças nos números de telefone e e-mails inicialmente indicados pela pessoa. Apesar das dificuldades e limites encontrados, observou-se que o serviço apresentou um índice de evasao de pacientes abaixo da média das pesquisas nacionais4,15 e internacionais5,6.

Dentre os 188 indivíduos que deram prosseguimento à psicoterapia, 163 residem na cidade onde a universidade está localizada e 25 residem em cidades vizinhas. Do total de pessoas que realizaram psicoterapia durante o ano letivo de 2013, 37 receberam alta, ou seja, aproximadamente 20% dos pacientes, e 45 desistiram durante o processo, isto é, 24% dos casos. O restante foi encaminhado para continuidade do atendimento no ano de 2014, totalizando 106 casos com indicaçao de continuidade da psicoterapia.




Dentre os 37 pacientes que receberam alta em 2013, 23 eram pacientes adultos (62%) e 14 eram pacientes infantis (38%), lembrando que o serviço-escola estudado adota uma categorizaçao genérica de infantis como todos os pacientes com idade igual ou inferior a 17 anos. A partir de 18 anos, sao inseridos da categoria "adultos". Dentre os desistentes do processo de psicoterapia em 2013, 47% foram pacientes infantis e 53% foram pacientes adultos.


SOBRE AS DESISTENCIAS E ABANDONOS

Piper et al.7 consideram que há desistência da psicoterapia quando o paciente, por decisao própria, com ou sem o conhecimento prévio do terapeuta e tendo comparecido a pelo menos uma sessao de psicoterapia, cessa de fazê-lo, às vezes antes mesmo de o trabalho tomar grandes proporçoes, por diversos motivos. Lhullier et al.4 pontuam que abandono designa situaçoes que incluem o término prematuro, no qual o terapeuta tem como meta levar adiante a terapia por mais sessoes e é surpreendido pela deserçao do paciente. Para Benetti e Cunha8, a partir dos estudos sobre o tema, percebe-se a existência de inconsistências quanto à definiçao conceitual de abandono psicoterápico, dada as diferenças nos critérios para inclusao de casos nesse tipo de amostras.

A despeito das diferenças postas por alguns autores e diante da dificuldade de conceituaçao de desistência e abandono no campo do atendimento psicológico, opta-se, neste trabalho, por adotar os termos desistência e abandono como sinônimos. Utilizam-se esses termos neste estudo para designar, em concordância com Jung et al.12, situaçoes nas quais houve uma rescisao unilateral do contrato terapêutico por parte do paciente. Almeja-se aqui investigar os motivos da interrupçao do tratamento psicoterapêutico por parte do paciente, seja nas primeiras sessoes ou mesmo nas situaçoes nas quais ele já tenha percorrido um caminho com seu terapeuta.

Observou-se que, do total de pessoas que iniciaram a psicoterapia em 2013 no serviço-escola de Psicologia estudado, 24% desistiram do processo de psicoterapia durante o tratamento. A partir da leitura dos resumos de encerramento dos casos atendidos, as justificativas apresentadas pelos terapeutas nos relatos de encerramento de caso foram classificadas da seguinte maneira, explicadas a seguir: nao adesao à psicoterapia (20%), problemas com o terapeuta ou com a instituiçao (33,3%), questoes particulares externas à clínica (17,7%), encerramento por faltas injustificadas (27%) e 2% nao justificaram o encerramento do caso.


Gráfico 1. Motivos para desistência da psicoterapia



Indicou-se como nao adesao à psicoterapia os casos, que totalizaram 20% das desistências, nos quais os pacientes comparecem nos atendimentos, entretanto nao fizeram uso desse espaço para expor suas questoes e o que os levou a procurar atendimento, ficando em silêncio e nao respondendo aos questionamentos, propostas e perguntas feitas pelo terapeuta7. Os motivos que levam as pessoas a desistirem por esse motivo, segundo Silvares e Pereira16, sao, em adultos, questoes pessoais, como o sentimento de falta de preparo para se autoconhecer. Quanto às desistências no contexto do atendimento infantil em geral, podem ser atribuídas à dependência das crianças em relaçao aos pais para o comparecimento no serviço, com os responsáveis tendo o poder de decidir se o filho continua ou nao em processo de psicoterapia. Neste sentido, nos casos em que os pais compreendem que o atendimento nao está apresentando os resultados esperados, ou diante de dificuldades para levar o filho ao serviço-escola, a criança acaba por ser desligada da psicoterapia16.

Problemas com o terapeuta e com a instituiçao foi o que motivou 33,3% dos desistentes a se desligarem de seu acompanhamento psicológico. Considerou-se que há problemas com o terapeuta e com a instituiçao quando o paciente tem problemas de vínculo com o terapeuta ou quando nao existe vínculo algum. Esse é um resultado significativo e que demanda maiores estudos para aprofundamento da compreensao acerca dessa categoria, seja no que se refere à relaçao terapêutica, seja no que concerne aos problemas do paciente com o serviço, repensando práticas e normas estabelecidas na instituiçao.

No que se refere à relaçao terapeuta-paciente, pode-se discutir questoes relativas à transferência, que pode ser definida como um fenômeno no qual o desejo do paciente se apresentará no setting, existindo uma repetiçao dos padroes de comportamento infantis, e as figuras simbólicas dos pais serao projetadas no terapeuta17. Entende-se que a vinculaçao ao atendimento pode ser vista como um fruto da transferência positiva18. Por meio dela, pode-se estabelecer uma aliança terapêutica considerada como necessária ao desenvolvimento do processo terapêutico e que contribui para minimizar os casos de desistência do atendimento7, entendendo-se que rupturas na aliança terapêutica podem ocasionar o abandono do atendimento19.

Quanto à transferência, esta pode ser positiva ou negativa. Pimentel e Barros20 definem por transferência positiva aquela na qual o paciente desenvolve sentimentos afetuosos por seu terapeuta e vê neste uma possibilidade de "cura", enquanto que na transferência negativa o paciente desenvolve sentimentos hostis em relaçao ao terapeuta. Se a transferência que se estabelece no setting é negativa, haverá grandes dificuldades de prosseguir o atendimento, uma vez que o paciente se tornará mais resistente e procurará nao expor suas questoes ao terapeuta e, assim, nao existirá vínculo terapêutico entre paciente e terapeuta ou este será prejudicado e negativo, influenciando na desistência do atendimento.

Cabe ressaltar que, por se tratar de um atendimento realizado em serviço-escola de Psicologia, com conduçao feita por estagiários em formaçao, os problemas relativos ao vínculo terapêutico podem ser decorrentes da inexperiência do terapeuta21. Em concordância, Silvares22 indica que o índice de desistência e abandono está diretamente relacionado à qualidade do atendimento, pensando-se que terapeutas ainda em formaçao estao mais suscetíveis a dificuldades de compreensao das questoes apresentadas pelo paciente e no manejo do caso.

No caso da instituiçao na qual este estudo foi realizado, tinha-se uma organizaçao curricular que colocava a atividade clínica como obrigatória para todos os estudantes de Psicologia. Tal aspecto pode contribuir para a existência de resistências no próprio terapeuta, gerando dificuldades no estabelecimento de uma aliança terapêutica que possibilite o desenvolvimento e finalizaçao do atendimento. Essa realidade está em fase de mudança frente à alteraçao da grade curricular, de maneira que a partir dos próximos anos participarao da ênfase de "Psicologia e Processos Clínicos" apenas os estudantes que escolherem atuar nesse campo.

Foi observado também que, em 17,7% dos casos de desistência, o motivo dado pelos pacientes foram questoes pessoais externas à clínica ou ao terapeuta. Foram colocados nessa categoria os casos nos quais houve desistência devido a dificuldades de locomoçao, considerando-se que o serviço-escola de Psicologia em questao fica no campus da universidade, situado em um local distante de algumas das principais regioes da cidade. Foram incluídas nessa categoria também as desistências devido à mudança de cidade por parte dos pacientes, dentre outras questoes similares, consideradas como circunstâncias que fogem ao alcance do paciente e mesmo do terapeuta e da clínica.

Observou-se que em 27% dos casos o encerramento aconteceu em decorrência de faltas injustificadas, ou seja, quando os pacientes que nao deram prosseguimento à psicoterapia foram desligados da clínica devido ao alto número de faltas sem justificativas. Nesses casos, nao havia uma justificativa para as faltas, com os pacientes seguidamente faltando até serem desligados do serviço, sem o estabelecimento de um contato do paciente com a instituiçao. Assim, segundo as normas do serviço-escola de Psicologia estudado, sao toleradas no máximo três faltas injustificadas ou 30% de faltas em relaçao ao número de atendimentos. Observou-se que esses pacientes faltaram por várias vezes e foram desligados por faltarem duas ou mais vezes consecutivas.

Buscou-se diferenciar essa categoria das demais, haja vista que em variados casos o paciente nao notificou a existência de problemas externos à clínica ou ao terapeuta, outros problemas (problemas de locomoçao ou óbito) e, enquanto estava sendo atendido, demonstrava interesse e conseguia tirar certo proveito da psicoterapia. Tal dinâmica suscita maiores questionamentos por parte do terapeuta acerca do que motivou a desistência do processo terapêutico, diferentemente das situaçoes nas quais resistências sao evidentes. Castro23 pontua que mesmo nesses casos existem motivaçoes inconscientes que fazem que o paciente se esqueça do atendimento ou nao dê motivos para as suas faltas. Todavia, na presente pesquisa, nao foram colocados nessa categoria pacientes que justificaram a desistência ou abandono da psicoterapia, inserindo apenas aqueles que a abandonaram sem justificar ao serviço ou ao terapeuta.

Silvares22 cita que o custo financeiro está estritamente ligado à permanência no processo de psicoterapia, e nesse quesito observa-se que, comparado a outros serviços-escola de Psicologia da regiao, o "custo" desse serviço é inferior. Nas demais instituiçoes da regiao, observa-se que os custos variam entre R$ 8,00 e R$ 50,00, diferente do serviço-escola de Psicologia pesquisado, que adota um "pagamento" simbólico. Este é efetuado por meio de contribuiçoes mensais de itens utilizados no espaço, tais como canetas, pilhas, lápis de cor, dentre outros, o que denota maior facilidade de aquisiçao e maior possibilidade de contribuiçao. Nos casos em que o paciente indica uma efetiva dificuldade financeira para se efetuar esse "pagamento", tem-se a manutençao do atendimento psicológico, visto que a funçao dessa contribuiçao refere-se mais à valorizaçao do processo terapêutico do que à sustentaçao financeira do local.

Apesar da importância acerca do tema da cobrança de honorários por parte do terapeuta, percebe-se que ele ainda nao é tao amplamente tratado na literatura nacional e internacional24 nem ao longo da formaçao dos terapeutas25. A inserçao da cobrança pelo atendimento nos serviços-escola de Psicologia e sua realizaçao por parte do terapeuta fornece material para supervisao, enquanto esse profissional ainda está em treinamento. Como posto por Noronha25, o pagamento acaba por se inserir na economia psíquica do paciente, com o dinheiro mostrando-se como um representante libidinal, com consequências para relaçao quando o valor estabelecido é superior ou inferior às possibilidades do paciente24. Assim, mesmo havendo um apoio da universidade na manutençao do serviço, solicita-se um pagamento do paciente, por meio de materiais diversos.

Outro aspecto que influencia a permanência ou desistência da psicoterapia relaciona-se à troca de terapeutas, sendo que Silvares22 afirma que esse é um dos motivos que mais influencia os pacientes sobre o futuro de seu trabalho psicoterapêutico. Assim, pacientes que têm seus terapeutas substituídos por qualquer motivo tendem a se sentir desmotivados a prosseguir com a psicoterapia e 79% abandonam o trabalho de psicoterapia após a troca. Dentre estes, 93% sao pacientes que realizaram até 15 atendimentos22. Sobre esse tema, Lhullier et al.9 indicaram que a inserçao do terapeuta que assumirá o caso em atendimento conjunto com o terapeuta que está se desligando do serviço contribuiu para melhor adaptaçao do paciente e taxas menores de abandono do atendimento (27%) quando comparado com casos nos quais esse processo de coterapia nao foi realizado (49%). Quanto à troca de terapeutas, Ferreira26 argumenta que há situaçoes, de "pacientes regredidos", nas quais a troca de terapeutas deve ser repensada, haja vista o sofrimento implicado nesse processo, fomentando a fragilizaçao do ego desses indivíduos e possível prejuízo a estes.

No que se refere aos documentos consultados no serviço-escola de Psicologia em questao, as trocas de terapeutas sao feitas, em sua grande maioria, após uma média de 25 atendimentos. O principal motivo das trocas liga-se ao desligamento de discentes que se graduaram e, consequentemente, se desligaram do serviçoescola de Psicologia. No presente estudo, foram observados 42 casos nos quais houve troca de terapeuta, dentre os quais sete casos que, ao serem notificados de que o terapeuta se desligaria do serviço-escola de Psicologia, optaram por nao prosseguir com o atendimento. O restante deu prosseguimento à psicoterapia, totalizando 35 casos de continuidade.




Os motivos pelos quais os terapeutas se desligaram foram, em cinco dos casos, pelo fato de o terapeuta, um estudante de graduaçao em Psicologia, concluir o curso e o paciente nao querer prosseguir com o trabalho psicoterapêutico. Em dois casos, pelo fato de o terapeuta, um psicólogo profissional colaborador do serviço, se desligar da instituiçao por motivos pessoais. Nos sete casos nao houve seguimento desses pacientes em atendimentos privados realizados por esses terapeutas, como é possível diante da saída do terapeuta desse serviço.

De forma geral, entende-se que o custo financeiro simbólico da psicoterapia e a troca de terapeutas apenas após um período relativamente extenso de sessoes podem influenciar para que o índice de desistência e abandono do serviço-escola de Psicologia pesquisado seja relativamente menor do que o índice das pesquisas observadas em Lhullier et al.4, Melo e Guimaraes15, Wierzbicki e Pekarin5 e Bados, Balaguer e Saldaña6. Além disso, o acompanhamento mais próximo dos indivíduos atendidos decorrente da maneira como a grade curricular estava organizada, que solicitava do estagiário o atendimento obrigatório de apenas um paciente, pode cooperar para um melhor desenvolvimento do processo terapêutico, diferentemente das instituiçoes nas quais o estagiário deve acompanhar vários casos clínicos.


CONSIDERAÇOES FINAIS

O presente trabalho demonstrou que, apesar do índice de evasao em psicoterapia no serviço-escola de Psicologia estudado ser inferior à taxa de outros serviços-escola de Psicologia do Brasil e do mundo, ele ainda existe e pode ser reduzido. Nesse serviço há vários projetos de ensino, pesquisa e extensao em desenvolvimento que acabam por se voltar a atendimentos com maior especificidade. Assim, aponta-se para a presença de projetos que propoem a psicoterapia de casais e famílias, atendimento a crianças com dificuldades de aprendizagem, grupo para pessoas obesas, grupo para mulheres que enfrentam dificuldades para engravidar, dentre outros que favorecem a reduçao da fila de espera e o direcionamento das pessoas para demandas específicas.

Compreende-se que, por meio dessas atividades desenvolvidas, pode-se reduzir o índice de evasao de tratamentos psicológicos, haja vista a oferta de uma atençao mais rápida e focada nas questoes trazidas pelo público que busca o espaço. Tal fato carrega sua importância uma vez que, ao desistir ou abandonar o trabalho de psicoterapia, a pessoa deixa de usufruir dos benefícios advindos dessa modalidade de atendimento, sem elaboraçao dos problemas psicológicos que motivaram a solicitaçao da ajuda psicológica.

Estudos mais recentes na área ainda sao escassos, todavia pode-se pensar na necessidade de se desenvolverem estratégias para que o paciente nao se evada do trabalho psicológico e usufrua dos ganhos proporcionados pelo atendimento psicológico, em semelhança aos grupos de espera recreativos para crianças2 e o plantao psicológico27,28. Quanto ao plantao psicológico, trata-se de um atendimento mais imediato a demandas pontuais, que pode contribuir para a resoluçao de questoes emergenciais que de outra forma seriam encaminhadas para a espera pela psicoterapia.

Outra possibilidade para melhor qualificar os atendimentos prestados pelos serviços-escola de Psicologia sao as pesquisas de follow-up11,29. Neste sentido, podem ser realizadas entrevistas junto à populaçao que frequentou o local, para acessar a visao destas acerca do atendimento ofertado, compreendendo mais amplamente as motivaçoes destes para o nao prosseguimento com o atendimento psicológico.

Como exposto pela literatura, ainda sao escassos os estudos sobre eficácia e efetividade das psicoterapias30, incluindo-se nisso a compreensao sobre as desistências e abandonos, sendo pertinentes estudos de mapeamento e compreensao tanto sobre as situaçoes nas quais o indivíduo deixa o atendimento psicológico quanto sobre os casos nos quais este se mantém, em especial nos espaços que propoem a formaçao de terapeutas, tais como os serviços-escola de Psicologia.


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1. Doutorado em Psicologia Clínica (IP-USP). Professora adjunta do Departamento de Psicologia e Psicanálise da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Londrina, PR, Brasil
2. Psicólogo clínico

Correspondência
Maíra Bonafé Sei
Centro de Ciências Biológicas, Departamento de Psicologia e Psicanálise
Rodovia Celso Garcia Cid, PR-445, Km 380, Campus Universitário
86057-970 Londrina, PR, Brasil
mairabonafe@gmail.com

Submetido em: 19/10/2015
Aceito em: 19/04/2016

Instituiçao: Universidade Estadual de Londrina

 

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