Rev. bras. psicoter. 2014; 16(2):4-17
Sfoggia A, Kowacs C. Sexualidade e novas tecnologias. Rev. bras. psicoter. 2014;16(2):4-17
Artigos Originais
Sexualidade e novas tecnologias
Sexuality and new technologies
Ana Sfoggiaa; Clarice Kowacsb
Resumo
Abstract
INTRODUÇAO
As emergentes tecnologias da comunicaçao, chamadas de novas tecnologias, compoem uma realidade que vem afetando a socializaçao e a construçao do self social alterando o desenvolvimento e a cultura sexuais.
A ideia de intimidade vem sendo modificada, conduzindo a comportamentos sociais e sexuais solitários que parecem estar a serviço de necessidades narcisistas. Esse manejo onipotente das ideias nao necessita da ajuda do outro, favorecendo uma pseudoautonomia. Por outro lado, as novas tecnologias podem encurtar distâncias e favorecer o contato e o desenvolvimento da intimidade entre parceiros distantes, facilitado pela acessibilidade e anonimato.
A questao a ser pensada e desenvolvida é como o uso das novas tecnologias atinge nossa sexualidade e como essa nova forma de viver sexualmente será conduzida. Estará propiciando a intimidade entre parceiros separados por longas distâncias ou criando mundos insulares para a satisfaçao de prazeres individuais? O anonimato favorece jovens com identidades nao tradicionais a encontrar maneiras menos hostis de explorar a própria sexualidade? A prática de relacionamentos sexuais virtuais se configura como adaptativa às circunstâncias individuais, ou carrega consigo uma tendência à adiçao ou perversao?
Outra questao, advinda do uso das novas tecnologias da comunicaçao, é seu uso indiscriminado entre crianças e adolescentes em pleno desenvolvimento e os riscos de exposiçao à pornografia, ao cyberbullying, a ambientes hostis e agressivos dentro e fora da rede, além da violência sexual.
Florence Guignard1 discute, em um de seus ensaios sobre o desenvolvimento psíquico no mundo virtual, a atual falta de uma dimensao essencial às civilizaçoes: o período de latência no tempo e no espaço entre a formulaçao do desejo e sua satisfaçao. Freud2, em seus estudos sobre o período da latência da infância, definiu-o como um gap entre as duas fases do desenvolvimento da sexualidade, no qual desenvolvem-se os instintos epistêmicos e a construçao de um ideal de superego via aceitaçao das diferenças entre os sexos e as geraçoes. Essas diferenças garantiriam a futura supremacia do princípio da realidade sobre o princípio do prazer. Segundo Papalia e Olds3, a latência deve ser um período calmo, caracterizado pela socializaçao e desenvolvimento de habilidades e aprendizado sobre si mesmo e sobre a sociedade. Guignard aponta, ainda, a erosao da latência implicando uma excitaçao e hiperestimulaçao em crianças entre 6 e 12 anos, que deveria ser característica de um período anterior - o do complexo de Édipo, em crianças de 3 a 5 anos de idade. Na era da velocidade e dos avanços tecnológicos, parece nao haver oportunidade para um período de resfriamento dos impulsos sexuais, necessário para a construçao da capacidade de simbolizaçao e de sublimaçao. Nesse contexto, percebe-se uma erotizaçao precoce advinda do borramento da latência e da exposiçao massiva a todo tipo de imagem e informaçao, sem tempo para um adequado amadurecimento emocional e intelectual.
AS NOVAS TECNOLOGIAS EM FOCO
A rede mundial de computadores, internet, surgiu no final da década de 70 para fins de comunicaçao militar. Em 1990 o engenheiro inglês Tim Berners-Lee desenvolveu a World Wide Web, possibilitando a utilizaçao de uma interface gráfica acessível à populaçao em geral. Essa primeira geraçao da internet oferecia conteúdo com pouca ou nenhuma interaçao do internauta, e foi chamada de Web 1.04. No início dos anos 2000, uma nova forma de comunicaçao surgiu baseada na interaçao on-line. Referida como Web 2.0, apresentava-se como uma plataforma digital baseada em relacionamento, participaçao e conectividade. Nesse ponto a Web tornou-se fundamentalmente social5. Segundo O'Reilly, citado por Fuchs6, a web nao é mais uma coleçao de informaçoes que descreve algo sobre o mundo, mas é o próprio mundo. Novos debates tratam, inclusive, do surgimento de um novo tipo de cidadania, a cibercidadania7,8.
Esse é o cenário contemporâneo em que nasceram os adolescentes e adultos jovens de hoje e que oferece extraordinárias oportunidades, mas também riscos9.
Como novas tecnologias ou tecnologias emergentes da comunicaçao entendem-se as redes sociais, como o Facebook, aplicativos, como o Tinder, os blogs e microblogs, como o Twitter, os jogos e mundos virtuais, como o Second Life, os sites de compartilhamento de conteúdos, como o YouTube, os softwares para comunicaçao por voz e imagem, como o Skype, e os dispositivos que disponibilizam conexao móvel e continua à internet, como os smartphones e tablets.
A ACESSIBILIDADE DAS NOVAS TECNOLOGIAS, O CONTEXTO SOCIAL E A SEXUALIDADE
Somos testemunhas de uma mudança nas formas de conexao interpessoal. Estamos conectados 24 horas por dia. Nao existem mais fronteiras entre os contatos que fazemos uns com os outros no trabalho ou na escola e em casa, entre o público e o privado. Quando se conversa através de um telefone celular na rua, o privado torna-se público. O chegar em casa nao significa mais "desligar"; segue-se enviando fotos, mensagens, e-mails e interagindo nas redes sociais - o que configura um eterno "estar ligado". Em todo o planeta, enquanto comem, socializam ou trabalham, casais e famílias mantêm conexoes eletrônicas com outros indivíduos em diversos contextos.
Em estudos recentes do International Telecommunication Union10, em termos globais os usuários da internet tiveram um crescimento insólito para um meio de comunicaçao. Esse crescimento, no Brasil, foi mais que o dobro da média global. Os nativos digitais já somam 363 milhoes, correspondendo a mais de 5% da populaçao mundial e estima-se que em 5 anos essa porcentagem dobrará nos países em desenvolvimento. No final de 2012, 88% da populaçao brasileira já estava coberta por tecnologia 3G, sendo o Brasil o quinto país mais conectado do mundo, com 105 milhoes de internautas.
Os dispositivos que propiciam esse "estado de conexao" sao relativamente baratos e facilmente acessíveis à populaçao, provocando modificaçoes importantes nos aspectos sociais da vida de jovens e adultos.
O emergente engajamento com as tecnologias usadas na comunicaçao parece ter um espaço fundamental nas vidas sociais dos jovens, tornando-se, portanto, uma ferramenta para a formaçao da identidade adulta. Segundo Vogt e Knapman11, existem cinco motivadores-chave que levam os indivíduos a se envolverem nas redes sociais. Sao eles: a necessidade de reconhecimento, de sentir-se criativo, a necessidade de pertencer, de fazer novas descobertas, explorar ou ter novas experiências, e finalmente a necessidade de sexo. Por essas razoes, extremamente pessoais e privadas, a cultura jovem abraçou as redes sociais on-line e hoje publica e compartilha tantas informaçoes pessoais12.
A revoluçao tecnológica da comunicaçao propiciou o aparecimento de um espaço virtual de interaçao social com normas e regras próprias, e é nesse espaço que as crianças e adolescentes têm desenvolvido suas identidades. No entanto, esse ciberespaço, principalmente no uso das redes sociais, leva a uma falsa sensaçao de conexao e de intimidade entre as pessoas. Um senso de confiança surge a partir de um convite e da aceitaçao de amizade nas redes. A partir daí podem desenvolver-se relacionamentos de cunho sexual. Segundo Lemma13, "enquanto a comunicaçao entre adolescentes dá-se através de textos e e-mails, podemos superficialmente ter a impressao de proximidade e intimidade entre eles. Nos jovens para os quais o corpo é sentido como aterrorizante, esta intimidade virtual pode, paradoxalmente, alienálos para mais longe ainda da realidade de 'pertencer a um corpo'. Isso pode criar uma maior dificuldade na integraçao do corpo sensual e sexual a uma autorrepresentaçao estável e por consequência nos relacionamentos significativos com os outros".
Nesse ponto, revisitam-se os conceitos de intimidade e privacidade. Segundo Ross14, a internet tanto permite contato eletrônico íntimo através da distância como permite discussoes íntimas desobrigadas das convençoes sociais presentes no contato face a face. Os atributos físicos e emocionais - talvez últimos resquícios da interaçao sexual para fins reprodutivos - com o advento da internet parecem ter adquirido nova dimensao quando o parceiro teclando do outro lado pode ou nao assemelhar-se à sua forma física e emocional real. Aqui, o símbolo pode suplantar a realidade, quando pode-se decidir o que se quer mostrar e o que nao será revelado. Ultrapassa-se e liberta-se o corpo da feiura e da beleza, já que pode-se ser o que quiser, digitar e apagar o que quiser. Quando um anônimo interage com as fantasias de outro e reage a elas, isso as torna mais reais. A resposta a essa externalizaçao da fantasia pode ser extremamente erótica, já que a mente é um dos mais significativos órgaos eróticos.
Bauman15 desenvolve a ideia da atraçao por estabelecer contatos virtuais em detrimento dos face a face pela facilidade com que sao estabelecidos e descartados, sem muitos riscos. Nesse ponto, pode-se traçar um paralelo com o sexo virtual, que possibilita o prazer sem envolvimento emocional e com baixo risco de rejeiçao. Quanto à privacidade, para os mais jovens, o fenômeno da confiança por identificaçao com seus pares leva-os a compartilharem informaçoes pessoais. Já que todos os amigos usam determinado site ou rede social, ele torna-se instantaneamente confiável para todo um grupo de pessoas. Em particular para as crianças e adolescentes parece nao haver diferença entre os mundos on-line e off-line. Há uma sensaçao de borramento entre esses mundos e uma dificuldade na compreensao de que o que for comunicado no mundo virtual certamente terá consequências no mundo real.
Além da crescente nebulosidade nas percepçoes, a socializaçao e a iniciaçao sexual no espaço virtual criam diferentes experiências para jovens meninas e meninos. Esse ambiente virtual parece reforçar a dinâmica na qual jovens mulheres sentem-se pressionadas a corresponder às expectativas em relaçao às solicitaçoes de cunho sexual vindas dos meninos e homens com quem se relacionam nas redes sociais. Apesar disso, as mulheres particularmente jovens, entre 18 e 29 anos, tendem a ser o grupo que mais utiliza essas redes16.
OS RISCOS E AS OPORTUNIDADES ON-LINE DA EXPERIMENTAÇAO SEXUAL DE JOVENS E ADULTOS
O acesso imediato a material com apelo sexual, como fotos, vídeos, textos e mensagens, disponibilizados consensualmente ou nao por seus pares, parece estar influenciando a forma como adolescentes e adultos jovens interagem sexualmente. O senso de anonimato e distância promovido pela web aumenta a permissividade e corrobora o modo de agir, muitas vezes de forma individualística e arriscada, dessas faixas etárias.
Na sequência das ondas tecnológicas, nosso vocabulário incorpora novos termos e palavras: upload, delete, cyberbullying, sexting, selfie. Selfie é um neologismo advindo da palavra self-portrait, que refere-se a uma fotografia tirada pela própria pessoa que aparece na foto e compartilhada em alguma rede social. Segundo o artista Gillian Wearing17, "a palavra selfie é brilhante. Ela encapsula o tempo: instantânea, rápida e engraçada. Isso soa irônico e dispensável". Apontada pelos editores do dicionário Oxford18 como "a palavra do ano" depois de um aumento de 17.000% em seu uso, o selfie nao seria a mais atual expressao do narcisismo? A esse respeito, o selfie, como tantas outras coisas no mundo digital, parece ser algo sobre "o eu", mas, a partir da necessidade de compartilhamento com os outros, bem poderia ser o contrário: uma desesperada busca do "nós".
Já o termo sexting refere-se à contraçao das palavras sex e texting, e aplica-se à divulgaçao - envio ou recebimento - de conteúdos eróticos, sensuais e sexuais, inicialmente através de mensagens de texto via celulares e que, com o avanço tecnológico, se expandiu para fotos e vídeos19. Esse material em geral é obtido ou gerado e publicado nas redes sociais pelo próprio indivíduo exposto, podendo causar danos e levar à vitimizaçao e coerçao.
Em contraste com as conhecidas e amplamente discutidas práticas de violência e abuso de adultos contra crianças, com a interaçao via internet como facilitadora, a mesma prática entre pares tem chamado a atençao da comunidade científica, da sociedade e da mídia. O risco da vitimizaçao sexual vem de amigos, colegas, amigos de amigos e, consequentemente, de toda a rede. Casos de danos à "reputaçao digital" de adolescentes, envolvendo preferencialmente meninas e jovens mulheres, têm vindo à tona, muitas vezes com desfechos dramáticos. O uso das novas tecnologias para perpetrar violência sexual inicia com a criaçao de ambientes sociais hostis e danosos, como no caso da divulgaçao nao consensual de fotos e vídeos de cunho sensual ou sexual na rede. Recentemente, ganhou a atençao da sociedade o vazamento na web, a partir da invasao de um computador pessoal, de fotos em poses sensuais de uma atriz brasileira - o que teria acelerado a aprovaçao da Lei 12.73720, que dispoe sobre a tipificaçao criminal de delitos informáticos. Também o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/9021, por meio do artigo 241, tenta coibir a divulgaçao de imagens via internet de crianças e adolescentes em cenas com apelo sexual.
Paralelamente ao aumento da incidência de casos de exposiçao com consequente dano emocional, podendo levar a suicídios e homicídios, nota-se uma dificuldade dos jovens em distinguir o que é atividade consensual e o que é atividade coercitiva, com a alegaçao de que quem se expoe na rede está ciente de estar assumindo riscos. Muitos percebem o sexting como atividade consensual e parte das interaçoes sociais contemporâneas. No entanto, parece que o significado de consensual vem se dissolvendo quando os atos ocorrem em ambientes virtuais.
Por outro lado, talvez incorporando-se à noçao de espectro de comportamentos na idade da busca de informaçoes sobre a própria sexualidade e a sexualidade de seus pares, possa-se expandir o conceito de dano para uma esfera além - a de uma forma de explorar a identidade sexual, anônima, mais acessível ou menos intimidadora.
Ao pesquisar 1.017 homens homossexuais nos EUA, Ross et al.22, em um estudo sobre comportamentos de risco relacionados a sexo on-line, encontraram 48,4% da amostra preferindo encontros reais a virtuais, 31,6% preferindo relacionamentos na internet e 20% com sua preferência dependente da natureza e das intençoes do relacionamento procurado. Os 31,6% que preferem relacionamentos virtuais apontam como fatores decisivos: a facilidade do uso da rede, as vantagens para os mais tímidos, o anonimato, a segurança, a excitaçao e a oportunidade de experimentar um novo tipo de interaçao, a possibilidade de evitar contato interpessoal e uma sensaçao de maior controle visual e do ambiente.
Nesse contexto, desenvolveram-se mais dois novos termos nos domínios da sexualidade: o cibersexo e a cibersexualidade. Noonan23 entende o cibersexo como mensagens explícitas ou eroticamente sugestivas ou fantasias sexuais trocadas via internet, podendo a masturbaçao fazer parte do processo. Já a cibersexualidade amplifica-se como termo na medida em que define-se como "um espaço sexual no meio do caminho entre a fantasia e a açao".
No cibersexo, o indivíduo expande os limites da fantasia quando pode abster-se de apenas pensar em sexo para interagir sexualmente com outra pessoa on-line, sem, no entanto, realmente fazê-lo. Ross14 cita o exemplo de um filme em que a esposa acusa o marido de traiçao pela internet ao surpreendê-lo praticando sexo virtual, ao que o marido responde: "mas eu estava somente teclando...".
Nesse ponto cabem alguns questionamentos: será o cibersexo apenas uma nova forma de expressao sexual? Ou ele pode levar à alienaçao e à despersonalizaçao quando ultrapassa a funçao de espaço entre fantasia e açao e torna-se a única forma de experimentaçao sexual possível para determinados indivíduos? Quais os limites entre cibersexo e adiçao ao sexo virtual?
No Japao as taxas de natalidade têm caído drasticamente nos últimos anos, e um dos fenômenos apontados como responsáveis por isso refere-se aos jovens do sexo masculino chamados "otaku". Os "otaku" mostram-se mais interessados em computadores e histórias em quadrinhos do quem em sexo. Esses jovens também sao chamados de "herbívoros" e preferem namoradas virtuais, que podem ser personagens criadas em jogos on-line ou mulheres praticantes de cibersexo24.
As atividades relacionadas ao cibersexo sao percebidas diferentemente entre seus usuários e variam entre a prática do sexo virtual como substituto do sexo real, como uma forma diferente ou suplementar ao sexo real ou como uma atividade autoerótica ou masturbatória.
Seus praticantes defendem o acesso mais fácil, sua falta de comprometimento com o relacionamento, sensaçoes de relaxamento advindas de uma maior segurança e anonimato, sua possibilidade de maior controle e imposiçao de limites pela interrupçao do contato ao alcance de um clique e uma menor importância dada aos atributos físicos, a menos que se faça uso de câmeras de vídeo25.
Diversos estudos mostram que o consumo de cibersexo pode tornar-se patológico ao longo do espectro, que vai do simples "brincar de sexo" aos comportamentos aditivos e compulsivos.
Parece existir uma fronteira tênue entre a prática do cibersexo, acesso e divulgaçao de pornografia e adiçao ao sexo virtual. Alguns estudos mostram a existência de indivíduos que fazem uso recreacional do sexo virtual, dos que estao sob risco de compulsao e dos compulsivos; esses últimos com prejuízos sociais, acadêmicos e ocupacionais26,27.
Um outro método de exploraçao da sexualidade sao os aplicativos para smartphones equipados com geolocalizadores que proporcionam encontros on-line baseados na distância e algumas características em comum entre os potenciais parceiros sexuais que usam informaçoes compartilhadas nas redes sociais. Um exemplo é o Tinder. Essa tecnologia emergente facilita o encontro de parceiros rapidamente e com mínimo esforço, proporcionando a imediata satisfaçao do prazer, para pessoas dispostas ou nao a cruzar a fronteira digital. O funcionamento do dispositivo inicia com a análise de uma fotografia de um usuário, com dados como idade (limitada a 50 anos) e alguns interesses em comum baseados em informaçoes publicamente compartilhadas via Facebook. Se houver interesse, dá-se um comando e, se nao, outro comando é acionado. Baseado na quantidade de comandos positivos disparados, o aplicativo faz a "uniao" dos parceiros, que, a partir daí, ficam livres para se comunicar. Seria o que se passou a chamar de "love to go". Importante ressaltar que, ao criar uma conta nesse tipo de aplicativo e acessá-lo, ocasionalmente, a localizaçao do usuário fica visível a todos os assinantes. Para muitos, a possibilidade de "love and sex to go" ao alcance de um clique traz riscos associados, como em qualquer encontro nao virtual. Novos aplicativos estao prontos para entrar no mercado, oferecendo à sociedade maior abertura quanto aos desejos sexuais.
Outra questao importante é como a pornografia tem papel no engajamento sexual e pode influenciar o entendimento da sexualidade. Com a proliferaçao da tecnologia e o acesso fácil a imagens, textos e vídeos de conteúdo sexual a que a maioria das pessoas encontra-se exposta, deliberadamente ou nao, a internet propiciou um tipo de acesso à pornografia que exerce efeitos tanto sobre o desenvolvimento sexual dos jovens como sobre os relacionamentos interpessoais de todos os que usam a rede. Aprender sobre sexo e exercer a sexualidade na internet pode ser nocivo frente à exposiçao massiva de todo tipo de imagem. No entanto, os relatos de muitos estudos mostram que a maioria das pessoas considera nao ter recebido suficientes educaçao e conhecimentos sobre sexualidade em casa e na escola, o que levaria à sua busca na rede28,29.
A promoçao de oportunidades e impactos positivos na sexualidade dos usuários da rede parece depender em larga escala da educaçao e do desenvolvimento de estratégias e ferramentas para manejo e minimizaçao de riscos. O controle parental efetivo parece estar relacionado a fatores demográficos familiares, o estilo de comunicaçao da família, a experiência dos pais com a internet e o tipo de mídia utilizado pelos filhos, situaçao marital e número de horas trabalhadas/dia pelos pais. Pais que usam bastante a rede seriam mais aptos a ponderar os efeitos da internet sobre seus filhos30. De fato, pais que adotam uma atitude mais positiva sobre o uso e os efeitos da internet na vida da família parecem mediar mais efetivamente o uso das mídias eletrônicas pelos filhos e se engajam mais em pesquisar, consultar e jogar com eles na rede31. Com isso, exercem maior controle sobre os conteúdos digitais consumidos pela família.
DESAFIOS DA INTERFACE ENTRE O USO DAS TECNOLOGIAS EMERGENTES E A SEXUALIDADE
A facilidade de acesso à informaçao de qualquer tipo na era digital tem pautado a forma como crianças, jovens e adultos aprendem e se comunicam.
Apesar da motivaçao para estabelecer relacionamentos virtuais basear-se na acessibilidade e no anonimato e, justamente por isso, atingir todas as faixas etárias, existe um gap entre geraçoes no que tange ao entendimento e percepçao das novas tecnologias e seu uso.
A tecnologia digital vem se difundindo rapidamente nas últimas décadas, período em que surgiram e se desenvolveram as primeiras geraçoes dessas novas tecnologias. Os chamados nativos digitais desde o início da vida estao cercados de computadores, videogames, câmeras de vídeo, celulares, brinquedos e ferramentas da era digital. Como resultado dessa tecnologia onipresente, pensam e processam as informaçoes de forma diferente das geraçoes anteriores, que tiveram de se adaptar e adotaram muitos dos aspectos das novas tecnologias, porém mantém um certo "sotaque" e sao chamados de imigrantes digitais32. Os mais velhos - os imigrantes - foram socializados de forma diferente de seus filhos e estao em processo de aprendizagem de uma nova linguagem. Sand33, em um estudo sobre o self e as identidades interativas, relata o momento em que seu filho de 6 anos entra em seu escritório e, ao olhar para o computador aberto em uma página do Word em branco, pergunta o que é aquilo. A autora responde: uma folha de papel. O menino olha perplexo como se a mae tivesse perdido o juízo. Nesse momento ela percebe que o objeto ali representado transformou-se através do tempo e que ela e o filho têm referenciais diferentes. White e Le Cornu34 propoem um paradigma mais flexível para os termos nativo e imigrante digital: residentes e visitantes digitais. Esses termos sao entendidos pelos autores como um continuum, e nao como posiçoes binárias, e levam mais em conta a cultura digital e a capacidade de inserçao no meio social digital como ferramentas de aquisiçao de conhecimentos. A diferença encontra-se no entendimento do meio virtual. Segundo os autores: "Residentes entendem a rede como um lugar, talvez como um parque ou um prédio no qual encontram-se com grupos de amigos e colegas com quem podem se relacionar e compartilhar informaçoes sobre sua vida e trabalho." Essa nomenclatura parece considerar mais o meio social digital e os relacionamentos interpessoais na rede. Um estudo conduzido por Aarsand35 reforça a ideia de que a maior parte das informaçoes sobre como operar um computador recebidas por pais vem de seus filhos.
As redes sociais on-line sao as pedras fundamentais das interaçoes sociais de muitos jovens e adultos, e essas ferramentas possibilitaram que se criassem vastas redes de "amigos" e eventuais "parceiros sexuais on-line". Dados do Pew Research Center's Internet & American Life Project36 mostram as diferenças geracionais de uma forma dramática. Entre usuários do Facebook em 2013, a geraçao dos 18-33 anos, chamada de Millennials nos EUA, tem, em média, 250 "amigos" no Facebook. Para pessoas de 49-57 anos, o número cai para uma média de 98. A geraçao mais jovem aprova mais o uso do celular durante reunioes de negócios e refeiçoes familiares do que seus pares mais velhos. Os estudos evidenciam que existe diferença na forma com que jovens e adultos utilizam a internet e as outras tecnologias.
Assim como a socializaçao, o desenvolvimento da sexualidade se deu de forma diferente para os nativos e os imigrantes ou residentes e visitantes. Nos relacionamentos entre adolescentes e adultos jovens, ideais e estereótipos sobre romance, amor e sexo, e expectativas nas relaçoes "tradicionais" de gênero influenciam a ocorrência de pressoes para o desenvolvimento de relaçoes sexuais. Expectativas sobre a iniciaçao sexual de meninos e a prova de sua masculinidade, e a capacidade das meninas de proteger suas reputaçoes sexuais levam a um jogo sem vencedores, a nao ser que uma das partes ceda. No mundo digital, a expressao desse tradicional jogo pode ir além, incluindo coerçao e acelerando processos na medida em que uma nova variável permeia os relacionamentos: a existência de uma plateia acompanhando toda a interaçao. As ameaças de exposiçao no caso de negativas ocorrem tanto para meninas e adultas jovens, que instantaneamente através de aplicativos e outras tecnologias sao marcadas com etiquetas pejorativas, como para meninos e jovens homens também nomeados e expostos.
Com essa distância intergeracional, vê-se uma resistência dos pais em aceitar a importância das novas tecnologias, da conectividade e do compartilhamento no dia a dia dos filhos, sejam eles crianças ou jovens adultos. O risco encontra-se na negaçao da realidade vinda do desconforto dos imigrantes digitais em nao saber movimentar-se e consequentemente desenvolver-se nesse novo meio. Isso leva à perda da oportunidade de os pais observarem os comportamentos on-line de seus filhos, identificar riscos e oferecer uma voz ética e continente. Se nao acontece essa comunicaçao intergeracional, o senso de segurança é transferido aos sites que prometem anonimato e segurança da informaçao.
As intervençoes possíveis em prol da saúde social e sexual na utilizaçao das tecnologias emergentes, tanto para crianças quanto para adultos, passam pela prevençao primária, secundária e terciária37. O mais importante, porém, é que se aja considerando, e nao desprezando o meio social eletrônico no qual estamos operando e nos desenvolvendo.
Quanto à atuaçao da escola na educaçao e orientaçao para uma boa prática virtual, o maior desafio vem da diferença entre os nativos e os instrutores das escolas, que sao imigrantes digitais, falam a língua da era pré-digital e lutam para ensinar uma populaçao que usa uma linguagem própria e inteiramente nova. Os nativos recebem informaçoes muito rapidamente, gostam de se engajar em processos paralelos e multitarefa, preferem gráficos a textos e funcionam melhor quando "em rede"32. Os imigrantes nao simpatizam com essas habilidades e isso cria um distanciamento e a perda da oportunidade de acessar em conjunto a rede e monitorar e orientar seu uso. Talvez seja o momento de enfrentar essa questao, reconsiderar a metodologia, incorporar práticas imigrantes a práticas nativas, para se poder exercer um necessário controle que sempre será funçao parental e escolar.
CONSIDERAÇOES FINAIS
As novas tecnologias têm e continuarao tendo papel importante no desenvolvimento dos comportamentos sociais e, por conseguinte, sexuais. Estamos nos adaptando a novas maneiras de autorrepresentaçao e mudando nossas formas de comunicaçao e interaçao. Como em todas as novas situaçoes, a adaptaçao necessita de códigos e convençoes. No momento em que os aceitamos e sentimo-nos mais confiantes nos novos meios, também aceitamos as mudanças sociais deles advindas. Uma das áreas mais atingidas compreende os limites entre comportamentos públicos e privados. Essa fronteira vem se tornando cada vez menos clara à medida que as novas tecnologias invadem todos os espaços, sem distinçoes.
A contemporaneidade parece fazer uso de tecnologias eletrônicas sofisticadas na expressao de um dos mais primitivos impulsos da humanidade: o sexo. Nesse ponto, perguntamo-nos: qual o papel do cibersexo entre a realidade e a fantasia virtuais? Para o internauta engajado nesse tipo de prática, há uma compreensao de que esse comportamento nao é real por nao haver contato físico, o que permite que muitos desses indivíduos possam ir mais além sexualmente do que já foram até esse momento.
Nesse contexto, as redes sociais sao geradas no espaço virtual e nao interpessoalmente, como até entao costumava ser, levando à percepçao de que as relaçoes estariam subordinadas ao individual. No sentido contrário dessa percepçao, surge o selfie, com sua capacidade redentora. Ele nao se caracteriza pela imagem em si, mas por sua finalidade máxima: a da transmissao da imagem, para outras pessoas, por meios de comunicaçao social digitais. Apesar do impacto que a revoluçao digital tem gerado no funcionamento mental dos indivíduos, percebe-se sempre a necessidade humana atemporal de se conectar com o outro, social e sexualmente, virtual ou realmente.
O cenário é mais complexo do que as inovaçoes tecnológicas em si. Ainda nao é clara a fronteira entre o que é saudável e o que é danoso à socializaçao dos indivíduos. Sao necessários mais estudos a respeito do exercício da sexualidade em ambiente virtual, mas há uma tendência a correlacionar a patologia ao número de horas despendido com sexo on-line. Os estudos existentes cujo objetivo era rastrear indícios de doença no uso da internet para contatos sexuais encontraram um padrao aditivo e compulsivo para esse comportamento38,39,40. Além dessas conclusoes, pode-se pensar em patologia quando o predomínio de contato virtual nao é transitório, nao faz parte de uma fase, momento ou circunstância. Esse é um conhecimento que encontra-se em construçao com novos e próprios códigos e regras. A necessidade de adaptaçao às nascentes formas de interaçao social e sexual é inevitável e necessária. No entanto, sem reflexao e extensa pesquisa corremos o risco de simplesmente substituir modelos desenvolvidos e experimentados ao longo dos anos por um novo modelo ainda em fase de testes. Frente ao rápido desenvolvimento de novos paradigmas, precisamos constantemente revisitar nosso patrimônio histórico, cultural e de pesquisa, enquanto avaliamos criteriosamente e com interesse os crescentes domínios virtuais.
REFERENCIAS
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a. Psiquiatra. Mestre em Ciências Médicas: Pediatria, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Centro de Estudos de Psiquiatria Integrada (CENESPI), Porto Alegre, RS, Brasil
b. Psiquiatra. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Centro de Estudos Luís Guedes (CELG), Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA), Porto Alegre, RS, Brasil
Correspondência:
Ana Sfoggia
Av. Diário de Notícias, 200/804, Cristal
90810-080 Porto Alegre, RS - Brasil
+55(51)21113659
asfoggia249@gmail.com
Submetido em: 29/03/2014
Devolvido para correçoes em: 13/07/2014
Retorno dos autores em: 01/08/2014
Aceito em: 07/08/2014
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