Rev. bras. psicoter. 2015; 17(1):25-40
Jung SI, Serralta FB, Nunes MLT, Eizirik CL. Desistência e Conclusao em Psicoterapia Psicanalítica, um estudo qualitativo de pacientes de Porto Alegre, Brasil. Rev. bras. psicoter. 2015;17(1):25-40
Artigos Originais
Desistência e Conclusao em Psicoterapia Psicanalítica, um estudo qualitativo de pacientes de Porto Alegre, Brasil*
Dropout and completion in Psychoanalytic therapy: A qualitative study of patients from Porto Alegre, Brazil*
Simone Isabel Jung1; Fernanda Barcellos Serralta2; Maria Lucia Tiellet Nunes3; Cláudio Laks Eizirik4
Resumo
Abstract
INTRODUÇAO
Para entender por que um número significativo de pacientes de diferentes abordagens psicoterapêuticas desiste da psicoterapia, é necessário saber quais fatores distinguem os pacientes que concluem o tratamento com sucesso dos que desistem prematuramente e como esses fatores ocorrem. Na literatura, nao há consenso sobre a definiçao de desistência do tratamento1,2. Em sua maioria, as definiçoes sao divididas em duas categorias: nao comparecer à última sessao marcada ou interromper a psicoterapia antes de um certo número de sessoes ou um limite de tempo1. O interesse deste estudo recai sobre o fenômeno da desistência tardia, ou seja, casos de pacientes que iniciaram a psicoterapia psicanalítica (PP) e a mantiveram por pelo menos 28 sessoes (ponto de corte baseado no estudo de dose-efeito de Howard, Kopta, Krause e Orlinsky3) e, em seguida, por alguma razao, decidiram interromper o tratamento contrariamente à recomendaçao do psicoterapeuta. As diversas abordagens psicoterápicas frequentemente diferem em termos de objetivos, duraçao, definiçao de desistência e critérios de sucesso do tratamento4. A PP busca a compreensao da vida mental inconsciente do paciente tendo como foco a análise das defesas, da transferência e contratransferência, da resistência e dos conflitos5. Em geral, a PP nao tem limite de tempo (exceto em abordagens breves), sendo considerada uma psicoterapia de longo prazo voltada ao insight que termina idealmente quando paciente e psicoterapeuta concordam que os objetivos foram atingidos. Entre os fatores que indicam o sucesso do tratamento estao: mudanças na qualidade das relaçoes de objeto6 e em representaçoes do self e dos outros, elaboraçao de padroes repetitivos de relaçoes interpessoais, aumento da mentalizaçao, internalizaçao do processo terapêutico7 e maior capacidade de pensar sobre si mesmo8.
Em um estudo sobre resultados de PP conduzido em nosso país, Jung, Nunes e Eizirik descobriram9, em uma amostra naturalística de 34 pacientes de uma clínica comunitária, que apenas cinco participantes concluíram o tratamento. Nesta pesquisa buscamos compreender, nesta amostra, os fatores associados ao término unilateral e à conclusao da PP.
Investigaçoes focadas em variáveis dos pacientes encontraram diferentes fatores associados à desistência, tais como aliança terapêutica, capacidade de atingir insights, status socioeconômico, o nível educacional, expectativas dos pacientes, diagnóstico psiquiátrico, motivaçao, entre outros10-14. No entanto, a diversidade de métodos e a operacionalizaçao do fenômeno da desistência dificultam a generalizaçao de tais achados. Além disso, alguns dos resultados nao se confirmam em novas pesquisas, e mostram que variáveis pré-tratamento (demografia, gravidade dos sintomas e funcionamento global, por exemplo) nao diferenciam os pacientes que desistem dos que concluem o tratamento em algumas modalidades de psicoterapia, tais como terapia cognitivo-comportamental15, terapia interpessoal15, terapia experimental15, terapia interpretativa de tempo limitado14 e terapia psicodinâmica breve16.
Aparentemente, algumas variáveis de processo estao mais fortemente associadas à desistência. Em comparaçao aos que completam o tratamento, os pacientes que desistem apresentam uma aliança terapêutica mais fraca14,15,17,18, menor disposiçao a iniciar o tratamento19, mais barreiras à psicoterapia15, menores níveis de insight13, menor capacidade para o trabalho dinâmico e menor engajamento para a exploraçao de seus problemas14.
Deve-se destacar que a PP conta com menor número de estudos publicados que outras abordagens, nao apenas no Brasil, onde foi conduzida esta pesquisa, mas também ao redor do mundo20. Além do mais, os poucos estudos sobre desistência em PP que encontramos no Brasil sao investigaçoes quantitativas conduzidas em serviços universitários, sendo que os psicoterapeutas ainda sao estagiários, e nao profissionais habilitados. No cenário internacional, a maioria dos estudos sobre a desistência sao realizados com amostras de outras modalidades psicoterapêuticas. Entre os estudos que incluem psicoterapias psicodinâmicas, psicoterapias breves sao estudadas com maior frequência que psicoterapias de longo prazo. Logo, esperamos lançar alguma luz sobre o ainda obscuro fenômeno da desistência e conclusao em PP.
MÉTODO
PARTICIPANTES
Participaram da investigaçao dez pacientes de PP adultos classificados por seus psicoterapeutas como desistentes (grupo D) ou como concluintes (grupo C) , entre seis e 24 meses antes da inclusao no estudo. Os participantes foram selecionados de uma base de dados contendo 34 pacientes anteriormente estudados (ver Jung, Nunes e Eizirik9 para maiores detalhes). Os cinco pacientes do GD foram escolhidos aleatoriamente entre 24 pacientes do banco que frequentaram pelo menos 28 sessoes de psicoterapia. O GC foi composto por todos os pacientes do banco de dados (5) que haviam completado a PP.
Os participantes do grupo D eram mulheres adultas com média de idade de 31 anos (DP = 5,52) no início do tratamento e de nível socioeconômico de médio a baixo. Quatro eram solteiras, duas possuíam educaçao superior completa e três haviam concluído o ensino médio. Duas faziam psicoterapia na modalidade de duas sessoes por semana e as outras na de uma. A duraçao média do tratamento foi de 11,8 meses (DP = 4,76).
Os participantes do grupo C consistiam em mulheres adultas com média de idade de 35,4 anos (DP = 6,23) no início da psicoterapia e com níveis socioeconômicos de médio a baixo. Quatro eram casadas, uma possuía educaçao superior completa, três educaçao superior incompleta e uma o ensino médio completo. Uma paciente frequentou a psicoterapia uma vez por semana e as outras, duas vezes. A duraçao média do tratamento foi de 31,8 meses (DP = 9,18).
A psicoterapia foi conduzida na clínica de PP do ESIPP (Estudos Integrados de Psicoterapia Psicanalítica), uma instituiçao localizada em Porto Alegre, Brasil, cujo propósito consiste em oferecer formaçao especializada em PP. A psicoterapia foi orientada para o insight, face a face e nao manualizada.
As psicoterapeutas do grupo D eram profissionais do sexo feminino das áreas da psicologia (n=4) e medicina (n=1) com média de idade de 41,6 anos (DP = 9,45) e 2,8 anos (DP = 1,64) de experiência em psicoterapia. Os cinco psicoterapeutas que trataram os participantes do grupo C eram profissionais da área da psicologia (um do sexo masculino e quatro do feminino) com média de idade de 38,8 anos (DP = 10,7) e três anos de experiência em psicoterapia (DP = 1,22).
DESENHO DO ESTUDO, INSTRUMENTOS E COLETA DE DADOS
Trata-se de um estudo naturalístico com metodologia qualitativa exploratória. Os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil (20035).
A entrevista inicial das participantes (primeira sessao) foi aberta, encontrada nos arquivos da instituiçao. Ela foi transcrita de memória ("entrevista dialogada") pelo psicoterapeuta. Embora reconheçamos nao ser esse o método ideal de coleta de dados para pesquisas empíricas, ele representa a maneira usual com que sao mantidos os registros em clínicas ambulatoriais de PP no Brasil e em outros países. As entrevistas pós-término de tratamento foram semiestruturadas com o objetivo de coletar informaçoes sobre o fim do tratamento, a razao da interrupçao, a relaçao terapêutica e os resultados obtidos. Essas entrevistas foram conduzidas pelo primeiro autor deste artigo com uma duraçao média de 45 minutos, registradas em áudio e transcritas.
ANALISE DE DADOS
Todas as entrevistas foram examinadas de acordo com o método de análise de conteúdo de Bardin23. No estágio inicial da análise, o primeiro autor realizou uma leitura detalhada das entrevistas. No segundo passo, os autores selecionaram as unidades de registro (URs), ou seja, fragmentos significativos do discurso dos pacientes. Essas URs foram agrupadas por temas semelhantes, gerando categorias temáticas a posterior. Dois juízes independentes com experiência no método de análise de conteúdo avaliaram a pertinência das URs nas categorias propostas. O último passo consistiu no processamento e interpretaçao de dados.
RESULTADOS E DISCUSSAO
O corpus das entrevistas iniciais gerou cinco categorias e 16 subcategorias que estao resumidas na tabela 1. Os participantes serao designados como D1, D2, D3, D4, D5 (grupo D - desistentes) e C6, C7, C8, C9, C10 (grupo C - que concluíram o tratamento).
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