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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2012; 14(3):18-24



Artigos Originais

Dependência de tecnologia: o desenvolvimento de um website psicoeducativo

Technology addiction: the development of a psychoeducational website

Felipe Almeida Picon*; Laura Magalhaes Moreira**; Daniel Tornaim Spritzer***

Resumo

O crescente envolvimento dos jovens com as novas tecnologias da comunicaçao e da informaçao aumenta o risco de uso problemático ou mesmo dependência de tecnologia. O Grupo de Estudos sobre Adiçoes Tecnológicas (GEAT) estuda essa dependência comportamental desde 2006 e apresenta neste artigo o processo de criaçao de um website psicoeducativo sobre o assunto. O resultado desse trabalho encontra-se em www.dependenciadetecnologia.org e tem como objetivo final orientar pais, professores e outros profissionais de saúde sobre o envolvimento dos jovens com as novas tecnologias.

Descritores: Dependência (Psicologia); Tecnologia; Jogos de Vídeo; Rede Social; Bullying

Abstract

The increasing involvement of youth with new communication and information technologies increases the risk of problematic use or dependence on technology (technology addiction). The Study Group on Technology Addiction (GEAT) studies this behavioral addiction since 2006. This article presents the process of creating a psychoeducational website on the subject. The result of this work can be found at www.dependenciadetecnologia.org and aims to guide parents, teachers and other healthcare professionals about youth engagement with new technologies.

Keywords: Addiction (Psychology); Technology; Video Games; Internet; Social Networking

 

 

INTRODUÇAO

Os avanços tecnológicos, principalmente no que diz respeito a telecomunicaçoes e tecnologia da informaçao, têm sido os propulsores das principais mudanças da sociedade desde o final do século XX. Os celulares se tornaram smartphones, os computadores diminuíram de tamanho e de preço e aumentaram suas capacidades, e a internet é considerada um meio de comunicaçao indispensável. Do ponto de vista do desenvolvimento humano normal, esse novo contexto influencia o modo como aprendemos e nos relacionamos1.

A medida que o envolvimento dos jovens com a tecnologia aumenta, a preocupaçao dos pais em relaçao ao impacto que isso pode ter na vida dos seus filhos segue o mesmo caminho2. Uma das razoes pelas quais isso se intensifica decorre da pouca familiaridade dos pais com o universo tecnológico no qual os jovens estao tao inseridos. Na adolescência, quando o conflito entre as geraçoes atinge seu ápice, acaba sendo ainda maior a dificuldade dos pais de conversar sobre o tema e supervisionar o uso que seus filhos estao fazendo das redes sociais, jogos eletrônicos e do infinito conteúdo da internet3. E, quando existe um risco de uso excessivo dessas tecnologias, esse distanciamento pode se traduzir em dificuldades na colocaçao de limites e até mesmo em descuido com respeito a situaçoes de risco4.

Orientar os pacientes e seus familiares sobre os problemas que estao enfrentando é uma maneira efetiva de diminuir o sofrimento e promover uma maior autonomia e responsabilizaçao em relaçao ao tratamento5. Embora a experiência subjetiva de doença seja única para cada indivíduo, algumas características sao comuns aos portadores de transtornos específicos e podem ser informadas de modo mais generalizado para potencializar a capacitaçao das pessoas para lidarem com o problema6. A psicoeducaçao pode ser associada a diversas modalidades terapêuticas ou utilizada de modo independente7,8.

No caso do uso das novas tecnologias, o objetivo principal da psicoeducaçao é o de promover conhecimento sobre essa área de estudos ainda recente, tanto para tentar facilitar a difícil tarefa da parentalidade, quanto para auxiliar na identificaçao precoce dos sintomas e dos fatores de risco que levam à dependência de tecnologia9. No intuito de informar pais, educadores e profissionais da saúde sobre esse complexo fenômeno, o Grupo de Estudos sobre Adiçoes Tecnológicas (GEAT) trabalhou na construçao de uma página na Internet. O objetivo deste artigo é apresentar o processo de construçao e organizaçao desse website psicoeducacional.


MATERIAL E MÉTODO

O GEAT foi fundado em 2006 por psiquiatras e psicólogos e, desde entao, vem estudando a relaçao dos jovens com as novas tecnologias. Desde entao, profissionais de diferentes áreas e referenciais teóricos foram integrando o grupo, com o intuito de dar conta da complexidade desse fenômeno tao multifacetado. Em encontros quinzenais sao discutidos tópicos relevantes dentro da dependência de tecnologia, casos clínicos e notícias da mídia sobre o assunto. Ao mesmo tempo em que estudamos os problemas decorrentes do uso excessivo das novas tecnologias, preocupamo-nos em entender melhor as novidades desse universo tecnológico, principalmente o que vem sendo mais utilizado por crianças e adolescentes (redes sociais, jogos, aplicativos).

Ao longo do ano de 2012, trabalharam na construçao do site profissionais das áreas da psiquiatria, psicologia, nutriçao, tecnologia da informaçao, comunicaçao, antropologia e educaçao. O site foi estruturado em quatro grandes áreas: "Dependência de tecnologia", "A família e a tecnologia", "A educaçao e a tecnologia" e "A saúde e a tecnologia". Foram realizadas revisoes nao sistemáticas sobre esses tópicos nos bancos PubMed, Scielo, Lilacs e Google Scholar, além de em diversos sites e blogs sobre tecnologia. Foi utilizada uma linguagem coloquial nos textos, visando atingir mais facilmente o público leigo.


RESULTADOS

O resultado do presente trabalho pode ser acessado na internet pelo endereço www.dependenciadetecnologia.org. O site foi estruturado em tópicos, como descrito na Tabela 01, com quatro grandes áreas, subitens dentro delas e áreas de apoio, como as seguintes seçoes: "Quem somos", "Tire suas dúvidas", "Contato" e "Newsletter". Uma imagem da capa do site pode ser vista na Figura 01. O site possui um total de 45 páginas de conteúdo em texto que sao o resultado da revisao bibliográfica realizada.




Figura 01. Imagem da capa do site



Na área "Dependência de tecnologia" trata-se a definiçao, classificaçao, possíveis causas, sintomas e tratamento. Na segunda grande área, "A família e a tecnologia", há conteúdo sobre as especificidades do uso das tecnologias dentro do contexto familiar, exemplos dos jogos e redes sociais mais utilizados atualmente, uma discussao sobre a idade adequada para o uso das tecnologias e sobre quando dar um celular para crianças, cyber-bullying, orientaçoes gerais aos pais e perguntas para a reflexao sobre o tema. Na terceira área, "A educaçao e a tecnologia", há discussoes sobre as repercussoes da tecnologia e o espaço virtual no ambiente escolar, sobre os desafios do educador nos dias de hoje, além de exemplos de combinaçoes que podem ser feitas na sala de aula e ideias sobre o uso do celular no ambiente escolar. Na quarta parte do site, "A saúde e a tecnologia", revisamos as repercussoes que o excesso do uso de tecnologia pode ter nas pessoas do ponto de vista da saúde física e emocional. Destacamos alguns transtornos psiquiátricos que podem ocorrer primária ou secundariamente ao uso excessivo das tecnologias (Tabela 01).


DISCUSSAO

Até onde sabemos, este é o primeiro site psicoeducacional em português sobre o uso/abuso/dependência de tecnologia voltado para pais, educadores e profissionais da saúde, cujo conteúdo vai além da questao da segurança on-line. Partindo de uma perspectiva desenvolvimental e biopsicossocial, que vê o jovem inserido num contexto familiar, educacional e de saúde, tentamos dar conta da complexidade do fenômeno pela complementariedade de diversos vértices teóricos. Essa visao multidisciplinar viabiliza o uso da psicoeducaçao em prol do aumento da capacidade de reflexao e comunicaçao entre os adultos e os jovens.

Considerando as características de renovaçao da própria tecnologia e também da ciência, a atualizaçao sobre esse tema é um dos pilares para a manutençao de uma boa comunicaçao entre geraçoes. Um website permite atualizaçao contínua de seu conteúdo, tornando-se, assim, uma ferramenta bastante útil e adequada para essa psicoeducaçao10. Dentro dessa perspectiva, sabemos que há algumas áreas ainda nao abordadas em nosso website e que merecem ser contempladas. A questao da exposiçao a conteúdo sexual em seus vários desdobramentos e o uso de smartphones serao os próximos temas a serem incluídos11.

A democratizaçao das informaçoes proporcionadas pela internet faz com que um número muito maior de pessoas tenha acesso ao conteúdo deste site, alcançando-se assim o motivo fundamental da sua existência. Desde que seja mantida a credibilidade científica, pela pesquisa e o estudo contínuo, a psicoeducaçao pela internet pode promover a prevençao numa escala maior do que aquela alcançada pelo trabalho nos nossos consultórios12.


REFERENCIAS

1. Webster F. Theories of the Information Society. 3rd ed. Psychology Press; 2006.

2. Cash H, Rae CD, Steel AH, Winkler A. Internet Addiction: A Brief Summary of Research and Practice. Curr Psychiatry Rev. 2012 Nov;8(4):292-8.

3. Van Doorn MD, Branje SJT, Meeus WHJ. Developmental changes in conflict resolution styles in parent-adolescent relationships: a four-wave longitudinal study. J Youth Adolescence. 2011 Jan;40(1):97-107.

4. Greydanus DE, Greydanus MM. Internet use, misuse, and addiction in adolescents: current issues and challenges. International Journal of Adolescent Medicine and Health. 2012 Jan;24(4):283-89.

5. Bäuml J, Froböse T, Kraemer S, Rentrop M, Pitschel-Walz G. Psychoeducation: a basic psychotherapeutic intervention for patients with schizophrenia and their families. Schizophr Bull. 2006 Oct;32 Suppl 1:S1-9.

6. Montoya A, Colom F, Ferrin M. Is psychoeducation for parents and teachers of children and adolescents with ADHD efficacious? A systematic literature review. European psychiatry : the journal of the Association of European Psychiatrists. 2011 Apr;26(3):166-75.

7. Lucksted A, McFarlane W, Downing D. Recent Developments in Family Psychoeducation as an Evidence Based Practice. Journalof Marital and FamilyTherapy. 2012;38(1):101-21.

8. Pekkala E, Merinder L. Psychoeducation for schizophrenia. Cochrane Database Syst Rev. 2002;2 CD002831.

9. Alavi SS, Ferdosi M, Jannatifard F, Eslami M, Alaghemandan H, Setare M. Behavioral Addiction versus Substance Addiction: Correspondence of Psychiatric and Psychological Views. Int J Prev Med. 2012 Apr;3(4):290-4.

10. Fortney JC, Burgess JF, Bosworth HB, Booth BM, Kaboli PJ. A re-conceptualization of access for 21st century healthcare. J Gen Intern Med. 2011 Nov;26 Suppl 2:639-47.

11. Hilton DL Jr, Watts C. Pornography addiction: A neuroscience perspective. Surgicalneurologyinternational. 2011 Feb;2:19.

12. Webb TL, Joseph J, Yardley L, Michie S. Using the internet to promote health behavior change: a systematic review and meta-analysis of the impact of theoretical basis, use of behavior change techniques, and mode of delivery on efficacy. J. Med. Internet Res. 2010;12(1):e4.










* Mestre em Psiquiatria (UFRGS), Doutorando em Psiquiatria (UFRGS), Vice-Coordenador do Grupo de Estudos sobre Adiçoes Tecnológicas (GEAT) - (Psiquiatra da Infância e da Adolescência) - Porto Alegre - RS - Brasil.
** Médica Psiquiatra (HCPA-UFRGS), Membro do Grupo de Estudos sobre Adiçoes Tecnológicas (GEAT) - (Residente em Psiquiatria da Infância e da Adolescência (HCPA-UFRGS)).
*** Mestre em Psiquiatria (UFRGS), Coordenador do Grupo de Estudos sobre Adiçoes Tecnológicas (GEAT) - (Psiquiatra da Infância e da Adolescência).

Instituiçao: Grupo de Estudos sobre Adiçoes Tecnológicas (GEAT).

Correspondência
Felipe Picon
Rua 24 de Outubro, 850 sala 207 - Bairro Moinhos de Vento
Porto Alegre - RS - Brasil CEP 90510-000

 

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