Rev. bras. psicoter. 2013; 15(2):52-63
Severo CT, Sordi RE. Fixaçao e regressao: uma revisao dos conceitos aplicada à prática da psicoterapia de orientaçao analítica. Rev. bras. psicoter. 2013;15(2):52-63
Artigos Originais
Fixaçao e regressao: uma revisao dos conceitos aplicada à prática da psicoterapia de orientaçao analítica
Fixation and regression: a revision of the concepts applied to the practice of analytically oriented psychotherapy
Charlie Trelles Severoa; Rudyard Emerson Sordib
Resumo
Abstract
INTRODUÇAO
"O que de tao interessante pode haver no passado que de lá nao se sai? Por que para lá tanto se retorna ou, em outras palavras, por que tornamos o passado repetidamente presente?". O presente trabalho parte dessas indagaçoes.
O objetivo deste estudo é revisar os conceitos de fixaçao e regressao psíquicas propostos por Sigmund Freud, criador da Psicanálise, bem como seu desenvolvimento pelas contribuiçoes de Karl Abraham e outros autores contemporâneos.
Utilizando a mitologia grega e fragmentos de um caso clínico, buscamos ilustrar a identificaçao desses fenômenos psicológicos, refletir e diferenciar quando ambos podem ser considerados normais ou patológicos. Seriam fenômenos defensivos? Que relaçao apresentam entre si? Qual a importância desses conceitos para a prática da psicoterapia de orientaçao analítica?
DESENVOLVIMENTO
A mitologia1 grega, que personifica as vicissitudes da existência humana, apresenta-nos algumas histórias nas quais os heróis se encontram em situaçoes de aprisionamento, repetindo o mesmo comportamento. O mito1 de Prometeu o descreve como destinado a ter seu fígado repetidamente comido após cada regeneraçao; a seu irmao Atlas, coube a sustentaçao contínua, ou seja, eterna, do mundo em suas costas; Sísifo, por sua vez, foi condenado a empurrar morro acima pesada pedra, a qual, ao chegar ao topo, rolava e tornava ao ponto de origem, obrigando-o a buscá-la e reiniciar seu penoso trabalho. Assim, trata-se de condenaçoes caracterizadas por repetiçoes, decorrentes da desobediência e de conflitos desses heróis com (e contra) deuses do Olimpo, ou seja, hierarquicamente superiores.
O termo "fixaçao", é descrito por Ferreira2 como um substantivo que significa "O ato ou efeito de fixar(se), de estabelecer". Como verbo, ("fixar"), é acrescido de expressoes como: "Pegar ou pregar em algum lugar; fitar; determinar; prescrever; reter na memória; firmar; assentar; permanecer; obstinar; aferrar; apegar" (p. 905-906).
Já a expressao "regressao" refere-se "1. Ao ato ou efeito de regressar, de voltar; retorno a estado anterior; volver. 2. Ato ou efeito de regredir, retrocesso" (p. 1724).
Freud3 demonstrou a existência do inconsciente a partir da escuta de seus pacientes e identificou uma série de vivências de situaçoes passadas nas suas vidas, mas que, inicialmente, eles desconheciam. Atentamente os ouvia e procurava compreender. Tal compreensao era entao interpretada ao paciente como um entendimento que se apresentava problemático para ele. Freud3 esclarecia, entao, para a pessoa analisada as motivaçoes que subjaziam a atitudes que ela se mostrava incapaz de abandonar, nao mais voltando a repetir, apesar de serem sentidas como um importante incômodo, seja pelas atitudes em si mesmas, seja pelas suas consequências.
Utilizando-se dos substantivos e verbos citados, Freud3 descreveu processos que identificam um funcionamento psíquico problemático, pois se manifestam em condutas, incluindo ideias e sentimentos, que caracterizam modos nao evoluídos (imaturos) de agir. Sao maneiras que revelam padroes de açao característicos de idades cronológicas significativamente anteriores às da pessoa queixosa. Elas evidenciam um sentimento de "estar preso", uma "conduta penosa", "trancada", de hábitos relacionados a um passado remoto, nao apresentando clareza consciente quanto a seu significado.
Com a descriçao das fases do desenvolvimento da libido ou fases da organizaçao sexual, Freud4 afirmou que a maturidade psíquica se dá pelo adequado desenvolvimento psicossexual humano. Segundo Freud4, a libido se desenvolve adequadamente a partir do positivo amparo da realidade externa, bem como de condiçoes internas do indivíduo. Estímulos que possibilitem a adequada satisfaçao ou adequada repressao dos impulsos sexuais característicos de cada etapa psicossexual (oral, anal, fálica) favorecerao o alcance da genitalidade. Caso contrário, criam-se sinais de que essa satisfaçao sofreu alguma alteraçao, que passa a ser representada por sintomas indicativos de um conflito nao adequadamente elaborado.
Embora essas fases estivessem aparentemente estabelecidas, Freud4 concebia um "tornar" a elas pelos sintomas e percebia que eles eram indicativos de um conflito primitivo. Assim, a queixa presente seria, para Freud4, uma referência a dores antigas: o passado se fazia presente, mas referenciado a uma temática atual. As situaçoes e necessidades atuais tinham, assim, correspondência com o passado.
Dessa forma, Freud4 revela um "apego" ao passado fazendo-se presente. Daí a importância de se retornar àquele ponto que ainda nao tinha sido possível elaborar adequadamente. A fixaçao e a regressao indicam uma necessidade da pessoa a ser elaborada durante o processo psicoterápico. Tal necessidade, transformada em sintoma, é mantida em nome de uma satisfaçao substituta, inadequada, para a libido que, originalmente, nao conseguiu satisfaçao ou modificaçao adaptada à realidade. A fixaçao à situaçao passada, representada pelos sintomas, busca uma gratificaçao de algo que a pessoa que a padece sente como uma falta e, portanto, ela se faz atual. Logo, a pessoa segue neuroticamente a busca daquilo que sente como uma carência.
Descrevendo amostras de análise de pacientes, Freud3 utiliza para suas pacientes o verbo "fixar" para indicar uma "estagnaçao em determinada maneira de agir": "(...) dao-nos impressao de se terem 'fixado' em uma determinada parte de seu passado, como se nao conseguissem libertar-se dela, e estivessem, por essa razao, alienadas do presente e do futuro. Assim, elas permanecem enclausuradas em sua doença" (p. 323). A isso Freud chamou de "Adesividade da Libido".
Citando J. Breuer a respeito do caso Anna O. (1880 a 1882), Freud3 descreve esse estado (fixado) no qual "(...) a pessoa fica desligada da vida; permanece sadia e eficiente, porém evitou o curso normal da vida" (p. 324). Menciona o autor que tal funcionamento é "(...) uma característica geral das neuroses, e nao uma peculiaridade especial"(p. 324). Acrescenta ainda que tais pacientes "(...)foram conduzidos de volta a um determinado período de seu passado, através dos sintomas de sua doença, ou pelas consequências desses sintomas. (...) escolheu-se, para este fim, uma fase muito precoce da vida, um período de sua infância ou, até mesmo, por mais que isso pareça risível, um período de sua existência como criança de peito" (p. 324).
Descrita por Freud3, a fixaçao consistiria em "(...) abandonar o interesse pelo presente e pelo futuro e manter-se permanentemente absorvido na concentraçao mental no passado" (p. 325). Como apontam Laplanche e Pontalis5, esse conceito é fundamental na história da psicanálise, pois indica "(...) o que na história de vida do indivíduo esteve/está na origem da neurose" (p. 252).
A fixaçao é também definida como processo defensivo, pois, sendo um desejo latente, impossibilitado de satisfaçao pela repressao, torna-se uma ameaça ao equilíbrio que o ego tenta manter. Os desejos insatisfeitos e as experiências desagradáveis nao toleráveis para o ego sao rechaçados da consciência. Fixar-se neles é uma forma de resistir a impulsos que nao podem emergir à consciência. Para Freud3, é a fixaçao libidinal a que determina os tipos de mecanismos de defesas, desempenhando um importante papel na etiologia dos distúrbios psíquicos.
Em seus estudos sobre as neuroses traumáticas, Freud3 alude novamente à fixaçao, afirmando que os pacientes com esse tipo de neurose funcionam psiquicamente como quem nao elaborou a situaçao traumática, sentindo-a como "tarefa imediata ainda nao executada". O autor também estabelece uma semelhança entre os processos mentais das neuroses traumáticas e os das neuroses espontâneas, ao afirmar que há, em ambas, "(...) uma experiência que, em curto espaço de tempo, aporta à mente um acréscimo de estímulo excessivamente poderoso para ser manejado ou elaborado de maneira normal, e isto pode resultar em perturbaçoes permanentes da forma em que essa energia opera. Assim, a neurose poderia equivaler a uma doença traumática, e apareceria em virtude da incapacidade de lidar com uma experiência cujo tom afetivo fosse excessivamente intenso" (p. 325).
Assim, para Freud, a fixaçao "(...) é a intençao do ato a partir de sua relaçao com a lembrança"3 (p. 327). A fixaçao tem a ver com algo do passado a ser retificado/resolvido. O sentido dos atos se refere ao efeito dos processos mentais inconscientes e é consequência deles. A pessoa percebe o ato que se repete, reclama dele como ato, mas nao compreende seu sentido. Daí a sensaçao e impressao de enclausuramento ou aprisionamento, conforme ilustrado nos mitos antes descritos. É extremamente intenso o dispêndio de energia libidinal investida nesse funcionamento a fim de superar a sensaçao citada.
Abraham6 refere que Freud modificou as primeiras colocaçoes quanto ao papel do trauma na etiologia das neuroses, para lhe atribuir um papel secundário nessas doenças. O importante passou a ser "(...) a presença de uma constituiçao psicossexual anormal como a causa primordial da neurose" (p. 10).
É a partir dos pontos de fixaçao passíveis de identificaçao na queixa inicial do paciente (e, portanto, do aspecto consciente do processamento total que é o funcionamento da psiquê, acessado por meio de investidas terapêuticas analíticas) que se torna possível inferir os sentidos dessa queixa, ou seja, aquilo que permanece inconsciente: "A tarefa, entao, consiste simplesmente em descobrir, com relaçao a uma ideia sem sentido e a uma açao despropositada, a situaçao passada em que a ideia se justificou e a açao serviu a um propósito"7 (p. 319). E ainda reforça o autor: "(...) a possibilidade de conferir um sentido aos sintomas neuróticos, mediante interpretaçao analítica, é uma prova inarredável da existência - ou, se preferem, da necessidade de manter a hipótese - de processos mentais inconscientes"3 (p. 329). A fixaçao pode, entao, ser considerada como conexao ou ligaçao entre os sintomas neuróticos manifestos e o inconsciente. Evidencia a ligaçao entre uns e outro. Pensamos existir na fixaçao um possível sentido que a revela como conexao/ligaçao entre sintomas manifestos com o inconsciente. Acreditamos que, a partir da observaçao, da análise e da inferência sobre o conteúdo apresentado pelo paciente (ideia; comportamento; palavra; gesto), esse sentido pode ser percebido pelo psicoterapeuta. Relaciona-se o conteúdo manifesto pelo paciente com sua história (daí o caráter de conexao/ligaçao da fixaçao), dando lugar à interpretaçao, ou seja, ao significado/sentido das defesas apresentadas (no caso que nos ocupa, a fixaçao), indicativas da presença do inconsciente. Pensamos que a fixaçao possibilita perguntar-se: o que será que esse comportamento/gesto/ideia pode estar expressando para além do manifesto que é percebido como incômodo?!! Eis aí uma "pista" para seguir em busca do sentido inconsciente ali indicado.
Laplanche e Pontalis5 relacionam a fixaçao ao "(...) fato de a libido se ligar fortemente a pessoas ou imagos, de reproduzir determinado modo de satisfaçao e permanecer organizada segundo a estrutura característica de uma das suas fases evolutivas; (...) abre ao indivíduo o caminho de uma regressao" (p. 251). Afirmam ainda os autores que é um mecanismo que designa o modo de inscriçao de certos conteúdos representativos (experiências, imagos, fantasmas) que persistem no inconsciente de forma inalterada e aos que a pulsao permanece ligada.
Sao três verbos os utilizados pelos autores: ligar/reproduzir/permanecer, indicando a existência de uma manutençao/um estar sendo; ou seja, os impulsos nao se alteram, ficam ligados, repetem-se, permanecem como característicos de determinada etapa do desenvolvimento, ficando a personalidade comprometida, trancada em determinados aspectos.
A fixaçao é uma indicaçao que serve para "(...) traduzir um dado manifesto da experiência: o neurótico, ou mais geralmente todo o indivíduo humano, está marcado por experiências infantis, mantémse ligado, de forma mais ou menos disfarçada, a modos de satisfaçao, a tipos arcaicos de objeto ou de relaçao"5 (p. 251). É uma forma de resistência a libertar-se desses meios de satisfaçao "virtual", ilusória, na medida em que está relacionada a um passado e nao à realidade objetiva presente. Encontra-se a confirmaçao dessa constataçao em Sandler, Dare e Holder8, quando os autores citam Reich utilizando a expressao "blindagem do caráter" para se referir aos pacientes que desenvolveram traços de caráter fixos, resultantes de processos defensivos passados.
Zimerman9 refere que Freud conceituou a fixaçao como um "(...) fenômeno psíquico ligado à teoria da libido de modo que as perversoes eram explicadas por uma permanente persistência das pulsoes pré-genitais em busca de uma desrepressao. Assim, a fixaçao está na origem das repressoes (ou recalque) e se manifestam mais claramente durante as regressoes" (p. 150). Percebe-se a relaçao direta da fixaçao com o mecanismo da repressao. Quando um fato atual alude ao trauma sexual primário, o material reprimido é posto em atividade e surgem os sintomas. A repressao, possivelmente, falha. O sintoma corresponde ao retorno do reprimido.
Abraham6 postula que a quantidade de libido em determinadas crianças é intensa e que isso pode vir a favorecer um trauma, tido como uma experiência sexual. Há um desenvolvimento sexual precoce, favorecendo uma imaginaçao ocupada com temas dessa natureza. "O padecimento a tais traumas indica melhor que a criança já tem uma disposiçao para a neurose ou psicose na vida posterior. No lugar de uma significaçao etiológica, o trauma sexual infantil recebe agora uma significaçao formativa, e podemos compreender como é capaz de traçar um curso definido para a enfermidade seguinte e de determinar o caráter individual de muitos sintomas" (p. 30). A intensidade da culpa é grande, pois houve um desejo proibido satisfeito, embora (in)voluntário. Aqui se estrutura o complexo: as recordaçoes desagradáveis precisam ser eliminadas, pois causam efeito perturbador e passam a ser afastadas da consciência tendo a repressao como fator defensivo de enorme importância. Quando um fato análogo ao trauma sexual primário ocorre, o material reprimido é posto em atividade e surgem os sintomas. A repressao, possivelmente, falhou em seu objetivo essencial.
Se o papel do trauma nao é negado, ele intervém aqui sobre o fundo de uma sucessao de experiências sexuais, vindo a favorecer a fixaçao num ponto determinado. Assim, conforme Abraham11, o trauma já nao é mais requisito essencial. Após algumas mudanças teóricas, o autor afirma que o trauma "(...) acentua primordialmente o modo como reage o indivíduo, de acordo com sua disposiçao inata frente às impressoes sexuais. (...) a sexualidade anormal destes pacientes se manifesta em uma apariçao prematura da libido e também em fantasias patológicas que se ocupam prematuramente de temas sexuais até chegar à exclusao de todo outro pensamento consciente (p. 17).
Segundo a teoria das fases da libido (especialmente, no que se refere às fases pré-genitais), a fixaçao "(...) pode nao incidir apenas sobre um alvo ou objeto libidinal parcial, mas ainda sobre toda a estrutura da atividade característica de uma dada fase"5 (p. 252). A fixaçao é um preparo das posiçoes e "indica a direçao" na qual vai ocorrer a regressao. Conforme Freud10, uma vez repelida pela realidade que nao permitiu sua satisfaçao, necessitando outra maneira de realizaçao, "A libido (...) será compelida a tomar o caminho da regressao e a tentar encontrar satisfaçao, seja em uma das organizaçoes que já havia deixado para trás, seja em um dos objetos que havia anteriormente abandonado. (...) é induzida a tomar o caminho da regressao pela fixaçao que deixou após si nesses pontos do seu desenvolvimento"(p. 420). Parece ser esse o modo como o ego enfrenta a frustraçao quando a libido nao pode ser satisfeita.
Parece possível afirmar que as experiências infantis frustrantes, carentes de adequada satisfaçao, favorecem a manutençao de uma reiterada queixa neurótica, bem como a necessidade de ainda satisfazêlas. De acordo com Laplanche e Pontalis5, a regressao é definida como um "(...) retorno em sentido inverso desde um ponto já atingido até um ponto situado antes desse" (p. 567).
Observa-se que a fixaçao e a regressao estao associadas, pois, ao desenvolvimento ser dinâmico, a insatisfaçao o compromete, porém nao o impede de todo. Ele se torna maduro em alguns aspectos, mas, psicologicamente, algumas necessidades ficam sem satisfaçao. Regride-se, entao, em busca de uma recuperaçao e/ou manutençao da satisfaçao experimentada e nao adequadamente contemplada. Seja pelo excesso de satisfaçao e estímulo, ou por seu oposto, isto é, pela carência, ocorre uma fixaçao e o indíviduo torna a regredir a cada situaçao enfrentada como nova ("nova" no sentido de desconhecida, ainda nao certa de satisfaçao como originalmente). Como conceitua Zimerman9 quanto à fixaçao, esta é uma "(...) ligaçao primitiva da libido nas diversas fases da evoluçao, assim determinando, pelo fenômeno da regressao, os traços predominantes da caracterologia, ou o quadro sintomatológico de alguma psicopatologia" (p. 150). A pessoa nao troca o certo pelo duvidoso, por aquilo sobre cuja (melhor) gratificaçao ela nao tem certeza.
Conforme Freud3, "graças" às fixaçoes é que a libido encontra "virtualmente" satisfaçao. Entretanto, o adjetivo "virtual" indica a existência de um conflito: seria uma satisfaçao neurotizada: "A catexia regressiva dessas fixaçoes consegue contornar a repressao e leva à descarga (ou satisfaçao) da libido, sujeita às condiçoes de um acordo a serem observadas. Pelo caminho indireto, via inconsciente e antigas fixaçoes, a libido finalmente consegue achar sua saída até uma satisfaçao real - embora seja uma satisfaçao extremamente restrita e que mal se reconhece como tal" (p. 421-422).
Para Zimerman9, o termo "fixaçao" refere-se a "(...) que todos os afetos primitivos sofrem sucessivas transformaçoes psíquicas, que ficam presentes ou representados no inconsciente, constituindo pontos de fixaçao, os quais funcionam como um polo imantado e, tal como um eletroíma, atraem a representaçao de novas repressoes de fantasias e de experiências emocionais. Os pontos de fixaçao se formariam com mais facilidade a partir de uma exagerada gratificaçao ou frustraçao de uma determinada necessidade ou de uma zona erógena e, conforme o predomínio de uma das formas, a manifestaçao clínica terá características específicas" (p. 150). Para lá retorna (regride) a libido, pois "lá" é sentido como um lugar onde, segundo o mesmo autor, funcionassem "(...) trincheiras seguras e protetoras, e também como inscriçoes no ego" (p. 359).
Laplanche e Pontalis5 apontam que há um "emparelhamento" entre as noçoes de fixaçao e regressao, ao afirmarem que: "Na medida que a fixaçao se deva compreender com uma 'inscriçao', a regressao poderia ser interpretada como uma reposiçao em jogo do que foi 'inscrito'. Quando se fala, especialmente no tratamento, de 'regressao oral', deve entender-se, nesta perspectiva, que o indivíduo encontra no que diz e nas suas atitudes aquilo que Freud chamou 'a linguagem da pulsao oral'" (p. 570-571).
A partir de "Além do princípio do prazer", Freud12 passa novamente a relacionar a fixaçao ao trauma. Entretanto, inclui também a agressao, derivada, segundo ele, da pulsao de morte, junto com a libido, derivada da pulsao de vida, como fatores relacionados à fixaçao e ao trauma. Institui-se um funcionamento no qual há um retorno ao estado anterior, como princípio da pulsao de morte, podendo esse retorno ser aplicado às noçoes de fixaçao e regressao. O autor faz referência, assim, à existência da "compulsao à repetiçao". Em suas palavras, trata-se da "(...) perpétua recorrência da mesma coisa" (p. 35), constituindo uma manifestaçao do poder do reprimido. Causa prazer e desprazer simultaneamente: prazer, pois libera o reprimido; desprazer pelo mesmo motivo, ou seja, pela repressao ter falhado. Esse funcionamento quebra a homeostasia mental. A compulsao à repetiçao está para a pulsao de morte assim como os instintos sexuais/libido estao para a pulsao de vida. Logo, a compulsao à repetiçao tem caráter regressivo.
Para Laplanche e Pontalis5, "(...) o indivíduo se coloca ativamente em situaçoes penosas, repetindo assim experiências antigas sem se recordar do protótipo e tendo pelo contrário a impressao muito viva de que se trata de algo plenamente motivado na atualidade. (...) o recalcado procura "retornar" ao presente, sob a forma de sonhos, de sintomas, de agir: o que permaneceu incompreendido retorna; como uma alma penada, nao tem repouso até encontrar resoluçao e libertaçao" (p. 126).
É isso o que acontece com Sísifo, Prometeu e Atlas.
Cabe também salientar que nem sempre as fixaçoes e regressoes serao de todo patológicas. Freud3 afirmou que: "Toda neurose inclui uma fixaçao numa determinada fase do passado, mas nem toda fixaçao conduz a uma neurose, coincide com uma neurose ou surge devido a uma neurose" (p. 326). Um modelo perfeito de fixaçao afetiva em algo que é passado é o luto, uma vez que ele, mesmo envolvendo a mais completa alienaçao em relaçao ao presente e ao futuro, à medida que a pessoa compreende a situaçao vivenciada (a pessoa ou o objeto perdido), essa lembrança deixa de caracterizar conflito e de comprometer a vida da pessoa. Outro exemplo de Freud12 se refere a um determinado comportamento das crianças: frequentemente, elas insistem na repetiçao de uma história ouvida, ou repetem determinada brincadeira na qual buscam manter um sentimento de supremacia, pois, na repetiçao, conseguem dominar de modo ativo o que originalmente foi vivenciado de modo passivo. Assim, "(...) a repetiçao, a reexperiência de algo idêntico é claramente, em si mesma, uma fonte de prazer" (p. 53).
Zimerman9, citando Ernest Kris (1952), lembra que muitas manifestaçoes regressivas nao necessariamente seriam negativas. Estariam, sim, a serviço do ego, como produtivas nas relaçoes. Eles tomam como exemplo os casos de um "(...) analisando na situaçao analítica, um pai que regride ao nível de idade do seu filhinho quando brinca parelho com ele e da criaçao artística" (p. 359).
A título de ilustraçao, citamos o caso de uma paciente, a Sra. V., meia idade, divorciada e separada de um segundo relacionamento; desde os dezoito anos faz terapias com diferentes terapeutas; retorna ao tratamento por se sentir "sem muito sentido na vida" e "sem saber bem o porquê faz o que faz". Após um processo para mudar de casa, instalada já na nova residência, incomoda-se muito com o barulho de uma indústria próxima. Critica-se severamente, pois julga que, outra vez, faz escolhas negativas em sua vida. Afirma: "Me sinto muito burra. Sou capaz de me avançar na comida e comer quase o prato junto, é só me sentir ansiosa ou angustiada" (sic). Sugere que, apesar da nova conquista, nao suporta o feito e retorna a um padrao de funcionamento anterior, com lamentos e queixas constantes da vida; mínimas frustraçoes tomam intensas proporçoes, comprometendo seu ânimo. Associa essa atitude ao descaso sentido quando sua mae revelou nao gostar de amamentar os filhos; já para a Sra. V., amamentar é um dos maiores indicativos da mulher quanto a ser mae. Mesmo tendo amamentado seus próprios filhos, ainda vive presa à penosa lembrança com sua mae. Evidencia a dificuldade em se diferenciar e se desprender desse padrao.
Ela "tropeça" nas próprias expectativas: deseja satisfaçao, porém, como essa satisfaçao é vinculada à intensa voracidade ("avançar na comida e comer quase o prato junto"), demonstrando fixaçao à fase oral canibal, passa a se sentir merecedora de críticas de si mesma e talvez dos demais. Outra queixa constante se refere à dificuldade de conseguir um relacionamento afetivo estável: sente-se incapaz disso devido à percepçao negativa de si mesma. Relata que, passeando com a mae e a irma, ao elogiar um modelo de roupa na vitrine, ouve da mae: "'Mas isso nao serve para ti: gorda como tu tá!' Aí me vem na cabeça aquilo que a minha mae me diz de 'nós as gordas'. Isso me deixa louca! Assim, nao dá pra ser feliz mesmo" (sic).
Relata lembranças de agressividade da mae: aos seis anos, insegura de permanecer na escola, seguia-a após fingir que entrava em sala de aula. Desejava retornar para casa com a mae. Uma vez flagrada, era severamente punida. O desejo da companhia da mae era impedido e, hoje, ainda buscado como uma conquista (tal qual sua morada), porém frustrada (mae inalcançável). A crítica da mae, internalizada ou ainda real, está repetidamente presente, sendo sentida possivelmente, como substituto da atençao oral: alimenta-se (mal) com críticas da mae. Ao mesmo tempo em que nao quer isso, fica presa (fixada) como se isso fosse a única coisa que lhe resta. Identifica-se assim uma dependência afetiva materna, oral, caracterizando etapas anteriores à maturidade genital e, portanto, pré-genitais. Suas queixas sugerem origem primitiva, relativas à fase oral.
Tanto a paciente quanto os titas revelam em suas "penas" a necessidade de apego intenso a seu significado: o castigo pelo desejo de permanecer junto aos superiores acabou por comprometer sua autonomia e independência.
CONSIDERAÇOES FINAIS
Acreditamos que comportamentos atuais, carentes de sentido aparente, podem identificar os mecanismos de fixaçao e regressao relacionados à vivência passada. Os autores estudados revelam que, tanto a frustraçao quanto excessivas gratificaçoes podem promover fenômenos dessa natureza. Predominantemente inconscientes, estao presentes e sempre tentam manter integrados os componentes da estrutura psicológica, porém iludidamente manifestos pelos sintomas. Pensamos que a maneira como se conseguiu lidar com as fases do desenvolvimento psicossexual e com os correspondentes investimentos libidinais, quando nao adequados à realidade daquela etapa, poderá favorecer uma maior ou menor intensidade dos fenômenos estudados.
Fixaçao e regressao sao fenômenos dinâmicos e relacionados. Frente a uma dificuldade atual de lidar com uma situaçao de vida, o sujeito regride até seu ponto de fixaçao, passando a utilizar os mecanismos de defesa próprios da época. Como exemplo, podemos mencionar, no caso da Sra. V., as tentativas de controle do meio em que vive e o isolamento afetivo como característicos da fase anal.
Acreditamos que a fixaçao e a regressao podem ser descritas como um "trabalho por fazer", um "dever de casa nao realizado", "um prazo/prazer perdido", passível de elaboraçao, sobretudo ao buscar tratamento psicodinâmico. Daí a utilizaçao dos mitos e do caso clínico como ilustraçoes. Citar expressoes como "trabalho de Sísifo" ou "carregar pedra" para designar uma árdua tarefa; ficar "preso e sofrendo" como Prometeu, ou "levar o mundo nas costas" tal qual Atlas, assemelham-se às queixas da paciente antes mencionada e, possivelmente, às de outros pacientes no sentido de estarem "sempre na mesma" quando se deparam com obstáculos. Percebe-se o movimento de "tornar a um momento já vivenciado", de intenso estímulo, prazeroso ou nao, sem perceber a evitaçao, e até o abandono, de atitudes autônomas, independentes e de conquista. A Sra. V., por exemplo, embora nao perceba, lamenta a falta de uma convivência/proximidade positiva com sua mae. Desse modo, parece ter se fixado nessa etapa (dependência oral), para a qual regride como forma de manter suas queixas. Quando percebe, "está lá novamente", com a mesma preocupaçao e dor. Esta paciente manifesta verbalmente seu desejo de mudar, porém nao compreende por que nao consegue, ou por que, quando ocorre uma mudança positiva em sua vida (nova residência), nao consegue obter satisfaçao.
Os titas desejaram a proximidade com os deuses. Nao aceitaram seus papéis originais. Suas insistências foram provocativas e, por isso, eles foram punidos. Regrediram e fixaram-se a seus embates. A Sra. V. deseja a aproximaçao com sua mae, ao menos internamente. Todos eles escravizam-se pelos próprios desejos. Pagaram penitências pelos próprios desejos. Parece ser assim que "comungam" com seus progenitores (mal) amados. A nao elaboraçao dessa relaçao leva a todo esse complexo. É como se ocorresse um condicionamento psíquico. Vivem compulsivamente a repetiçao de seu conflito.
Entendemos que a percepçao, a identificaçao e a compreensao desses mecanismos a partir das queixas, preocupaçoes, discursos e atitudes de pacientes favorecem um planejamento terapêutico. Os sintomas sao expressoes com significados, a maior parte das vezes, inconscientes. O processo terapêutico (trazer à consciência as manifestaçoes inconscientes), seja em análise ou em psicoterapia de orientaçao analítica, será favorecido pela noçao desses conceitos de fixaçao e regressao, uma vez que eles expressam a psicodinâmica do paciente, ou seja, seu comportamento. Pela relaçao entre as vivências passadas e os sintomas atuais do paciente, pode-se compreender o sentido contido no sintoma, tornando-o consciente. Supomos que, de uma forma geral, à medida que os pacientes melhoram e ampliam sua capacidade de conscientizar o que servia como tranca, aumentam os flashbacks do seu desenvolvimento e o alívio mental passa a se instalar na vida da pessoa. Ao passo que o processo avança, a energia necessária que mantinha os pontos de fixaçao se torna disponível para investimentos mais maduros e adequados.
REFERENCIAS
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a. Especialista em Psicoterapia de Orientaçao Analítica (psicólogo / psicoterapeuta) - Porto Alegre - SP -Brasil
b. Psicanalista, psiquiatra e psicoterapeuta (psicanalista, psiquiatra, psicoterapeuta, supervisor. É também professor no Curso de Especializaçao em Psicoterapia de Orientaçao Analítica no CELG)
Instituiçao: CELG - Centro de Estudos Luis Guedes - Curso de Especializaçao em Psicoterapia de Orientaçao Analítica - Depto. de Psiquiatria e Medicina Legal - FAMED Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Correspondência:
Charlie Trelles Severo
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Submetido em 09/06/2013
Devolvido aos autores em 28/08/2013
Retorno dos autores em 01/09/2013
Segunda revisao em 12/09/2013
Aceito em 18/09/2013
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