Rev. bras. psicoter. 2013; 15(1):46-58
Agostini AN. Algumas consideraçoes sobre postura ética em psicoterapia de orientaçao analítica. Rev. bras. psicoter. 2013;15(1):46-58
Artigos Originais
Algumas consideraçoes sobre postura ética em psicoterapia de orientaçao analítica
Ethical Considerations in Psychonalytic Psychotherapy
Adriano Neujahr Agostini*
Resumo
Abstract
INTRODUÇAO
Augusto comparece à primeira consulta, pontualmente, após agendamento via contato telefônico. Senta-se na poltrona e, após certo receio inicial, começa seu relato. Demonstra tristeza e me desperta empatia ao descrever determinada situaçao envolvendo a mae. Sinto-me conectado com seu estado emocional e capaz de ajudá-lo até que ele acrescenta: "Ela gostou do tratamento que fez aqui contigo e também por isso tenho esperança de que tu possas me ajudar". Deparo-me, entao, com um dilema ético: poderei receber Augusto em tratamento, tendo já atendido sua mae, mesmo com o tratamento dela já encerrado?
Situaçoes como a descrita acima, numerosas e imprevisíveis na prática clínica, despertaram meu interesse pelo tema da postura ética a ser adotada pelo psicoterapeuta em tais situaçoes. Sinto-me desafiado diante de casos em que os limites estabelecidos pela ética na literatura psicanalítica e de psicoterapia de orientaçao analítica sao pouco claros ou insuficientes. Ademais, esses casos exigem decisoes baseadas em experiência clínica e na presunçao de um julgamento adequado sobre cada situaçao. Deve a moral individual interferir na decisao? Agirei da melhor maneira e de acordo com os preceitos profissionais estabelecidos? O que fazer ao me deparar com uma situaçao eticamente questionável em um tratamento já iniciado?
Em revisao da literatura, encontram-se poucos trabalhos acerca do tema. Cruz1 ressalta a importância do respeito à intimidade do paciente e do estabelecimento de limites claros entre a curiosidade necessária ao trabalho do psicoterapeuta e o fetichismo invasivo motivado por uma provável patologia narcísica sua, baseando-se nos escritos de Bion e Meltzer sobre o tema. No mesmo trabalho, Golbert1 complementa tal ponto de vista, embasando-se em Freud2, quando ele afirma que, devendo superar a tentaçao de assumir uma postura messiânica, cabe ao médico propiciar ao paciente recursos egoicos que o capacitem a tomar suas próprias decisoes, sendo esse seu papel. Penso serem também os textos técnicos de Freud a principal fonte para o embasamento de toda a prescriçao ética para o psicoterapeuta.
Neste trabalho, pretendo realizar uma revisao teórica sobre ética, em sua origem na filosofia e em suas aplicaçoes na técnica da psicoterapia de orientaçao analítica e, baseado em experiências clínicas ímpares e curiosas, identificar e discutir fatores importantes para o estabelecimento de uma conduta ética específica para o procedimento psicoterápico.
ÉTICA E MORAL: CONCEITUAÇAO FILOSOFICA E DIFERENCIAÇAO
Cortina & Martínez3 definem que "ética" procede do grego "ethos", palavra que inicialmente definia a casa ou lugar em que se vive e, posteriormente, passou a significar "caráter ou modo de ser de um indivíduo ou grupo". Da mesma forma, atribuem a origem de "moral" ao termo latino "mos" ou "moris", com significado original de "costume", tendo evoluído também para "caráter ou modo de ser". Assim, os autores concluem que "ética" e "moral" confluem em um significado semelhante: ambos os termos fariam alusao a tudo o que se refere ao caráter, adquirido e aprimorado ao longo da existência pela prática de hábitos considerados bons. Propoem que se mantenha o termo "moral" para denotar os diferentes códigos morais concretos e o termo "ética", para definir a filosofia moral. Portanto, cabem à ética o esclarecimento, a fundamentaçao e a aplicaçao dos princípios morais.
Furrow4 diz que a ética nao se restringe à moral. Amplia-se, porque busca a fundamentaçao teórica das açoes morais para encontrar o melhor modo de viver e conviver, isto é, propoe a busca de um melhor estilo de vida, tanto público quanto privado. Segundo ele, o estudo da moral passa pelo entendimento da açao moral, executada pelo agente moral. O principal pré-requisito para a açao moral é a autonomia, que engloba a capacidade de tomar decisoes e responsabilizar-se por elas, para que outros possam se responsabilizar por suas próprias tomadas de decisoes.
Furrow segue dizendo que podemos entender a moralidade de duas maneiras: a primeira como motivada pelo interesse próprio, originando o que se conhece em filosofia por egoísmo ético, e a segunda em termos de contrato social. O egoísmo ético define-se por açoes que dizem respeito a motivaçoes individuais, levando-se em conta apenas a liberdade individual. Torna-se paradoxal quando pensamos em moral como base de uma conduta ética. Nesse ponto, entram as motivaçoes, conscientes ou inconscientes (estas últimas nao consideradas pelo autor) do que motiva um contrato social. Se o egoísmo ético imperasse, viveríamos sempre à mercê de sucumbirmos ao desejo de liberdade do outro. Logo, pensa-se na moralidade como um contrato social em funçao do qual é necessário abrir mao de parte da liberdade individual para se obter segurança. Assim, pode-se concluir que agir moralmente implica em ser um cooperador confiável. Do contrário, abrem-se precedentes para a desonestidade e a incoerência.
ÉTICA PROFISSIONAL INTEGRADA AOS OBJETIVOS DA PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇAO ANALITICA
O profissional que exerce a psicoterapia de orientaçao analítica deve seguir o código de ética de seu conselho profissional. Em relaçao aos médicos, Cesarino diz:
"(...) enquanto membro ativo de suas sociedades profissionais, gerais e de especialidades, o psicanalista está, como todos os outros profissionais médicos, ligado às determinaçoes de seu Código de Ética (...). Isso define com clareza suficiente suas obrigaçoes enquanto protagonista da sociedade em que vive e trabalha."5 p. 201.
"As regras técnicas que estou apresentando aqui alcancei-as por minha própria experiência, no decurso de muitos anos, após resultados pouco afortunados me haverem levado a abandonar outros métodos (...). Minha esperança é que a observaçao delas poupe aos médicos que exercem a psicanálise muito esforço desnecessário e resguarde-os contra algumas inadvertências. Devo, contudo, tornar claro que o que estou asseverando é que esta técnica é a única apropriada à minha individualidade; nao me arrisco a negar que um médico constituído de modo inteiramente diferente possa ser levado a adotar atitude diferente em relaçao a seus pacientes e à tarefa que se lhe apresenta."10 p. 125.
"Dificuldades especiais surgem quando o analista e seu novo paciente, ou suas famílias, acham-se em termos de amizade ou têm laços sociais um com o outro. O psicanalista chamado a encarregar-se do tratamento da esposa ou do filho de um amigo deve estar preparado para que isso lhes custe essa amizade, qualquer que seja o resultado do tratamento; todavia, terá de fazer o sacrifício, se nao puder encontrar um substituto merecedor de confiança."14 p. 141.
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