Rev. bras. psicoter. 2013; 15(2):102-110
Serralta FB, Benetti SPC, Seybert C. Treinamento via internet em pesquisa clínica: uma experiência com o psychotherapy process Q-Set (PQS). Rev. bras. psicoter. 2013;15(2):102-110
Comunicaçao breve
Treinamento via internet em pesquisa clínica: uma experiência com o psychotherapy process Q-Set (PQS)*
Internet-based clinical research training: an experience with the psychotherapy process Q-Set (PQS)*
Fernanda Barcellos Serraltaa; Silvia Pereira da Cruz Benettib; Carolina Seybertc
Resumo
Abstract
INTRODUÇAO
Nas últimas décadas, os estudos dos processos das psicoterapias aumentaram significativamente nosso conhecimento sobre os mecanismos de açao subjacentes ao encontro terapêutico. Entre os vários instrumentos e métodos para avaliar o processo terapêutico, destacamos o Psychotherapy Process Q-Set (PQS). Desenvolvido há 25 anos por Enrico Jones, o PQS vem sendo usado para diferentes fins, como: identificar e entender os padroes de interaçao entre paciente e terapeuta; observar mudanças nos processos de tratamento; comparar diferentes tipos de processos psicoterapêuticos; verificar os efeitos da adesao aos modelos ideais sobre os resultados em estudos randomizados controlados e tratamentos naturalistas2. Além disso, o PQS permite obter informaçoes relevantes sobre o processo e os resultados processuais de casos individuais de psicanálise3 e diferentes tipos de psicoterapia4,5.
De modo similar a outras ferramentas de pesquisa em psicoterapia, o uso do PQS requer formaçao adequada para obter uma boa confiabilidade interavaliadores. Idealmente, o aluno deve ter a oportunidade de discutir as dificuldades e dúvidas com outros avaliadores experientes (chamados de avaliadores sênior ou mestres avaliadores), a fim de esclarecer o seu uso e significados sutis. Ler o manual é muitas vezes insuficiente e pode resultar em interpretaçoes diferentes dos itens6. Embora o método PQS seja disseminado pelo mundo inteiro, pesquisadores de diferentes regioes, países e continentes podem ter mais dificuldades em termos de tempo e dinheiro para participar de um treinamento PQS in situ. Uma alternativa é a realizaçao de um treinamento via internet.
Este artigo explora as vantagens do treinamento via internet no campo da pesquisa em psicoterapia. Especificamente, ele tem como objetivo descrever uma experiência via internet de duas pesquisadoras do Brasil com uma avaliadora sênior do PQS na América do Norte.
O MÉTODO PQS
O "Psychotherapy Process Q-Set"1 é um instrumento Q-sort com 100 itens, destinado a capturar o processo terapêutico de uma sessao inteira por vez. Os itens do PQS abrangem três dimensoes: a atitude, comportamento e experiência do paciente (por exemplo, item 56: o paciente discute as experiências como se distanciadas de seus sentimentos), as açoes e atitudes do terapeuta (por exemplo, item 67: o terapeuta interpreta desejos, sentimentos e ideias suprimidos) e as interaçoes terapeuta-paciente (por exemplo, item 12: ocorrem silêncios durante a hora).
Avaliadores independentes, cegos para a condiçao de tratamento e o resultado visualizam uma sessao de tratamento inteira e, em seguida, classificam os 100 itens do PQS em um conjunto de categorias que variam de 1 = "mínimo da característica" a 9 = "máximo da característica". Para alocar um certo número de itens PQS em cada categoria, os avaliadores seguem uma distribuiçao normal forçada. Para os fins da pesquisa, todos os avaliadores devem ser treinados para garantir a correta aplicaçao do método PQS. Uma sessao de tratamento é sempre avaliada por dois avaliadores, e se a confiabilidade ficar abaixo de 0,5 (Pearson), um terceiro avaliador deve ser incluído.
Vários estudos têm demonstrado que o PQS é um instrumento com validade de construto e discriminância e boa confiabilidade interavaliadores. A versao original do PQS foi revista e atualizada pelo Programa de Pesquisa em Psicoterapia do Massachusetts General Hospital7 e foi traduzido para muitas línguas estrangeiras, incluindo uma versao em português validada e pronta para uso8.
O método do PQS pode ser aprendido em diversos contextos. Hörz, Seybert e Mertens (2008) distinguem as configuraçoes de treinamento da seguinte forma: em grupo, díade in situ ou treinamento individual à distância com avaliaçoes sênior de transcriçoes, sendo que este último só é recomendado para pessoas que possuem mais experiência clínica e com outros métodos Q-sort.
PROCEDIMENTO DE TREINAMENTO VIA INTERNET COM O PSYCHOTHERAPY PROCESS Q-Set
O treinamento via internet compreende três etapas, detalhadas abaixo:
Etapa 1: Os alunos e o professor discutem uma apresentaçao em PowerPoint (enviada via e-mail pelo professor, com antecedência), para fins de introduçao ao instrumento e a algumas particularidades de aplicaçao (60 minutos).
Etapa 2: O exercício introdutório pretende familiarizar o aluno com o instrumento antes de avaliar uma sessao de terapia inteira. Os alunos sao convidados a escolher um ou dois itens que melhor descrevam um trecho apresentado de uma transcriçao de sessao de terapia (geralmente um parágrafo). Aqui, os alunos começam a se familiarizar com o conteúdo da vasta gama de itens e começam a entender a diferença de sentido da classificaçao característica e nao característica de cada item PQS. Uma hora é dedicada à classificaçao do lado característico dos itens, e a segunda hora (geralmente mais difícil) é dedicada à familiarizaçao dos alunos com o lado nao característico dos itens (2 x 60 minutos).
Etapa 3: Os encontros seguintes entre alunos e professor (chamadas de conferência via internet) prosseguem, sempre após os alunos terem concluído a avaliaçao PQS da sessao de terapia usada no treinamento e enviado a mesma para o professor. O professor prepara o encontro: a) calcula as correlaçoes dos alunos com a avaliaçao-mestra (avaliaçao do professor); b) calcula e aponta os itens com maior discrepância entre aluno e avaliaçao-mestra; c) lista os 10 itens mais e menos característicos da sessao avaliada (itens avaliados nas categorias 9 e 1). As reunioes começam sempre com o resumo do processo de sessao, com base nas anotaçoes dos alunos. Dessa forma, o professor verifica sua compreensao da sessao como um todo. A discussao sobre as discrepâncias de avaliaçao e sobre o entendimento de determinados itens leva de 60 a 90 minutos, incluindo o tempo dedicado a responder as perguntas específicas dos alunos. Este procedimento é repetido para a discussao das cinco sessoes de treinamento. No final, os alunos devem ser capazes de classificar duas a quatro sessoes de "teste", sozinhos, com uma correlaçao acima de 0,5.
EXPERIENCIA COM TREINAMENTO DE PQS VIA INTERNET
Participantes:
As alunas foram duas pesquisadoras brasileiras, ambas experientes psicoterapeutas psicodinâmicas.
A professora era uma avaliadora sênior do PQS, radicada na América do Norte e com experiência anterior com treinamentos via internet.
A experiência
As etapas do treinamento descritas anteriormente foram adaptadas, uma vez que uma das alunas já possuía experiência com PQS, tendo sido responsável por sua adaptaçao para o português. Para essa aluna, em particular, o treinamento começou na Etapa 3. A outra aluna recebeu e discutiu a apresentaçao de PowerPoint com a avaliadora sênior, conforme descrito na Etapa 1, e começou a fazer alguns exercícios, conforme descrito na Etapa 2.
Ambas as alunas passaram pela 3ª etapa. Cinco vídeos de diferentes abordagens de psicoterapia foram avaliados de forma independente pelas alunas. Esses vídeos haviam sido previamente avaliados pela professora. Depois que cada sessao foi assistida e avaliada, sua avaliaçao foi discutida com a professora através de chamada de vídeo. Todos os contatos e discussoes entre professora e alunas foram sincrônicos. O tempo decorrido entre cada encontro virtual foi irregular, mas idêntico para ambas as alunas. A Figura 1 apresenta as correlaçoes entre alunas e professora ao longo do treinamento.
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