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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2013; 15(2):4-13



Artigos Originais

Efeito de um modelo de intervençao psicodinâmica ultrabreve para mulheres com transtorno de estresse agudo e transtorno de estresse pós-traumático: estudo naturalístico

Effect of an ultra brief psychodynamic intervention model for women with acute stress disorder and post-traumatic stress disorder: a naturalistic study

Letícia Rosito Pinto Kruela; Simone Hauckb; Erico Moura Silveira Júniorc; Lúcia Helena Freitas Ceitlind

Resumo

O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito de um modelo de psicoterapia psicodinâmica ultra-breve em mulheres com transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e transtorno de estresse agudo (TEA).
MÉTODO: 27 mulheres que completaram 4-6 sessoes de tratamento foram avaliadas antes e após a intervençao por meio de um protocolo padrao: Davidson Trauma Scale (DTS), Inventário Beck de Depressao (Beck), Defesa Style Questionnaire (DSQ-40), Clinical Global Impression (CGI) e Avaliaçao Global do Funcionamento (GAF).
RESULTADOS: Após o tratamento, verificou-se reduçao dos sintomas de acordo com o DTS, BECK, CGI e escalas de GAF, mesmo controlando para o uso de psicofármacos, com tamanho de efeito elevado n: CGI d = 1,18, GAF d = 1,03, DTS d = 0,95 e BDI d = 0,9. Houve reduçao na utilizaçao de projeçao e aumento da defesa humor após o tratamento. A reduçao dos sintomas do TEPT foi correlacionada com a diminuiçao do escore do fator imaturo.
CONCLUSOES: Embora estudos controlados sejam necessários para confirmar esses resultados, este estudo sugere que uma intervençao psicodinâmica ultra-breve pode ser uma alternativa interessante no tratamento para TEPT e TEA, principalmente no âmbito da saúde pública.

Descritores: Psicoterapia; Resultado de Tratamento; Transtornos de Estresse Pós-Traumático.

Abstract

The aim of this study was to evaluate the effect of an ultra-brief psychodynamic intervention (UBPI) for women with post-traumatic stress disorder (PTSD) and acute stress disorder (ASD).
METHODS: 27 women who completed 4-6 treatment sessions were assessed before and after the intervention by means of a standard protocol, Davidson Trauma Scale (DTS), Beck Depression Inventory (BECK), Defense Style Questionnaire (DSQ-40), Clinical Global Impression (CGI) and the Global Assessment of Functioning (GAF).
RESULTS: After treatment, there was a reduction in symptoms according to DTS, BECK, CGI and GAF scales, even controlling for the use of psychotropic drugs. The Cohen's effect size was large CGI d =1,18, GAF d =1,03, DTS d =0,95 e BDI d =0,9. There was a reduction in the use of projection and an increase in the humour defense, after treatment. The reduction in PTSD symptoms was correlated with immature factor score decreasing.
CONCLUSIONS: Although, controlled studies are required to confirm these findings, this study suggest that an ultra-brief psychotherapy intervention could be an interesting treatment alternative for PTSD and ASD patients especially in public health settings.

Keywords: Psychotherapy; Treatment Outcome; Post-Traumatic Stress Disorders.

 

 

INTRODUÇAO

Estudos epidemiológicos mostraram que mais de 50% da populaçao mundial foi exposta a pelo menos um evento traumático durante a sua vida e que a prevalência ao longo da vida de estresse pós-traumático (TEPT) foi de 8-12%1,2. No Marrocos, verificou-se uma prevalência de TEPT de 3,4% na populaçao em geral3, enquanto que na India, depois do tsunami de 2004, houve uma prevalência de 12,7%4. Embora a prevalência possa variar em diferentes estudos, a maioria dos achados aponta que ela pode variar de 10,3% nos homens e 18,3% nas mulheres em algum momento de suas vidas5.

Diferentes eventos podem desencadear o TEPT, como assaltos, sequestros, guerras, catástrofes naturais, entre outros6. Além do sofrimento psicológico e do risco de desenvolver TEPT7, os sobreviventes de trauma têm um risco maior de desenvolver outros transtornos psiquiátricos, como depressao, síndrome do pânico, transtorno de ansiedade generalizada e abuso de substâncias8,9. No Brasil, a violência é um grave problema de saúde pública e está associada com importante morbidade psiquiátrica, impondo a necessidade de desenvolver estratégias públicas relativas à prevençao da violência e das consequências de os indivíduos serem expostos a ela10,11.

Foa & Street12 verificaram que os tratamentos mais estudados para o TEPT sao as intervençoes cognitivo-comportamentais. Independentemente da modalidade de tratamento ser grupal ou individual, essa terapia tem demonstrado altos índices de eficácia para o tratamento do TEPT13, enquanto outros tipos, ou sao ineficientes, ou nao foram ainda suficientemente estudados14. Revisoes sistemáticas mostram que há uma falta de evidências a favor da eficácia do "debriefing", podendo ter efeitos negativos. O "debriefing" trata-se de uma técnica de psicoterapia individual ou de grupo que tem como um dos seus objetivos principais que os participantes falem sobre suas vivências e emoçoes causadas pelo evento traumático que acabou de ocorrer. Foi utilizado como um procedimento para a prevençao do TEPT15-17. No que diz respeito à farmacoterapia para o TEPT, os antidepressivos parecem ser mais eficazes e eles sao os medicamentos de primeira escolha no momento18. Pesquisas com os benzodiazepínicos sugerem que essa intervençao, além de ser ineficiente, pode ser iatrogênica19. Por nao haver estudos na literatura que tenham avaliado o efeito de intervençoes psicodinâmicas ultrabreves (IPUB) para TEA e TEPT, o objetivo deste estudo é avaliar os efeitos de um modelo de psicoterapia psicodinâmica ultrabreve (IPUB) em mulheres com TEPT e TEA.


MÉTODO

Este foi um estudo de intervençao pré e pós. A amostra foi composta por 27 mulheres que foram tratadas de maio de 2008 a novembro de 2009 no Centro de Estudos e Tratamento do Estresse Traumático (NET-TRAUMA) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Brasil.

Os critérios de inclusao foram: ser mulher com idade entre 14 e 62 anos, com o diagnóstico de TEA ou TEPT, realizar de 4 a 6 sessoes de tratamento com a intervençao ultra-breve psicodinâmica (IPUB). Os critérios de exclusao foram: ter sintomas psicóticos, retardo mental ou indicaçao de internaçao psiquiátrica. Para fins de validade interna, restringimos o nosso estudo a pacientes do sexo feminino.

O NET-TRAUMA recebe pacientes que sofreram grandes eventos traumáticos, encaminhados da atençao primária, secundária e terciária. O tratamento consiste em uma entrevista de avaliaçao, seguida por um protocolo de tratamento de 4-6 semanas. A primeira sessao de avaliaçao é realizada por um psiquiatra experiente para fins de rastreio. Verifica-se se a psicopatologia primária é TEA/TEPT e se o paciente tem os critérios psicológicos para entrar na abordagem de psicoterapia ultra-breve. Após a indicaçao do tratamento, o residente-chefe explica os objetivos do tratamento e dá uma breve explicaçao (psico-educaçao) sobre TEA e sintomas do TEPT e os fatores cognitivos e neurobiológicos relacionados com a desordem.

Nas sessoes posteriores, ao longo da IPUB, seguem-se, consistentemente, os seguintes objetivos: 1) uma atitude empática; 2) foco no trauma; 3) foco sobre a relaçao do trauma atual (medos e fantasias) e sintomas de problemas de infância (conflitos primários, padroes de objeto de relaçao e mecanismos de defesa). No que diz respeito ao tratamento farmacológico, quando indicado, os inibidores da recaptaçao de serotonina foram utilizados como tratamento de primeira escolha, evitando prescriçao de benzodiazepínicos. As sessoes posteriores foram realizadas por médicos residentes em psiquiatria do HCPA. Além disso, cabe ressaltar que todos os atendimentos foram discutidos com o médico contrado e com os professores responsáveis pelo ambulatório.

Todos os indivíduos assinaram termo de consentimento. Os procedimentos descritos neste estudo receberam a aprovaçao do Comitê Local de Ética em Pesquisa HCPA (07-378).


INSTRUMENTOS

As escalas de avaliaçao clínica utilizadas foram a Davidson Trauma Scale (DTS)20,21, que mede sintomas do TEPT, o Inventário de Depressao de Beck (BECK)22,23, que mede os sintomas depressivos, e a Defense Style Questionnaire (DSQ-40), que mede os 20 mecanismos de defesa, fornecendo os resultados individuais das defesas e as pontuaçoes por três fatores relativos a diferentes estilos (de defesa): maduro, imaturo e neurótico24. A Impressao Clínica Global (CGI) e a Avaliaçao Global do Funcionamento (GAF) foram inferidas pelo clínico após a entrevista de admissao e no final do tratamento. Os dados sociodemográficos foram avaliados por meio de um protocolo padrao.


ANALISE ESTATISTICA

As variáveis contínuas foram descritas por média e desvio padrao (distribuiçao simétrica) ou mediana e intervalo interquartílico (distribuiçao assimétrica). As variáveis categóricas foram descritas por meio de frequências absolutas e relativas. A diferença entre as médias foi avaliada pelo teste t de Student para variáveis independentes. A correlaçao de variáveis quantitativas foi avaliada pelos métodos Pearson ou Spearman. O tamanho de efeito de Cohen foi utilizado para avaliar a magnitude da melhoria clínica após o tratamento25.

Para controlar o efeito de uso de psicofármacos, as análises foram feitas considerando apenas os pacientes que nao usaram medicamentos psicofármacos durante o estudo com o objetivo de verificar se as descobertas persistiam. A análise estatística foi realizada utilizando o Statistical Package for Social Sciences (SPPS) software estatístico 17,0 (SPPS Inc., Chicago, IL, EUA). Foram considerados significativos resultados com valor de p = 0,05.


RESULTADOS

As características sociodemográficas encontram-se resumidas na Tabela 1. As características clínicas da amostra (pré e pós-tratamento) e do tamanho do efeito de Cohen sao mostradas na Tabela 2. Após o tratamento, verificou-se reduçao dos sintomas de acordo com o DTS, BECK, CGI e GAF, com um tamanho grande de efeito de Cohen para todos os parâmetros clínicos (Tabela 2). Os resultados permaneceram significativos mesmo controlando para uso de psicofármacos.






No que diz respeito aos mecanismos de defesa, houve uma reduçao na defesa "projeçao" (p = 0,036) e um aumento da defesa "humor" (p = 0,024) após o tratamento. Foi encontrada uma associaçao positiva entre a reduçao de sintomas do TEPT e a diminuiçao na pontuaçao do fator imaturo (r = 0,43, p = 0,032).

Houve melhora dos sintomas do TEPT em pacientes que buscaram tratamento até um ano após o evento traumático (ΔDTS = -46,8 ± 24,06 ΔDTS contra = -17,1 ± 30,5, p = 0,01).


DISCUSSAO

Embora estudos controlados sejam necessários para confirmar os nossos resultados, este estudo sugere que a IPUB poderia ser uma abordagem interessante para o tratamento TEA/TEPT, pois ela levou a reduçao em todos os parâmetros clínicos nesta amostra, com grandes tamanhos de efeito26.

Considerando-se que a IPUB é focada nas variáveis psicodinâmicas relacionadas com o trauma e na sintomatologia atual, a associaçao entre a reduçao dos sintomas TEA/TEPT e a reduçao do uso de defesas imaturas, mesmo dentro de um curto período de tempo, sugere uma possível eficácia da IPUB nessa populaçao.

Além disso, houve uma diminuiçao na projeçao de defesa e um aumento da utilizaçao da defesa humor. Cabe ressaltar que este tratamento foi realizado num período de tratamento de 4-6 semanas. Novos estudos devem abordar se esses resultados persistem ao longo do tempo. Apenas um estudo utilizou a IPUB para o tratamento de distúrbios da personalidade e verificou-nos acompanhamentos que os resultados se mantiveram mesmo depois de 3 meses e 6 meses após o término do tratamento27.

Outra descoberta clinicamente relevante é que o tratamento IPUB foi mais eficaz para os pacientes que procuraram ajuda até um ano após o trauma.

Pode-se dizer que a melhora dos sintomas pode estar relacionada com o uso de psicofármacos e nao com a IPUB. No entanto, a eficácia permaneceu significativa mesmo considerando apenas os pacientes que nao fizeram uso de psicofármacos28. Também deve ser levado em conta que, em funçao da duraçao do tratamento (4-6 semanas), dificilmente os antidepressivos poderiam ter um efeito completo, constataçao que favorece a hipótese de efetividade da IPUB. Esse fato deve ser abordado em futuros estudos, como em ensaios clínicos controlados, para avaliar o impacto do tratamento combinado.

Nosso estudo apresenta limitaçoes, principalmente por ser um estudo naturalístico e pelo pequeno tamanho da amostra. No entanto, é uma avaliaçao inicial do efeito da intervençao ulbra-breve para mulheres com TEA/TEPT. Por isso, é necessário que ele seja replicado e que a IPUB seja comparada com os outros tratamentos controlados utilizando amostras maiores. Além disso, novos estudos sao necessários para avaliar somente um tipo de trauma.


CONCLUSAO

Este estudo sugere que um modelo de psicoterapia psicodinâmica ultrabreve pode ser uma alternativa interessante de tratamento para o TEPT e o TEA, principalmente no âmbito da saúde pública.


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a. Psicóloga. Mestre em Ciências Médicas: Psiquiatria UFRGS (especialista em Psicologia Clínica) - Porto Alegre - RS - Brasil
b. Doutora em Ciências Médicas: Psiquiatria, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Médica psiquiatra. Especialista em Psicoterapia (editora da Revista Brasileira de Psicoterapia)
c. Mestre em Ciências Médicas: Psiquiatria UFRGS. - Médico psiquiatra. Especialista em Psicoterapia (editor junior da Revista Brasileira de Psicoterapia)
d. Doutora em Medicina: Ciências Médicas. - Médica psiquiatra (professora adjunta, Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal, UFRGS. Coordenadora, NET-TRAUMA, HCPA. Programa de Pós-Graduaçao em Psiquiatria: UFRGS)

Instituiçao: NUCLEO DE ESTUDOS E TRATAMENTO DO TRAUMA (NET-TRAUMA), Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, Brasil.

Correspondência:
Letícia Rosito Pinto Kruel
Rua Cel. Bordini, 300, ap. 601
90440-002 - Porto Alegre, RS, Brasil
lekruel@yahoo.com.br

Submetido em 18/04/2013
Devolvido aos autores em 24/06/2013
Retorno dos autores em 21/07/2013
Aceito em 25/07/2013
Suporte financeiro: Coordenaçao de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Fundo de Incentivo à Pesquisa e Ensino do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (FIPE-HCPA).

 

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