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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2013; 15(2):64-74



Artigo de Revisao

Psicoterapia interpessoal no manejo da depressao*

Interpersonal psychotherapy for depression*

Livia Hartmann de Souzaa; Marcelo Pio de Almeida Fleckb

Resumo

Este artigo é uma revisao sobre a psicoterapia interpessoal (TIP) no manejo da depressao. Os fundamentos teóricos, bem como os aspectos técnicos, sao revisados. Em seguida, é apresentada uma breve revisao das evidências científicas recentes que fundamentam a TIP como opçao para o manejo do transtorno depressivo.

Descritores: Psicoterapia; Depressao; Psicoterapia breve.

Abstract

This is a review about interpersonal psychotherapy (IPT) for depression. We review theorical background and the technical aspects of the technique. Then we present the scientific evidence for the use of IPT as a therapeutic option for depression management.

Keywords: Depression; Depressive Disorder, Major; Psychotherapy, Brief.

 

 

INTRODUÇAO

A psicoterapia interpessoal (TIP) foi desenvolvida por Gerald Klerman e Myrna Weissman para o atendimento de pacientes deprimidos. É uma terapia focada, breve, que enfatiza a relaçao entre os sintomas de humor e as relaçoes interpessoais do paciente1. A TIP está entre as terapias com eficácia comprovada para o tratamento da depressao. Posteriormente a TIP foi sendo adaptada ao tratamento de vários outros transtornos. Neste artigo, apresentamos a base teórica da TIP, em seguida descrevemos sua técnica e, por fim, apresentamos os dados clínicos mais recentes que comprovam sua eficácia.


FUNDAMENTOS TEORICOS

A TIP foi criada com base em várias perspectivas teóricas. A mais influente delas foi a escola de pensamento interpessoal, fundada por Adolf Meyer e Harry Sullivan1. Essa escola vincula o transtorno psiquiátrico às experiências sociais e interpessoais do paciente, tendo como unidade de observaçao as pessoas e seus relacionamentos e nao só o indivíduo. Além dessa escola, a criaçao da TIP foi influenciada pelos trabalhos sobre luto, de Freud, bem como pela teoria do apego, de Bowlby3.

Existem alguns conceitos básicos que norteiam a TIP. O primeiro deles é o entendimento da depressao como um fenômeno complexo e multideterminado, com causas genéticas e ambientais2. Dessa forma, na TIP é realizada uma abordagem pluralística da depressao, combinando a psicoterapia com medicaçao, por exemplo. Entretanto, independentemente da sua causa, a depressao ocorre em um contexto interpessoal, e seu início, resposta ao tratamento e prognóstico sao influenciados pelas relaçoes interpessoais do paciente deprimido3. A TIP utiliza a conexao entre os fenômenos interpessoais atuais e os sintomas depressivos como foco de tratamento, auxiliando o paciente a identificar os seus conflitos e a manejá-los de maneira mais adaptativa. Alguns eventos que comumente estao associados à depressao sao: dissoluçao de casamento, disputa que ameaça relacionamento importante, luto pela morte de um ente querido, mudança de emprego, diagnóstico de doença, aposentadoria, entre outros2. A avaliaçao permite ao terapeuta definir uma área problema, que será o foco do tratamento, dentre as quatro que seguem: luto, disputa interpessoal, mudança de papel e déficit interpessoal.

O segundo conceito básico que norteia a TIP é o reconhecimento de três aspectos que constituem a depressao: os sintomas, a vida social e interpessoal (interaçao com outras pessoas, o papel social assumido) e a personalidade do indivíduo (padroes duradouros por meio dos quais as pessoas lidam com a vida, impoem-se e expressam sentimentos). A TIP aborda os dois primeiros itens, nao se propondo a tratar a personalidade do indivíduo. Mesmo assim, observa-se que o ganho de habilidades interpessoais pela TIP pode compensar dificuldades ligadas à personalidade. Em outros casos, uma vez esbatidos os sintomas da depressao, as dificuldades previamente atribuídas à personalidade se dissipam1,2. Nesse sentido, a TIP aborda a depressao como uma doença clínica que traz limitaçoes ao paciente e que tem um tratamento definido; portanto, ela estaria inserida no modelo médico. Os objetivos da TIP sao reduzir os sintomas da depressao e ajudar o paciente a lidar melhor com as pessoas e situaçoes de sua vida associadas ao início da depressao.

A TIP trabalha nos níveis consciente e pré-consciente. Aborda questoes interpessoais atuais e nao passadas1,2. O terapeuta de TIP reconhece e identifica as manifestaçoes dos conflitos inconscientes, entretanto ele nao aborda essas questoes diretamente1. A ênfase é colocada nas disputas atuais, nas frustraçoes, ansiedades e desejos definidos no contexto interpessoal atual. A TIP objetiva que o paciente mude e nao só entenda sua situaçao de vida. A influência das experiências infantis é reconhecida, mas nao diretamente abordada pela técnica. O terapeuta de TIP nao se centrará na infância, no caráter, ou nas defesas psicodinâmicas e origens dos sentimentos (que sao entendidos como manifestaçoes da depressao)2 e menos ainda na busca das razoes pelas quais o paciente é o que é. A ênfase será dada à busca de um caminho para sair dos problemas. Na mesma linha, na TIP sao reconhecidos os transtornos ou traços de personalidade do paciente, entendendo-se que eles podem influenciar a resposta ao tratamento e a relaçao com o terapeuta, mas nao sao abordados diretamente.

O terapeuta de TIP procura estabelecer uma relaçao positiva com o paciente, podendo comunicarse de forma calorosa, sendo otimista e suportivo. Procura fomentar as expectativas positivas do paciente em relaçao à terapia, acreditando que os problemas do paciente sao transitórios e que serao resolvidos uma vez que a depressao for tratada. Nesse sentido, diz-se que o terapeuta é um aliado do paciente, nao fazendo julgamentos. A confrontaçao, quando necessária, é gentil e no tempo adequado1. O terapeuta de TIP tem um papel um pouco mais ativo do que o psicoterapeuta de orientaçao analítica, inicialmente fazendo as perguntas necessárias para o diagnóstico da depressao, para a elaboraçao do inventário interpessoal e para a definiçao da área problema. Posteriormente, ajudando o paciente a conectar sentimentos com os comportamentos interpessoais, alertando-o para nao sair do foco definido, evitando longos silêncios e associaçoes livres. Além disso, é papel do terapeuta ajudar o paciente a explorar opçoes para suas dificuldades interpessoais. Algumas vezes, pode até aconselhar e sugerir saídas, muito embora se entenda que os resultados alcançados sao melhores quando as perguntas possibilitam ao paciente descrever suas alternativas e fazer suas próprias opçoes. O terapeuta nao prescreve tarefas para o paciente executar em casa. O paciente modifica o seu comportamento de acordo com seu ritmo.

A relaçao terapêutica nao é entendida sob o vértice transferencial, ou seja, como uma reediçao das relaçoes precoces. O terapeuta de TIP nao objetiva ser neutro para trabalhar a relaçao transferencial. A transferência só é trabalhada quando os sentimentos do paciente em relaçao ao terapeuta estiverem interferindo negativamente no processo de tratamento1. Nesses casos a estratégia é relacionar a reaçao do paciente com o terapeuta às suas relaçoes interpessoais, utilizando a relaçao e os sentimentos com o terapeuta como um mero exemplo do padrao de respostas do paciente.


FASES DA TERAPIA

Sessoes iniciais: nas três primeiras sessoes faz-se a avaliaçao diagnóstica, colhe-se a história psiquiátrica e o inventário interpessoal e faz-se o contrato de tratamento.

O inventário interpessoal é uma revisao das relaçoes atuais do paciente, seus padroes de funcionamento, expectativas mútuas, aspectos satisfatórios e insatisfatórios, padroes de comportamento verbal e nao verbal. Mudanças nas relaçoes próximas sao elucidadas, como, por exemplo, a perda de um ente querido, filhos saindo de casa, conflitos conjugais ou em outras relaçoes. O inventário interpessoal define o contexto em que a depressao está acontecendo e é a base para a determinaçao do foco do tratamento1,2.

Outra tarefa importante dessa fase do tratamento é a atribuiçao do "papel de doente" ao paciente, que significa explicar ao paciente que ele é portador de um transtorno reconhecido com indicaçao de tratamento e que, enquanto estiver doente, estará limitado para realizar suas tarefas e papéis habituais1. O objetivo dessa atribuiçao é o alívio da culpa gerada pelas incapacidades relativas e transitórias às que o paciente está sujeito em funçao da depressao. Nessa fase, avalia-se a necessidade de associar medicaçao ao tratamento e explica-se ao paciente o que é a depressao, quais sao as opçoes de tratamento e quais sao as expectativas de resposta.

Uma vez concluída a avaliaçao, faz-se uma formulaçao interpessoal para o caso, ligando a síndrome depressiva às dificuldades interpessoais do paciente. Define-se, dessa forma, uma das quatro áreas problema a ser trabalhada1,2: 1) luto, definido quando a depressao está ligada à perda por morte de uma pessoa importante; 2) disputas interpessoais, quando o que predomina sao brigas e discordâncias com pessoas significativas em funçao de expectativas diferentes a respeito da relaçao; 3) transiçao de papéis, quando o paciente está passando por alguma mudança na vida, como, por exemplo, novo emprego, divórcio, mudança de cidade, aposentadoria, doença clínica; e 4) déficit interpessoal, quando nao há nenhuma das outras áreas problema e, sim, uma escassez de vínculos, solidao, isolamento social e tédio. A área problema a ser trabalhada é definida de maneira consensual com o paciente2.

Sessoes intermediárias: o conteúdo dessas sessoes dependerá de qual área problema foi definida como foco.

No caso da área do luto, o terapeuta facilita o trabalho de luto, ajudando o paciente a tolerar seus sentimentos dolorosos. A aceitaçao desses sentimentos ajuda a abrandá-los. É importante reconhecer, falar abertamente e explorar todos os sentimentos que o paciente tenha em relaçao à pessoa falecida, o que é especialmente importante quando há sentimentos ambivalentes. É muito importante permitir a catarse. É comum que o paciente se sinta culpado caso venha a melhorar, encarando a melhora como uma traiçao. Gradualmente o terapeuta ajuda o paciente a encontrar novas atividades e novas relaçoes. A medida que a terapia progride, é comum que o tema das sessoes migre de discussoes relativas à pessoa perdida para os esforços para estabelecer novos vínculos. Nas sessoes posteriores o paciente progressivamente fala da pessoa perdida de maneira menos carregada emocionalmente.

No caso da disputa interpessoal, o terapeuta ajuda o paciente a explorar uma determinada relaçao e a natureza da disputa surgida nela, identificando alternativas para resolvê-la. Nesses casos, o paciente e a outra pessoa envolvida têm expectativas diferentes acerca da relaçao e nao existe comunicaçao clara a respeito dessas expectativas. As relaçoes se enquadram em um dos seguintes estágios2: renegociaçao, quando ambas as partes estao discutindo suas diferenças; impasse, quando a discussao entre ambas as partes cessou e existem emoçoes guardadas e ressentimentos; dissoluçao, quando a relaçao se encaminha para o fim em razao da nao soluçao dos conflitos. Na renegociaçao o terapeuta ajuda o paciente a encontrar novas formas de comunicaçao de modo a encontrar uma soluçao para o problema. No impasse o terapeuta o ajuda a expor os conflitos para, posteriormente, ajudar na sua soluçao. Na dissoluçao, o terapeuta ajuda o paciente a enfrentar o término da relaçao; nesse caso, o foco da TIP pode mudar para transiçao de papéis.

No caso da mudança de papel, o objetivo do tratamento é entender o que essa mudança significa para o paciente de modo a compreender por que está sendo penosa. Mesmo mudanças positivas podem ser dolorosas para algumas pessoas. Uma promoçao no trabalho, por exemplo, pode carregar consigo a dificuldade em lidar com o aumento da responsabilidade e com a independência. O paciente é ajudado a lidar com a mudança, identificando seus aspectos positivos e encontrando formas de lidar com os negativos. Devem-se trabalhar a dor pela perda do antigo papel, as expectativas do paciente em relaçao a ele e o quanto o paciente se sente capaz de corresponder a essas expectativas.

No caso do déficit interpessoal, o objetivo é reduzir o isolamento social e encorajar a formaçao de novas relaçoes revisando as relaçoes prévias, explorando padroes de relacionamento repetitivo, relacionando sintomas depressivos ao isolamento social, investigando possíveis sentimentos negativos para com o terapeuta e procurando paralelos com outras relaçoes. Os pacientes com déficit interpessoal podem ter resultados mais pobres do que os pacientes identificados nas outras áreas problema.

Sessoes finais: na fase final o terapeuta ajuda o paciente a reconhecer seus progressos de modo a consolidá-los, fortalecendo seu senso de independência e competência. Além disso, ajuda o paciente a desenvolver a capacidade de identificar e lidar com sintomas depressivos que porventura venham a surgir. É importante que os sentimentos em relaçao ao final da terapia sejam conversados. Avalia-se a necessidade de TIP de manutençao. Caso o paciente nao tenha respondido à terapia, discutem-se as outras opçoes de tratamento, por exemplo, troca ou início de medicaçao, ou outra modalidade de terapia. Nesse caso é importante deixar claro que o paciente nao é responsável pela nao melhora, atribuindo-a à falha do método.


TIP DE MANUTENÇAO

A TIP foi criada para o manejo agudo da depressao. Sabe-se, entretanto, que muitos pacientes têm uma recaída ou recorrências ao longo da vida. Pacientes com múltiplos episódios, ou aqueles que continuam com sintomas residuais, sao candidatos a alguma terapia profilática. A terapia profilática mais estudada é a medicaçao, mas já existem evidências comprovando que tanto a TIP quanto a terapia cognitivocomportamental (TCC) sao eficazes na prevençao de recaída em pacientes deprimidos2.

A TIP de manutençao segue o mesmo enfoque da fase aguda, abordando os conflitos interpessoais do paciente. Nessa fase o objetivo é minimizar sintomas residuais e tratar sintomas e conflitos que surgirem. Como paciente e terapeuta já estavam trabalhando juntos na fase aguda, os temas de tratamento geralmente continuam os mesmos. Em outros casos, com o acompanhamento ao longo prazo, surgem novos conflitos e novas áreas problema a serem trabalhadas.

Quanto à frequência, pode variar de semanal por seis meses a mensal por períodos tao longos quanto três anos. Frequências intermediárias, como a cada duas ou três semanas, também sao possíveis2. Mesmo assim, combina-se com o paciente de antemao quanto tempo a terapia deverá durar.

A proposta do tratamento de manutençao é importante, uma vez que é comum que o paciente se sinta inseguro após um episódio depressivo, mesmo após ter entrado em remissao. A TIP de manutençao acompanha o paciente até que ele recupere a autoconfiança e tenha a sua melhora bem consolidada2.


EVIDENCIAS DE EFICACIA

Existem inúmeros estudos na literatura comprovando a eficácia da TIP no manejo da depressao. Ao longo dos anos, a TIP foi estudada também para outros transtornos psiquiátricos como os transtornos de ansiedade4, transtorno de personalidade borderline5, transtorno de humor bipolar6, entre outros. Entretanto, a revisao dos estudos de eficácia da TIP em outros transtornos que nao a depressao nao é o objetivo deste artigo.

Meta-análises recentemente publicadas confirmam o papel da TIP no manejo da depressao. Em 2010, Cuijpers e colaboradores7 publicaram uma meta-análise avaliando os estudos de TIP como tratamento de depressao. Os autores partiram de 10.487 estudos e chegaram a 38 que foram incluídos na revisao, totalizando 4356 pacientes. Os critérios de inclusao eram: ensaio clínico randomizado, controlado, com pacientes adultos ou adolescentes com depressao unipolar ou nível elevado de sintoma depressivo. Foram excluídos estudos que usavam aconselhamento interpessoal como intervençao. Os estudos foram divididos em quatro grupos: comparaçao com tratamento usual ou nenhum tratamento, comparaçao com outras psicoterapias, comparaçao com farmacoterapia e comparaçao de tratamento combinado (TIP associada à medicaçao versus medicaçao sozinha). Quando comparada com nenhum tratamento ou tratamento usual, a TIP foi superior, demonstrando um tamanho de efeito (d de Cohen) de 0,52. A comparaçao entre a TIP e outras psicoterapias nao mostrou diferença estatisticamente significativa. Quando comparada com farmacoterapia, mostrou resultado inferior. A análise dos estudos que compararam farmacoterapia com tratamento combinado (farmacoterapia associada à TIP) nao mostrou diferença estatisticamente significativa, embora tenha se constatado tendência à superioridade da combinaçao, com tamanho de efeito (d de Cohen) de 0,16. Como tratamento de manutençao, a combinaçao de TIP e farmacoterapia foi superior à farmacoterapia sozinha na prevençao de recaída.

Em outra meta-análise publicada em 2009, Cuijpers e colaboradores8 incluíram 25 ensaios randomizados totalizando 2036 pacientes. A metanálise mostrou que a adiçao de psicoterapia (TIP, TCC e outros tratamentos psicológicos) à farmacoterapia é superior à farmacoterapia sozinha, com tamanho de efeito pequeno (d de Cohen = 0,31), mas significativo. O grupo de pacientes que recebeu TIP teve menor perda de seguimento. A meta-análise também concluiu que os pacientes distímicos se beneficiam menos do tratamento combinado do que os pacientes com episódio depressivo maior.

Em 2010 foi publicada uma meta-análise a respeito do papel da psicoterapia (TIP, TCC e outros tratamentos psicológicos) no tratamento da depressao crônica e distimia. Cuijpers e colaboradores9 incluíram 16 ensaios clínicos randomizados e encontraram que a psicoterapia é superior à condiçao controle, com tamanho de efeito de 0,23 (d de Cohen) e inferior à medicaçao (especialmente, inibidores seletivos da recaptaçao da serotonina), efeito atribuído aos pacientes com distimia. O tratamento combinado foi superior à farmacoterapia sozinha, com tamanho de efeito de 0,23 (d de Cohen). Os autores encontraram evidências de que nessa populaçao pode ser necessário um mínimo de 18 sessoes de psicoterapia.

Quanto aos estudos originais que testaram a eficácia da TIP, em 1989, Elkin e colaboradores publicaram um estudo muito importante conduzido pelo NIMH, o Depression Collaborative Research Program (DCRP)10. Tratava-se de um ensaio clínico randomizado com 250 pacientes com episódio depressivo maior que foram alocados em quatro grupos de tratamento: TIP, TCC, imipramina associada a manejo clínico e placebo associado a manejo clínico. Para a execuçao desse estudo foi criado um manual que orientava a conduçao do manejo clínico de modo a nao contaminar essa modalidade de tratamento com as psicoterapias. Como resultado, os autores encontraram que todos os tratamentos tinham trazido melhora aos pacientes, sendo que o mais eficaz tinha sido a imipramina associada a manejo clínico e o menos eficaz, o placebo associado a manejo clínico. Os grupos que receberam as psicoterapias ficaram em posiçao intermediária, mais próximos, em termos de eficácia, da medicaçao. Quando os dados foram avaliados levando-se em conta a gravidade da doença, a TIP mostrou-se superior em relaçao à TCC nos pacientes mais graves.

Em 2007, Luty e colaboradores11 conduziram um ensaio clínico randomizado que comparou TIP e TCC em 177 pacientes com depressao. Os autores encontraram que ambas as terapias sao igualmente efetivas para o tratamento da depressao, alcançando, em média, 55% de melhora nos sintomas depressivos. Ao avaliarem o subgrupo de pacientes mais graves, os autores encontraram superioridade da TCC em um dos desfechos secundários (porcentagem de melhora pela escala Hamilton de depressao); nos demais desfechos nao houve diferença. Esse achado contraria os resultados encontrados por Elkin e colaboradores.

Em populaçao brasileira, foi realizado um ensaio clínico avaliando a eficácia da TIP no tratamento da depressao, publicado em 2001 por Feijó e colaboradores12. Trata-se de um ensaio clínico randomizado que comparava duas estratégias de tratamento em 30 pacientes deprimidos: TIP associada à moclobemida e moclobemida associada a manejo clínico. Ambas as estratégias foram igualmente eficazes, com tendência de superioridade da estratégia que incluía TIP. Os autores discutem que o número limitado da amostra pode ter contribuído para nao ter se encontrado diferença de eficácia entre os grupos.

A TIP foi também estudada em pacientes com depressao crônica. Um estudo publicado em 2010 por Murray e colaboradores13 mostrou que o tratamento combinado de medicaçao, TIP em grupo e terapia ocupacional foi superior ao tratamento usual apenas com medicaçao em pacientes com depressao crônica, demonstrando a importância de estratégias mais complexas no tratamento desses pacientes, bem como o papel da TIP no tratamento adjuvante.

Em relaçao ao tratamento de manutençao, Frank e colaboradores14 conduziram estudo que testou diferentes frequências de TIP de manutençao em 233 mulheres com transtorno depressivo recorrente. As pacientes recebiam TIP semanal (associada ou nao à medicaçao) até a remissao para, entao, serem randomizadas para uma das três estratégias: TIP semanal, TIP quinzenal ou TIP mensal por dois anos. Os resultados do estudo mostraram que, quando a TIP é efetiva como única estratégia de tratamento na fase aguda, é também efetiva como tratamento agudo de manutençao, nao havendo diferença entre as frequências semanal, quinzenal e mensal. Por outro lado, nos casos em que foi necessária a medicaçao na fase aguda, a TIP em monoterapia nao foi eficaz como estratégia de manutençao.

A TIP foi muito estudada em populaçoes especiais, tais como em idosos. Nessa populaçao, os resultados sao conflitantes, com alguns achados positivos e outros negativos. Reynolds III e colaboradores15 conduziram um estudo com 124 idosos em episódio depressivo com resposta parcial a escitalopram. Os pacientes eram alocados para uma de duas condiçoes: escitalopram associado a TIP e a manejo clínico, ou escitalopram associado a manejo clínico. Ambos os grupos tiveram resultados semelhantes, demonstrando nao haver benefício da adiçao de TIP nessa populaçao. Os autores reforçam que o manejo clínico é uma intervençao ativa que provê apoio, psicoeducaçao, reforço de adesao à medicaçao e manejo comportamental, nao se restringindo à prescriçao de medicaçao. Um estudo publicado no JAMA em 199916 comparou quatro estratégias de tratamento de manutençao em idosos: nortriptilina mais manejo clínico mensal, placebo mais manejo clínico mensal, TIP mensal mais placebo e TIP mensal mais nortriptilina. A estratégia superior foi a associaçao de nortriptilina a TIP, seguida de nortriptilina e manejo clínico mensal, seguida de TIP e placebo e, por último, placebo mais manejo clínico mensal. O mesmo grupo conduziu ensaio clínico para estudar o tratamento de manutençao em idosos deprimidos que tinham respondido à paroxetina17. As quatro estratégias combinadas duas a duas eram: TIP mensal/manejo clínico e paroxetina/placebo. Apenas a paroxetina mostrou-se eficaz na prevençao de recaída entre as quatro estratégias. Os autores argumentam que uma das possibilidades de nao ter sido encontrada eficácia nessa populaçao era o fato de ela ser, em média, 10 anos mais velha do que a do estudo prévio que tinha mostrado resultados positivos e apresentado mais comorbidades clínicas e dano cognitivo. A respeito da área problema, um estudo publicado em 200618 e que avaliou 124 idosos em TIP mensal de manutençao versus manejo clínico usual mostrou que apenas o subgrupo tratado para disputa interpessoal tinha tido resposta superior ao grupo que recebera manejo clínico. Essa diferença nao foi encontrada quando foram avaliados os subgrupos tratados para luto ou transiçao de papéis. Esse estudo traz à tona a discussao da área problema com maior chance de resposta nessa faixa etária.

Existem evidências da eficácia da TIP em pacientes internados. Em 200719, Schramm e colaboradores publicaram um estudo nessa populaçao que mostrou que a TIP associada à medicaçao foi superior à medicaçao associada ao manejo clínico em 124 pacientes. Os dados de superioridade se confirmaram no seguimento dos pacientes.


CONCLUSAO

A TIP é uma terapia breve, manualizada e amplamente testada para depressao. Depois da TCC, é a técnica que mais possui estudos em depressao. A TIP é uma importante ferramenta que pode ser usada como estratégia única ou combinada. Seu modelo teórico auxilia no entendimento e planejamento do tratamento do paciente deprimido, entendendo a depressao como um fenômeno multideterminado e passível de agregar diferentes estratégias de tratamento (medicamentosa e outras) de forma sinérgica.

Mais estudos sao necessários para definir quais sao as características clínicas, psicológicas e cognitivas dos pacientes que respondem melhor à TIP. Essas informaçoes nos ajudariam a refinar o critério de indicaçao da TIP de modo a otimizar o tratamento dos pacientes deprimidos.


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a. Médica psiquiatra (estudante de pós-graduaçao) - Porto Alegre - RS - Brasil
b. Doutor em Medicina pela UFRGS (professor associado - Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordenador do Programa de Transtornos de Humor do Hospital de Clínicas de Porto Alegre)

Instituiçao: Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Correspondência:
Livia Hartmann de Souza
Rua Nunes Machado, 319/1102
90130-080 Porto Alegre, RS, Brasil
liviahartmanndesouza@gmail.com

Submetido em 07/04/2013
Devolvido aos autores em 20/06/2013
Retorno dos autores em 30/06/2013
Aceito em 05/07/2013

* Uma versao semelhante deste artigo foi originalmente publicada em: Fleck, M.P. de; Souza, L. H. de. Psicoterapia interpessoal no manejo da depressao. In: Quevedo, J.; Silva, A. G. da. Depressao: Teoria e Clínica (cap. 8). Porto Alegre. Artmed Editora, 2013. A publicaçao atual foi autorizada pela Editora Artmed.

 

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