Rev. bras. psicoter. 2024; 26(2):115-131
Carvalho GB, Santeiro TV, Ferreira CB, Fernandes MJM. Intervenções grupais com familiares cuidadores enlutados e câncer: revisão integrativa da literatura. Rev. bras. psicoter. 2024;26(2):115-131
Artigos de Revisao
Intervenções grupais com familiares cuidadores enlutados e câncer: revisão integrativa da literatura
Group interventions with family caregivers in cancer grieving situations: integrative literature review
Gabriela Borges Carvalhoa; Tales Vilela Santeirob; Cintia Bragheto Ferreirac; Maira Julyê Mota Fernandesa
Resumo
Abstract
Resumen
Introdução
Tomando a descoberta de uma doença grave como um evento estressante na vida das pessoas1 e considerando o câncer como uma das formas de adoecimento que se associa com os processos de perda e luto, neste estudo enfoca-se alternativas grupais de cuidado à saúde de familiares cuidadores que vivem situações de perdas e luto por adoecimento oncológico, relatadas em produções científicas. As experiências profissionais dos autores mostram que o diagnóstico do câncer resulta em grande impacto físico e psicológico que afeta tanto o paciente quanto o seu núcleo familiar, o que também encontra respaldo na literatura científica2-3.
O familiar da pessoa acometida por câncer comumente se encontra fragilizado pelo impacto do diagnóstico e as incertezas enfrentadas, preocupando-se com a dimensão dessa doença para o paciente e outros familiares4. Nesse sentido, desde o momento do diagnóstico oncológico, a sensação de pesar e o luto antecipatório podem se fazer presentes e marcar as vivências de todos os envolvidos5.
Por muito tempo, o luto foi visto como uma doença mental devido aos sintomas físicos e psicológicos decorrentes6. Porém, ele tem sido compreendido como uma resposta natural a um evento estressante ou traumático que quaisquer pessoas podem vivenciar em algum momento da vida7. Haja vista a morte e o luto ainda serem tratados como tabus na sociedade ocidental, há que se ter cuidados por parte de profissionais de saúde e pesquisadores em considerá-los como inerentes ao viver, evitando acarretar e incrementar estigmas sociais e estereótipos associados.
A morte e o luto se vinculam a vivências relacionadas às perdas. Estas podem ser concretas, por exemplo, quando resultam na morte e na perda de bens materiais e/ou simbólicas, advindas da descoberta de uma doença grave, de mudanças na vida de uma pessoa, como divórcio, separação e emprego. Nessa acepção, perdas e mudanças se presenciam nas vidas de todas as pessoas e requerem adaptações correspondentes, podendo desencadear resistências e sofrimentos7.
A maneira como as pessoas enfrentam as perdas e as mudanças determinará, por sua vez, suas visões de mundo e suas visões acerca de si mesmas7. E os modos como elas lidam com as complexidades dessas vivências requerem que o luto seja compreendido como fenômeno multideterminado por fatores subjetivos, emocionais, comportamentais, sociais, históricos, culturais e espirituais8.
Quando o adoecimento por câncer está em pauta, as modificações na rotina, advindas do tratamento, da hospitalização e dos cuidados domiciliares impactam, igualmente, nas mais diversas esferas da vida das famílias. Por essa via, incrementam inseguranças, medos, sintomas depressivos, experiências de perda do controle, de impotência e mal-estar emocional4-9-10-11-12. Cada membro da família vivenciará, de formas diferentes, este período de adaptação5. Além disso, é importante que familiares possam compartilhar seus sentimentos e preocupações para juntos, enfrentarem os momentos de deflagração de crises. Dessa forma, trabalhadores e pesquisadores da área da saúde são convocados a conceber e planejar intervenções que possam servir de suporte a essas famílias.
Como neste texto enfoca-se a perspectiva do cuidador familiar de uma pessoa com câncer, faz-se necessário elucidar que ele é um membro da família que auxilia o enfermo a realizar atividades diárias, além de costumeiramente acompanhá-lo em consultas e internações. Nota-se, ainda, que nas famílias em apreço tende a haver um membro que exerce a função de cuidador principal e outros, que o fazem de forma secundária13-14.
Ao longo dos anos, constata-se estudos que versam sobre o processo grupal e a atenção à saúde quando há o adoecimento por câncer, de diferentes perspectivas15-16-17-18-19, e para pacientes com dor crônica20. Alguns contemplam debates sobre o cuidador familiar frente ao adoecimento crônico e ao processo de terminalidade2-10-21-22 e outros têm foco no luto após a morte23-24-25. Contudo, aqueles que abordam os processos de lutos antecipatórios, advindos desde o momento do diagnóstico, a despeito de uma morte anunciada ou não, são incipientes.
Neste trabalho procura-se contribuir para a ampliação desse cenário. As seguintes perguntas nortearam o percurso teórico-metodológico do estudo: como têm sido realizadas as intervenções grupais com familiares enlutados em decorrência do adoecimento, tratamento e/ou morte por câncer de um ente querido? Qual(is) o(s) benefício(s) as intervenções grupais podem ter na promoção de saúde e no auxílio da elaboração do luto? Deste modo, este estudo teve como objetivo identificar e analisar pesquisas dos últimos 14 anos (2010-2024) sobre intervenções grupais realizadas com familiares cuidadores em situação de luto, relacionado ao adoecimento, tratamento ou morte por câncer, destacando suas implicações na saúde física e emocional dos cuidadores, bem como os benefícios dessas intervenções na promoção de saúde e na elaboração do luto.
Método
Este estudo segue as orientações do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA), sendo que no decorrer de sua construção foi utilizado o PRISMA checklist26 para assegurar a integralidade das informações constadas nos artigos. Revisões de literatura, por meio da análise, síntese e apontamento de lacunas de outras pesquisas, podem subsidiar a prática clínica baseada em evidências e a realização de novos estudos27-28.
Nesta revisão, o Portal Periódicos CAPES foi utilizado como fonte de informações. Criado pelo Ministério da Educação, ele indexa 294 bases de dados de diferentes áreas e disponibiliza mais de 49.000 revistas, nacionais e internacionais. Para definir os descritores de busca que atendessem às indagações e aos objetivos estipulados, os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) foram consultados e supervisionados por uma profissional bibliotecária quanto à sua pertinência. A partir dessa consulta, a seguinte estratégia de busca foi lançada no campo "assunto": (caregivers OR cuidadores) AND (psychotherapy, group) AND (neoplasms OR cancer) AND (grief OR luto). A pesquisa dos artigos foi realizada entre os meses de fevereiro a abril de 2024.
Os seguintes critérios de inclusão foram estabelecidos: artigos publicados em periódicos científicos, publicados no período de 2010 a 2024, disponíveis na íntegra nos idiomas português, inglês e espanhol. Artigos empíricos e estudos de caso foram considerados, caso a intervenção tivesse sido apresentada de forma estruturada, contemplando abordagens quantitativas ou qualitativas, desde que incluíssem a avaliação das intervenções. Os estudos necessitavam descrever algum tipo de intervenção (grupal e/ou individual) voltada para cuidadores de pessoas com câncer em situação de luto (antecipatório ou pós-perda), estando presente cuidadores formais ou informais de pacientes diagnosticados com câncer, independente do gênero, com enfoque temático que abordasse o impacto do luto nos cuidadores, com a utilização de intervenções grupais, como estratégia de apoio, psicoeducação ou tratamento. Produções como artigos de revisão, entrevistas ou resenhas foram excluídas, ainda que publicadas em periódicos.
Para a seleção dos estudos, seguimos um processo estruturado em seis etapas: (1) busca inicial na base de dados utilizando descritores DeCS; (2) pré-seleção de artigos com base em títulos e resumos; (3) eliminação de estudos duplicados; (4) aplicação rigorosa dos critérios de elegibilidade definidos; (5) seleção final dos artigos elegíveis para a revisão; e (6) análise completa dos artigos selecionados. O processo de seleção foi realizado em conformidade com as diretrizes PRISMA, garantindo transparência na inclusão e exclusão dos estudos, conforme ilustrado no fluxograma PRISMA (Figura 1).
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