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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2015; 17(3):3-16



Artigos Originais

Compras compulsivas: uma revisao sistemática das opçoes psicoterapêuticas

Compulsive buying: a systematic review of the psychotherapeutic options

Maríndia Brandtner1; Gibson Juliano Weydmann2; Fernanda Barcellos Serralta3

Resumo

Foi realizada uma revisao sistemática da literatura dos últimos 12 anos sobre o comprar compulsivo e as suas opçoes psicoterapêuticas. A busca foi realizada nas bases de dados MEDLINE, Web of Science e American PsychologicalAssociation (APA) com as palavras-chave psychotherapy (psicoterapia) and (e) compulsivebuying (compras compulsivas). Foram encontrados 86 artigos. Após leitura dos resumos, foram excluídos os artigos escritos em outra língua que nao português ou inglês, artigos teóricos ou de revisao, e artigos que nao tinham foco na psicoterapia. Apenas sete estudos preencheram esses critérios e foram analisados. Cinco estudos focavam modalidades grupais de terapia, sendo quatro de abordagem cognitivo-comportamental. Com base nesta revisao,pode-se considerar que a TCC em grupo é uma abordagem indicada para o tratamento do comprar compulsivo. Entretanto, há que se ressaltar que ausência de evidência nao significa evidência de ausência. Mais estudos sao necessários, especialmente comparando dois tratamentos ativos ou as modalidades individual e grupal.

Descritores: Comportamento compulsivo; Psicoterapia; Psicopatologia.

Abstract

We conducted a systematic review of literature about psychotherapy for compulsive buying, considering the last 12 years. The search was performed in MEDLINE, Web of Sciences and American Psychological Association (APA) with the keywords "psychotherapy" and "compulsive buying". A total of 86 papers were found. We excluded papers written in other languages than Portuguese and English, theoretical studies and literature reviews, as well as studies that were not focused in psychotherapy. Only seven studies meet criteria and were analyzed. Five studies focused group therapy modalities, four of them with cognitive behavioral approach. Based on this review it can be considered that group CBT is an appropriate approach for compulsive buying treatment. However, it is noteworthy that the absence of evidence does not mean evidence of absence. More studies are needed, especially comparing two active treatments or individual and group modalities.

Keywords: Compulsive behavior; Psychotherapy; Psychopathology.

 

 

INTRODUÇAO

A alteraçao psicopatológica que envolve o comportamento impulsivo relacionado ao comprar foi originalmente denominada oniomania por Bleuler e Kraepelin, no início do século XX1,2. Porém, ela começou a ser reconhecida como fenômeno a ser compreendido e investigado somente a partir da década de 19903. Atualmente, o comprar compulsivo é definido como um problema psicopatológico associado a fortes e incontroláveis impulsos por comprar4. O comportamento de comprar, neste contexto, é caracterizado por reaçoes rápidas e nao planejadas, sem nenhuma ou pouca avaliaçao de suas consequências5,6.

Embora esses sintomas sejam comuns e constituam, inclusive, critério diagnóstico para a fase de mania ou hipomania do Transtorno Bipolar7, é importante notar que o comprar compulsivo vem sendo estudado independentemente dessa categoria diagnóstica. Diversos autores8,9 consideram o comprar compulsivo como um Transtorno de Controle de Impulsos SOE (sem outra especificaçao), o que pressupoe a exclusao de mania ou hipomania.

McElroyet al.8 propoem os seguintes critérios diagnósticos para o comprar compulsivo:

1. Preocupaçoes, impulsos ou comportamentos mal-adaptativos envolvendo compras, como indicado por, pelo menos, um dos seguintes sintomas:
a. preocupaçao frequente com compras ou impulso de comprar irresistível, intrusivo ou sem sentido;

b. comprar mais do que pode, comprar itens desnecessários ou comprar por mais tempo que o pretendido.
2. A preocupaçao com compras, ou impulsos ou o ato de comprar causam sofrimento marcante, consomem tempo significativo e interferem no funcionamento social e ocupacional ou resultam em problemas financeiros.

3. As compras compulsivas nao ocorrem exclusivamente durante episódios de mania ou hipomania.
Entende-se que o comprar compulsivo seja uma síndrome clínica que possui características crônicas e repetitivas9, na qual predominam preocupaçoes excessivas, desejos e comportamentos envolvendo gastos e que levam a consequências adversas10, resultando, assim, em prejuízo social e psicológico para o indivíduo11. A estimativa de prevalência dessa síndrome varia de 2 a 8% na populaçao geral, podendo estar associada a outros quadros psicopatológicos de eixo I, como transtornos de humor, transtornos de ansiedade e uso abusivo de substâncias8. Caso essa síndrome fosse incluída como transtorno específico nas classificaçoes da CID e do DSM, constituiria o diagnóstico mais comum entre o grupo dos Transtornos de Controle de Impulsos12. No DSM-V13 o comprar compulsivo nao foi incluído como um diagnóstico. Existe um especificador do Transtorno de Acumulaçao (colecionismo) que dita que aproximadamente 80 a 90% dos indivíduos com esse transtorno exibem aquisiçao excessiva de bens desnecessários, sendo que a forma mais frequente de aquisiçao sao as compras.

O comprar compulsivo pode ser compreendido como um vício de comportamento, ou seja, pode se constituir como um comportamento aprendido. Entende-se que, neste contexto, a compra possui um caráter recompensador e consiste em uma maneira inadequada de enfrentar a tensao14. Desse modo, existe a hipótese de que o comportamento de comprar compulsivamente seja motivado por sentimentos negativos e mantido pelo surgimento, durante a compra, de sentimentos eufóricos ou simplesmente pela diminuiçao dos afetos negativos15. Sugere-se, ainda, que a aquisiçao patológica de bens materiais está ligada a ideias distorcidas de que a compra tornará a pessoa mais feliz16, estando, assim, relacionada à busca de um bem-estar subjetivo.

As compras compulsivas compreendem características tanto do Transtorno Obsessivo-Compulsivo quanto dos Transtornos de Controle de Impulsos11,17. Conforme Adés e Lejoyeux18, assim como os bulímicos, os compradores compulsivos podem ser comparados às pessoas adictas. McElroy, Keck e Phillips19 afirmam que o comprar compulsivo pode ser chamado de transtorno secreto, assim como a cleptomania. Esses autores apresentam os resultados de um estudo em que a maioria dos pacientes referiu sentimento de culpa e vergonha acerca de suas compras, escondendo-as, muitas vezes, de seus familiares.

Os compradores compulsivos tendem a apresentar baixa autoestima e a depender demasiadamente da opiniao de terceiros, sendo comum que o aparecimento de episódios de compras compulsivas esteja ligado a situaçoes de crise, tais como o fim de um relacionamento afetivo importante, por exemplo20. Os resultados de um estudo envolvendo familiares de compradores compulsivos apontaram que estes estao mais propensos a desenvolver patologias do humor, como depressao, e a ter mais de uma psicopatologia concomitante, tais como alcoolismo ou abuso de drogas. Além disso, o estudo constatou que 9,5% desses familiares eram também compradores compulsivos17.

A etiologia e a patofisiologia do comprar compulsivo sao desconhecidas, embora existam diversas hipóteses baseadas em aspectos do desenvolvimento, da neurobiologia e da influência cultural21,22. Os estudos sobre a terapêutica do comprar compulsivo sao escassos e inconsistentes, ainda que modelos de terapia cognitivo-comportamental em grupo, aconselhamento familiar e financeiro e tratamentos psicofarmacológicos com inibidores seletivos da recaptaçao de seretonina e naltrexone sejam considerados promissores22.

O presente estudo consiste numa revisao sistemática da literatura sobre a psicoterapia para o comprar compulsivo, com vistas a identificar e descrever quais as modalidades de intervençao psicológica que têm sido empregadas em pacientes com essa psicopatologia e quais os resultados por elas obtidos. É importante sinalizar que a intençao desta revisao é contribuir para a prática baseada em evidências, i.e., para instrumentalizar psicoterapeutas a tomar decisoes sobre tratamentos individuais com pacientes compradores compulsivos tendo como base as evidências disponíveis23. Por esse motivo, a revisao nao contempla estudos que examinem somente outras intervençoes que nao as psicoterapêuticas, sejam estas farmacológicas, psicológicas ou de outra natureza.


MÉTODO

Realizou-se uma busca de artigos sobre psicoterapia para o comprar compulsivo através do Portal de Periódicos da Capes nas bases de dados MEDLINE (National Library of Medicine), Web of Science e American PsychologicalAssociation(APA). Os descritores utilizados foram psychotherapy ("MeSHTerms") OR psychotherapy("allfields") AND compulsivebuying("allfields"), sendo a busca limitada ao período compreendido entre 2002 e 2014 (30 de setembro). Foram incluídos todos os artigos que relatassem formas de tratamento psicoterapêutico para compras compulsivas. Foram excluídos artigos teóricos, de revisao de literatura, experimentos naoclínicos, bem como aqueles que tratavam exclusivamente de tratamentos psicofarmacológicos. A Figura 1 ilustra o processo de revisao e seleçao dos artigos.




RESULTADOS

A busca com as palavras "psicoterapia" e "compras compulsivas" gerou um total de 86 artigos. Após, foi feita a aplicaçao dos critérios de exclusao e eliminaçao das duplicatas, no período pesquisado. Quatro artigos estavam publicados em alemao e, portanto, foram excluídos. A maioria dos artigos excluídos era teórico ou de revisao. Muitos estudos empíricos encontrados nao tratavam de psicoterapia e buscavam examinar associaçoes entre comprar compulsivo e outras variáveis clínicas, como sintomas obsessivo-compulsivos e personalidade, por exemplo. Foram encontrados apenas sete artigos que preencheram os critérios adotados para esta revisao, sendo um relato de caso clínico, no qual o paciente foi tratado através de psicoterapia psicodinâmica24, um estudo de caso único, tratado através da terapia cognitivo-comportamental (TCC)25, e quatro estudos experimentais ou quaseexperimentais, para investigar a efetividade da TCC em grupo comparada à lista de espera26,27 e com a ajudaguiada e lista de espera28, um estudo-piloto para verificar a efetividade de um grupo de TCC com foco na reestruturaçao cognitiva12, além de um estudo para avaliar a eficácia de uma nova modalidade integrada de terapia para compras compulsivas Stop Overshopping (SO)29.

A Figura 2 mostra a distribuiçao dos artigos encontrados por ano de publicaçao. Nao foram encontradas publicaçoes entre 2002 e 2005, tampouco entre 2010 e 2012. Nao se pode afirmar, com base nessa distribuiçao, um aumento ou diminuiçao do interesse pelo estudo empírico da psicoterapia para o comprar compulsivo.




A Tabela 1 apresenta uma síntese dos estudos encontrados. Dos sete artigos incluídos na revisao, seis sao internacionais e apenas um é nacional.




Mueller et al.27 realizaram um estudo randomizado no qual compararam TCC em grupo para compradores compulsivos com lista de espera. Foram utilizados os critérios de McElroyet al.8 para a inserçao dos participantes, os quais foram submetidos a 12 sessoes de psicoterapia, com seis meses de follow-up. Na seleçao dos participantes, a presença de mania ou hipomania e ideaçao suicida foram critérios de exclusao. Outras comorbidades nao foram excluídas do tratamento/estudo. As medidas utilizadas para avaliar as compras foram CBS e YBOCS-SV. Todos os participantes (n=68) foram avaliados no início do tratamento, sendo que 31 deles foram encaminhados ao grupo de TCC. Estes foram avaliados no final do tratamento e no período de seis meses de seguimento. Indivíduos encaminhados à lista de espera (n=29) foram reavaliados 12 semanas após o início, sendo que, após o período de espera, tiveram a opçao de receber tratamento (TCC). Os que decidiram participar do tratamento secundário também foram avaliados no final do tratamento e no final de um período de seis meses de seguimento. O tratamento durou 12 semanas, com uma sessao de grupo de 90 minutos por semana. No grupo de TCC, seis participantes nao terminaram o tratamento, o que significou uma desistência de 19% da amostra. Todos os 29 pacientes da lista de espera iniciaram um segundo tratamento com TCC, sendo que a desistência foi de 17% (N=5). O estudo concluiu que a TCC tem resultados eficazes nos comportamentos de comprar compulsivo. A comorbidade com colecionismo e o menor número de sessoes de terapia mostraram-se associados à naoresposta.

Mueller, Airikian, Zwann e Mitchell28 realizaram um ensaio clínico randomizado com TCC em grupo, um grupo de lista de espera e um grupo que recebeu ajuda guiada por telefone. Um total de 64 indivíduos foi elegível para o estudo. Destes, 56 que compareceram foram alocados aleatoriamente nos três grupos, sendo 22 participantes na TCC, 20 na ajuda guiada e 14 na lista de espera. O grupo que recebeu ajuda guiada recebeu um material de apoio que consistiu em tarefas de casa específicas utilizadas na TCC (manualizada). Eles, porém, nao foram submetidos a nenhum tipo de encontro e, se julgassem necessário, poderiam receber apoio ou explicaçoes somente por telefone. Todos os participantes receberam os tratamentos por um período de dez semanas. O follow-up foi realizado após seis meses de tratamento com os grupos de TCC e de ajuda telefônica guiada. Foram utilizadas como medidas para avaliar compras compulsivas a CBS e YBOCS-SV, e o Beck DepressionInventory (BDI) foi utilizado para avaliar depressao. Após os seis meses, o grupo de TCC apresentou um decréscimo significativo nos escores da CBS e da YBOCS-SV. O grupo de ajuda telefônica guiada também mostrou reduçao significativa na YBOCS, mas nao na CBS. Conforme esperado, os níveis das duas escalas nao sofreram alteraçoes no grupo de lista de espera. Os resultados gerais apontaram que a TCC face a face mostrou-se superior aos outros dois grupos.

Benson, Eisenach, Abrams e van Stolk-Cooke29 realizaram um ensaio clínico randomizado para testar a eficácia de um novo formato de terapia grupal para compras compulsivas em comparaçao com populaçao naoclínica com o mesmo diagnóstico em uma lista de espera. O modelo Stop Overshooping (SO) segue uma integraçao entre várias abordagens (i.e., psicodinâmica, comportamental dialética, cognitivo-comportamental, aceitaçao e compromisso) e técnicas (i.e., compreensao das necessidades primárias, psicoeducaçao, entrevista motivacional, tolerância à frustraçao) durante um período de 12 semanas, sendo cada sessao dividida em quatro partes: (a) breve meditaçao e olhar acolhedor entre o grupo, (b) uma retomada dos episódios da última semana envolvendo compras compulsivas, (c) um compartilhamento das principais anotaçoes feitas pelo grupo na última semana e (d) uma breve introduçao sobre o material da próxima semana. O grupo se comunica durante a semana através de um chat, onde compartilham seus ganhos e perdas da semana. O diagnóstico de compras compulsivas foi realizado mediante o uso de quatro escalas (Valence CBS, Richmond CBS, Faber e OGuinn CBS e YBOCS_SV), sendo uma destas destinada a avaliar a severidade do transtorno. Nao houve diferença significativa na reduçao dos sintomas do grupo de tratamento SO com relaçao à lista de espera. Para melhor compreender a eficácia do tratamento, os pesquisadores submeteram o grupo na lista de espera à condiçao de terapia. A avaliaçao entao foi dividida em quatro fases do tratamento: pré-tratamento, meio do tratamento, pós-tratamento e follow-up após 6 meses. Dessa forma, foi possível perceber diferença significativa na reduçao do sintoma nos períodos pré-tratamento e meio do tratamento em comparaçao com o pós-tratamento e o follow-up, o que sugere maior efetividade da modalidade SO no período inicial do tratamento.

Mitchell et al.26 realizaram um estudo-piloto de resultados de psicoterapia, a fim de comparar os efeitos da TCC com lista de espera em mulheres compradoras compulsivas, selecionadas a partir dos escores da CompulsiveBuyingScale(CBS)4. As participantes foram 39 mulheres, sendo 28 no grupo experimental e 11 no controle. A alocaçao nos grupos foi naorandomizada. Foram realizadas 12 sessoes de psicoterapia (TCC) em grupo, manualizada. Cada encontro teve duraçao de uma hora e meia, dispostos em dez semanas de psicoterapia, com uma sessao de follow-up,após seis meses. Como critérios de exclusao para o tratamento, utilizaram-se as evidências passadas ou atuais de transtorno de humor bipolar, de tipo I, transtorno ou episódio psicótico, ideaçao suicida, pessoas que estivessem passando por psicoterapia e dependentes de substâncias psicoativas como álcool e outras drogas. Os resultados desse estudo-piloto demonstraram que a TCC teve impacto positivo sobre os comportamentos de comprar compulsivo (diminuiçao dos escores da Yale Brown Obsessive-CompulsiveScale - Shopping Version[YBOCS-SV]). Os autores concluíram que, embora o período de tratamento tenha sido relativamente curto, os participantes estiveram envolvidos em tarefas fora da sessao (tarefa de casa), aprendendo a diferenciar compras compulsivas e nao compulsivas, e a utilizar estratégias de autorregulaçao. Um dos passos importantes do tratamento, segundo os próprios pacientes, foi o encorajamento para que se livrassem dos cartoes de crédito e passassem a realizar suas compras somente com dinheiro. Conforme os autores, porém, sem mais pesquisas, torna-se difícil saber mais precisamente quais fatores contribuíram para a mudança terapêutica.

No Brasil, Filomensky e Tavares12 descreveram os resultados de um estudo-piloto de TCC em grupo para compradores compulsivos. Os participantes foram um homem e oito mulheres, com idade média de 41,8 anos, selecionados a partir dos critérios diagnósticos de McElroyet al.8 Sete dos nove participantes preencheram critérios para depressao, e dois deles para transtorno bipolar; porém, a perda do controle sobre as compras nao era melhor explicada pelas alteraçoes de humor, sendo que somente ocorriam em fase de eutimia. A estrutura central desse grupo baseou-se na reestruturaçao cognitiva de crenças ligadas ao comprar compulsivo. A YBOCS-SV foi utilizada para acessar comportamentos e cogniçoes ligadas ao comprar compulsivo pré e pós-tratamento. Houve reduçao significativa no escore total e nas duas subescalas, cognitiva e comportamental. Demonstrou-se, nesse estudo, que o grupo de TCC direcionado a distorçoes específicas relacionadas às compras pode auxiliar a tratar tanto a cogniçao quanto os comportamentos disfuncionais relacionados a essa patologia, após 20 sessoes de tratamento. Os autores enfatizaram a necessidade de estudos controlados para determinar a generalizaçao desses achados.

Marcinko, Bolanca e Rudan24 relataram dois casos de mulheres, compradoras compulsivas, com comorbidade com Transtorno de Compulsao Alimentar Periódica, que foram tratadas com uma modalidade de tratamento integrativo de psicoterapia psicodinâmica combinada com medicaçao. O caso 1 foi da Sra. A, uma arquiteta, com 33 anos de idade, solteira e que vivia sozinha. O tratamento ocorreu de maneira combinada, com psicoterapia psicodinâmica e 150mg de fluvoxamina ao dia, além de pequenas e nao especificadas doses de diazepan, ao menos duas vezes por semana para regulaçao do sono. Os episódios de compra compulsiva foram reduzidos em quatro semanas de seguimento. Na segunda semana, as compras compulsivas de alimentos e os episódios de compulsao alimentar reduziram e, a partir da terceira semana, a paciente começou a se estabilizar. A paciente seguiu em tratamento por um ano, sem recidiva dos sintomas. Nesse mesmo estudo, o caso 2 trata-se da Sra. B, uma engenheira mecânica, de 41 anos, casada e sem filhos. Iniciou a comprar de maneira compulsiva em viagens de trabalho, nas quais tinha a oportunidade de comprar lembranças. O tratamento incluiu psicoterapia psicodinâmica conjuntamente com 200mg de fluvoxamina diárias. Ela começou a mostrar resultados a partir da terceira semana. A fissura pelas compras e por comer compulsivo reduziu-se desde a segunda semana de tratamento. A terapia seguiu por um ano, e os comportamentos que causavam problemas à paciente nao retornaram. Com base nos dois casos relatados, os autores concluíram que o sucesso no tratamento de ambos os casos deveu-se à combinaçao da psicoterapia e de dosagens adequadas da medicaçao.

Por fim, Kellet e Bolton25 apresentaram o estudo de caso de uma mulher de 36 anos, casada e com filhos, com sintomas de comprar compulsivo, que foi tratada com TCC. Nesse estudo, medidas de resultado foram utilizadas para verificar a gravidade dos sintomas no pré-tratamento, no término e no seguimento (follow-up) de seis meses. Foirealizado um total de 14 sessoes, sendo que, destas, três foram de entrevista inicial, dezda psicoterapia propriamente dita e uma sessao de follow-up, cada uma com duraçao de 50 minutos. Após o tratamento, a paciente apresentou melhoras no quadro e as manteve no follow-up. Foi utilizado o ReliableChange Index(RCI)30 para avaliar se as mudanças eram clinicamente significativas e confiáveis. Os resultados apontaram para uma melhora no comportamento de comprar compulsivo, mensurado pelas escalas YBOCS-SV e CBS.


DISCUSSAO

Com o crescimento do interesse científico pelos prejuízos ocasionados pelos comportamentos de comprar compulsivo na literatura, notamos uma ênfase nas discussoes e nos estudos sobre a sua sintomatologia e definiçao10, sua relaçao com o histórico familiar17, autoimagem e materialismo16, bem como sobre as opçoes farmacológicas para o seu tratamento1, dentre outros. As psicoterapias (especialmente as de orientaçao psicanalítica e cognitivo-comportamental) sao referidas como alternativas de tratamento psicológico para o comprarcompulsivo. Entretanto, poucos estudos empíricos se propoem a examinar seus resultados e seus processos.

Embora estivéssemos cientes de que, provavelmente, o número de trabalhos sobre psicoterapia e compras compulsivas seria pequeno, surpreendeu-nos o reduzido número de estudos encontrados em um período de 12 anos. Chama a atençao a ausência de qualquer estudo entre 2002 e 2005 e também entre 2010 e 2012. Nao obstante, há que sesalientar que encontramos um número bem mais elevado de artigos teóricos sobre o tema, bem como de artigos que focalizavam fatores psicológicos associados ao comprar compulsivo, o que indica o interesse da comunidade científica pela temática.

Dos sete estudos encontrados, cinco focalizaram intervençoes grupais12,26,27-29, sendo dois desses ensaios clínicos randomizados que avaliaram TCC em grupo com resultados positivos27,28. Outros dois estudos também sinalizam a efetividade da TCC em grupo para compras compulsivas12,26. Além dos quatro estudos de TCC grupal, foi encontrado um estudo de caso de TCC individual25, também com resultados favoráveis. Embora este último estudo proporcione uma ilustraçao preliminar de um modelo para tratamento de compradores compulsivos, seus resultados necessitam ser corroborados por outros estudos, para que o modelo possa ser generalizado. Os dois outros estudos eram integrativos: um que aliou a psicoterapia psicodinâmica individual à psicofarmacológica24, com resultados promissores, e outro que testou uma intervençao grupal eclética29 que nao foi superior à lista de espera.

Diversas pesquisas, revisoes e meta-análises apontam para a eficácia da TCC em uma ampla variedade de condiçoes clínicas, como, por exemplo, nos transtornos psicóticos, na esquizofrenia31, no transtorno bipolar32, na depressao unipolar33, no transtorno de pânico e fobia social34, entre outros. Dentre as opçoes de tratamento psicoterápico para compras compulsivas, a terapia de grupo com enfoque cognitivo-comportamental foi a que obteve lugar de maior destaque nesta revisao, totalizando quatro estudos, um número ainda modesto para podermos extrair conclusoes mais sustentadas sobre os resultados dessa modalidade de intervençao.

Conforme esta revisao, a TCC em grupo parece ser mais eficaz do que lista de espera26,27 e do que orientaçao telefônica28. Como nenhum estudo encontrado nesta revisao comparou a TCC com outra abordagem de psicoterapia, nao há como afirmar a superioridade dessa modalidade de intervençao sobre as demais, ou mesmo da abordagem de grupo sobre a individual.

O estudo integrativo tratava da efetividade da combinaçao entre psicoterapia psicodinâmica e fluvoxamina24 para sintomas de compras compulsivas. Ainda que ele traga indícios da efetividade dessa combinaçao para o tratamento desses pacientes, a inexistência de estudos comparativos entre a terapia combinada e outras condiçoes terapêuticas (por exemplo, somente medicaçao ou psicoterapia) impossibilita que se assegure a superioridade dessa proposta de intervençao sobre outras. A ausência de controle também impede que se possa determinar qual ou quais os ingredientes ativos nesse caso: medicaçao, psicoterapia ou ambos. Assim, apesar dos resultados positivos dos dois casos estudados, há claramente a necessidade de mais estudos para verificar a efetividade do tratamento combinado para compradores compulsivos.

Com base nesta revisao, pode-se considerar que a TCC em grupo é uma abordagem indicada para o tratamento do comprar compulsivo. Entretanto, há que se ressaltar que ausência de evidência nao significa evidência de ausência. De modo geral, estudos em psicoterapia sao escassos, especialmente em abordagens cujo foco sao aspectos latentes ou inconscientes do funcionamento psicológico (como é o caso da abordagem psicanalítica, por exemplo). Mais estudos sao necessários, especialmente comparando dois tratamentos ativos ou as modalidades individual e grupal.

É importante sinalizar que a avaliaçao de resultados de psicoterapias utilizando modelos semelhantes aos utilizados para a avaliaçao de psicofármacos pode levar a generalizaçoes errôneas. Estudos de avaliaçao de processos em psicoterapia já mostraram que os nomes das psicoterapias podem nos levar a fazer falsas suposiçoes sobre seus mecanismos de açao35. Além disso, a clara tendência em direçao ao ecletismo na psicoterapia (por exemplo, a terapia cognitivo-comportamental atual tende a incorporar aspectos derivados da abordagem psicodinâmica, centrada no cliente, e de práticas originárias de tradiçoes religiosas orientais) indica que uma mesma "escola" em psicoterapia pode ser extremamente variável nas dimensoes temporal e geográfica23. Essa heterogeneidade de práticas e de processos deve ser levada em conta sempre que se tentar extrair de estudos empíricos orientaçoes para a prática clínica.


CONSIDERAÇOES FINAIS

Esta revisao sugere que a TCC em grupo seja efetiva para tratar compradores compulsivos. Entretanto, nao há qualquer subsídio para afirmar que a TCC seja superior a outras modalidades de intervençao psicoterapêuticas. A ausência de estudos comparativos sobre psicoterapia e psicofarmacoterapia também nao oferece nenhum elemento para supor a superioridade de uma forma de tratamento sobre a outra.

Foram encontrados somente dois estudos que avaliavam psicoterapias individuais, ambos com delineamento ideográfico (estudo ou relato de caso). Ainda que os dois estudos sugiram que psicoterapias individuais de diferentes orientaçoes teóricas, combinadas ou nao com medicaçao, possam produzir reduçoes significativas nos comportamentos de compulsao por compras, há claramente a necessidade de mais estudos sobre modalidades individuais de intervençoes psicoterápicas emcompradores compulsivos.

Constata-se, portanto, que sao necessários mais estudos sobre psicoterapia para o comprar compulsivo, incluindo tanto ensaios clínicos que comparem diferentes modalidades diferentes de psicoterapia, psicoterapia e psicofarmacoterapia, entre outros, como estudos naturalísticos, de processo-resultado, e estudos de caso sistemáticos, que examinem os elementos associados à mudança nas diferentes abordagens psicoterapêuticas.

A presente revisao focalizou a psicoterapia para o comprar compulsivo com a intençao de proporcionar aos psicoterapeutas uma visao geral das modalidades de intervençao mais estudadas e seus resultados. Com base na mesma, psicoterapeutas podem extrair informaçoes empiricamente sustentadas para refletir e avaliar a sua própria prática. Contudo, há que se considerar algumas limitaçoes do estudo. Embora o conhecimento sobre demais opçoes terapêuticas seja também importante para nortear as decisoes do psicoterapeuta, esta revisao nao contemplou estudos que tratavam exclusivamente de outras opçoes terapêuticas, como as farmacológicas ou educativas, por exemplo. Foi utilizado um número reduzido de buscadores e poucas bases de dados foram consultadas. Além disso, nao foram realizadas buscas complementares, como, por exemplo, a busca sistemática nas referências bibliográficas dos artigos encontrados, o que poderia ampliar o número de estudos encontrados na pesquisa inicial. Os critérios de inclusao foram abrangentes, resultando num grupo de artigos heterogêneo no que diz respeito ao seu delineamento e rigor metodológico.


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1. Mestre em Psicologia (UNISINOS). Psicóloga
2. Graduando em Psicologia (UNISINOS). Bolsista de Iniciaçao Científica do Laboratório de Estudos em Psicoterapia e Psicopatologia (LAEPsi). Programa de Pós-Graduaçao em Psicologia (UNISINOS)
3. Doutora em Psiquiatria (UFRGS). Docente do Programa de Pós-Graduaçao em Psicologia e coordenadora do Laboratório de Estudos em Psicoterapia e Psicopatologia (LAEPsi, UNISINOS). Porto Alegre, RS, Brasil

Instituiçao: Programa de Pós-Graduaçao em Psicologia (UNISINOS)

Correspondência
Fernanda Barcellos Serralta
Rua Alfredo Schuett, 927
91330-120 Porto Alegre/RS
fernandaserralta@gmail.com

Submetido em: 10/4/2014
Aceito em: 31/03/2015

 

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