Rev. bras. psicoter. 2015; 17(2):35-43
Crestana T. Novas abordagens terapêuticas - terapias on-line. Rev. bras. psicoter. 2015;17(2):35-43
Artigos de Revisao
Novas abordagens terapêuticas - terapias on-line*
New therapeutic approaches - on-line therapies
Tiago Crestana
Resumo
Abstract
INTRODUÇAO
Hipermodernidade foi o termo cunhado pelo filósofo francês Gilles Lipovetsky para denominar o tempo em que vivemos. Na introduçao do livro de Lipovetsky Os Tempos Hipermodernos, Sébastien Charles traz uma definiçao de hipermodernidade: "é uma sociedade liberal, caracterizada pelo movimento, pela fluidez, pela flexibilidade; indiferente como nunca antes se foi aos grandes princípios estruturantes da modernidade, que precisaram adaptar-se ao ritmo hipermoderno para nao desaparecer" (p. 26)1. Nesse sentido, essa movimentaçao e flexibilidade nos apresentam situaçoes às quais, como diz a citaçao, precisamos nos adaptar.
Em junho de 2014, cerca de 3 bilhoes de habitantes (42% da populaçao mundial) no mundo eram usuários de internet. Somente no Brasil, em dezembro de 2013, cerca de 110 milhoes de pessoas tinham acesso à internet, sendo que houve um aumento de 2.095% no número de usuários no nosso país entre os anos de 2000 e 20132. Com o aumento do uso da internet, somos cada vez mais solicitados em nossos consultórios a aderir a esse tipo de comunicaçao. E-mails, mensagens de celular, procura pela internet fazem cada vez mais parte do dia a dia de nossa prática.
Nesse sentido, um novo enquadre de atendimento vem ganhando corpo atualmente, especialmente estimulado pela evoluçao dos meios de comunicaçao. Esse fenômeno parece propor, sobretudo, a modificaçao de uma abordagem já secularmente conhecida, mais do que a criaçao de uma nova. Existem relatos de atendimento psicoterápico à distância desde a década de 50 através de consultas por telefone3. No entanto, nos últimos anos, especialmente com o avanço da internet, essa modalidade vem se tornando cada vez mais disponível e frequente. Ferramentas para comunicaçao à distância facilitam cada vez mais o contato entre as pessoas e levantam o questionamento de sua validade como meio para realizaçao de sessoes de psicoterapia.
Os objetivos deste trabalho sao apresentar uma breve revisao sobre o tema, discutir alguns aspectos referentes a essa modalidade de atendimento e apresentar um levantamento pontual realizado em nosso meio sobre como os terapeutas veem esse tipo de atendimento.
REVISAO
Existe uma ausência de consenso na própria definiçao do termo utilizado para se referir a essa modalidade de tratamento. No entanto, termos como e-therapy, internet based psychotherapy, web-based therapy, online psychoterapy, entre outros, sao amplamente usados na literatura. A própria nomenclatura nos mostra que a maior parte dos estudos sobre esse tema é conduzida no exterior, sendo ainda pequena a produçao científica em nosso país sobre o assunto.
Deve-se fazer uma diferenciaçao entre psicoterapia pela internet e intervençoes baseadas na internet. A primeira refere-se a terapias realizadas por profissionais em contato com os pacientes. Já as segundas sao mediadas por programas, com ou sem a participaçao de terapeutas, e incluem CDs, DVDs, aplicativos, websites, entre outros. Elas podem ser sincrônicas, quando a comunicaçao é imediata (videoconferência, chat), ou assincrônica, quando ocorre com algum lapso de tempo (e-mail, mensagens)4.
Desde o início, havia um questionamento se as terapias realizadas pela internet seriam tao eficazes quantos as realizadas face a face. Uma série de estudos mostram evidências positivas no tratamento de transtornos como depressao, pânico, estresse pós-traumático, transtornos de ansiedade, transtornos alimentares, entre outros5,6,7,8,9,10. Estudos também mostraram resultados semelhantes quando compararam a terapia virtual com a terapia face a face, especialmente em terapia cognitivocomportamental, psicoeducaçao e terapia comportamental10.
Também em atendimentos de orientaçao analítica existem estudos e relatos de caso mostrando diferenças e semelhanças em relaçao ao atendimento presencial e à distância. Alguns autores nao encontraram diferenças significativas no atendimento, sugerindo a prática como promissora. Sugerem também que os princípios de um atendimento analítico podem ser mantidos em um atendimento à distância3, 11,12. Esse achado reforça a ideia de essa nao ser uma nova abordagem, mas somente uma adaptaçao ao setting e contrato proposto.
Outro fator que se questiona quando se fala em terapias on-line é a capacidade de se desenvolver uma relaçao terapêutica à distância. Estudos e relatos de atendimentos têm mostrado ser possível estabelecer um vínculo através desse método, com resultados, por vezes, semelhantes entre os tratamentos presenciais e à distância3,13. No entanto, mais estudos sao necessários para se avaliarem as particularidades da aliança terapêutica na psicoterapia on-line, embora os resultados até aqui sejam encorajadores14.
Muitos terapeutas relatam dificuldades nessa modalidade de atendimento, por sentirem a relaçao mais distante. Nesse sentido, alguns autores consideram que deve haver um tipo específico de treinamento para os terapeutas que desejam atender utilizando esses instrumentos. Além das combinaçoes já conhecidas que fazem parte do contrato psicoterápico, outras deveriam estar envolvidas. Entre elas: como agir em caso de queda ou falha na comunicaçao, como lidar com uma situaçao de emergência, como serao feitos os contatos extrassessao e os pagamentos, riscos em relaçao ao sigilo e confidencialidade14.
ASPECTOS ÉTICOS E LEGAIS
Em alguns países, como Estados Unidos e Austrália, essa prática é reconhecida e aceita. No entanto, no Brasil ainda existem algumas limitaçoes em relaçao a ela.
Para o Conselho Federal de Psicologia, essa modalidade de atendimento só é autorizada de maneira experimental, conforme o artigo 9º da resoluçao 011/2012: "O Atendimento Psicoterapêutico realizado por meios tecnológicos de comunicaçao à distância pode ser utilizado em caráter exclusivamente experimental [...]"15.
A câmara técnica de psiquiatria do Conselho Regional de Medicina, após uma consulta do autor, nao reconhece o atendimento pela internet como psicoterapia. Refere dois motivos principais para tal: o fato de o método científico psicoterápico exigir o contato pessoal presencial e o fato de nao haver nenhuma garantia em relaçao ao sigilo profissional na internet.
O aspecto do sigilo profissional parece ser uma das grandes questoes e limitaçoes do atendimento psicoterápico pela internet. Nao parece existir nenhum meio de contato pela internet que seja seguro contra a invasao de hackers ou semelhantes. Uma metáfora utilizada para descrever essa situaçao é a de que a conversa pela internet seria semelhante a uma conversa em um banco de praça, circunstância em que qualquer pessoa poderia se aproximar e escutar o conteúdo do diálogo. Alguns autores argumentam que nao haveria interesse por parte de terceiros para invadirem uma sessao de psicoterapia. No entanto, argumentam que em tratamentos nos quais possa haver o interesse de invasao, como separaçoes litigiosas ou segredos profissionais, deve-se levar em conta esse aspecto no momento da indicaçao de tratamento por essa via. Tal questao deve ser claramente explicitada e discutida com o paciente para que nao se criem expectativas irreais em relaçao ao sigilo.
Outra questao que pode influenciar no atendimento e que diz respeito ao sigilo envolve o ambiente em que serao realizadas as sessoes. Deve fazer parte do contrato que ambos, paciente e terapeuta, estejam em um local adequado para o tipo de atendimento proposto. Pode-se criar um clima de desconfiança no terapeuta, o que certamente influenciaria em seu trabalho, a respeito de se o paciente está sozinho no ambiente ou se está acompanhado de alguém, se está gravando a conversa, se está fazendo algo mais no horário em que estao conversando. Nesse sentido, o terapeuta deve estar confortável com esse tipo de atendimento para realizá-lo, pois uma série de sentimentos contratransferenciais prejudiciais ao andamento da terapia podem surgir.
Outro aspecto que pode causar um distúrbio contratransferencial é uma dúvida em relaçao à real identidade do paciente14. Isso pode ocorrer quando a única forma de contato é virtual, sem o conhecimento pessoal do paciente.
Uma série de fatores devem ser levados em consideraçao no momento de se indicar um tratamento à distância. Sempre que possível, deve-se dar preferência ao tratamento presencial. Nesse sentido, uma indicaçao de terapia virtual seria para pessoas que residem em locais remotos, sem a possibilidade de contato com especialistas. Também para pacientes que irao se afastar por um período delimitado de tempo e que gostariam de seguir o tratamento, ou em casos de doenças que impeçam a locomoçao ou fobias severas que impeçam a saída de casa. Nesse último caso o tratamento pode ser iniciado dessa maneira para, após o alívio dos sintomas, ser seguido pessoalmente.
Algumas contraindicaçoes3 incluem pacientes com incapacidade de manter as combinaçoes estabelecidas, surdez ou mudez, pacientes com risco de suicídio, pacientes que necessitem de medicaçao, a nao ser que haja um psiquiatra na localidade do paciente com disponibilidade para manejar esse aspecto do tratamento.
LEVANTAMENTO LOCAL
O autor realizou um breve levantamento local sobre a opiniao de alguns colegas a respeito do tema. Foram enviadas duas perguntas por e-mail para 28 psiquiatras que realizam atendimento psicoterápico, sendo 14 com mais de 15 anos de prática e 14 com menos de 15 anos, sendo 7 homens e 7 mulheres em cada grupo. As perguntas foram:
1 - Qual a sua opiniao sobre as teleterapias (telefone, MSN, Skype, Facetime...)?
2 - Você já teve alguma experiência pessoal com esse tipo de terapia? Se sim, qual foi a sua impressao do ponto de vista da relaçao terapêutica, da técnica e da diferença entre esse tipo de atendimento e o atendimento "face a face"?
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