Rev. bras. psicoter. 2018; 20(3):197-215
Santeiro TV, Rocha GMA, Honda GC, Enéas MLE, Peixoto EM. Produçao científica de Elisa Yoshida: contribuiçoes para o campo das psicoterapias (1990/2013). Rev. bras. psicoter. 2018;20(3):197-215
Artigo Especial
Produçao científica de Elisa Yoshida: contribuiçoes para o campo das psicoterapias (1990/2013)
Elisa Yoshida's Scientific Production: contributions to the psychotherapy field from 1990 to 2013
Producción científica de Elisa Yoshida: contribuciones al campo de las psicoterapias (1990/2013)
Tales Vilela Santeiroa; Glaucia Mitsuko Ataka da Rochab; Giovanna Corte Hondac; Maria Leonor Espinosa Enéasd; Evandro de Morais Peixotoe
Resumo
Abstract
Resumen
INTRODUÇAO
A análise de produçao científica é um método de pesquisa tradicionalmente praticado no Brasil e no exterior. Embora tenha raízes incertas, os anos 1960 têm sido considerados como marco histórico quando surgiram as primeiras produçoes acadêmicas com esse enfoque metodológico1. E, desde entao, exercícios dessa natureza têm ganhado corpo e visibilidade em diversas áreas do conhecimento, o que inclui a Psicologia e a psicoterapia2,3,4,5,6,7,8, ainda que o seu poder de alcance na conduçao e estudos de processos psicoterapêuticos seja de algum modo desconhecido e/ou subestimado9.
As bases de dados eletrônicas sao recursos que têm sido utilizados como meios pelos quais se escoa e se amplia a divulgaçao da produçao científica de todas as áreas do saber, ao redor do mundo. A despeito de elas serem recursos desenvolvidos há décadas, a ampliaçao do acesso à internet, ocorrida a partir dos anos 2000, acentuou os seus papéis e suas funcionalidades, para a populaçao em geral e, igualmente, para os cientistas.
A democratizaçao das informaçoes oriundas de descobertas científicas passou a desfrutar de potência, ancorada no movimento das bases de dados de acesso aberto, na medida em que elas, como o próprio nome sugere, nao geram custos para o consumidor de Ciência. Nesse cenário, o Brasil ocupa posiçao de destaque, por causa de iniciativas como a criaçao da base de dados SciELO/ScientificElectronic Library Online, surgida em 199810,11.
Assim como ocorrido com a SciELO, iniciativa governamental foi desenvolvida para pesquisadores sediados em instituiçoes brasileiras disponibilizarem informaçoes curriculares por meio da internet. Fundamentada numa série de experiências iniciadas em meados dos anos 1980 e consolidadas na década seguinte, a iniciativa da Plataforma Lattes foi desenvolvida pelo CNPq/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Plataforma Lattes, "sobre a Plataforma" e "Histórico", http://lattes.cnpq.br/). A Plataforma Lattes passou, assim, a ser considerada como uma fonte documental, por meio da qual pesquisas podem ser realizadas, portanto, acerca de pesquisadores, Grupos e instituiçoes12,13.
A escolha por Elisa Yoshida deve-se ao fato de que, durante toda sua carreira como professora e pesquisadora em Psicologia, ela se manteve atenta às necessidades tanto de acesso da populaçao a serviços de Psicologia Clínica de qualidade, quanto de formaçao adequada de psicólogos iniciantes para esse tipo de atendimento. Sua atuaçao mostra-se coerente com o princípio de que a prática e o ensino sao decorrentes de pesquisas que os embasem empiricamente. Seu interesse precoce pela psicoterapia breve (PB), que ensinou desde o começo da década de 1980, aponta para essa direçao, de uma técnica que proporcione alívio para o sofrimento emocional de grande parte da populaçao - objetivo de inspiraçao preventiva, conforme a influência de seu orientador o Prof. Dr. Ryad Simon - e que também é mais facilmente pesquisada e, uma vez operacionalizada, também mais propriamente ensinada.
Embora a PB já contasse com propostas e estudos no âmbito internacional, especialmente Europa e Estados Unidos da América, no Brasil teve sua prática ligada ao contexto médico. Começando pelas atividades pioneiras de Mathilde Neder no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo, desde a década de 5014 e depois praticada e ensinada por médicos psiquiatras nas décadas de 70 e 80 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como Cláudio Eizirik, Sidnei Schestatsky, Aristides Cordioli, Jacó Zaslavsky, que contam com publicaçoes, sejam sobre psicoterapia de forma geral, sejam sobre PB. No Rio de Janeiro, a médica/psicóloga Vera Lemgruber tem as primeiras publicaçoes sobre PB na década de 8015.
Comparativamente às condiçoes europeias e norte-americanas, a pesquisa mais sistemática sobre PB em nosso meio tardou a consolidar-se e ainda é escassa, especialmente em funçao de pouco incentivo financeiro e mesmo de os práticos estarem pouco afeitos à pesquisa. Nesse campo, a contribuiçao de Elisa Yoshida é destacada, na medida em que sua prática e seu ensino sao embasados em pesquisas que auxiliam a aplicaçao de técnicas breves no contexto da nossa realidade. Assim, ela pode ser considerada uma das pioneiras no campo das pesquisas em psicoterapia no Brasil.
Desde o começo de sua carreira como pesquisadora (1977), sob orientaçao de Simon, seus temas de interesse se voltaram para validaçao de instrumentos de avaliaçao psicológica e para condiçoes de aplicaçao da PB à realidade brasileira - incluindo sua dissertaçao de mestrado (1984) e tese de doutorado (1989). A criaçao do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Psicoterapia Breve (NEPPB) em 1987 seguiu essa mesma marca e, nessa conjuntura, as pesquisas ligadas às condiçoes de atendimento à populaçao brasileira se destacaram. Além disso, sua produçao científica sempre esteve atrelada aos mais recentes e relevantes aspectos apontados pela literatura internacional. Sua publicaçao começou no ano de 1990, com o livro resultante de sua tese, discutindo critérios de indicaçao para psicoterapia breve.
No cenário internacional, é possível acompanhar o desenvolvimento das pesquisas por meio de seçoes especiais publicadas nos periódicos da American Psychological Association (APA). O Journal of Consulting and Clinical Psychology (JCCP) é um desses, considerado de ponta no campo das pesquisas em psicoterapias, principalmente por publicar aquelas que usam métodos rigorosos, aplicados a pacientes em ambientes clínicos reais e nao ter nenhuma afiliaçao a alguma orientaçao teórica específica5. As seçoes especiais ali publicadas representam os tópicos mais relevantes num dado momento, resumindo os pontos principais de cada um.
Na época da primeira publicaçao da autora em tela (1990), uma seçao especial do JCCP discutiu "avanços em pesquisa de processo"16. A seçao publicada em 1990 foi a terceira sobre psicoterapia, as quais foram iniciadas em 1981, esta sendo seguida de outra sobre a "busca de novos métodos de pesquisa clínica"17. Esta sugeria o uso de medidas indiretas de constructos psicológicos na pesquisa, como alternativa para buscar respostas mais específicas sobre um tipo peculiar de tratamento, que pudesse ser oferecido a um tipo particular de paciente, sob condiçoes bem definidas para aumentar a sua efetividade18. Outro ponto destacado naquele momento diz respeito à busca da significância clínica e de avanços metodológicos que a facilitam19.
Essas discussoes marcaram a produçao científica internacional, e também a de Elisa Yoshida em anos posteriores. Sua produçao buscou aproximaçoes com a prática, especialmente com o uso de instrumentos que operacionalizam conceitos teóricos, novamente em consonância com sua posiçao de favorecer o ensino e a aplicaçao das PB.
Com o desenvolvimento da metodologia de pesquisa de caso único, uma seçao especial do JCCP de 1993 traz uma definiçao cuidadosa do delineamento de caso único, com uma categorizaçao básica para sua aplicaçao de forma a responder mais adequadamente às questoes sobre o processo de mudança20. De fato, pode-se verificar na produçao de Yoshida a conduçao de pesquisas que também usaram desse delineamento, ressaltando a sintonia de seus estudos com avanços metodológicos observados no contexto de pesquisas internacionais21, 22, 23.
Considerando esse preâmbulo e também que a área de pesquisa em psicoterapia no Brasil e seus expoentes carecem de maior visibilidade, este estudo objetiva analisar a produçao científica da pesquisadora brasileira Elisa Medici Pizao Yoshida. De modo específico, estarao sob atençao contribuiçoes prestadas por ela para o desenvolvimento do campo das pesquisas em psicoterapias no Brasil e na América Latina, no segmento "artigos publicados em periódicos". A rede de colaboraçao estabelecida pela Pesquisadora e a internacionalizaçao em sua carreira também serao consideradas no âmbito geral do texto.
MÉTODO
Tipo de Estudo: revisao narrativa, que se constitui de análise da literatura científica na interpretaçao e análise crítica de autores24.
Material: Currículo Lattes da pesquisadora Elisa Medici Pizao Yoshida, tal como informado e tornado público pela própria pesquisadora na atualizaçao feita em 20 dezembro de 2017, associado a publicaçoes acadêmicas disponíveis on-line e/ou fisicamente.
Procedimentos: o Currículo Lattes estudado foi utilizado como ponto de partida para efetivar a busca de informaçoes acerca da produçao acadêmica da pesquisadora. Esse documento é de acesso público e gratuito e é disponibilizado pela Plataforma Lattes. Nele os pesquisadores declaram elementos de sua atuaçao profissional, incluindo atividades administrativas, de ensino, pesquisa e extensao.
Assim que informaçoes sobre a produçao da pesquisadora foram identificadas a partir do Lattes, buscas de dados complementares foram feitas em outras bases de dados e em acervo físico, para viabilizar as análises e a discussao (por exemplo, SciELO). O Lattes foi priorizado porque elenca informaçoes autodeclaradas pelo pesquisador. Além do mais, assim como vem sendo praticado em estudos semelhantes ao proposto, as informaçoes nele declaradas sao tidas como verídicas25.
RESULTADOS E DISCUSSAO
Elisa Yoshida graduou-se em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de Sao Paulo (1971-1975). Nessa Instituiçao desenvolveu projetos de mestrado (1977-1984) e doutorado (1985-1989), sob orientaçao de Ryad Simon, filósofo e psicanalista paulista, professor titular da Universidade de Sao Paulo, falecido em dezembro de 2017. A internacionalizaçao de sua carreira teve como marco inicial seus estudos de pós-doutorado, desenvolvidos na Université de Montreal, no Canadá francês (1995-1996).
Ao graduar-se em Psicologia, Yoshida desenvolveu atividades laborais em diversas instituiçoes, havendo destaque para sua atuaçao como professora, funçao iniciada desde 1979 em faculdades privadas e finalizada em 2013, quando se aposentou. Quando da aposentaria ela se vinculava à Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP), instituiçao de caráter administrativo confessional, na qual permaneceu por 23 anos (1990-2013) como Professora Titular, em regime de trabalho de dedicaçao exclusiva entre 2001 e 2013.
O trabalho de Elisa Yoshida foi desenvolvido a partir de duas linhas de pesquisa que balizariam sua produçao acadêmica: (1) Instrumentos e processos em avaliaçao psicológica e (2) Prevençao e intervençao psicológica. A primeira linha, tangencial ao que se pretende tratar neste momento, teve por foco aspectos teóricos e práticas que visavam à construçao, adaptaçao e uso de estratégias de avaliaçao psicológica.
A segunda linha de pesquisa era a diretamente relacionada aos objetivos deste trabalho. Ela visava o estudo sistemático de processos psicoterápicos psicodinamicamente orientados. Essa frente de estudos foi desenvolvida na PUCCAMP e também no NEPPB, que foi fundado em 1987 por Elisa Medici Pizao Yoshida, Teresa Iochico Hatae Mito e Maria Terezinha Yukimitsu e teve suas atividades encerradas em 200026,27.
Na segunda linha de investigaçoes destaca-se o projeto "Psicoterapia breve: critérios de indicaçao, processo de mudança e follow-up", pelo impacto que ele teve em termos de geraçao de produtos acadêmicos (produçoes escritas e orientaçoes), resultantes de estudos sobre psicoterapias. Além disso, ele foi desenvolvido em maior extensao temporal, perfazendo os últimos 11 anos da carreira da Professora (2003-2013), período no qual contou com 48 colaboradores. A figura 1 detalha os projetos com objetivos voltados às psicoterapias, o período de tempo investido para desenvolvê-los e o número de colaboradores envolvidos nas equipes de pesquisa.
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