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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2015; 17(1):41-53



Artigos de Revisao

Pesquisa empírica em psicoterapia psicanalítica: contribuiçao para a formaçao teórico-clínica de psicoterapeutas

Empirical research in psychoanalytic psychotherapy: contribution for the theoretical-clinical training of psychotherapists

Lívia Fraçao Sanchez1; Maria Lucia Tiellet Nunes2; Paula Argemi Cassel3; Paula von Mengden Campezatto4

Resumo

O artigo apresenta breve histórico do desenvolvimento da teoria e da técnica da psicoterapia psicanalítica. Também diferencia duas modalidades de pesquisa empírica em psicoterapia: processo e resultado de tratamento. Destaca a pouca quantidade de pesquisas, no Brasil, sobre a temática, o que atesta a ausência de tradiçao de estudos desse caráter e a distância entre clínicos e pesquisadores. Salienta que a pesquisa de processo é uma possibilidade de aproximaçao entre essas áreas. Os autores consideram necessários e relevantes os esforços para unir clínicos e pesquisadores na pesquisa empírica em psicoterapia, e sugerem a inserçao da pesquisa na formaçao do psicoterapeuta como possibilidade de aproximaçao de clínicos e pesquisadores e, assim, de reduçao dessa lacuna.

Descritores: Psicoterapia; Psicanálise. Pesquisa; Formaçao do terapeuta.

Abstract

The article presents a brief historical development of theory and technique of psychoanalysis and psychotherapy. It also distinguishes two kinds of empirical research in psychotherapy: process and results of treatment. It highlights the small amount of research in this field in Brazil. That shows a lack of tradition of studies like this and a gap between clinicians and researchers. It points out that process research is a possibility of interlocution between these areas. The authors emphasize that efforts become necessary and relevant to unite clinicians and researchers work, and suggest research as a discipline in psychotherapy training as a possible approach between clinicians and researchers and thus reduce this gap.

Keywords: Psychotherapy; Psychoanalysis; Research; Psychotherapy training.

 

 

INTRODUÇAO

A psicanálise e a psicoterapia psicanalítica têm sua origem no trabalho desenvolvido por Sigmund Freud no tratamento de pacientes histéricos. O trabalho realizado por Freud, na construçao da psicanálise, na Viena do final do século XIX, foi seu empreendimento solitário, totalmente privado e fora dos círculos universitários. Desde o início da psicanálise, Freud incluiu a pesquisa, em sua definiçao, como um procedimento de investigaçao dos processos mentais, um método de tratamento e uma disciplina científica1. O método utilizado por ele nao é aceito por pesquisadores que se dedicam à pesquisa empírica nos parâmetros do método científico consagrado, visto que a sua metodologia era menos sistematizada do que a utilizada pelos estudos atuais2.

No decorrer do último século, as ciências empíricas e a psicanálise nao desenvolveram proximidade, mantendo-se como campos à parte do conhecimento científico hegemônico. O distanciamento entre a prática clínica e a pesquisa empírica é percebido, no Brasil, pela pouca produçao de pesquisas em psicoterapias de diversas modalidades, principalmente naquelas de abordagem psicanalítica3. Devido a isso, a comunidade psicanalítica se depara com pressao significativa para aumentar as pesquisas empíricas4.

A partir do exposto, este artigo busca expor a importância da pesquisa empírica da psicoterapia psicanalítica para consolidaçao de sua práxis, a partir da formaçao do psicoterapeuta. A investigaçao acerca dos diversos elementos atuantes em um processo de psicoterapia psicanalítica contribui à área de ensino, favorece a discussao teoria/técnica e contribui para o desenvolvimento de psicoterapeutas em formaçao.


DESENVOLVIMENTO DA TEORIA E DA TÉCNICA DA PSICOTERAPIA PSICANALITICA

A psicanálise desde Freud vem alcançando pacientes com sintomas mais graves que aqueles apresentados pelos pacientes neuróticos5. A fim de poder tratar esses pacientes mais regressivos, a psicanálise sofreu algumas modificaçoes técnicas para melhor assisti-los. Surge, assim, a psicoterapia psicanalítica. Embora a psicanálise e a psicoterapia psicanalítica sejam baseadas nos mesmos preceitos teóricos, os objetivos de ambas sao claramente distintos6. Diferentemente da psicanálise, que tem por objetivo tratar a patologia caracterológica por meio da análise, a psicoterapia psicanalítica, utilizando-se do mesmo embasamento teórico, apresenta o esclarecimento, a confrontaçao e a interpretaçao extratransferencial como seus principais instrumentos para atingir objetivos mais circunscritos e nao tao profundos como aqueles de uma análise7.

Na psicoterapia psicanalítica, as associaçoes do paciente nao sao tao livres como na psicanálise, visto que o psicoterapeuta acaba por dirigir as associaçoes para questoes-chave da psicoterapia de modo a acessar áreas circunscritas ou problemas delimitados do paciente. Sendo assim, o paciente é estimulado, por seu psicoterapeuta, a explorar sentimentos, ideias e atitudes dentro da área selecionada, referente ao foco da sessao8.

A teoria e a técnica psicanalítica podem ser pensadas como uma obra em construçao, em que é necessário ter em mente as características técnicas e teóricas que definem a psicanálise como tal9. Pouco se tem debatido e publicado sobre o ensino da psicoterapia psicanalítica, ficando, por vezes, restrita aos locais de formaçao de analistas10. Por isso mesmo, referindo-se à funçao do ensino da psicoterapia psicanalítica, Zaslavsky e Brito10 descrevem-na como o desenvolvimento de aptidoes e capacidades no psicoterapeuta para trabalhar com o paciente, assim como a busca por uma identidade de psicoterapeuta, visto ser a psicanálise e a psicoterapia psicanalítica participantes do mesmo referencial teórico, embora apresentem técnicas diversas. O modelo utilizado para o desenvolvimento da identidade de psicoterapeuta baseia-se no tripé da formaçao psicanalítica: o tratamento pessoal, a formaçao teórica e a supervisao11.

A respeito do tratamento pessoal, Zaslavsky e Brito10 enfatizam a importância de o psicoterapeuta ter conhecimento profundo a respeito de seu funcionamento mental para o êxito da psicoterapia que venha a conduzir. O conhecimento dos seus principais conflitos psíquicos e do funcionamento de sua personalidade ajudam de forma significativa na compreensao do paciente, principalmente no que diz respeito aos sentimentos transferenciais e contratransferenciais desenvolvidos pela dupla pacientepsicoterapeuta ao longo do tratamento psicoterapêutico. Além disso, a vivência de um tratamento bemsucedido favorece a diminuiçao dos chamados pontos cegos do psicoterapeuta em relaçao ao material trazido pelo seu paciente.

Em relaçao à formaçao teórica e técnica, é importante que o ensino seja atenciosamente pensado e elaborado, pois sao estes que proporcionarao aos alunos a aquisiçao de conhecimentos elementares fundamentais para o bom exercício terapêutico. É esse espaço de ensino o local onde o aluno poderá se expressar, trazendo suas dúvidas e suas ideias a respeito dos conceitos teóricos e técnicos10. No que se refere à supervisao, sabe-se de sua relevância no ensino e na formaçao de um psicoterapeuta, pois é a partir dela que o conhecimento teórico e técnico se sedimenta no interior do supervisionando10.

Nesse sentido, acredita-se que, para um melhor aproveitamento da formaçao teórico-clínica desenvolvida nos centros de formaçao, seja necessária uma maior interlocuçao entre o ensino e a pesquisa empírica, visto que ambos complementam-se para a construçao da identidade do psicoterapeuta. Frente a isso, discutimos a pesquisa empírica em psicoterapia e, posteriormente, as interfaces entre pesquisa, clínicos e formaçao psicoterapêutica.


PESQUISA EMPIRICA EM PSICOTERAPIA

A investigaçao das psicoterapias, independente da abordagem teórico-técnica, tem incitado pesquisadores e clínicos. Pesquisas empíricas em psicoterapia se configuram pela aplicaçao de métodos empíricos aos fenômenos clínicos e podem ser caracterizadas como pesquisa de resultado ou de processo, de acordo com a pergunta que o estudo pretende responder12,13,14. Salienta-se que as pesquisas de resultado e de processo estao interligadas, uma vez que ambas objetivam investigar mudança em psicoterapia. Contudo, apresentam objetivos diferentes14, em termos metodológicos, teóricos, técnicos e éticos.

A pesquisa de resultado pretende responder: houve ou nao mudanças ao final do processo de psicoterapia e em consequência deste?14,15 Já a pesquisa de processo: como as mudanças ocorreram ao longo do processo de tratamento psicoterapêutico?14,16,17 Ainda, a pesquisa de resultado pode responder a sua pergunta através de dois tipos de pesquisa: de eficácia e de efetividade. A pesquisa de resultado de eficácia demonstra relaçoes causais entre o tratamento psicoterapêutico e o resultado a partir da avaliaçao da extensao de quanto um tratamento específico gera resultado favorável em condiçoes ideais de observaçao, em um ambiente psicoterapêutico ideal, em que hipóteses sao testadas e variáveis controladas de maneira objetiva e sistemática15,18,19,20,21. Já a pesquisa de resultado de efetividade examina o resultado da psicoterapia no setting terapêutico e a intervençao psicoterapêutica é realizada a fim de adequá-la ao setting real (consultórios, por exemplo), sendo o setting da pesquisa mais flexível, menos controlado e representativo da prática clínica15,19,21,22.

O estudo do processo, ao responder como ocorreram as mudanças ao longo do tratamento, apresenta-se como um método particular de investigaçao sistemática da experiência humana em um contexto interpessoal16. O objetivo principal da pesquisa sobre processo pode ser esclarecido como a identificaçao e a validaçao dos fatores que provocam mudanças nos padroes emocionais nao adaptativos do paciente16. Ou seja, para se avaliar o processo da psicoterapia, sao estudados momentos em que se pode identificar mudanças no paciente16. Portanto, a pesquisa de processo envolve a análise de complexas, multifacetadas e contextualizadas variáveis que estao inseridas na psicoterapia23.

O estudo minucioso das psicoterapias e as implicaçoes provocadas pelas intervençoes psicoterapêuticas, seja pesquisa de resultado e/ou processo, têm sido objeto de análise de pesquisadores e clínicos. Indicadores que somam a necessidade de investigaçoes empíricas em psicoterapia é a aquiescência entre clínicos e pesquisadores da psicoterapia ser eficaz, efetiva e duradoura24,25,26.

Nesse sentido, é indispensável a avaliaçao dos elementos psicoterapêuticos que provocam resultados positivos para os pacientes25. De tal modo, a investigaçao científica das psicoterapias e de que modo as intervençoes podem favorecer a saúde mental e a qualidade de vida dos sujeitos é de interesse dos pesquisadores, dos clínicos e, principalmente, daqueles que buscam tratamento psicoterapêutico - os pacientes3,27,28,29,30. A pesquisa em psicoterapia é necessária, a fim de que se possa comprovar, refinar e aprimorar conceitos teóricos e técnicos que produzem mudanças13.

Nessa direçao, Kazdin31 esclarece que a publicaçao científica internacional demonstra que há progressos na pesquisa em psicoterapia; diferentes tratamentos psicológicos sao reconhecidos positivamente em decorrência das pesquisas de evidências. Mesmo assim, os pesquisadores e clínicos ainda nao possuem explicaçoes baseadas em evidências a respeito de que forma as intervençoes podem vir a produzir mudança no paciente, enfatizando a necessidade de efetivaçao de pesquisas de processo e, ainda, de pesquisas que avaliem conjuntamente processo e resultado, a fim de aprimorar os conhecimentos teóricos e técnicos envolvidos nas psicoterapias.

Zanatta e Benetti32 enfatizam que os objetivos das pesquisas em psicoterapia, atualmente, vao para além da comprovaçao da eficácia/efetividade dos tratamentos, focando-se no entendimento dos processos de mudança envolvidos na psicoterapia. Tal entendimento demarca um novo momento em estudos empíricos com psicoterapia12, pois há, historicamente, preferência, por parte dos pesquisadores e do próprio entendimento do que é ciência, das pesquisas de resultado baseadas em evidências empíricas15.

A pesquisa de processo marca a principal forma de se avaliar empiricamente a psicoterapia psicanalítica e a psicanálise, posto que os procedimentos metodológicos desse tipo de estudo permitem maior aproximaçao aos preceitos teóricos e técnicos da teoria psicanalítica. Dentre as metodologias de exame do processo psicoterapêutico está o estudo de caso sistemático (ECS)33, justo por ser um modelo de investigaçao que permite responder a questoes relevantes para a prática clínica por meio de evidências científicas. Para isso, utiliza-se de diferentes mecanismos na coleta dos dados para aprimorar o rigor metodológico: os procedimentos devem ser cuidadosos e sistemáticos, como gravar em áudio e vídeo as sessoes de psicoterapia para que se possa retornar aos dados sempre que desejável, a fim de testar a acurácia das interpretaçoes inferidas acerca dos processos psicológicos. Além disso, Edwards33 sugere que juízes independentes analisem a(s) sessao(oes), o que pode se dar por meio de diferentes instrumentos, pela escuta do áudio do material ou pela leitura da transcriçao literal do material clínico.

A pesquisa sobre processo foi fundamental à psicanálise desde seus primórdios7. Como já referenciado, desde a conceitualizaçao de psicanálise por Freud, a pesquisa, a clínica e a teoria encontramse atreladas e interdependentes1. Assim, o imperativo de uniao de clínicos e pesquisadores na pesquisa em psicoterapia aumenta quando se refere à avaliaçao do processo psicoterapêutico, especialmente, psicanalítico, pois há pressao da ciência em termos de comprovaçao empírica das psicoterapias13,34, e, de forma expressiva, do funcionamento positivo da abordagem teórico-técnica da psicanálise. O exame do processo é, devido às questoes teóricas, técnicas e éticas da psicanálise, a forma que melhor se aproxima das exigências científicas de comprovaçao baseada em evidência.

A avaliaçao do processo pode esclarecer possíveis relaçoes entre os efeitos das intervençoes realizadas ao longo do tratamento psicoterapêutico e as implicaçoes destas, possibilitando o direcionamento de estratégias que levam a mudanças significativas no paciente13, além de elucidar o impacto da psicoterapia nos pacientes nos diversos tipos de tratamentos psicoterapêuticos18,30,35. A necessidade de vínculo na produçao do conhecimento em psicoterapia entre clínicos e pesquisadores denuncia que apenas demonstrar as causas e os efeitos entre intervençoes e mudança nao mostra como essas ocorreram31, uma vez que as mudanças psicoterapêuticas podem ocorrer em sessoes específicas e em alguns momentos de cada sessao ao longo do tratamento36.

A avaliaçao empírica das psicoterapias, especialmente a avaliaçao do processo, por ser necessário o exame minucioso de todo o tratamento, foi favorecida pela inserçao de registros objetivos, como o uso de gravaçao em áudio e filmagem das sessoes, pois estes propiciam maior precisao da compressao do que ocorre ao longo do tratamento, em cada sessao. Os registros objetivos evitam críticas, que vem sendo produzidas em relaçao aos relatos de casos, elaborados pelos próprios psicoterapeutas, podendo apresentar problemas científicos e clínicos, tendenciosidade e perda de informaçoes16,37,38.

É a partir dos registros objetivos e da coleta de dados com diferentes personagens envolvidos na psicoterapia (pesquisador, psicoterapeuta, paciente, supervisor(es) do caso, as próprias sessoes) que pesquisadores aplicam métodos quantitativos e qualitativos para examinar os padroes de interaçao e da comunicaçao terapeuta/paciente através das sessoes de psicoterapia, relacionando-os com episódios terapêuticos positivos e negativos, bem como com a mudança clínica40.

Contudo, mesmo havendo progressos nas pesquisas empíricas em psicoterapia, as publicaçoes científicas de investigaçoes de processo, na literatura brasileira, sao escassas e há lacunas de estudos sistemáticos sobre processo psicoterapêutico17. Estudos empíricos com a abordagem psicanalítica sao ainda mais escassos32. Questao importante é que os estudos existentes sao pouco conhecidos pelos pesquisadores e clínicos, e quando o sao, na maioria das vezes sao feitos e reconhecidos unilateralmente por um dos grupos12,36.

Nessa direçao, no Brasil as publicaçoes sobre pesquisas em psicoterapia sao incipientes, ainda que estudos empíricos de resultado possuam maior produçao nacional do que as pesquisas empíricas sobre processo em psicoterapia41,42,43. Uma revisao sistemática de pesquisa de resultado em psicoterapia, entre os anos 2000 e 2012, feita por Campezatto, Cunha e Nunes42 e outra revisao sistemática elaborada por Cassel, Sanchez e Nunes43 sobre pesquisa de processo em psicoterapia, entre os anos 2000 e 2012, obtiveram como conclusoes que a produçao científica mundial, representada pela base de dados PsychINFO, apresenta maior quantidade de artigos empíricos em comparaçao aos teóricos. A Lilacs, base de dados de produçoes da América Latina, contempla revisoes, estudos empíricos e validaçao de instrumentos, demonstrando crescente investimento na área. E os periódicos científicos publicados no Brasil pelo Indexpsi apresentam, em sua maioria, estudos teóricos e conta com apresentaçao de material clínico, sobressaindo-se pela pouca quantidade de pesquisas a respeito do resultado e processo em psicoterapia nos anos pesquisados, manifestando a nao tradiçao de estudos desse caráter a nível nacional.

Frente a isso, ressalta-se a necessidade de promoçao da uniao de clínicos e pesquisadores e da publicaçao de estudos baseados em evidências, principalmente na pesquisa em psicoterapia do processo psicoterapêutico psicanalítico, pois esta visa esclarecer as possíveis relaçoes entre a psicoterapia e seus efeitos12,27,28,29,30,44,45,46.


FORMAÇAO EM PSICOTERAPIA: POSSIBILIDADE DE UNIAO ENTRE CLINICOS E PESQUISADORES

O exame do processo psicoterapêutico precisa ser analisado sistematicamente em relaçao aos aspectos do paciente, do psicoterapeuta e da relaçao estabelecida entre ambos no intuito de compreender o que leva a mudanças no decorrer do tratamento, envolvendo dados colhidos por instrumentais objetivos47. Muitos psicanalistas e psicoterapeutas recusam, por exemplo, a introduçao de registros objetivos nas sessoes de psicoterapia por recearem a exposiçao do paciente e os considerarem como possível obstáculo para formaçao da aliança terapêutica48.

Autores consideram que o próprio espírito da psicanálise, em sua própria natureza, estaria sendo violentado pelas demandas feitas a ela pela pesquisa empírica. Nesse caso, o grande desafio seria desenvolver métodos desenhados especificamente para nao violentar nem a natureza nem o "espírito" daquele objeto que está sendo estudado49.

Ainda que exista receio na utilizaçao de medidas objetivas para a realizaçao de pesquisas, Silva et al.48 constatam que ambas as formas de registro (registros de memória do psicoterapeuta e gravaçao das sessoes) sao complementares e nao excludentes para a apreensao do material e parecem, de forma conjunta, ser a melhor forma de aproximar o pesquisador da essência do processo psicoterapêutico. Além de todas as dificuldades para que pesquisadores e clínicos busquem as devidas conexoes para considerarem suas práticas complementares no fortalecimento das psicoterapias e da psicanálise, também se apresentam dificuldades práticas, que corroboram para que a pesquisa fique relegada a uma minoria de clínicos. Estas envolvem diversos fatores, entre eles a dificuldade de acesso a dados de prontuários que, quando existem, estao em sua maioria mal preenchidos, com diversos campos em branco e com expressoes e termos técnicos nao acordados entre os profissionais que os preenchem50. Percebe-se uma confusao acerca do resguardo do sigilo e confidencialidade do material, tanto quando se trabalha com prontuários e materiais advindos de arquivos como com material advindo diretamente de sessoes psicoterapêuticas gravadas em áudio e/ou vídeo. Tais aspectos resultam em uma comum recusa por parte de psicoterapeutas em participar de estudos empíricos17.

Campezatto, Nunes e Silva51 enfatizam a necessidade de que o pesquisador em/sobre psicoterapia e psicanálise tenha real conhecimento (vivencial) da clínica e de seu método de trabalho, na intençao de tornar-se um instrumento "calibrado"51 para apreender os processos mentais conscientes e inconscientes. É somente a escuta treinada e acurada do pesquisador que pode levantar indicadores de mudança psicológica52. Esse fator, enriquecedor sob o aspecto empírico, torna-se difícil na medida em que clínicos nao dispoem do extenso tempo necessário para a execuçao de ambas as tarefas - clinicar e pesquisar. A verba destinada à pesquisa é escassa na maioria das instituiçoes fora do contexto universitário, provavelmente pela pouca valorizaçao da atividade por muitos clínicos. E os clínicos, na maioria das vezes profissionais autônomos, pouco podem dispor de horas de trabalho.

Campezatto e Nunes52 retomam que anos e anos de experiências clínicas riquíssimas ficaram escondidas entre as quatro paredes de salas de atendimento, representando pouco ou nenhum avanço para a ciência, embora inúmeros pacientes tenham se beneficiado de seus tratamentos. Frente a isso, relembra-se e enfatiza-se que a psicanálise e a psicoterapia psicanalítica vêm sofrendo pressao para comprovar cientificamente que seu método realmente traz benefícios para seus pacientes, e vêm perdendo espaço substancial para outras modalidades de atendimento adeptas à conciliaçao entre pesquisa e prática clínica, de forma que a histórica lacuna entre a prática e a pesquisa precisa ser revista pelos dois campos de investigaçao.

A clínica, constantemente, necessita renovar-se com novos dados que auxiliem no aprimoramento técnico diante das mudanças culturais e subjetivas da atualidade. Assim, o estudo empírico do processo psicoterapêutico é fundamental para a clínica e é justamente o que mais se aproxima de sua compreensao, já que permite a (re)elaboraçao de conceitos teórico-técnicos, de planejamento psicoterapêutico, do entendimento de quais intervençoes psicoterapêuticas levaram à mudança significativa no paciente. Da mesma forma, a formaçao do psicoterapeuta psicanalítico que considere as evidências empíricas coloca o profissional no lugar de produtor e produto de conhecimento em saúde mental, posicionando o clínico e o pesquisador lado a lado, próximos47.

Considera-se a necessidade e relevância dos esforços para unir clínicos e pesquisadores na pesquisa empírica em psicoterapia, e sugere-se como possibilidade de estreitar essa lacuna a formaçao do psicoterapeuta. A ideia passa a ser a integraçao entre o clínico e o pesquisador na uniao de seus esforços. Com a participaçao ativa do clínico no processo de pesquisa, o empirismo tende a ser válido e útil para a comunidade envolvida com psicoterapia como um todo12,36.

Faz-se necessário, portanto, esforço de integraçao dos resultados das investigaçoes clínicas e empíricas. Cada estudo tende a trazer pequena contribuiçao ao conhecimento da psicoterapia e da psicanálise, mas um grande conjunto de pequenas contribuiçoes pode apresentar material de significativo interesse a clínicos e pesquisadores. Assim, enfatiza-se a ideia de que a pesquisa empírica sobre psicoterapia e psicanálise é uma das vertentes de aplicaçao prática dos construtos teóricos desenvolvidos em sua metapsicologia. Dessa forma, poderá principalmente contribuir no acesso de uma maior quantidade de pacientes a esse tipo de intervençao, na medida em que possa se expandir os conhecimentos de o que funciona, para o que funciona e como funciona esse tipo de intervençao - questoes essas frequente foco de artigos em outras abordagens teóricas4.

Deakin e Nunes15, ao realizar pesquisa sobre efetividade da psicoterapia psicanalítica de crianças, propuseram, como uma saída às dificuldades de pesquisar, a intersecçao clínica e investigaçao, tendo como ponto de partida a universidade, que poderá auxiliar na adaptaçao de métodos. Tal alternativa parece soluçao bastante eficaz na implementaçao de uma mentalidade ampliada da clínica, que pode contribuir grandemente para estudos de resultado como o proposto pelas autoras. As investigaçoes no contexto das clínicas-escola universitárias vêm se desenvolvendo de forma crescente53,54,55,56, contribuindo na construçao de um panorama geral das práticas exercidas nas clínicas-escola, bem como na descriçao da clientela que utiliza seus serviços, nos tipos de terapia e no desfecho geral dos atendimentos.

Campezatto, Nunes e Silva4 consideram as instituiçoes de formaçao de psicoterapeutas e psicanalistas locais mais propícios para a aquisiçao de material clínico para realizar pesquisas empíricas de processos que exigem do clínico/pesquisador bagagem teórico-prática diferenciada. Diferentemente dos consultórios privados, a rotina de ambulatório inclui aspectos favorecedores da aceitaçao do paciente em participar de tais estudos, que envolvem a participaçao de secretária (agendamentos, pagamentos, administraçao das salas), triador, prontuários institucionais, sala de espera compartilhada com outros pacientes e a assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual o paciente autoriza o uso de seus dados para estudos, supervisao e pesquisa. Salienta-se que esses locais, com diversas nomenclaturas, como cursos de formaçao, de especializaçao, entre outros, sao considerados clínicas-escola de pós-graduaçao, onde os profissionais podem e devem tomar contato com as diversas facetas de utilizaçao de conhecimento clínico - dentre elas, a pesquisa.

Ainda que se considere que o modelo tradicional de formaçao, baseado no tripé psicanalítico, seja válido no sentido de constituir uma base sólida para o psicoterapeuta, é possível que esta seja justamente a saída para abarcar as demandas que a psicoterapia psicanalítica e a psicanálise vêm sofrendo: oferecer atividades complementares aos sustentáculos básicos seminários-supervisao-tratamento pessoal. Um psicoterapeuta pode e deve pesquisar, deve ser treinado para tal. A pesquisa empírica e a consequente escrita de seus achados (científica ou clínica) na forma de artigos científicos, papers em eventos, livros, entre outros, parecem ser o meio pelo qual a teoria psicanalítica e a técnica psicoterapêutica podem se renovar. Desde seu histórico, foram os escritos de Freud e seus seguidores que sustentaram a psicanálise; atualmente, a necessária constante renovaçao técnica se faz perante a divulgaçao das pesquisas empíricas e das constantes adequaçoes técnicas a que os clínicos vêm se deparando. Tais aspectos auxiliam o clínico e o pesquisador a integrarem-se na uniao de seus esforços, nao sendo mais vistos como em mundos distintos. Cabe lembrar que o clínico é um eterno pesquisador, e um pesquisador nao deixa de ser um clínico que busca solucionar problemas (de pesquisa) e explicar causalidades.


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1. Mestre em Psicologia Clínica pela PUCRS - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e sócia graduada do IEPP - Instituto de Ensino e Pesquisa em Psicoterapia
2. Psicóloga. Doutora em Psicologia Clínica (Tratamento e Prevençao) pela Universidade Livre de Berlim
3. Psicóloga. Mestre em Psicologia Clínica e doutoranda em Cogniçao Humana, PUCRS - Bolsista CAPES. Docente do Centro Universitário Ritter dos Reis (Uniritter, Laureate International Universities)
4. Psicóloga. Psicoterapeuta de crianças, adolescentes e adultos. Mestre e doutoranda em Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Bolsista do CNPq. Docente do IEPP - Instituto de Ensino e Pesquisa em Psicoterapia. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Correspondência
Lívia Fraçao Sanchez
Rua Carlos Gardel 119/501
90.450-100 Porto Alegre, RS
livia_sanchez@hotmail.com

Submetido em: 18/09/2014
Aceito em: 13/01/2014

 

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