Rev. bras. psicoter. 2016; 18(1):40-54
Pires T, Berger D, Fiorini GP, Gastaud MB. Psicoterapia psicanalítica de casais e famílias: caracterizaçao da clientela. Rev. bras. psicoter. 2016;18(1):40-54
Artigos Originais
Psicoterapia psicanalítica de casais e famílias: caracterizaçao da clientela
Couple and family psychoanalytic psychotherapy: characterization of clients
Tamires Pires1; Daniela Berger2; Guilherme Pacheco Fiorini3; Marina Bento Gastaud4
Resumo
Abstract
INTRODUÇAO
O interesse sistemático pela família e pelo casal como objeto de indagaçao psicanalítica e de intervençao terapêutica parece ser relativamente recente na história da psicanálise: final dos anos 1940 e início dos anos 19501. Foi nesse momento que diversos psicanalistas e psiquiatras nos Estados Unidos (Lidz, Jackson, Framo, Ackerman e outros) e na Argentina (Rivière), conscientes da insuficiência dos tratamentos psicanalíticos clássicos com pacientes crianças e com aqueles que padeciam de patologias graves (como esquizofrenia e estados fronteiriços), começaram a sentir a necessidade de incorporar a família no processo terapêutico. Nos casos de patologia grave, a terapia de família é um instrumento muito útil e, às vezes, indispensável para poder ajudar o paciente1.
Na Argentina, o enfoque familiar teve como pioneiro o psicanalista Enrique Pichon Rivière2,3. O autor marcou o pensamento psicanalítico familiar ao introduzir sua teoria do vínculo e dos grupos. Na mesma época, na Inglaterra, Bowlby publicou um artigo no qual descrevia entrevistas familiares como auxiliares das sessoes individuais na Tavistock Clinic4. Ainda na Inglaterra, Wilfred Bion5,6 lançou seus trabalhos clássicos sobre grupos, aprimorando seus conceitos teóricos acerca dos níveis primitivos do funcionamento grupal.
Os conceitos desenvolvidos por Donald Winnicott - preocupaçao materna primária7 e objetos, fenômenos e espaços transicionais8 - contribuem para inserir notavelmente a teoria intersubjetiva do psiquismo na clínica psicanalítica. Ao longo de toda sua obra, Winnicott salientou a importância do ambiente real, diminuindo, portanto, a ênfase quase exclusiva que a teoria psicanalítica vinha dando ao mundo interno/intrapsíquico. Em psicanálise, o conceito de intersubjetividade surgiu da teorizaçao sobre a criaçao conjunta e combinada das subjetividades do par terapêutico, ao contrário da concepçao clássica (intrapsíquica), sendo determinada pelos fenômenos interativos e relacionais do momento9. A imprevisível interaçao entre essas duas mentes (terapeuta/paciente) promove o surgimento de algo que antes nao existia.
Isidoro Berenstein e Janine Puget, psicanalistas argentinos, a partir dos anos 1970, se dedicaram a construir uma teoria que ampliasse e fundamentasse os conceitos clássicos da psicanálise contextualizando de forma teórico-clínica o espaço dos vínculos9. Em 1970, foi realizado o primeiro Congresso de Psicopatologia do Grupo Familiar. Nesse contexto, Berenstein apresentou o modelo de Estrutura Familiar Inconsciente.
Posteriormente, Berenstein publicou o livro Familia y enfermedad mental10, desenvolvendo conceitos a respeito do modelo proposto. Nesse livro, o autor explicitou que as bases teóricas utilizadas para a construçao de seu pensamento estao na psicanálise freudiana e no estruturalismo desenvolvido na antropologia por Lévi-Strauss, que analisa as estruturas sociais, as regras de comunicaçao social inconsciente e a estrutura dos mitos.
Família pode ser definida como "um conjunto de sujeitos onde todos e cada um deles sao diferentes entre si, dentro dessa semelhança que marca o pertencer a um parentesco" (p. 85)11. A família contém três ordens de relaçao definidas na estrutura elementar de parentesco: a relaçao de consanguinidade, a relaçao de aliança e a relaçao de filiaçao12.
Para Berenstein, psicanalisar uma família é entrar em contato com o sistema de eleiçoes objetais, de nomes próprios, de acordos, pactos e normas inconscientes do casal e da família12. É oferecer um contexto para o desenvolvimento do processo terapêutico em que o analista - através de sua atitude analiticamente ativa - possa compreender os significados circulantes e interpretá-los. O ato verbal, que é a interpretaçao, produz novas semantizaçoes que geram outras modalidades de relaçoes familiares, as quais sao transmitidas por meio de códigos verbais e nao verbais.
É relevante mencionar que, neste estudo, os termos psicoterapia psicanalítica de casais e famílias e psicoterapia psicanalítica vincular serao usados como equivalentes, designando a mesma modalidade de psicoterapia derivada da psicanálise. O termo vínculo é aqui entendido como "um conjunto de funcionamentos, interinfluências e determinaçoes psíquicas, gerado por investimentos recíprocos de dois ou mais sujeitos cujos psiquismos sao abertos" (p. 21)13.
Dentre as pesquisas sobre psicoterapia de família e de casal, a maior parte se refere à teoria sistêmica, existindo lacunas na literatura nacional a respeito da psicoterapia psicanalítica familiar e de casal. Na década de 1960, iniciou-se um processo de separaçao entre os enfoques familiares sistêmicos e psicanalíticos; o movimento sistêmico de terapia familiar se expandiu rapidamente e, em alguns países, terapia de família chegou a ser sinônimo de terapia sistêmica. Entretanto, há um interesse crescente da psicanálise vincular e sua técnica interventiva em casais e famílias, expansao esta que nao está sendo acompanhada por estudos empíricos.
Diante desse contexto, o presente estudo teve como objetivo investigar o perfil de casais e famílias que buscam atendimento em terapia psicanalítica em ambulatório de saúde mental de Porto Alegre. A tentativa de pesquisar atendimentos familiares e de casal em ambulatório psicanalítico mostra-se inovadora e de grande relevância frente à escassez de pesquisas nesse campo de atuaçao e teorizaçao.
MÉTODO
Para a realizaçao desta pesquisa foram analisados os dados dos prontuários dos pacientes atendidos em ambulatório de saúde mental da cidade de Porto Alegre.
Tipo de Estudo
A pesquisa foi quantitativa, retrospectiva e documental.
Local
A coleta foi realizada no ambulatório do Contemporâneo: Instituto de Psicanálise e Transdisciplinaridade (CIPT), uma clínica-escola de pós-graduaçao em psicanálise de Porto Alegre. O CIPT foi o primeiro ambulatório a oferecer psicoterapia psicanalítica de casais e famílias da regiao, sendo referência nessa modalidade de tratamento até hoje. A instituiçao oferece curso de pós-graduaçao em psicoterapia psicanalítica de casais e famílias para psicólogos e psiquiatras e conta com um ambulatório de atendimento nessas especialidades. No ambulatório do CIPT, os pacientes passam por uma entrevista inicial conduzida por um psicólogo especializado em triagens, antes de serem encaminhados para os atendimentos.
Participantes
A amostra desta pesquisa foi composta por todos os pacientes que procuraram psicoterapia psicanalítica vincular (psicoterapia de casal e/ou família) no CIPT entre maio de 2009 e outubro de 2012 e concordaram que os dados relativos aos seus atendimentos fossem utilizados para fins de ensino e pesquisa, assinando termo de consentimento livre e esclarecido.
Definiçao de Termos
Motivo de consulta: os registros dos motivos de consulta foram realizados pelos profissionais responsáveis pelas triagens com base no relato dos pacientes. Após registrarem textualmente a queixa dos pacientes, os triadores categorizaram os motivos de consulta com base nas seguintes opçoes:
1. Doença psiquiátrica em um dos membros da família
2. Problemas decorrentes de recasamentos
3. Conduta ou discurso agressivo
4. Elaborar/trabalhar a separaçao
5. Avaliar se seguem casados/dúvida quanto à separaçao
6. Conflitos do casal com a família de origem
7. Omissao, abuso, negligência dos pais com os filhos
8. Busca de orientaçoes sobre o manejo com filhos
9. Dificuldades de comunicaçao
1. Nao aderência: o atendimento é interrompido na fase de avaliaçao, ou seja, antes que os objetivos estabelecidos para o tratamento estejam claros para ambos os participantes.
2. Abandono: o tratamento é encerrado antes que os objetivos estabelecidos no contrato tenham sido atingidos, independentemente dos motivos que levaram o paciente ou o terapeuta a interrompê-lo e independentemente da decisao ter sido uni ou bilateral. O período de avaliaçao deve ter sido concluído para o paciente ser considerado abandonante.
3. Alta: o tratamento é encerrado quando os objetivos estabelecidos no contrato foram atingidos.
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