Rev. bras. psicoter. 2018; 20(2):129-142
Branco RFGyR. Sonho como quebra-cabeça pictográfico. Rev. bras. psicoter. 2018;20(2):129-142
Relato de Caso
Sonho como quebra-cabeça pictográfico
Dream like a pictographic puzzle
Rita Francis Gonzalez y Rodrigues Branco
Resumo
Abstract
INTRODUÇAO
Em seu livro A Interpretaçao dos Sonhos1 Freud faz um longo percurso a partir das diversas visoes históricas, filosóficas e literárias a respeito do ato de sonhar e do seu possível significado. O autor parte deste ponto inicial nao só para descrever as diversas posiçoes sobre a interpretaçao dos sonhos ao longo da história da humanidade, mas sobretudo, para negar a superficialidade destas interpretaçoes diversas e, começar a tecitura de sua teoría psicanalítica.
Segundo Cromberg2 é em um "esplêndido isolamento" que Freud desenvolve sua escritura alicerçada em sua auto-análise e publica seu trabalho abrindo as portas para a compreensao do ato de sonhar como possibilidade de realizaçao de desejos inconscientes, apresentando o ser humano como o ser desejante que de fato o é.
Como em um palco que aos poucos vai se iluminando para, posteriormente, acolher os atores no desenvolvimento da cena teatral, a teoría psicanalítica vai sendo construida passo a passo por Freud ao se debruçar sobre a funçao mental humana do sonhar. De início, abre-se a cortina do entendimento da vida mental quando Freud reconhece a relaçao entre o mundo real (vigilia) e o mundo dos sonhos. Assim que, em suas palavras:
Podemos mesmo dizer que o que quer que os sonhos ofereçam, seu material é retirado da realidade e da vida intelectual que gira em torno desta realidade. (...) Quaisquer que sejam os estranhos resultados que obtenham, eles nunca podem de fato libertar-se do mundo real (...). (Freud, 2001 p. 30)
Uma das fontes de onde os sonhos retiram material para reproduçao - material que, em parte, nao é nem recordado nem utilizado nas atividades do pensamento de vigília - é a experiência da infância. (...) A posiçao é ainda mais notável quando observamos como os sonhos por vezes trazem à luz, por assim dizer, das mais profundas pilhas de destroços sob as quais as primeiras experiências da meninice sao soterradas em épocas posteriores, imagens de localidades, coisas ou pessoas específicas, inteiramente intactas e com todo o seu viço original. (Freud, 2001 p. 35)
É interessante que Freud inicia a carta à Fliess relatando seu sonho com a empregada desaparecida. Esse relato remete-nos à Interpretaçao dos Sonhos, na passagem sobre "Representaçao por Símbolos nos Sonhos - Outros Sonhos Típicos" (Seçao E do Capítulo VI), onde aparece uma extensa nota de rodapé, com vários acréscimos em 1911, 1914 e 1925, a qual contém um comentário sobre a questao dos sonhos edípicos disfarçados. Nao seria o sonho com a babá um modelo de deslocamento, para disfarçar o desejo pela mae? (...) A discussao sobre o Édipo reaparece na Interpretaçao dos Sonhos na seçao intitulada "Sonhos sobre a Morte de Pessoas Queridas" (Seçao D do Capítulo V), em que podemos acompanhar uma linha de equiparaçao entre sonhos, desejos inconscientes, desejos infantis e o Édipo. (Moreira, 2004 p. 220)
Anna Freud sustenta que a interpretaçao dos sonhos em crianças mantém-se intacta, comparada à dos adultos. Considera que a transparência ou nao do sonho estará de acordo com a resistência. Os sonhos das crianças podem ser interpretados com maior facilidade, devido ao fato de suas resistências serem menores, mas isto nao significa que sempre sejam simples. (Gómez-Roch, 2001 p. 164)
A frequência dos sonhos de angústia nas doenças do coraçao é geralmente reconhecida. (...) Assim os sonhos dos que sofrem de doenças cardíacas costumam ser curtos e têm um fim assustador que implica em uma morte horrível. (Freud, 2001 p. 53)
Para a teoria psicanalítica, o momento crucial da constituiçao do sujeito situa-se no campo da cena edípica. Dessa forma, o Édipo nao é somente o "complexo nuclear" das neuroses, mas também o ponto decisivo da sexualidade humana, ou melhor, do processo de produçao da sexuaçao. Será a partir do Édipo que o sujeito irá estruturar e organizar o seu vir-a-ser, sobretudo em torno da diferenciaçao entre os sexos e de seu posicionamento frente à angústia de castraçao. (Moreira, 2004 p. 219)
O conteúdo do sonho, por outro lado, é expresso, por assim dizer, numa escrita pictográfica cujos caracteres têm de ser individualmente transpostos para a linguagem dos pensamentos dos sonhos. Se tentássemos ler estes caracteres segundo seu valor pictórico, e nao de acordo com sua relaçao simbólica, seríamos claramente induzidos ao erro. (...) O sonho é um quebra-cabeça pictográfico. (Freud, 2001 p. 276-277)
Vejo o acesso da criança ao cinema, especialmente ao desenho animado, como um meio auxiliar na tentativa de digerir um pouco do que ainda até entao, nao encontrou espaço mental para ser expresso e compreendido. (...) O cinema tem trazido mais e mais, especialmente para a criança muito pequena, a possibilidade de se identificar com um personagem e através dele conscientizar-se de algumas situaçoes. Elas vêem no personagem um recipiente em que colocam suas emoçoes, muitas vezes, violentas e desconhecidas. Esse é um recurso através do qual elas cuidam de sua mente e aprendem a respeitá-la. (Fagundes, 2002 p. 2)
A fábula é um gênero comum a todas as literaturas e a todos os tempos, porque pertence ao folclore primitivo. É um produto espontâneo da imaginaçao, já que consiste numa narraçao fictícia breve, escrita em estilo simples e fácil, destinada a divertir e a instruir, realçando, sob açao alegórica, uma ideia abstrata, permitindo, desta forma, apresentar de maneira aceitável, muitas vezes mesmo agradável, uma verdade moral, o que de outro modo seria árido e difícil. (Teixeira Mesquita, 2010 p. 1)
Em praticamente todo conto de fadas o bem e o mal recebem corpo na forma de algumas figuras e de suas açoes, já que bem e mal sao onipresentes na vida e as propensoes para ambos estao presentes em todo homem. Os conflitos internos profundos originados em nossos impulsos primitivos e emoçoes violentas sao todos negados em grande parte da literatura infantil moderna, e assim a criança nao é ajudada a lidar com eles. Mas a criança está sujeita a sentimentos desesperados de solidao e isolamento, e com frequência experimenta uma ansiedade mortal. Na maioria das vezes, ela é incapaz de expressar estes sentimentos em palavras, ou só pode fazê-lo indiretamente: medo do escuro, de algum animal, ansiedade acerca de seu corpo. O conto de fadas, toma estas ansiedades existenciais e dilemas com muita seriedade e dirige-se diretamente a eles. (Bettelheim, 2002 p. 5-7)
Um adolescente deve abandonar a segurança da infância, o que é representado por perder-se na floresta perigosa; aprender a enfrentar suas tendências violentas e angústias, simbolizadas por encontros com animais ferozes ou dragoes; começar a se conhecer, o que está implícito no encontrar personagens e experiências estranhas. (Bettelheim, 1997 p. 87)
(...) Daí o caçador nos contos nao seja uma personagem que mata criaturas amistosas, mas sim, uma que domina, controla, e subjuga animais selvagens e ferozes. Num nível mais profundo, ele representa a subjugaçao das tendências animais, anti-sociais, violentas do homem. Uma vez que busca, alcança e derrota o que é visto como aspectos inferiores do homem, o caçador é uma personagem eminentemente protetora que nao só pode nos salvar como efetivamente nos salva dos perigos tanto de nossas próprias emoçoes violentas quanto das dos outros. (Bettelheim, 1997 p. 65)
Willderness nao tem uma traduçao exata em português. Significa sertao, selva, lugar primitivo, mas sem a precisao da palavra inglesa. Na sua forma mais antiga willderness estava relacionada com florestas, lugares habitados por bestas selvagens ou homens selvagens: wildman. Ao mesmo tempo significava que o homem era tomado de estranhamento sentindo-se desorientado nestas florestas. (Prado apud Branco, 2009 p. 71)
No trabalho do sonho, está em açao uma força psíquica que por um lado, despoja os elementos com alto valor psíquico de sua intensidade, e por outro, por meio da sobredeterminaçao, cria, a partir de elementos de baixo valor psíquico, novos valores, que depois penetram no conteúdo do sonho. Se este for o caso, ocorrem uma transferência e um deslocamento de intensidades psíquicas no processo de formaçao do sonho. (Freud, 2001 p. 305)
O analista que de fato valoriza o sonho na clínica com crianças pode fazer intervençoes para que esse trabalho seja efetivo. (...) Quando a criança percebe que o analista valoriza os sonhos, ela os reporta com mais frequência e pode, entao, através do jogo, do desenho ou de estórias, fazer associaçoes sobre o material onírico. (Provedel & Priszkulnik, 2008 P. 247)
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