Rev. bras. psicoter. 2013; 15(1):12-25
Bassols AMS, Zavaschi ML, Palma RB. A criança frente à doença e à morte: aspectos psiquiátricos. Rev. bras. psicoter. 2013;15(1):12-25
Artigos Originais
A criança frente à doença e à morte: aspectos psiquiátricosa
The Child Facing Sickness and Death: Psychiatric Aspectsa
Ana Margareth Siqueira Bassols*; Maria Lucrecia Zavaschi**; Regina Beatriz Palma***
Resumo
Abstract
INTRODUÇAO
O conhecimento a respeito dos aspectos psiquiátricos relacionados às reaçoes das crianças, adolescentes e seus familiares diante da doença e morte vem ao encontro dos objetivos preconizados pela medicina paliativa 1,2. O cuidado paliativo é uma especialidade recente que é fortemente embasada nos conceitos éticos da beneficência, autonomia, respeito pelas pessoas e respeito pela vida 2. Promover a prevençao e o alívio do sofrimento físico, emocional e espiritual aliados a medidas que promovam uma melhor qualidade de vida é o objetivo principal dessa nova área da medicina. Em se tratando de crianças, o trabalho nessa área deve ser necessariamente interdisciplinar 3,4.
O profissional de saúde que trabalha com crianças e adolescentes necessita conhecer aspectos do desenvolvimento nessas faixas etárias para poder lidar com os sentimentos despertados na equipe, no paciente e na família, desencadeados por situaçoes de adoecimento e, muitas vezes, de morte. A partir desse conhecimento, terá melhores condiçoes de oferecer intervençoes paliativas, tao essenciais para aqueles que transitam entre as fronteiras da saúde e da doença, da vida e da morte.
CRIANÇA E CONTINENCIA HOSPITALAR
A reaçao da criança diante da doença está diretamente relacionada a múltiplos fatores, tais como idade, estresse imediato representado pela dor física desencadeada pela doença, angústia de separaçao devido à hospitalizaçao, traços de personalidade, experiências prévias e qualidade de suas relaçoes parentais.
Para Bowlby3, a percepçao e conduta da criança sao influenciadas pela atitude dos pais, que, por sua vez, é determinada pela postura geral do médico diante da patologia. Trad5 considera também que a equipe hospitalar, pelo seu papel esclarecedor e atitude continente, pode oferecer aos pais da criança gravemente enferma condiçoes necessárias para que possam suportar e compreender a reaçao do filho à sua doença. Essa reaçao varia de acordo com seu nível de compreensao, decorrente da fase evolutiva em que se encontra. Assim, somente à medida que a criança amadurece, sua concepçao da doença vai ficando mais ampla, complexa e realista. Quanto menor ela for, mais concreta será essa compreensao.
O BEBE
Para compreender como a criança enfrenta a doença e as circunstâncias da hospitalizaçao, as descobertas de Mahler, Pine e Bergman6 acerca de algumas características do psiquismo do bebê sao de grande utilidade. No início da vida psíquica, segundo esses autores, há uma profunda ligaçao emocional do bebê com sua mae: trata-se de uma fase que denominaram "fase simbiótica do desenvolvimento". Nela, o bebê nao se percebe como um ser distinto. A partir dos quatro ou cinco meses, com o amadurecimento neurológico dos órgaos dos sentidos, bem como com o desenvolvimento da memória, o bebê é capaz de identificar a si e à mae, progressivamente, como indivíduos separados. A esse período denominaram "fase de separaçao-individuaçao". Nessa fase, a criança torna-se cada vez mais capaz de afastar-se fisicamente da mae, iniciando a exploraçao do ambiente a sua volta. Passa a utilizar objetos de brinquedos, cobertores, travesseiros, entre outros, que assumem a importância de substitutos maternos (objetos transicionais). Nesse momento, pode separar-se apenas por períodos limitados da mae, uma vez que a separaçao prolongada leva a criança a experimentar intensa ansiedade (ansiedade de separaçao). Por isso, até os três anos de idade a criança sofre mais pela separaçao da família e de seu ambiente, impostos pela hospitalizaçao, do que pela doença propriamente dita.
Lactentes, quando sao separados de sua mae ou familiares, demonstram afliçao e reaçao de pânico. Spitz7 descreveu o quadro clínico que denominou "depressao anaclítica", na qual a criança afastada da sua mae apresenta inicialmente um período de choro e gritos incessantes, que entende como manifestaçao de protesto diante da separaçao. Caso a mae nao retorne ou nao seja substituída por outra figura de apego, a criança evolui para um quadro de apatia com recusa do contato ou indiferença aos circunstantes.
A expressao corporal da angústia do bebê é visível durante o sono ou pela sua atividade postural. Se um bebê de cinco meses, por exemplo, for separado de seus pais, ficando sozinho em um ambiente de UTI, pode apresentar uma atitude de hipervigilância, traduzida por um comportamento excessivamente voltado para o meio externo. Sao aqueles bebês que apresentam gestos desorganizados e olhar perdido como se buscassem algo de forma incessante8 .
Paulo, 4 meses, evoluindo bem de um quadro de septicemia. Durante a madrugada, iniciou quadro de agitaçao, debatendo-se no berço, cuspindo o bico, recusando a mamadeira. Nao fixava o olhar em nada, assumindo uma postura hipervigilante com visíveis sinais de sofrimento. Foram feitas reiteradas tentativas por parte da equipe no intuito de acalmar o bebê. Finalmente, optou-se por interromper o descanso da mae, que se encontrava exausta após inúmeras noites de vigília. No colo da mae, Paulo acalmou-se rapidamente e, em poucos minutos, adormeceu. A equipe da CTIP aprendeu com Paulo que o maior tranquilizante para um bebê é a presença de sua mae ou de alguém que a represente.
Marcos, 5 anos, internado na CTIP com quadro de cetoacidose diabética. Ao coletar sangue, chorava quando o êmbolo da seringa se enchia e nao no momento da picada da agulha. Referiu para a equipe que a picada praticamente nao doía, mas que chorara por temer que seu sangue nao parasse nunca mais de sair. Foi necessário que o médico explicasse ao paciente, de acordo com sua capacidade cognitiva, o funcionamento anatômico do organismo. Marcos entao se tranquilizou, compreendendo que nao perderia parte alguma de seu corpo.
Gabriela, 8 anos, apresenta insuficiência renal crônica e é capaz de descrever para os membros da equipe, com precisao, todos os passos necessários para instalaçao da diálise peritoneal à que é submetida sem, no entanto, parecer estar sofrendo com o procedimento. A equipe foi orientada a nao incentivar o relato dissociado da paciente e, por outro lado, assumir uma postura muito continente, favorecendo uma diminuiçao dos mecanismos de defesa.
Laura, 13 anos, portadora de tumor abdominal ressecado e com bom prognóstico. Fez quadro de infecçao de parede abdominal. Inicialmente, mostrava-se apática, depressiva. Com o passar do tempo, tornou-se agressiva, atirando longe os objetos e dizendo "nomes feios" para os membros da equipe. Neste caso, a defesa contra o sofrimento, vivido como um ataque ao próprio corpo evoluiu para um ataque externo, o que propiciou o manejo compreensivo dessa reaçao por parte da equipe.
Pedro, 17 anos, recentemente submetido a transplante hepático. Mostrou-se envergonhado no momento que necessitava urinar em funçao da pouca privacidade existente na CTIP. A equipe, percebendo o seu sofrimento com a invasao de sua privacidade, designou um auxiliar de enfermagem do sexo masculino para auxiliar Pedro nesses momentos.
1- Irreversibilidade: a morte deve ser compreendida como um fenômeno permanente para o qual nao há recuperaçao ou retorno. Uma falha na compreensao deste conceito impede que se inicie o processo de desligamento em relaçao ao morto, primeira etapa necessária para que o processo de luto ocorra adequadamente.
2- Ausência de funçoes vitais: a morte deve ser compreendida como um estado no qual as funçoes vitais cessam por completo. Se ocorrer uma compreensao incompleta deste conceito, a criança pode passar a se preocupar com seu ente querido falecido por achar que ele pode estar sentindo dor, frio, fome.
3- Inevitabilidade: a morte deve ser compreendida como um fenômeno natural, que atinge todos os seres humanos. Em caso de falha na compreensao deste conceito, a criança acredita que seus entes queridos sao imortais.
4- Causalidade: a morte deve ser compreendida como um fenômeno que ocorre por acaso e que nao pode ser resultante de pensamentos ou atitudes agressivas, originados em seu pensamento mágico.
Lúcia, aos 11 anos, depois de uma luta contra uma leucemia e transplante de medula óssea sem sucesso, nao fala de sua doença com ninguém, nem mesmo com os pais. Paralelamente ao agravamento de sua doença, insiste em começar a usar maquilagem e começa a colecionar relógios de pulso, expressando sua forma de lidar com o tempo que nao pode controlar, tentando antecipar uma adolescência que nao podia esperar para chegar.
- choque inicial e negaçao, caracterizada por recusa ou incapacidade de evitar a situaçao;
- sentimentos de raiva, fúria e inveja, perguntando-se, muitas vezes, "por que eu, por que comigo, por que meu filho?";
- barganha ou tentativa de adiar o inevitável;
- depressao, dando a raiva anterior lugar a um sentimento de tristeza;
- eventual aceitaçao, que envolve uma reduçao da angústia prévia e um aumento no grau de expectativa tranquila.
- que seja investigado o que a família sabe sobre a doença;
- que seja propiciada a expressao de sentimentos;
- que haja esclarecimentos acerca do diagnóstico, do risco e do fato de se tratar de uma doença grave;
- que a família seja informada sobre as etapas da evoluçao e tratamentos, transmitindo-se a ela a certeza de que está sendo feito o possível.
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