Rev. bras. psicoter. 2016; 18(1):13-22
Silva MR, Steibel D, Campezatto PvM, Sanchez LF, Barcellos ED, Fernandes PP. Andando na corda bamba: desafios técnicos do atendimento de pacientes borderline. Rev. bras. psicoter. 2016;18(1):13-22
Artigos Originais
Andando na corda bamba: desafios técnicos do atendimento de pacientes borderline
Walking on a tightrope: technical challenges of borderline patients' care
Milena da Rosa Silva1; Denise Steibel2; Paula von Mengden Campezatto3; Lívia Fraçao Sanchez4; Eduarda Duarte de Barcellos5; Paula de Paula Fernandes6; Regina Pereira Klarmann7
Resumo
Abstract
INTRODUÇAO
Na clínica atual, observa-se que é cada vez maior o número de pacientes borderline que chegam aos consultórios necessitando de um espaço diferenciado. Local no qual possam encontrar continência, compreensao e ajuda para tolerar a angústia que sentem. Sabe-se que, para fornecer esse espaço, sao necessárias ferramentas mínimas de trabalho, as quais envolvem tempo, investimento e, para isso, uma alta frequência de sessoes. No entanto, deparamo-nos com a resistência/impossibilidade de alguns desses pacientes em aceitar essa alta frequência, pois possuem limitaçoes psíquicas e, muitas vezes, financeiras e de tempo para tal.
Os casos borderline, de acordo com Green1, sao "menos de uma fronteira do que de uma terra de ninguém, todo um campo cujos limites sao vagos". Green2 destaca que há uma falta de limites entre as instâncias nesses pacientes, evidenciando uma permeabilidade excessiva entre ego, id e superego. Apesar disso, destaca que os casos limítrofes mostram ter um funcionamento relativamente estável às suas características.
Além disso, demonstram uma forte ambiguidade nos relacionamentos, pois, ao mesmo tempo em que sentem necessidade de se relacionar, têm dificuldade de manter-se nas relaçoes devido a um forte medo de abandono3. Para o paciente borderline, o objeto somente existe na concretude perceptiva, estando pouco representado na sua mente4. Assim, ao sair do consultório, de acordo com o autor, o paciente se sente logo incapaz da representaçao mental do analista/psicoterapeuta, enquanto na sessao se agarra desesperadamente a esse objeto.
A trajetória psicoterapêutica dos pacientes borderline é normalmente tormentosa, pois demoram a procurar atendimento, e, quando procuram, estes costumam ser permeados por excesso de faltas às sessoes e impasses que frequentemente acabam em um abandono do tratamento3.
O contrato com esses pacientes envolve algumas peculiaridades, como suas violaçoes, que devem ser constantemente trabalhadas. A literatura vem destacando que, com pacientes borderline, é necessário dar maior ênfase aos aspectos contratuais, como combinaçoes a respeito de frequência, faltas, pagamentos, comunicaçao entre sessoes, do que com outros pacientes em psicoterapia5,6,7.
Apesar da clareza dessas orientaçoes, nos questionamos, a partir de nossa prática clínica, sobre as dificuldades deste trabalho a respeito do contrato com pacientes borderline. Isso porque o contrato tende a ser muito pouco compreendido - e mal tolerado - por esses pacientes. Além disso, por vezes a dificuldade desses pacientes de manterem uma mínima frequência ao tratamento torna tal trabalho um grande desafio. O que fazer diante desse impasse? Aceitar trabalhar com uma baixa frequência, respeitando os limites iniciais do paciente e tolerando até o dia em que ele possa aceitar uma maior frequência? Ou defender a alta frequência como parte de um setting firme, e, com isso, continente, ajudando o paciente, pouco a pouco, a assumir aquele espaço? Partindo de um atendimento em psicoterapia psicanalítica, em uma clínica-escola, este trabalho busca refletir sobre a frequência e o estabelecimento do contrato com pacientes borderline.
DESCRIÇAO DO CASO CLINICO
Aos 20 anos, Carla buscou atendimento em uma clínica-escola e aceitou participar de uma pesquisa, tendo suas sessoes gravadas em áudio*. O caso foi supervisionado semanalmente em um grupo composto por psicólogos em formaçao e formados e coordenado por uma psicanalista8. O motivo da procura por atendimento foi a insatisfaçao com a sua vida e seus relacionamentos, choro sem motivo aparente e sentimento de vazio. Desde o início do trabalho, ficou evidente a ambivalência de Carla em relaçao à necessidade do tratamento. Na primeira sessao marcada, Carla nao compareceu. Após contato telefônico feito pela terapeuta, a paciente explica que nao havia comparecido porque nao havia chorado naquela semana, e, portanto, achou que nao precisaria mais de tratamento. No contato telefônico, é agendado um segundo horário.
Assim se deu o início do tratamento de Carla, com faltas e presenças espaçadas ao longo das primeiras semanas. Frente à presença e ao possível vínculo contínuo com a terapeuta, Carla reagia com novos afastamentos. Sua solidao e intensa necessidade de atendimento contrastavam com o medo de aproximar-se e vincular-se. Durante as sessoes, Carla transbordava sua angústia, apresentava uma fala desorganizada, trazendo conteúdos diversos e de forma condensada, confusos, que tinham uma funçao evacuativa. Estes impactavam a terapeuta, que, por vezes, tinha a reaçao de tentar ordenar o caos interrompendo a paciente com perguntas explicativas. Nesse início, paciente e terapeuta estavam na mesma sala, mas o encontro emocional parecia ser difícil.
Carla volta nas próximas semanas e vai encontrando uma forma de ligar-se à terapeuta. Partindo das discussoes em supervisao, e a metabolizaçao das angústias geradas no encontro com Carla, a terapeuta também passa a tolerar mais a confusao, achando mais espaço dentro de si para se aproximar de Carla. Nesse momento, a paciente verbaliza metaforicamente um reconhecimento de sua dificuldade de se aproximar, e as fantasias de abandono que ficam quando se distancia.
Segue uma vinheta sobre esse momento do tratamento:
É difícil a gente admitir que precisa de ajuda né... Eu me sinto angustiada. Eu sou muito ansiosa, eu quero tudo pra ontem. A angústia assim é todo dia, todo dia aquele vazio, todo dia assim. Sei lá, eu sou feliz assim em momentos, quando eu vejo meu namorado, estou feliz, mas quando eu saio, começo a pensar 'ai se ele vai terminar comigo', eu estou sempre arranjando problemas para mim. E eu nao consigo entender por que isso, sabe? (3ª sessao)
Eu me senti assim, sabe quando tu tem fome, mas nao tem vontade nem de comer? Tentava colocar alguma coisa na boca e tinha que tirar porque eu nao conseguia. Aí eu coloquei uma colher de arroz lá e comi rapidinho assim, mas eu tava me sentindo assim bem fraca. Eu tô comendo só coisinha leve assim. (9ª sessao)
Acho que até uns X reais por mês eu conseguiria [pagar pelo tratamento]. Aí eu pensei, assim, que quando eu me apertar falto uma semana... Eu tenho um probleminha, eu tenho muita falta de memória. As vezes a G. me pede pra fazer alguma coisa de manha e de tarde eu tô lá pensando "o que que ela pediu pra mim fazer mesmo?". E entao, eu pensei em de repente, sei lá, uns X reais. Nao sei se é pouco, se é muito, nao sei. (3ª sessao)
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