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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2015; 17(2):69-76



Artigos de Revisao

Infância negada*

Childhood denied*

Sheyla Maria Borowski

Resumo

O objetivo deste ensaio é analisar questoes referentes às transformaçoes atuais da infância, para buscar compreender o perfil da infância, sua relaçao com a cultura, as mudanças históricas e as tendências para os próximos tempos. A concepçao hipermoderna de infância forma uma sociedade com incertezas, insegurança e ansiedade. Ao se borrar a fronteira entre a condiçao do infantil e do adulto, transforma-se também a condiçao da criança na cultura. Corre-se um risco de se criarem crianças como novos adultos em miniatura. Por isso, neste momento de grandes inovaçoes científicas e tecnológicas, torna-se fundamental uma atitude de reflexao crítica e profunda, por parte da sociedade, sob forma de participaçao ativa nessa nova construçao da infância, a fim de nao perdermos alguns dos valores essenciais já conquistados, mas sim de agregá-los.

Descritores: Criança; Psicoterapia; Cultura.

Abstract

The purpose of this essay is to analyze issues relating to current childhood transformations, seeking to understand the profile of childhood, its relation to culture, the historical changes and trends for the near future. The hypermodern design of childhood forms a society with uncertainty, insecurity and anxiety. By blurring the boundary between the condition of the child and the adult, also turns up the child's condition in culture. It runs the risk of creating new children as miniature adults. Therefore, in this time of great scientific and technological innovations, it is essential a critical and profound reflection attitude on the part of society in the form of active participation in this new construction of childhood in order to not lose some of the core values already conquered but to aggregate them.

Keywords: Children; Psychoterapy; Culture.

 

 

INTRODUÇAO

Ao Benjamin e à Sophia
Meu propósito com este ensaio é problematizar algumas questoes referentes às transformaçoes atuais da infância, em uma tentativa de compreender como se delineou o perfil do que é infantil, sua relaçao com a cultura e as tendências para os próximos tempos.

Os conceitos de infância e adolescência sao determinados socialmente, como categorias sociais, historicamente construídas. Assim, a ideia de infância nao existiu sempre da mesma forma, pois cada época tem a sua própria maneira de considerar o que é ser criança.

Na Antiguidade, por exemplo, Platao se preocupou com uma educaçao física e moral da criança, mas, até a Idade Média, nao existiu na sociedade ocidental uma consciência da particularidade infantil. A criança era considerada um adulto incompleto, inoperante e incapaz.

Aristóteles entendia a infância como um período do homem equivalente a uma doença, sendo, portanto, a criança um ser necessitado de cuidados. Ele alertava que as crianças precisavam ser educadas para alcançarem a virtude, status de indivíduos, já que seriam incapazes de usar seu próprio raciocínio para chegarem a isso. Assim, na antiga Grécia, durante os primeiros sete anos de vida, essa educaçao ficava inteiramente a cargo da família, considerada o primeiro lugar de socializaçao do indivíduo, portanto, o regulador de sua identidade física, psicológica e cultural. A autoridade paterna fornecia os códigos da moral e da ética.

Os romanos foram os que começaram a estabelecer uma conexao entre a noçao de vergonha e a criança em crescimento. Na medida em que foi sendo desenvolvida a noçao de vergonha moralista, ocorreu a necessidade de a criança ser protegida dos segredos dos adultos, sobretudo os referentes à sexualidade. Assim, foi-se desenvolvendo a ideia de que as crianças, em sua individualidade, além de proteçao e cuidados, necessitavam de escolarizaçao.

Já na Idade Média, a religiao judaico-crista influenciou durante séculos a cultura ocidental, passando a conceber a criança, por um lado, como um ser malvado e inferior, que necessitava ser salva pelo batismo, porém também ingênua e inocente, por outro. Isso revelava uma falta de clareza quanto ao entendimento da infância e da natureza infantil.

No Renascimento, o pensamento humanista construiu uma nova e dinâmica concepçao de homem, passando a entender a criança como um ser que deverá ser regulado, adestrado e normalizado, inicialmente na família, para alcançar a maturidade de um convívio social.

A "invençao" da infância, como tal, é atribuída a Rousseau1 (1712-1772), que a considerou como uma idade autônoma e dotada de características específicas, diferentes das que sao próprias da idade adulta.

Afirma Rousseau1:
Nao se conhece a infância: com as falsas ideias que dela temos, quanto mais longe vamos, mais nos extraviamos. Os mais sábios apegam-se ao que importa que saibam os homens, sem considerar que as crianças se acham em estado de aprender. Eles procuram sempre o homem na criança, sem pensar no que esta é, antes de ser homem (p. 6).
Em seu livro Emilio, Rousseau1 modifica a visao da infância, com a premissa de que a criança teria um mundo próprio, com características diferentes em cada fase de seu desenvolvimento, e seria dotada de desejos e sentimentos. Ele destaca a liberdade como a base sobre a qual essa criança deve ser educada, cabendo ao adulto entendê-la. Elabora uma pedagogia que estimula a autenticidade e naturalidade da criança e sua inocência em oposiçao ao mundo adulto, pervertido pelas convençoes sociais.

Esse modelo básico de educaçao deveria substituir o tradicional, no qual, em nome do progresso, o intelecto é desenvolvido prematuramente, em detrimento dos instintos. Os pais deveriam lidar com os filhos através de uma educaçao que levasse em conta a liberdade (antinomia), mas também os limites (heteronomia). Logo, a criança precisa ser acompanhada e orientada por um preceptor, desde que esse nao lhe tolha o desenvolvimento natural, respeitando o seu crescimento em um ritmo lento e aprendendo sem pressa, no tempo certo. O papel do preceptor é o de retardar o mais possível esses aprendizados (ao longo da vida), de modo a evitar qualquer antecipaçao perigosa. Ele irá permitir que a criança viva o quanto puder a própria infância, que Rousseau1 define como a idade da alegria e da liberdade.

Assim, até Rousseau, nao havia infância. A criança era considerada um adulto em miniatura, a ser tratado por padroes adultos; vestia-se com roupas de adultos e aprendia coisas de adultos, apesar de ser considerada incompleta e incompetente. Através das artes e da literatura, percebemos que os trajes das crianças medievais eram os mesmos dos adultos. Também chama muita a atençao a ausência de brinquedos.

Por volta do final do século XVIII - entao, a partir de Rousseau1 - intensificou-se a tendência a ver a educaçao a partir da natureza da criança, de seus instintos, de suas capacidades e tendências, em oposiçao aos padroes e às normas impostos pela sociedade. A criança passou a ter maior importância dentro da família, no ambiente íntimo. Fica mais clara a necessidade de atençao e de cuidados, devido a sua natureza frágil, física e emocional, e nao mais por "incompetência".

Chegando ao início do século XX, as teorias freudianas sobre a natureza do homem e as etapas universais do desenvolvimento da criança reconfiguram toda a ideia existente sobre a infância; havia uma infância antes de Freud e há outra após Freud2. Nosso olhar sofreu uma abertura de sentidos sobre quem somos, o que nos move e como nos tornamos adultos, bem como foi reconhecida a importância dos primeiros anos de vida para a nossa estruturaçao subjetiva. A partir de entao, a psicanálise abriu um leque de conhecimentos sobre a mente humana, colocando, de maneira enfática, a primeira infância como as fundaçoes da constituiçao psíquica. Contribuiu, assim, dramaticamente, para definir a importância de uma infância bem desenvolvida, em todas as etapas necessárias, para se formarem sociedades equilibradas.

Teóricos da psicanálise, da sociologia e da educaçao se ocuparam, desde entao, largamente, em compreender e descrever a infância, destacando suas características, diferenciadas do período da adolescência e da maturidade, apontando suas problemáticas e seus desafios. Eles propiciaram, assim, um alargamento na compreensao da natureza infantil. Ouso dizer que talvez nunca tenha havido, na história da humanidade, até o século XX, um período em que a criança merecesse tamanho interesse e destaque, como sendo fundamental na construçao da civilizaçao.

O século XXI, no entanto, começa desconstruindo esses paradigmas e, indubitavelmente, está sendo marcado por profundas e aceleradas transformaçoes de toda ordem. A concepçao do que é infância igualmente se modifica, de forma acelerada, desde as suas bases, dissolvendo as características anteriormente descritas e compreendidas.

Em minha concepçao, a era atual - chamada de hipermoderna3 - caracteriza-se por uma sociedade adultocêntrica, marcada por paradoxos, em uma espécie de volta às origens pré-históricas de uma infância negada, pré-rousseaunianas, quando as crianças eram consideradas adultos em miniatura. As etapas do desenvolvimento infantil, descobertas e descritas por Rousseau - e, depois, aprofundadas pela psicanálise -, agora tendem a se borrar; aqui, a área intelectual volta a ser a área novamente privilegiada pelo mundo adulto, em detrimento da instintividade da criança.

Digo sociedade adultocêntrica porque hoje cresce o número de crianças que se parecem com os adultos, às vezes de forma bizarra. Elas sao, portanto, roubadas em etapas importantes de seu desenvolvimento. A sociedade atual tem pressa de que as crianças cresçam. Basta ver que elas mal nascem e já estao sendo separadas de suas maes, para serem cuidadas diariamente em instituiçoes, ficando por muitas horas distantes dos pais e da família. Sao-lhes impostas demasiadas renúncias de necessidades essenciais, tais como a larga dependência emocional das funçoes maternas, bem como de tempo livre para brincar de imaginar, de faz de conta, protegidas em seus "ninhos". O incremento da ilusao e da fantasia, por exemplo, através do brincar espontâneo - condiçao necessária para os processos criadores - está dando lugar ao desenvolvimento de habilidades e conhecimentos automáticos, massificantes e de caráter confuso quanto ao que é real e ao que é faz de conta; ao que é essencial e ao que é descartável.

A mídia, por exemplo, se utiliza do apelo ao consumo e do arrebatamento pelo olhar para, através de imagens e sons, ditar as "regras" a uma populaçao passiva e incauta, fazendo surgir uma geraçao altamente consumista e perversa. Segundo Adorno4, na indústria cultural, tudo se torna negócio. Os meios de comunicaçao utilizados - tais como a TV, o rádio, a internet, o cinema, jornais e revistas - transmitem às crianças noçoes equivocadas de diversao e arte. Ao se imporem ao universo das crianças, acabam gradativamente com seu significado infantil, levando-as a uma inserçao prematura no mundo dos adultos, gerando "necessidades" e "verdades" que nao pertencem à natureza delas.

Crianças sao naturalmente atraídas pela diversao e, nesse mundo da indústria cultural, diversao e consumo interagem de forma concatenada, pois suas finalidades sao consumo, alienaçao, massificaçao, rotulaçao, condicionando para a falta de opinioes próprias, em favor da opiniao midiática. O espaço, antes destinado à criaçao, é preenchido demasiadamente por desenhos animados, videogames e outros brinquedos técnicos e eletrônicos. A diversao, pois, gera consumo e cria outra identidade à infância.

Postman5 nos leva a refletir sobre a erotizaçao precoce das crianças e a crescente participaçao infantojuvenil nos índices de criminalidade, que ele entende como sendo sinais alarmantes de que a infância pode estar desaparecendo. De fato, nao se observam mais, com tanta clareza, marcas que lembrem um mundo infantil separado do mundo dos adultos. Basta ver o modelo das roupas infantis, os hábitos alimentares, seu padrao linguístico, a profissionalizaçao prematura de esportistas e modelos, o fim das velhas brincadeiras infantis, atitudes mentais e emocionais das crianças, bem como a sexualizaçao precoce permeando desde as brincadeiras até as próprias histórias infantis. Enfim, o comportamento, a linguagem, as atitudes, os desejos e até mesmo a aparência física de adultos e de crianças estao se tornando cada vez mais indistinguíveis.

No Brasil, a influência da mídia foi se tornando muito poderosa em virtude de um sistema educacional precário (aqui se incluem pais, professores, programas escolares, etc.), que possibilita que a TV e a internet tenham a autoridade soberana de informar, educar e distrair, sem um público capaz de criticá-la.

Um simples exemplo de papel de autoridade da TV é o personagem criado pela TV Tupi, na década de 60, com o slogan "já é hora de dormir, nao espere mamae mandar...", em resposta a cartas de pais que reclamavam da dificuldade de colocar os filhos na cama. Esse tipo de preocupaçao contrasta com as atuais programaçoes infantis, que vao ao ar 24 horas por dia, ininterruptamente, e que chegam a lares fragilizados pela falta de autoridade e de convicçao por parte de pais cansados e pouco presentes.

Em poucas décadas, o anterior "já é hora de dormir..." deu lugar ao slogan "FIQUE LIGADO, VOLTAMOS JA!". Além disso, vemos imagens e músicas de conteúdo sexual, pervertendo a infância com linguagens e gestos obscenos, ou de caráter antissocial, aplaudindo criancinhas "engraçadinhas" que os repetem orgulhosamente, sem a menor consciência de seus significados.

Quando conseguimos refletir sobre como caminha a humanidade, ficamos estarrecidos com o grande paradoxo que caracteriza a sociedade hipermoderna: de um lado, um altíssimo e rápido avanço tecnológico, que facilita a vida e permite grandes desenvolvimentos e conhecimentos científicos; de outro, um enorme retrocesso nos costumes e valores que fundam uma sociedade equilibrada ética e moralmente.

Eu diria que essa é uma era dos paradoxos, que nos coloca de forma confusa, sem paradigmas, em desafios para os quais nao estamos preparados. Precisamos criar, a todo o momento, reiteradas e rápidas soluçoes, que, no entanto, no momento seguinte, já nao servirao mais...

Tenho observado que nossas estratégias de comunicaçao simbólica - por décadas utilizadas nas análises infantis -, mais especificamente os brinquedos, falham, em geral, devido à pobreza de interesses por parte das crianças. Elas sao bastante curiosas, mas o interesse pelos brinquedos é imediato e disperso. A preferência recai nos jogos eletrônicos ou nas brincadeiras de açao, mas nota-se que é uma açao pela açao em si, sem um conteúdo que denote um sentido mais profundo; carece de uma história, de um enredo. Ou seja, é uma açao para descarga, sem um final feliz, ou a necessária vitória do bem sobre o mal. Enfim, as crianças já nao se interessam mais pela nossa "velha" caixa cheia de brinquedos, recurso terapêutico por excelência nos tratamentos até entao. Diante disso, nos vemos, muitas vezes, impotentes, como terapeutas, tendo de improvisar recursos comunicativos que nos permitam acesso ao inconsciente.

A infância atualmente, eu penso, se caracteriza muito pela incerteza, pela insegurança e, sobretudo, pela agitaçao, paralelamente ao exercício de muitas atividades e ao gozo efêmero das coisas. É inquietante o número crescente de crianças que se apresentam com um comportamento ansioso e hiperativo, grande parte das vezes diagnosticadas e medicadas erroneamente como portadoras de transtornos de ansiedade e transtorno de desatençao e hiperatividade (TDAH).

Nos consultórios, deparamo-nos com uma crescente pobreza simbólica, como referi anteriormente, em crianças que já nao sabem brincar de faz de conta, que agem mais do que pensam, que imitam mais do que criam, que falam mais do que sonham. Nao, nao creio que sejam mais inteligentes do que as do passado, apenas estao mais expostas a todo o tipo de informaçao e, para processá-las, despendem uma enorme energia.

Por certo que crianças precocemente adultas impressionam e até encantam em um primeiro momento, por sua linguagem rica, por habilidades e informaçoes adquiridas e acumuladas. Nao raro sao motivo de orgulho por parte dos pais. Porém, grande parte delas impressionam também pela fragilidade de seus vínculos, por denotarem uma frágil autonomia, artificialmente adquirida, parecendo, às vezes, "ocas" de significados profundos e duradores. Estamos em uma era de fluidez de afetos, tal como denominou Bauman6, referindo-se a uma sociedade líquida6, em que nada é feito para durar; os relacionamentos escorrem pelas maos, por entre os dedos, feito água. Nada retém uma forma por muito tempo. Assim como os líquidos, tudo está em constante modificaçao, em contraste com uma sociedade sólida de 40 ou 50 anos atrás.

Concordo com Bauman6 de que os valores que a nossa cultura ocidental até entao estabelecera como os mais nobres e elevados cada vez mais se diluem, como a água que escorre de nossas maos, sem que sejamos capazes de detê-la. O problema de pertencer a uma sociedade com essas características é que nao se consegue diagnosticar ou prever como reagir a novas situaçoes ou crises, daí um sentimento de insegurança pela incapacidade de tomar medidas de precauçao; tornamo-nos indefesos e reféns da incerteza. É nesse estado que se encontram os pais, os educadores e os que se ocupam com crianças. Os acontecimentos em geral nos tomam de surpresa, a planificaçao do futuro nos desafia em nossos hábitos e costumes, os caminhos sao sempre muitos e nao se pode perder nenhum; quer-se todos.

Assim, a educaçao passa a ser mais um produto do que um processo. Os conhecimentos nao precisam mais ser úteis para toda a vida, mas devem conter noçoes de usar e descartar, devem ser cambiáveis; ou seja, estamos diante de uma educaçao líquida! O consumismo desses tempos nao se define pela acumulaçao das coisas, mas sim pelo breve gozo delas, já que se considera abominável o gasto de tempo.

Gosto da metáfora utilizada por Carr7, quando diz que estamos virando pessoas panquecas, que sabem de tudo, mas nao sabem de nada, uma vez que só vamos até a terceira linha dos textos que lemos na internet. Nesse processo, estamos abrindo mao de coisas muito importantes, que sao os valores, a sabedoria, a profundidade, o tempo. Estamos o tempo todo na urgência! Nós nos expandimos, mas de forma superficial. Penso que isso também vale para os vínculos, que sao muitos (infinidade de "amigos" virtuais, por exemplo), mas superficiais e descartáveis, através de um simples gesto de clicar no ligar ou desligar.

Parafraseando Bauman6, eu diria que a hipermodernidade está concebendo uma infância líquida, que nega à criança as condiçoes de segurança e estabilidade emocional, condiçao necessária para uma personalidade madura, equilibrada e capaz de vínculos estáveis e profundos.

Os pais, uma vez perdidos e sem parâmetros, apelam para os psicólogos e para as escolas, na esperança que esses construam a educaçao e a formaçao de seus filhos. As escolas, por sua vez, sobrecarregadas no acúmulo de funçoes, sentem-se na necessidade de uma constante revisao de seus sistemas educativos e incapazes de fornecer um paradigma no qual se fundar.

Estou fortemente inclinada a pensar que a concepçao hipermoderna de infância tende a formar uma sociedade tal cuja imprevisibilidade seja fonte geradora de incertezas, insegurança e ansiedade. Ao se borrar a fronteira entre a condiçao do infantil e do adulto, transforma-se também a condiçao da criança na cultura. Corre-se um risco de se criar uma infância efêmera e superficial - novos adultos em miniatura - que nos conduza à formaçao de uma espécie de cultura panqueca líquida.

Por isso, nesse momento de grandes inovaçoes científicas e tecnológicas - em que a condiçao humana segue em uma vertiginosa liquefaçao8 - torna-se fundamental uma atitude de reflexao crítica e profunda por parte da sociedade. Tal reflexao deve resultar em uma participaçao ativa de cada um nessa nova construçao da infância, a fim de nao perdermos valores essenciais já conquistados e, ainda, agregando os novos conhecimentos sobre uma fase da vida tao fundamental.


REFERENCES

1. Rousseau JJ. Emilio ou da educaçao. 2. ed. Sao Paulo: Difusao Européia do Livro; 1973. (Original publicado em 1762).

2. Freud S. Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: Freud S. Ediçao standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1976. (Original publicado em 1905).

3. Lipovetsky G, Charles S. Os tempos hipermodernos. Sao Paulo: Barcarolle; 2005.

4. Adorno T, Horkheimer M. Dialética do esclarecimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1986.

5. Postman N. O desaparecimento da infância. Rio de Janeiro: Graphia Editorial; 1999.

6. Bauman Z. (2004). Amor líquido - sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2004.

7. Carr N. A geraçao superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros. Rio de Janeiro: Agir; 2010.

8. Bauman Z, Donskis L. Cegueira moral - a perda da sensibilidade na modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar; 2014.










Mestrado (coordenadora). Porto Alegre, RS, Brasil.

Instituiçao: ESIPP

Correspondência
Sheyla Maria Borowski
Rua Vasco da Gama, 585/501, bairro Rio Branco
90420-111 Porto Alegre/RS
sheylaborowski@gmail.com

Submetido em: 22/12/2014
Aceito em: 19/02/2015

* Apresentado na mesa-redonda Infância e adolescência hoje, na XXVII Jornada Sul-Rio-Grandense de Psiquiatria Dinâmica (CELG), realizada em Canela, nos dias 11, 12 e 13 de setembro de 2014.

 

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